Estou a pensar seriamente em abrir um curso intensivo de inclusão, integração e inserção social dos dirigentes e deputados cessantes. É uma iniciativa (pertinente e oportuna, diga-se!) da minha amiga Xanah. Eu alinho com esta ideia, primeiro, pela oportunidade de empreender e ganhar um algum, e, segundo, pelo espírito de cidadania e responsabilidade social individual.
Por exemplo, vamos fazer um "coaching" onde essas pessoas vão aprender lidar com "não temos paracetamol" dos hospitais e com "volte amanhã, a pessoa que devia despachar não está" das repartições públicas. Outra disciplina, não menos importante, será sobre pagamento individual das próprias despesas e impostos. Estudos confirmam que as pessoas que serão descartadas, grosso modo, não sabem que comida, água, luz e escola das crianças pagam-se. Não sabem que empregados recebem. Não têm ideia do valor do IVA. São gajos que nunca compraram nada.
Alguns desses compatriotas pensam que "Dívidas Ocultas" é uma nova obra poética infantil do escritor Pedro Pereira Lopes. Não acreditam que essas famigeradas dívidas existem de verdade e que o povo está a pagar nas calmas. Será, por isso, necessário fazê-los lembrar que esse calote parou no Orçamento do Estado graças à disciplina partidária dos camaradas.
Espera-se que esses senhores e essas senhoras reaprendam a viver sem assistente de campo e sem senhas de combustíveis e vinhos. Espera-se igualmente que se lembrem do PIN dos seus cartões e voltem a pagar sorvetes e viagens com o seu próprio salário. Que ganhem a consciência de que é preciso trabalhar para ter dinheiro e que trabalhar é muito mais do que assinar papéis e comer "bufês" em "workshops".
Espera-se que depois do "coaching" essas pessoas voltem paulatinamente a racionar com o cérebro. Que sejam actualizados os DUAT's dos seus órgãos internos e, de uma vez por todas, parem de pensar com o estômago e falar com a cavidade anal. Na verdade, espera-se que esses dirigentes e deputados "rejeitados" caiam na real.
Mas também teremos um "coaching" especial para os nossos irmãos lambe-botas que não conseguirem a esperada nomeação. Vamos ministrar disciplinas evangélicas para não desanimarem e não caírem na depressão. Vamos falar da fé e da esperança. Assim, os gajos podem continuar a lamber por mais cinco anos na esperança de um próximo quinquênio melhor. Dói muito saber que há colegas "escovinhas" que lamberam somente um semestre e foram nomeados Pé-Cê-As e você ainda é a incógnita da equação.
Esse "coaching" vai-se chamar "a vida é uma 'laife'". Inscrições abertas. O candidato deve ser assaltante... digo, exaltante comprovado da pátria; apresentar cópia autenticada de certidão de preguiça de raciocinar e trabalhar e; carta de motivação de querer ser povo. Não é necessário apresentar fotografia porque nós vos conhecemos.
Temos vagas para "coaches": ser apóstolo/a da desgraça convicto/a; não ter comido sequer um atum oficioso e; ter excelente domínio da "Tabela de Nhangumele" na óptica do utilizador. Ter visto "mão externa" uma vez na vida é uma vantagem.
Aprioristicamente, agradecido.
- Co'licença!
Governação é gestão sustentável de recursos, a bem dos cidadãos. Os recursos financeiros do Estado usado pelos governos (centrais e municipais) são, normalmente, provenientes das contribuições fiscais das empresas e cidadãos.
O caso do Yuri Mendes faz-me lembrar que Moçambique tem 66% de jovens. O que equivale dizer que a maioria dos moçambicanos procuram uma oportunidade para trabalhar (auto-emprego, tarefeiro ou empregado). Apesar desta verdade, nada indica que algum governo (central ou municipal) tenha engendrado planos para enquadrar os jovens no desenvolvimento do país.
Pior ainda, estes governos (central ou municipal) desencorajam qualquer iniciativa gerada pela juventude. Normalmente, os governantes escondem a sua incompetência na lei (não está licenciado, não paga impostos, não tem qualidade, não tem sanidade, etc ) devido à sua mentalidade fixa (fixed mindset), tipo: “quem vos autorizou a pensar nessa solução? Nós é que fomos eleitos ou nomeados para fazer isso”.
