Faz hoje 60 dias desde que foi decretada a prisão preventiva do jornalista Amade Abubacar, acusado de violação do segredo de Estado e instigação pública com recurso a meios informáticos.
De acordo com Augusto Messariamba, defensor de Abubacar nomeado pelo MISA Moçambique, o processo judicial do desditoso jornalista está agora em fase de instrução preparatória. Abubacar deverá cumprir ainda mais 30 dias de prisão preventiva, antes da sua aparição perante o juiz da causa. A medida deve-se ao facto de a prisão preventiva ser de 90 dias contados a partir da data em que a prisão tiver sido legalizada. Antes de se legalizar a sua prisão, Amade Abubacar esteve encarcerado durante treze dias num quartel militar em Cabo Delgado.
Segundo o jurista moçambicano Rodrigo Rocha, a audição do acusado deve ocorrer findo o prazo de prisão preventiva. Rocha adiantou que o prazo de prisão preventiva é de 90 dias, tempo que começa a contar a partir do dia da legalização, e caso esse prazo não seja cumprido o advogado de defesa pode pedir um ‘habeas corpus’ para o seu constituinte. Caso tal pedido não seja atendido, a prisão passa a ser considera ilegal.
O advogado de defesa de Abubacar diz não possuir até ao momento qualquer informação nova sobre o seu cliente. Quanto ao estado de saúde do jornalista, Augusto Messariamba também garantiu nada saber. “A última vez que o visitei e falei com ele foi no princípio deste mês de Março. Devo dizer que aparentemente estava bem de saúde, e não apresentou qualquer queixa sobre isso”, afirmou Messariamba, em conversa com a “Carta”.
Quando questionado sobre a sua alegada recusa em visitar Amade Abubacar, conforme alegaram alguns dos seus familiares próximos, Augusto Messariamba disse não estar a par dessa informação. “Eu visito-o sempre que tenho interesse em falar com ele”, garantiu.
Sobre o processo judicial em geral do seu constituinte, Messariamba reiterou aquilo que já tinha dito antes: “Não há avanços”. E prosseguiu: “Este tipo de processo funciona na base de prazos ou datas. As regras estão a ser seguidas. Só quando os prazos forem violados é que poderemos intervir”.
A 07 de Fevereiro, Augusto Messariamba submeteu um pedido de liberdade provisória para o seu constituinte. Antes tinha interposto um outro pedido, que teve como resposta do tribunal a prisão preventiva de Amade Abubacar. Segundo o advogado de defesa do jornalista ora detido preventivamente, “quando neste tipo de casos não há quaisquer notificações, e não se tendo ainda esgotado o prazo, é difícil intervir. Quando não somos notificados nada pode ser feito de grande relevância”, frisou Messariamba. O prazo de detenção preventiva de Abubacar, segundo o seu advogado, termina em Abril próximo.
Amade Abubacar foi detido a 05 de Janeiro na vila-se de Macomia, um distrito do centro de Cabo Delgado, quando fotografava famílias que abandonavam a região com receio dos ataques protagonizados pelos insurgentes naquela província do extremo norte de Moçambique. (Carta)
A JUSTIÇA AMBIENTAL (JA!), uma organização da sociedade civil moçambicana de defesa do direito do ambiente e direitos sobre a terra das comunidades locais, repudia os métodos usados pela Vale Moçambique no desenvolvimento das suas actividades no nosso país, concretamente na província de Tete.
De acordo com a JA!, a Vale Moçambique, contrariamente ao que deixa transparecer, “transforma a destruição ambiental e degradação social e humana em lucros para os seus accionistas”. Em carta endereçada no pretérito dia 14 deste março à Vale Moçambique, a JA! argumenta em torno dos seis temas que estruturam o Relatório de Sustentabilidade daquela mineradora referente ao ano 2017, nomeadamente Pessoas, Planeta, Prosperidade, Paz, Parcerias e Propósito.
Na missiva, a JA refere, no tocante às Pessoas, que apesar de a Vale afirmar-se empenhada na construção de laços duradouros no meio onde opera, tanto com empregados como com as comunidades locais e sociedade no geral, o tipo de relacionamentos que aquela mineradora estabelece nos territórios onde opera está longe de estar assente no respeito mútuo. A JA! fundamenta esta sua posição afirmando que com a chegada da Vale à província de Tete milhares de famílias perderam as suas terras, seus meios de subsistência, bem como o acesso às infra-estruturas sociais e económicas, para além de os seus direitos mais fundamentais estarem permanentemente a ser violados. “Isto resulta em constantes conflitos com a empresa, litígios, manifestações e protestos, bem como na ruptura social de diversas comunidades devido às práticas de intimidação e cooptação de líderes comunitários por parte da empresa”, refere a JA!
