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quarta-feira, 11 dezembro 2019 05:50

A carapinha da Miss Universo: um papo furado

 

Essa mulher "dele" natural que tanto se fala onde está? Aliás, pessoa natural onde está? Desde os primórdios da humanidade as pessoas vivem insatisfeitas com as suas aparências naturais. A humanidade nunca se conformou com a sua fisionomia. A humanidade nunca se conformou com a vontade de Deus. A humanidade vive se  transformando. Ou pinta aqui, ou corta ali. Ou fura isto, ou rasga aquilo. A mulher esteve sempre coberta de adornos. Jóias.

 

Olhemos um pouco à nossa volta. Na Indonésia tem um povo que as mulheres afiam os dentes para serem as mais preferidas, outras esticam o pescoço com argolas - as mulheres girafa. Em África temos tribos que as mulheres rasgam lábios e orelhas para colocarem um disco, tem tribos que usam argila para o arranjarem o cabelo. Aqui em Moçambique temos a tribo Makonde e Lomwê que as mulheres tatuam a face para se sentirem mais giras. Temos muitas tribos aqui que as mulheres alargam os grandes lábios (matunas) para se sentirem mais gostosas.

 

Tenho visto que no dia-a-dia as pretas "cabeludas" são as mais disputadas entre os homens. As artistas negras "cabeludas" e "unhadas" são as mais desejadas. Não vai ser hoje que a sul-africana Zozibini Tunzi ganhou o Miss Universo que os "chapéus" das nossas "sistas" não servem mais. Uwaaaaa!!!

 

Homens, vamos ser honestos. Já não há pessoa natural. Mesmo homens naturais já não existem mais. Esse machismo avulso que andamos a espalhar por aí é todo ele falso. Até os nossos orgasmos são laboratoriais. Estamos a proporcionar prazeres artificiais às madames. Até os nossos bíceps e tríceps são da China. A mulherada sabe disso e nunca nos incomodou. Então, vamos parar com isso.

 

Esse papo de cabelo e não-cabelo é pura hipocrisia! É hipocrisia porque quem compra aqueles cremes, cabelos e unhas são os namorados, maridos, pais, noivos, amigos, etecetera. São machos. Somos nós. Numa África pobre e sofrida - onde o poder financeiro das mulheres é fraco - não teríamos negócio de tissagens, se os homens não abonassem a prática. As mulheres pedem-nos para comprarmos aqueles cabelos e unhas porque nós gostamos. Nós apreciamos, sim. Quando deixarmos de apreciar, elas vão parar de usar.

 

O cabelo da Miss é um não-assunto. Não é assunto, tanto que ela nem é tão natural quanto se diz. Aquela é uma "rebocada" também. Então, vamos discutir o essencial do que ela disse nos seus discursos. Por exemplo, a promoção da liderança das raparigas. Isso - sim - é conversa. Vamos falar dos projectos que ela vai desenvolver enquanto Miss em prol da mulher no seu país, na região, no continente e no mundo. Vamos falar de como nós, enquanto vizinhos e "cunhados", podemos aproveitar da sua influência. Vamos falar de como ela pode-nos ajudar a levar aquelas pequenas miss's do Gabriel Júnior para as telas do mundo. Vamos falar do essencial.

 

Meninas, não caiam nessa balela. Isso é pura manifestação do patriarcado. Quem quer cabelo postiço, usa, quem não quer, deixa (sem falar mal de quem usa). Vocês não estão em nenhum concurso de Miss. E mesmo assim, se a Zozibini venceu, não contou a carapinha dela. Miss Universo é muito mais do que um desafio de cabelos e unhas.

 

Então, manas, se a moda é usarem cabelos das vossas primas asiáticas ou latino-américanas, vamos a isso. A gente paga, nem que seja em prestações. Curtimos bué. O resto é colóquio flácido para acalentar bovino. Papo furado.

 

- Co'licença! 

terça-feira, 10 dezembro 2019 06:50

Ukuvuyela* Zozibini Tunzi!

“Esta noite abriu-se uma porta e eu não podia estar mais grata por ser quem passou por ela. Que todas as meninas que presenciaram este momento acreditem para sempre no poder dos sonhos e vejam os seus rostos reflectidos no meu.”, Zozibini Tunzi

 

Esta semana temos mais uma razão para nos sentirmos abençoados por fazer parte desta Era. Pela História passar por nós e por podermos gritar ao Mundo que a estamos a viver. Este é o poder da comunicação e, também, das redes sociais. Hoje “meio mundo” se orgulhou da Vitória de Zozibini Tunzi! A sul-africana que foi eleita Miss Universo 2019.

 

Numa altura em que se fala e se exige representatividade em género, raça e número, principalmente no que toca a nós, mulheres, é sim um dia para celebrar. Aos 26 anos Zozibini é quarta mulher negra a ser eleita Miss Universo, em 68 edições do concurso. 68, tenho de repetir. Antes dela Janelle Commissiong, de Trindade e Tobago esperou 25 anos para ser eleita a mais bonita do Universo, em 1977. Seguiu-lhe a norte-americana Chelsi Smith, em 1995, e a angolana Leila Lopes em 2011. 

 

Se fizermos bem as contas, há uma diferença de mais de 20 anos nestas coroações. Se analisarmos um bocadinho mais a fundo talvez consigamos perceber que há um atraso na mentalidade de quem avalia ou decide quais são os standards de beleza do Universo.

 

O que começou por ser apenas um concurso criado na Califórnia, em 1952, pela empresa de vestuário Pacific Mills, passou a ser uma marca com uma licença que se renova anualmente. Neste evento estão envolvidos vários players do mercado mundial e muito dinheiro, também.

