Na semana passada ficamos a saber que um cota amoroso e bem educado ofereceu ao seu sobrinho uns três carrões de alta cilindrada e uma alta vivenda na "Djuz". No princípio deste ano também ficamos a saber que um jovem bondoso e de bons costumes comprou meia dúzia de carros topo de gama e ofereceu aos seus bradas. O mesmo puto ofereceu um "senhor-carro" à namorada e ainda quis amavelmente oferecer uma mansão à uma amiga que acabava de conhecer há uns dias lá "nazeropas".
Isso - sim - é amor ao próximo. Valorizar quem te valoriza. Os "Indivíduos" estão a dar boas lições de moral a sociedade e nós estamos a fingir que não estamos a ver nada. As últimas referências de bondade que este país ainda guardava com muito sacrifício foram recolhidas à cadeia. E isso é muito feio. Já não se pode praticar um gesto de bondade neste país. Já não se pode nutrir afecto por um ente querido.
No fundo no fundo esses nossos gatunos são boas pessoas. Esse amor é demais. É muita ternura, muita fofura. Já estou a desconfiar que talvez nem são gatunos. As tantas nem roubaram, só levaram emprestado por tempo indeterminado sem autorização prévia.
Não podemo-nos esquecer desses irmãos nas próximas campanhas de solidariedade. Os gajos podiam acabar com os problemas do Idai em dois tempos. No futuro vão assessorar malta I-Ene-Gê-Cê e Cruz Vermelha. Essa cena de desviar donativos vai acabar. São muito sérios os gajos. Vão transformar aquele xilindró numa faculdade onde se desenvolvem competências para oferecer bens alheios.
É preciso desenvolver muita coragem e demasiada cara-de-pau para sair por aí fazendo beneficência com dinheiro roubado aos pobres. Muito diferente do Robin dos Bosques que roubava da nobreza para dar aos pobres. "Eni-wey", pelo menos tentaram. Os gatunos devem ter um conceito de caridade diferente do tradicional.
Mas é muito amor, gente. É muita bondade. Com aqueles "Indivíduos" na cadeia é país que perde. São os únicos protótipos de "bondade" que ainda restam no mundo. "Indivíduos" que resistiram às intempéries do egoísmo e da ganância. Gajos em vias de extinção. Bons samaritanos. Antes que desapareçam de vez deviam lançar livros e dar palestras sobre benevolência. Oferecer carros de luxo a um menino folgado e mimado é muita ousadia. É obra.
- Co'licença!
O diâmetro da base opaca do copo era menor que a do topo, o copo estava assente numa mesa rectangular de pinho, o conteúdo interior borbulhava até desaguar na superfície espumante, a frescura do líquido dourado transpirava deixando a parte externa deste completamente ensopada.
O proprietário do recipiente olhava meditabundo sem se importar com o barulho produzido por outros clientes que conviviam procurando fazer-se ouvir ante a música ensurdecedora expelida por potentes colunas.
Momentos de regressão inolvidável assaltaram a sua mente, um sorriso inocente errou-lhe pelos lábios ainda sequiosos.
Segurou o copo, sentiu o frescor fluir corpo adentro animando o seu estado de espírito; era a primeira vez em um ano que tinha o privilégio de usufruir de um momento especial, não demorou, deu um gole.
- Ahh! – estalou a língua.
Depois num trago prazeroso eliminou o que ainda restava da cerveja.
Buscou a servente, submersa num mar de gente segurando acrobaticamente uma bandeja com inúmeros copos.
Quando a capturou com o olhar, levantou a mão direita com o dedo indicador erecto, a moça voltou a perder-se para retornar instantes depois com outro copo.
Enquanto aguardava ansiosamente que outro copo chegasse desequilibrou-se devido a estrutura deficiente do banco onde se encontrava sentado, movimentou-se para esquerda com o propósito de equilibrar-se, este movimento fez com que o guarda que se posicionava no limiar do bar o fuzilasse com um olhar inquiridor, mas quando percebeu que o seu vigiado não constituía ameaça manteve-se na posição de o controlar a partir da porta.
A servente pousou o copo na mesa, ele não demorou a segurar e a levar para a boca, tragou sofrivelmente, limpou a barba de espuma, a animação que morava no seu ser redobrou.
Depois levantou-se e caminhou calmamente em direcção à porta onde estava o guarda, estendeu ambas as mãos e este algemou-o, depois cobriu as mãos com uma camisola.