A outra desculpa dos “dirigentes“, e repetida por investidores, é que os jovens nacionais recém-formados não têm qualidade cognitiva. A minha experiência como gestor, cuja maioria de colaboradores é de primeiro trabalho (emprego), é que estes jovens têm muito potencial. Temos jovens de diferentes origens, províncias, raças, religiões, extractos sociais, escolas nacionais e estrangeiras e posso garantir que o nível de sucesso é de 99%.
Este sucesso faz-me repensar: são as escolas ou o sistema nacional de ensino que não são bons? Ou serão os receptores/empregadores destes jovens que não têm qualidade para garantir o seu enquadramento saudável?
Não importa a qualidade dos ingredientes, se o cozinheiro for incompetente o resultado será medíocre. A luta continua!
Amade Camal
Por estas alturas, por aí malta 2010 e 2015, o líder já tinha dado a ordem: não vamos tomar posse! E ficava aquele suspense dos filmes de "cou-boi". Olhares tímidos e de desconfiança.
Na concorrência, ensaiava-se a etiqueta da cerimônia. Preparavam-se as xícaras para servir a posse. Degustavam-se os aperitivos.
No dia "Dê", a concorrência tomava a sua posse com muito açúcar. Doce e cremosa. Com pompa e circunstância. Sobremesa, um pudim as vezes fosfórico. Palitava-se atum. Falava-se de boladas. Tudo a condizer.
Enquanto isso, do oponente, apenas murmúrios e ranger de dentes. Formavam-se grupos que clandestinamente iam "bebendo" a posse a revelia do líder. Sim, eles não tomavam posse, bebiam. Pois, tomar não é beber. Toma-se com estilo. Com pompa e circunstância. Com elegância. Toma-se com hino e aplausos. Beber, bebe-se sem regra. Bebe-se a olhar para os lados. Bebe-se "manera-manera". Bebe-se escondido. Toma-se quente, bebe-se frio.
Desta vez, apenas um silêncio lúgubre. Ninguém quer ouvir falar da possibilidade de boicotar a refeição. Ficam nervosos só de ouvir tal ideia. Muita avidez. Bastante impaciência. Maningue ansiedade. Muita democracia.
Tudo indica que desta vez será uma tomada de posse misturada e conjunta. Todos vão se sentar à mesma mesa e vão tomar posse ainda quente. Isso é muito bom. As coisas mudaram. Não sei se é organização ou desorganização. Só sei dizer que é democracia. Democracia tem dessas coisas. É normal. Hoje não é ontem.
- Co'licença!
Nunca Moçambique viveu um início de década tão desmobilizador. A classe política que hoje nos governa perdeu-se em seu desnorte. Noutros tempos, o início de uma década era uma nova madrugada de esperança. Os mais velhos lembram-se da década de 80, proclamada como de luta contra o sub-desenvolvimento. Não era um “slogan” no vazio. A política deu a essa luta conteúdo próprio, uma visão de médio prazo.
Recordamos o Plano Estatal Central (PEC), uma visão para intervenção do Estado na economia e sociedade, e o Plano Perspectivo Indicativo (suas metas e indicadores). É certo que tudo falhou! Mas a sociedade estava mobilizada, e fez a sua parte. As razões para o falhanço são outra conversa.
Quando chegamos a 90, a iminência do fim da guerra e a perspectiva da democratização deram-nos novo alento. Fomos mobilizados pela paz e pelas novas liberdades. A democracia fermentava, com seus defeitos de nascença. A possibilidade da participação política arregaçou-nos as mangas.
A transição foi, em si, mobilizadora. Nossos empresários, a maioria na informalidade, abraçaram o mercado. E os políticos aprenderam novas formas de pensar a Nação, estrategicamente, a longo prazo, envolvendo a sociedade civil mais afoita às convivências com o regime. Ainda no consulado de Joaquim Chissano desenhou-se uma visão chamada Agenda 20/25, com “imputs” de muitas franjas da sociedade. A predisposição para pensar o país a longo prazo, e dar-lhe uma perspectiva visionária, era palpável.