Em relação ao Planeta, a carta da JA! afirma que a Vale investe bastante na promoção de uma imagem de empresa sustentável, afirmando-se comprometida em investir recursos (...) para mitigar e compensar os efeitos de suas actividades sobre o ambiente. No entanto, a JA! contra-ataca dizendo que “ (…) a degradação ambiental, altos níveis de poluição atmosférica e contaminação do solo e massas de água existem em todos os locais de extracção operados pela Vale”. Sublinha que “o carvão sai das minas da Vale em Moatize transportado em vagões abertos e sem qualquer cobertura, permitindo a dispersão do material e exacerbando a poluição atmosférica, enquanto no Brasil, por obrigação da lei, os vagões da Vale circulam cobertos”.
JA! questiona ideia de prosperidade
Sobre o comportamento da Vale quanto à prosperidade, diz a JA! que aquela mineradora está alegadamente orientada para um propósito nobre de gerar valor para a sociedade, mas questiona: “Qual será a ideia de prosperidade das mais de 1.300 famílias reassentadas para as precárias casas de Cateme, sob risco de desabamento a qualquer momento? Qual será a ideia de prosperidade das famílias no bairro de Bagamoyo, adjacente à mina da Vale, que sem qualquer indemnização passaram a viver numa área altamente poluída, e as suas casas sofreram inúmeras rachaduras provocadas pelas explosões na mina e pela trepidação dos comboios da Vale?” Sobre o comportamento da Vale, a JA! refere que a mineradora é contra a prosperidade, sustentando esta sua posição com o exemplo das aproximadamente 10 das casas a que acima se fez referência estarem rachadas devido aos explosivos usados pela empresa. Ainda segundo a JA!, as casas em questão acabaram por desabar durante as recentes chuvas fortes registadas no início deste mês. A JA! diz ainda que o comportamento da Vale fez com que em Outubro e Novembro de 2018 a comunidade do bairro de Bagamoyo se manifestasse em protesto contra os elevados níveis de poluição e danos nas residências.
No tocante à Paz, a JUSTIÇA AMBIENTAL define a Vale Moçambique como uma empresa que se afirma comprometida em obter legitimação e aceitação pela sociedade (…), em especial as comunidades locais. Contudo, a JA! adianta que se a Vale fosse pela paz as comunidades em redor dos locais onde estão situadas as minas daquela mineradora não entrariam em manifestações de protesto contra danos provocados pela sua exploração. A JA! acrescenta que os manifestantes opõem-se ao gesto da Vale de prosseguir com os seus planos de expansão para a mina Moatize III, devido às pendências no pagamento de compensações à comunidade pela perda das suas machambas.
Sobre Parcerias
“No concernente a Parcerias, a única parceria real que a empresa aparenta ter em Moçambique é com o Governo, não medindo esforços para encontrar formas de legitimar as suas actividades e continuar a explorar as pessoas e o meio ambiente em Moçambique. O conluio da empresa com as forças de segurança nacionais é particularmente preocupante, tendo a Vale chegado ao ponto de levar o chefe de segurança e inteligência da empresa e um comandante da Polícia de República de Moçambique a encontros com as comunidades afectadas. Não é embaraçoso para a Vale que as manifestações e protestos pacíficos das comunidades afectadas, fruto dos enormes impactos da extracção mineira na região, sejam dura e violentamente reprimidos pela PRM?”, interroga-se à Vale Moçambique.
Finalmente, sobre o Propósito da Vale, esta mineradora diz que o seu principal objectivo é utilizar a mineração como meio de transformar recursos naturais em prosperidade e desenvolvimento sustentável. No entanto, a JA! afirma que a mineradora não poderia estar mais longe de alcançar tal propósito.