Iniciaram a caminhada de regresso a penitenciária localizada num dos bairros da cidade. Enquanto caminhavam, a movimentação popular fazia-se sentir com os citadinos aglomerados nas paragens, muitos dos que aguardavam o seu momento de embarcar, estavam submersos nos seus telemóveis. Invejo-os pela liberdade que usufruíam, mas estava grato pelo momento de liberdade prematura que lhe permitiu beber dois copos.
“ Museu vazio” – gritou um cobrador de chapa.
Não demoravam para chegar, quando adentraram para o recinto prisional, o recluso verteu lágrimas de saudades dos breves momentos em que foi um homem livre. O guarda prisional acompanhou-o até a sua cela e libertou-o das algemas.
António Murrada cumpria a sua pena de prisão de dois anos devido a posse ilegal de “soruma”.
Dias antes da liberdade provisória, António era hostilizado pelo seu verdugo que de forma implacável infligia pesado castigo, mas Murrada procurava a todo custo cumprir com as normas da cadeia para não sofrer a punição que o seu carrasco prazerosamente impunha.
Mas o guarda penitenciário Rafael Salgado, apossado por um agente maligno encontrava sempre motivos para castiga-lo. Havia dias de cacetadas injustificadas e outros de serviço pesado.
Num desses dias Salgado apresentou-se imponente em frente à cela de Murrada e pediu que o acompanhasse, o prisioneiro resmungou, seu carrasco alvejou-o com olhar incisivo fazendo com que o recluso obedecesse.
Quando chegaram ao destino, o guarda penitenciário indicou-lhe o trabalho que deveria efectuar.
- Desculpa chefe, mas eu limpei as latrinas ontem, hoje é dia de outro – bradou serenamente.
- Preso cento e vinte – cumpra ordens!.
Olhou furioso para Salgado, todo o seu nervosismo ficou condensada nos olhos injectados de sangue. Depois de cumprir a nefasta tarefa regressou para o seu domicílio prisional acompanhado do seu fiel verdugo.
Num dia pela manhã, quando António Murrada tomava o seu banho de sol no quintal da prisão era vigiado severamente pelo guarda Salgado que o fitava sem desarmar.
De repente uma queda aparatosa do guarda Rafael Salgado levantou um reboliço no quintal prisional, ninguém se aproximava da vítima estatelada que esperneava e esbracejava, os seus colegas que estavam longe demoravam a chegar.
Quando todos chegaram, guardas e reclusos ninguém se prontificou a socorrer a vítima pois estavam reféns das suas superstições.
Quando Murrada percebeu do que acontecia correu para socorrer a seu implacável verdugo que sofrera um ataque epilético, o socorrista introduziu um pedaço de pano entre os dentes para evitar que este mordesse a língua e colocou a cabeça da vítima na lateral porque este se babava.
Quando as autoridades médicas chegaram, o primeiro socorro já tinha sido acautelado, recolherem o enfermo, colocaram numa maca e procederam a retida do recinto prisional em direcção ao hospital central de Maputo.
Comentaristas não remuneráveis entre reclusos e guardas debatiam a pronta intervenção de Murrada que apesar de massacrado socorrera o seu mais directo inimigo.
No dia seguinte o pequeno herói da penitenciária foi chamado a presença do director.
- Caro senhor António, estou imensamente grato pela atitude e préstimos oferecido ao nosso colega – afirmou o director. – Graças a sua intervenção o nosso colega escapou.
Murrada manteve-se firme e calado.
- Gostaríamos de recompensa-lo, diga-me o que deseja?
Não demorou para que o recluso levantasse a mão direita e esticasse dois dedos, indicador e o mediano.
- O que significa esses dois dedos, recluso Murrada?
- Dois copos - respondeu por fim – e logo acrescentou. – De cerveja.
- Muito bem, irei pedir a um dos guardas que comprem uma garrafa – afirmou o director.
- Desculpe senhor director, mas o meu pedido não está completo.
- Diga.
- Gostaria de beber os dois copos como um homem livre.