É também certo que essa Agenda foi relegada para a gaveta. Ninguém lhe deu seguimento. Os planos quinquenais de governação fizeram-lhe vista grossa. Todo o trabalho de consulta foi atirado ao lixo. Mas o exercício de pensar conjuntamente o país foi exemplar.
Depois veio Guebuza. Com sua visão de enriquecimento privado, e não do Estado. Em 2004, antes de sua subida ao poder, prevíramos o que seria seu consulado: uma empreitada de transformação dos negócios do Estado em negócios pessoais. Ele ainda teatralizou um pouco, com a transferência de dinheiros para os distritos e suas ladainhas sobre auto-estima mais a urgência de não termos medo de enriquecer. Essa foi sua visão central, bem assumida por todos aqueles que conceberam a arca diluviana das “dívidas ocultas”.
Agora com Filipe Nyusi, parece que nem visão existe. Nyusi tem, no entanto, uma grande oportunidade. Em véspera de início do seu segundo ciclo, que coincide justamente com o início de uma década, seus conselheiros podiam recuperar para ele o conceito de uma “visão de longo prazo”, que vá para lá do esfregar das mãos com a iminência das receitas do gás.
Nyusi pode transformar o vazio habitual dos seus discursos numa proposta programática com horizonte mais alargado, mobilizando toda a sociedade para novos desafios. Mas, para isso, ele tem de ser contemplativo. Seus primeiros meses de Governação podiam ser usados para consultas com a sociedade sobre que país queremos nos próximos 15 anos. Dois meses sentado na Ponta Vermelha, traçando com a sociedade uma nova agenda visionária para todos. Moçambique precisa de uma nova madrugada, com sua sociedade mobilizada para o bem comum. Assim como estamos, somos como uma nação sem norte, sentada à espera do milagre incerto do gás. (Marcelo Mosse)
Temo que o próximo mandato inicie e o PR (Presidente da República) não ache ninguém para os cargos a nomear e muito menos para ser governado. A razão? É muito simples: em Moçambique ninguém conta que o outro e semelhante esteja vivo. Basta que um e um outro não se avistem para que se considerem parte das estatísticas de “lhanguene” (cemitério). E sobre tal - na passada quadra festiva - tirei as dúvidas atinentes, sobrando o receio de que em 2020 o país não volte a dar certo, simplesmente – e mais uma vez – porque não conta contigo. Já explico.
No ano passado fui alertado - por um amigo da terra na diáspora - a propósito do jeito dos moçambicanos cumprimentarem-se, mormente depois de algum tempo sem contacto. Ele contara que todos os anos que passa as suas férias no país e sempre que se cruza com um amigo este mal esconde o espanto, expelindo o típico: “Hei, estás vivo, pah!?”. No papo e quando arrolado o nome de um amigo comum, um outro e sonoro assombro: “Hei, esse tipo tá vivo!? Pensei que já tivesse bazado”. E por ai avante, passando pela minuciosa revista dos que verdadeiramente partiram. E não prolongo, pois acredito que o estimado eleitor bem conhece o assunto e certamente é parte deste modo de estar à moçambicana.
Na última quadra festiva - um bom momento de encontros ocasionais entre conhecidos que não se comunicam há algum tempo – fiquei muito atento a este fenómeno e a conclusão foi aterradora: é geral (e preocupante) a estupefacção mútua pelo outro estar “Vivinho da Silva”. E dito isto, abro uns parênteses: perdoe o “teu amigo de peito, teu camarada” que bem acomodado no poder não se tenha lembrado de ti no último mandato. E já agora: faço votos de que na quadra festiva tenha estado “ocasionalmente” com ele. E para os que pensam em altos voos no próximo mandato - e em jeito de atenção a chamada - vai um aviso à navegação: só resta uma semana para a tomada de posse do PR.