O que a Vale trouxe
Na carta endereçada à Vale, a JA! optou por falar apenas de questões particularmente relacionadas com o que a mineradora trouxe para Moçambique. Apesar disso, a JA! prossegue dizendo que “acompanhamos de perto as actividades da Vale em todo o mundo. Sabemos o suficiente para perceber que este ‘modus operandi’ abrange toda a cadeia, e representa a materialização do único real propósito da Vale: gerar lucros crescentes para os seus accionistas, menosprezando qualquer impacto sobre o planeta e as pessoas, e fazendo o necessário para remover qualquer obstáculo que ameace o alcance desse objectivo”. (Carta)
Frequentes cortes de energia eléctrica e montagem de novas máquinas pelo provedor dos serviços são as principais causas do atraso que se verifica desde finais de 218 na emissão e levantamento dos passaportes no Serviço Nacional de Migração (SENAMI). Esta foi a justificação apresentada pelo porta-voz do SENAMI, Celestino Matsinhe, do que constitui uma verdadeira dor-de-cabeça para quem queira viajar e precisa de ter um passaporte com certa urgência. Falando à imprensa na quinta-feira da semana finda (07) em Maputo, Matsinhe disse que “regra geral o atraso no levantamento dos passaportes tem sido de uma semana”. Acrescentou que estão a ser envidados esforços com vista à solução do problema o mais rapidamente possível, incluindo a montagem célere do novo equipamento.
Entretanto, cidadãos contactados pelo nosso jornal nos Serviços de Migração em Maputo disseram ser preocupante o atraso no levantamento dos passaportes, lamentando o facto de não poderem dispor daqueles documentos no prazo estipulado. Um dos nossos entrevistados na Migração foi Amílcar Massango, que disse estar à espera da resposta para um pedido de passaporte da sua esposa que precisa de se deslocar à África do Sul para ser submetida a uma operação cirúrgica. Outras pessoas por nós contactadas afirmaram que desde há mais de dois meses estão à espera da resposta dos respectivos pedidos de passaportes que submeteram no SENAMI. Alguns deles garantiram que desde Outubro de 2018 aguardam pelo levantamento daquele documento de viagem. Ainda de acordo com o porta-voz do SENAMI, problemas existem também na emissão dos Documentos de Identificação e Residência para cidadãos estrageiros (DIRE). (Marta Afonso)
Beira foi a partir de aproximadamente 14h00 desta quinta-feira (14) a principal vítima da fúria do ciclone tropical Idai, caracterizado por chuvas intensas e ventos cuja velocidade pode chegar até 200km/hora, quando ainda se encontrava a cerca de 100km da capital provincial de Sofala.
“Não dá para sair, nem andar”, ou “está-se mal, já nem há ‘chapas’ (transportes semi-colectivos de pasageiros), foram as palavras usadas por alguns munícipes beirenses para descrever o cenário criado pelo Idai na Beira nesta quinta-feira à tarde. Como consequência dos efeitos destruidores do ciclone tropical Idai ainda na sua fase preliminar, tanto na zona de cimento como nos bairros circundantes da segunda maior cidade moçambicana viam-se árvores e postes de transporte da energia eléctrica tombados. Até o Estádio Municipal, ‘joia da coroa’ do edil beirense, Daviz Simango, construído recentemente no popular bairro suburbano da Munhava, não escapou aos devastadores avisos de aproximação do Idai daquela que no passado já foi chamada “cidade do futuro”.
Nesta quinta-feira a cidade da Beira ficou com várias das suas infraestruturas destruídas, e o pior não aconteceu porque muitos munícipes cumpriram com as orientações previamente transmitidas pelas entidades competentes, com destaque para o Instituto Nacional de Gestão das Calamidades (INGC), no sentido de abrigar-se em locais seguros.
Ainda na Beira, onde pelo menos até às primeiras de hoje continuava a chover intensamente, as previsões indicavam que a fase mais intensa do Idai iria ocorrer por volta das 05h00 desta sexta-feira (15). Na manhã de quinta-feira viam-se membros da Polícia Marítima a monitorar o movimento das pessoas ao longo da costa, alegadamente como medida de prevenção. O ciclone Idai chegou à capital de Sofala numa altura em que havia maré baixa.
Com a finalidade de minorar os efeitos da passagem do ciclone tropical Idai pela Beira, o Conselho Autárquico desta cidade, através da entidade que gere o Saneamento Básico e Gestão das Águas Pluviais, accionou diversos equipamentos para abertura do canal nas comportas do Desaguadouro de Palmeiras. A iniciativa tem como objectivo facilitar o rápido escoamento das águas pluviais na zona continental da capital de Sofala durante e após a queda das chuvas.