Pode ser que ela tenha abdicado de viver, caso contrário não estaria a suicidar-se todos os dias com o veneno do seu próprio afastamento. Já não frequenta a sociedade, diferentemente de outros tempos, quando tudo dependia das suas vontades. Não tem coragem de sair de casa, para absorver a atmosfera espiritual proporcionada pelo contacto com as pessoas. Tem medo de rever ao espelho o rosto, por demais degradado pelo fumo e pela bebida de nunca acabar. Os dentes estão queimados pelo rapé que passou a mascar depois de todas derrotas, por isso tornou-se relutante em sorrir para os interlocutores que em algumas – poucas - ocasiões a abordam no seu casulo, para matar a saudade de uma amiga muito doce. Porém, repugna estar no seu convívio. Está constantemente a cuspir uma saliva espessa que nos vai enojar. Mesmo assim, no meio daquela decomposição toda, Thsala mantém acesa a luz da sinceridade.
Há muito que não a via. Sentia tremendamente a falta de uma pessoa com quem podesse conversar sem tabus, e essa pessoa, numa cidade alagada de preconceitos, é Thsala. Eu queria velejar com palavras espontâneas, esquecendo momentaneamente todas as quedas que tenho tido, e nenhuma outra pessoa podia me acolher para isso, que não fosse Thsala. Thsala é a própria escala diatónica, onde residem todas as notas para se compor uma belíssima canção de amor.
Fui para lá, sabendo de antenão que a minha amiga estava naquelas condições. Cheguei a pensar em passar por um botle store e pegar uma garrafa de qualquer coisa para ela, mas a minha consciência não me deixou. Quis levar a guitarra.... também nada! Guitarra para quê, se Thsala é o conservatório em si, onde terei à disposição todos os instrumentos! Então não levo nada, senão as garrafas vazias de oxigénio que trago dentro de mim. E voltarei de lá abastecido, com ar suficiente para voltar a voar e reocupar o espaço que me é reservado na órbita das minhas imaginações.
Thsala cuspiu para o lado, todo o tabaco molhado pela saliva, quando me viu entrar no seu espaçoso quintal, depois de pedir licença. Senti náuseas, mas já não podia retroceder. Percebi o embaraço que lhe apossou. Inclinou-se, desajeitada, para cobrir o cuspo com as mãos, também flageladas pelo tabaco, como os seus dentes. Ela não consegue olhar para mim porque sabe que naquele rosto já não há candura. Esvaiu-se completamente, para dar lugar às ruinas.
Fui buscar uma cadeira, e ao voltar vi a mulher compactando com os pés, o “aterro” que tinha feito com as mãos sobre o lago de saliva espessa e massa de tabaco. Ela continua a não olhar para mim, e sem falar para dizer seja o que for. E tudo isto é um sismo que cabe a mim desvanecer.
- Thsala, meu amor, vim te ver!
- Vens ver um farrapo?
Thsala voltou a cuspir. A boca segrega muita saliva, e ela, envergonhada, não tem como evitar aquilo.
- Desculpa, meu bem.
Levantou-se e disse que ia à casa de banho. A roupa que usa está lavada. Engomada. Os chinelos ainda estão no rítmo. Mas tudo isso vai-se diluir num corpo desmoronado, e se partirmos do princípio de que o rosto é um pouco a janela da alma, então Thsala entrou em última derrocada.
Fiquei um tempo interminável à espera que a minha amiga voltasse. Debalde! Quem veio é a empregada, para me dizer que Thsala não está bem. Pede desculpa.
- Ela disse para o senhor voltar outro dia.
Pedimos desculpas aos nossos utentes pelos inconvenientes .Desde ontem, dia 10 de Dezembro, que os CFM paralisaram os comboios da MetroBus sem informação prévia. Nem sequer o Comando de Operações se dignou a atender o telefone. Naturalmente, usamos o Plano de Contingência para transportar os nossos utentes.
A Empresa CFM, uma das maiores empresas de Moçambique desde o tempo colonial, quer interromper os nossos sonhos de podermos ter uma mobilidade segura, de qualidade de nível internacional, segundo o Banco Mundial. Os CFM querem que voltemos a circular nas estradas (N4) congestionadas, onde se morre todos os dias, justamente porque os comboios de carga de minerais não funcionam e os camiões de minerais têm que usar a estrada N4 causando pânico e luto. A sabotagem ao MetroBus não é exclusiva. Lamentávelmente este é mais um exemplo da razão de sermos empobrecidos, e continuaremos a ser, independentemente do OIL&GAS, ou qualquer outra potencialidade económica.
Alguns dos nossos governantes de empresas públicas, apesar de títulos acadêmicos, salários e benefícios de luxo, não compreendem os factores de desenvolvimento, agindo por impulso, como o caranguejo.