Voltando ao amigo que me alertara para este fenómeno, perguntei-o - na altura - como era pelas terras do Ocidente (o dito mundo desenvolvido), local onde ele assentara arraiais. Fiquei a saber que por aquelas bandas e nas mesmas circunstâncias – encontros ocasionais depois de um certo interregno - os avistados questionam-se mais ou menos nos seguintes termos: “Então, esses projectos?”. Um detalhe, mas substancial e quiçá a nota que diferencia o ritmo do desenvolvimento entre o grosso do Ocidente e o país.
Será por aqui que o país - há mais de quatro décadas - não dá certo? Não sei, mas seja como for é recomendável e urge que se inverta a prática dos cumprimentos à moda moçambicana. Assim - e nesta década que se inicia – vai uma dica: quando o estimado leitor encontrar alguém que não se avistam há algum tempo não se admire que ele esteja vivo. Pelo contrário. Pergunte: “Então, esses projectos?”
Tenho fé e acredito piamente que deste modo o estimado leitor estará a contribuir para que este país - a partir de 2020 - não seja mais um dejecto à maneira das caracterizações de Donald Trump, PR norte-americano, mas um projecto e sério de desenvolvimento de e para vivos. Quem sabe se assim e contigo (bem vivo, naturalmente) o país possa dar certo.
Entrei no facbook e dei-me com um companheiro de inúmeros e longos caminhos. Dos tempos em que, cheios de sangue jovem nas veias, marchávamos e corríamos e rastejávamos como lagartos humanos, com AKM a tiracolo, sem munições, no Centro de Preparação Político-Militar de Boane, treinando para defender a Pátria. Decorria o ano de 1975, antes da Independência Nacional de Moçambique, e tudo aquilo era por demais fascinante. Éramos um conglomerado de mancebos provenientes de todo o país, que estávamos alí levados pela euforia da liberdade.
Olhei para a fotografia e reconnheci o Felisberto Laíce, um machope de Quissico. Mais jovem do que há dez anos, quando estávamos juntos no jornal Notícias, e tratei imediatamente de lhe enviar uma mensagem que entrava na contramão dos demais. Ou seja, enquanto os outros amigos do “face” lhe elogiavam pela jovialidade estampada no rosto, eu disse-lhe mais ou menos assim, machope é machope, nunca vai deixar de sê-lo, mesmo que viva no bairro mais luxuosa da cidade. Aliás, ele – o machope – ferve em pouca água, e daqui para aqui, pode baixar as calças e mostrar-te o trazeiro.
Laíce não demorou. Devolveu-me os trocos e respondeu-me com um “kha kha kha” dizendo assim, o machope é um gentlman, meu caro, não é como o bitonga como tu, que vive de coco e farinha de mandioca. Pior do que isso, dizia ainda o meu amigo, vende o melhor peixe da faina, e leva a péssima qualidade para casa, o bitonga é o pior avarento do nosso planeta.
No fundo era a forma que encontrei – depois de um longo tempo sem qualquer contacto entre nós - para saudar o meu velho camarada, agora reformado, depois de ter percorrido quilómetros e quilómetros com a AKM, e depois com uma máquina fotográfica sempre pronta a disparar e poetizar com a imagem. Sempre brincamos assim, nesta plataforma da sátira, usando e abusando da fraternidade que nos une. E isso tudo adentra-nos a alma e protege-nos de todos os abalos.
Felisberto Laíce é também minha fonte de inspiração. Qualquer paródia que eu escreva sobre a timbila e o mwenje e o n´tona (óleo de mafurra), é como se dedicasse a ele. De todos os machopes que eu conheço, ele é o mais próximo de mim. Chamo-o de Betinho, com muito carinho, como se fosse o farol imprescindível para me indicar as veredas imprevisíveis de toda a Zavala. Por vezes imagino nós os dois no palco, o meu amigo a tocar a mbila, e eu a cantar com voz roufenha, delirando aos movimetos da matchatchulani (bailarina) dançando na minha memória.
Lembro-me que no dia do meu aniversário, aos sessenta, há dois anos, Betinho ligou para mim e disse assim, meu caro, já estamos em dacadência! E eu disse assim para ele, meu caro, nós estamos em ascensão para o último patamar. E enquanto não chega o dia do último suspiro, vamos dançando makharra e aproveita, irmão, o tempo para tirar muitas fotografias com a máquina da tua alma.