A partir das 11h00 de quinta-feira, o Governo da província de Sofala decretou um recolher obrigatório abrangendo os distritos de Muanza, Cheringoma, Búzi, Dondo e Beira. Também se decidiu pelo encerramento temporário das aulas, e todos os alunos foram aconselhados a permanecer em casa, sem descurar a adopção das necessárias medidas de segurança.
Para Niassa, as previsões indicavam que seriam afectados os distritos de Madimba, Cuamba, Mecanhelas e Metarica. O chefe do departamento técnico e porta-voz do Instituo Nacional de Gestão de Calamidades (INGC) naquela província, Nelson Jossamo, disse que a população deve retirar os seus bens das zonas propensas às inundações.
O Instituto Nacional de Meteorologia prevê a continuação de chuva moderada a forte, acompanhada de trovoadas e ventos, nas províncias do Niassa e Cabo Delgado. Na quinta-feira (14) no Município da capital zambeziana, por causa do ciclone tropical Idai foi interdita a circulação de embarcações privadas na travessia Quelimane-Recamba.
Contrariamente à anterior previsão do Instituto Nacional de Meteorologia (INAM), a situação na província da Zambézia é descrita como calma, de um modo geral, exceptuando o distrito de Chinde de onde foram veiculadas notícias sobre desabamento de várias habitações, para além de pessoas sitiadas. (Carta)
Estão no banco dos réus três agentes da PRM (Polícia da República de Moçambique) na capital provincial de Cabo Delgado, Pemba, por alegado envolvimento na detenção ilegal e violência física contra o fotojornalista Estácio Valoi.
Trata-se de Augusto Guta, actual porta-voz do Comando Provincial da PRM em Cabo Delgado, Cornélio Duvane, comandante da Polícia Municipal de Pemba, e Aires Aurélio Tequia, na altura comandante da 2ª esquadra e actualmente comandante distrital de Montepuez. O julgamento dos três polícias, acusados de terem violado o direito de exercício da liberdade de imprensa, começou na última quarta-feira (13) no Tribunal Judicial de Pemba.
De acordo com o que foi apurado na fase de audição, tudo começou a 7 de Abril de 2017 no campo “25 de Setembro” em Pemba durante as cerimónias alusivas ao Dia da Mulher Moçambicana. Naquela data, o fotojornalista Estácio Valoi estava no local a cobrir o evento quando foi interpelado pelos agentes da PRM exigindo que deixasse de fotografar. Em resposta, o fotojornalista disse simplesmente que estava a cumprir com o seu dever profissional. Acto contínuo, os agentes da PRM ordenaram a Estácio Valoi que lhes mostrasse a credencial. Em vez da credencial, Valoi exibiu um crachá, que os polícias rejeitaram. O que queriam mesmo era a credencial! Como o visado não fosse capaz de satisfazer tal exigência porque só tinha crachá, os agentes ordenaram a Valoi para se afastar do local e conversar com eles num local mais discreto (aparentemente numa implícita intenção de lhe cobrar ‘refresco’), o que não foi aceite pelo fotojornalista com alegação de que estava a trabalhar num lugar público.
Apercebendo-se da situação, o representante do MISA Moçambique (Instituto de Comunicação Social da África Austral que no nosso país defende os interesses e direitos dos jornalistas) em Cabo Delgado, Jonas Wazir, ‘intrometeu-se’ no assunto. Mas, os três agentes da PRM uma vez mais não quiseram dar ouvidos às justificações dos agora dois profissionais da comunicação social, Estácio Valoi e Jonas Wazir.
Depois de uma dilatada troca de palavras sem se chegar a qualquer entendimento, os agentes da PRM mandaram vir uma viatura que levou Valoi à 2ª Esquadra onde lhe foi retirado o material de trabalho, incluindo telemóvel, máquina fotográfica e cartão de memória.
Foi na 2ª Esquadra que Estácio Valoi pediu aos polícias para contactarem o comandante provincial. Mas Malva Brito, na altura porta-voz da PRM que se encontrava no local, ignorou o pedido. Apesar de terem confirmado que estavam perante um jornalista, pois recordavam-se que Valoi já lhes tinha feito muitas entrevistas, os polícias mantiveram-se indiferentes a isso. Pior ainda, abandonaram Estácio Valoi algemado, numa cela misturado com verdadeiros criminosos!