Agora que comemoramos o segundo aniversário da operação da MetroBus, os CFM concretizam o seu objectivo emocional de parar com o MetroBus, após inúmeros incidentes, negações, bloqueios, chantagens nas taxas e rendas, etc.
Os CFM, quando chamada argumentar, vai dizer :
1- A MetroBus deve a taxa de uso da linha: (É verdade que devemos 3 milhões de Mta e temos vindo a pagar; Porém, o Ministério dos Transportes e Comunicações /FTC deve-nos dezenas de milhões de Meticais por serviços prestados e nós não bloqueamos os beneficiários, que por sinal são servidores públicos).
2- Vão dizer, falsamente, que não cumprimos as regras de Safety; (a MetroBus tem os standards internacionais de Safety e recursos humanos nacionais educados, treinados e supervisonados, no cumprimento das regras de Safety; aa quais serão públicadas para V. Excias conhecerem.
3-Não vão dizer, mas qiestionam-se, como pode uma empresa de moçambicanos do ramo rodoviário, com comboios usados, aproveitando recursos humanos passados à reserva pelos CFM e meia dúzia de engenheiros mecânicos da Escola Superior Náutica de Moçambique, produzir um serviço público de mobilidade intermodal de qualidade reconhecida pelos utentes e instituições nacionais e internacionais?
Mais do que nunca, Moçambique precisa de um dirigente nacionalista e inclusivo. Não podemos continuar a desperdiçar tempo e recursos dos cidadãos para alimentar egos.
Apesar da SIR nunca ter ganho um cêntimo com a MetroBus, sabemos que é um serviço de mobilidade que terá a sua sustentabilidade futura. E estamos confiantes que quem de direito saberá tomar as decisões convenientes.
“As derrotas são o caminho para sucesso"
Pedimos desculpas aos nossos utentes por não termos conseguido evitar mais esta sabotagem, entre muitas outras, que ao longo de 24 meses fomos contornando diariamente.
Acreditem que se somos moçambicanos vamos conseguir.
Bem hajam, pelos inúmeros apoios que temos recebidos,
A luta Continua
Amade Camal
Matilde trabalha na cidade como empregada doméstica, vive num bairro de expansão que responde pelo nome Santa Isabel. Quando chega ao Zimpeto, às 19h37, não encontra transporte, salvo uma carrinha de caixa aberta denominada _my love_ que deixa-lhe no local onde a terra batida beija o asfalto da circular. Matilde caminha, apesar de saber que é perigoso durante a noite, mas não tem escolhas. Leva consigo fé em Deus e meia lata de leite para o filho de dois meses, cujo pai baldou-se para outro bairro e não quis assumir. Dois quilómetros a caminhar colocam-lhe olhos nos olhos com um grupo de delinquentes, que para lhe tiraram o celular, ofertado pela patroa, espetam-lhe uma faca gelada no pescoço. Incapaz de soltar um pio viu todos homens apossarem-se do seu corpo. Curiosamente, no local onde morreu Matilde, minutos antes de violada, a polícia trocou a detenção dos criminosos por 500 meticais. Matilde poderia ter sido salva se o centro de saúde, avaliado em 0,000000000000001% do valor correspondente à quantia partilhada nas dívidas ocultas, tivesse sido construído como prometido. Enquanto Matilde se esvaía em sangue tinha lugar uma festa onde se distribuíam ranges rovers, motas top de gama, casas incríveis e por aí em diante. No outro lado de Maputo um rapaz banha-se no rio, mas a sua pele começa a arder sem motivo aparente. Inocente Reginaldo não percebia que era vítima dos químicos duma fábrica de alumínio por conta do seu bay pass. A multinacional jamais se responsabilizou pelos danos. Os responsáveis pela fiscalização fizeram ouvidos moucos ao clamor popular. Eles criavam campanhas de responsabilidade social em grandes órgãos de mídia e nos jornais escrevia-se: um rapaz morreu afogado por entrar no rio ébrio. Somos um país incrivelmente despraparado para pobres e dói, imenso, quando um golpe lixa tudo. Não que o dinheiro fosse tornar a nossa vida menos miserável do que já era. Neste caso tornou as coisas bem piores. Antes das dívidas 100 dólares eram 3000 meticais. Hoje são 6000. Ficávamos duas vezes mais pobres e por essa razão é impossível ser imparcial no que diz respeito à responsabilização dos estrategas da nossa penúria. Por Matilde e Reginaldo e por todos que se abraçam no _my love_ com essa chuva que se lixem.