Mais tarde soube-se que foi Aires Aurélio Tequia, actual comandante distrital da PRM em Montepuez, quem ordenou que Valoi fosse algemado. Há uma notificação dirigida pelo representante do MISA Moçambique ao Comando Provincial, a porta-voz e o comandante provincial da PRM em Cabo Delgado deram ordens aos agentes daquela corporação na 2ª Esquadra para que o fotojornalista fosse libertado.
Entretanto, já em sede do tribunal, os três agentes da PRM acusados disseram que a “situação” que Estácio Valoi passou tinha ficado a dever-se ao facto de ele na altura não estar “apresentável”.
As contradições de Aires Tequia
Na tentativa de dar a sua versão do sucedido, Aires Tequia acabou por entrar em contradições, alegando que o comportamento dos polícias se justificava devido aos ataques em Cabo Delgado, porque, segundo ele, a PRM trabalhava para manter a tranquilidade pública. Este argumento foi imediatamente refutado, uma vez que o caso se deu em Abril de 2017, e os ataques só começaram a 5 de Outubro do mesmo ano.
Reagindo a tudo o que tinha sido dito, a procuradora-chefe de Cabo Delgado, Nélia Madeira, afirmou que estava decepcionada com os agentes da PRM porque não entendia por que razão eles odiavam, pelo menos aparentemente, os jornalistas. Perante estes factos, Dionísio Vansela, advogado de Estácio Valoi, pediu penas pesadas aos réus Augusto Guta, Cornélio Duvane e Aires Aurélio Tequia.
Advogado dos réus pede pena suave
Por sua vez, Rafael João, o advogado dos três réus, solicitou uma pena suave aos seus constituintes, alegando que não reconheceram Estácio Valoi. Este argumento foi rebatido pela procuradora Nélia Madeira, questionando o que poderia ter levado Valoi, como cidadão qualquer, sem ser jornalista, a tirar fotografias num dia como o 7 de Abril. Acrescentou que mesmo não sendo jornalista Valoi poderia ter feito a mesma coisa como cidadão livre que goza dos seus direitos.
Sentença no dia 27
A juíza do caso, Felicidade Rungo, marcou a leitura da sentença para o dia 27 deste Março. (Paula Mawar, em Cabo Delgado; Omardine Omar)
No passado dia 5 de Março, Celia Cumbe, a ex-vereadadora de Administração e Finanças da autarquia de Maputo, foi encontrada morta, metade do corpo carbonizado, num dos quartos da dependência onde vivia, na Matola "C", onde na parte frontal estava a construir um “casarão", tal como apurámos de boas fontes. Ninguém se deu conta do macabro acto. Um dos filhos terá quebrado a janela do quarto da finada e encontrado a mãe sem vida. Alegadamente, seus cartões bancários desapareceram. A polícia na Matola ainda não disse nada de substancial sobre se já tem pistas para desvendar o crime, seu móbil e suspeitos.
Nos dias subsquentes circulou uma narrativa apontando para suicídio mas a mesma foi desmentida através de insinuações segundo as quais sua morte encerrava traços indeléveis de “queima de arquivo”. Ou seja, ela estava a par de “ilegalidades cometidas” na gestão municipal anterior. Aventou-se a perspectiva de que ela ia entregar na vésperas as pastas ao novo vereador de Finanças de Eneas Comiche, o Dr. Eduardo Nguenha, um académico há muito envolvido na pesquisa sobre finanças municipais em Moçambique. Mas isso não era verdade. Cumbe já tinha entregue as pastas e inclusive manifestado sua disponibilidade para colaborar, onde o novo vereador deparasse-se com informações duvidosas ou omissões.
Três dias antes, ela foi-se despedir dos colegas do Paços do Concelho, na Praça da Independência, uma joia de coroa de arquitectura cuja imponência esconde uma lastimosa conservação. Célia Estava abalada para o Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar (MASA), onde trabalhara no sector de Finanças e donde tinha sido retirada por David Simango, depois de um acordo com um dos seus melhores amigos, o Ministro José Pacheco (que dirigia o MASA e passou para os Negócios Estrangeiros). No dia em que se foi despedir, ela não aparentava estar a viver sob tensão, disse uma fonte.
Aparentava, isso sim, um ar sereno, mesmo depois de ter sido iniciada uma pré-auditoria pelo Tribunal Administravo, visando determinar que sectores devem ser passados a pente fino. “Sempre se manteve predisposta a colaborar”, garante outra fonte. À auditoria do TA, como entidade fiscalizadora externa da execução orçamental dos municípios, seguir-se-á a da Inspecção Geral de Finanças (IGF), e as duas prometem destapar o lado mais sinistro de uma das mais caóticas e corruptas gestão municipal de que há memória desde a implantação das autarquias locais em Moçambique.
É esperado que a investigação policial corra de forma rápida e que o caso não seja enterrado tão rapidamente, como acontece frequentemente quando a manipulação política ou corruptiva garantem a impunidade de criminosos e corruptos à solta em Moçambique. A auditoria e a investigação criminal deverão fluir agora como vasos comunicantes e o receio da colaboração de Célia Cumbe com a auditoria, onde ela poderia revelar detalhes escabrosos da gestão financeira do município, deve ser tido em consideração na lista dos possíveis móbeis do crime.
O descalabro da gestão de David Simango
Célia Cumbe é descrita como tendo mostrado serenidade nos últimos dias da sua vida mas esse era apenas o estado de espírito de quem já tinha entregue as pastas, deixando para trás um cargo onde vivia sob uma pressão vinda de todos os lados. Em Dezembro, ela se queixara a uma colega de que estava a viver uma fase negra e que pretendia ir de férias. Seus colegas vereadores estavam a pressionar-lhe para fazer pagamentos indevidos por fornecimentos e serviços não devidamente contratados e muitos deles sobrefacturados. A revelação mostra que a autarquia estava
à saque e, nas últimas semanas do mandato de David Simango, o saque era intenso.
Não conseguimos apurar se Célia Cumbe efectuou tais pagamentos indevidos mas as marcas de improbidade da governação de David Simango são terríveis. O antigo edil de Maputo está a ser investigado no Gabinete Central de Combate à Corrupção num processo ligado às obras de reparação da avenida Julius Nyerere pela construtora portuguesa Gabriel Couto, entre 2014/15. Detalhes suspeitos sobre a viciação dos materiais de construção por parte da empreitreira foram investigados e arquivados, tendo emergido desse processo um volume de evidências ligando David Simango a um prédio por ele adquirido no quadro da adjudicação daquela obra. O processo está numa fase acelerada de investigação. “Carta” sabe que, no ano passado, através de canais diplomáticos, chegou às autoridades mocambiçanas a informação de que David Simango (e Manuel Chang) movimentavam contas chorudas em bancos portugueses.
Com a auditoria em curso, parece prematuro enxergar a profundidade do buraco que Eneas Comiche encontrou na edilidade. Os sectores de Infra-Estruturas e Transportes (onde os vereadores eram respectivamente Víctor Fonseca e João Matlombe) são os mais problemáticas, com um rol de evidências de adjudicações suspeitas, sobrefacturação em massa e colusão como modo de vida.
Comiche encontrou um cenário dantesco de empresas fantasmas servindo a edilidade, e para as quais nunca faltaram pagamentos, mesmo nos momentos em que era difícil pagar salários. A empresa que presentemente está a reabilitar passeios é suspeita de pertencer a um antigo vereador. Nos últimos anos, David Simango criou uma empresa municipal para gestão de parques, na perspectiva de ir buscar dinheiro através das famigeradas parcerias público-privadas. Mas o facto, apurado por “Carta”, é que, ao invés de ir buscar dinheiro, essa empresa virou um sugadouro das finanças da autarquia. Ao invés de trabalhar ela própria, terceirizou a manunteção de duas casas de banho em dois parques da cidade a uma outra empresa que cobra para isso 8 milhões de Meticais por mês. E o pagamento dessa factura é uma das prioridades mensais.
Na semana antepassada, o edifício do Paços ficou sem corrente eléctrica. A instalação, antiquada, rebentou e o quadro foi-se pelos ares. O apagão foi imediato. A solução era activar o gerador mas...a fornecedora de combustíveis fechou a torneira por dívidas acumuladas. Quem trabalha naquela casa diz que o cenário interior é caótico. Condutas de água avariadas e aparelhos de ar-condicionado escangalhados por falta de manuntenção. Eneas Comiche e a equipa têm uma batata quente nas mãos. Vão precisar de muita ginástica para colocar a edilidade nos carris. E David Simango? Perante tamanho descalabro seu futuro parece ainda uma incógnita. (Marcelo Mosse)