 

Não é de estranhar a invisibilidade da mulher negra num ecossistema em que quem dita são as marcas.

 

Mesmo assim, várias gerações foram passando e se esquecendo se havia mulheres negras a serem premiadas. Ser invisível é isso. É não existir. E a beleza, para além de outros fatores da sociedade é um assunto do foro muito íntimo.  Que temos receio em abordar.

 

Foi preciso as redes sociais serem mais um player, definido por nós – pela positiva – para que questões invisíveis começassem a ser visíveis. E acredito que a discussão e exposição inteligente tem sempre uma força maior.

 

Foi o que senti quando vi mais de dez vezes o discurso de Zozibini.

 

“Eu cresci num mundo onde uma mulher como eu, com o meu tipo de pele e cabelo, nunca foi considerada bonita. E acho que é hora de isso terminar hoje", disse a concorrente, na sua última mensagem antes do veredito final.

 

E afirmou-o bem. De facto, quando olho para trás e penso nos primeiros anos de adolescência, em Lisboa, lembro-me que sempre quis ter tranças compridas para os meus cabelos abanarem como os das minhas amigas. Fizeram-me a vontade. Claro que na altura nunca pensei que um dia ia escrever uma crónica a falar sobre isto e muito menos com o cabelo curto, semelhante ao de Zozi, é assim que vai ser o nickname dela para mim. E a ouvir Hugh Masekela. Estou mesmo feliz.

 

Zozi, para quem já ultrapassou as inseguranças impostas pelo mundo Ocidental, como tu, eu e outras mulheres de que tenho muito orgulho, e marcou um statement num concurso em que raras foram as mulheres negras que tiveram coragem de assumir o seu cabelo, a sua visão de combate ao racismo estrutural, já tinhas ganho pela tua frontalidade e segurança. I’m so proud of you girl.

 

Aos 26 anos és o futuro de mulher negra que quero ver, mais e mais representada. Ter ao meu lado. É em ti que me espelho, mesmo sabendo que faço a minha parte, precisamos de mais miúdas como tu. De mulheres que de facto se unem a outras mulheres por uma causa, a nossa. E não dividem para reinar. Com educação, assertividade e uma postura coerente com o presente. Nada de vitimização ou acerto de contas com o passado vindo de alguém que tinha um ano quando apartheid terminou.

 

Os teus pais só podem ser pessoas muito especiais por, apesar do que passaram, nunca terem passado aquilo, que hoje em dia, seriam inseguranças para ti.

 

"Liderança. É algo que falta a mulheres e mulheres jovens há muito tempo, não porque elas não a desejavam, mas por causa de como a sociedade rotulou como as mulheres deveriam ser". Há oito anos era apenas um concurso de beleza que elegia uma mulher negra. Hoje foi um concurso de beleza que deu voz a uma líder.

 

Khanimambo.

 

*Parabéns em Xhosa

segunda-feira, 09 dezembro 2019 13:17

CIP

Persistir no escrutínio da acção do CIP, nas suas “falhas”, no seu procedimento, não passa duma técnica para desactivá-lo e proteger os verdadeiros inimigos dos 28 milhões de habitantes deste país. Devemos fortalecer as nossas instituições. Isso é mais do que óbvio, mas tal não invalida a perspectiva do CIP e nem do grosso dos moçambicanos que julgam que a justiça só poderá ser feita doutra forma. Só que a questão sequer é essa quando se analisa o papel do CIP, mas sim a manipulação turva de sempre. Convém falar do CIP e de Borges Nhamirre para desviar a atenção dos verdadeiros malvados desta história macabra, cujas acções fizeram disparar o dólar para valores insustentáveis. Antes disto andávamos na casa dos 30 e e chegámos aos 83 meticais por dólar. Com essa dívida ficamos duas vezes mais pobres e assistimos, nesse hiato, duas guerras na zona centro e agora estamos com mais uma no Norte do país. Nem segurança e nem dinheiro obtivemos dessa empreitada. Portanto, a questão não é, de forma alguma, a posição do CIP, mas sim que enquanto se fala de Borges Nhamirre e do Elísio ninguém fala dos responsáveis. Esse é o verdadeiro e único perigo. Esquecer-mo-nos do tempo e do estrago que a dívida causou. Estrago esse que perdura até aos dias de hoje e que vai encontrar prolongamento na nossa inclinação para discutir perspectivas, agendas e quejandos. Dia pós dia, a realidade sublinha o acerto desse silogismo implacável. 

 

Nesta situação, falar do Borges, persistindo no asfixiante escrutínio do papel do CIP, dos “problemas” de língua, nada mais é do que, repito, uma técnica para desacreditar a instituição, para proteger não somente os verdadeiros inimigos da sua causa, mas sim de todos lesados pelo golpe. Enquanto todos focos apontam para Borges e o CIP, os exploradores da nossa desgraça colectiva, os larápios do erário e os vampiros do nosso sangue continuarão vencendo a guerra da exploração do nosso já tão tênue pescoço.

segunda-feira, 09 dezembro 2019 06:04

Histeria pós-Boustani

Incompreensível a razão de rasgos de felicidade e  histeria em torno do desfecho do julgamento de Jean Boustani. 
 
 
É claro que o júri ilibou o homem. Nada fora dos cânones. 
 
 
Retenha-se que, à partida, o homem não negou o seu envolvimento na tramóia e até usurpou, do Governo moçambicano de então,  qualquer autoria criativa no “plano de protecção costeira", contrariamente ao que os “terráqueos” aqui do burgo, fervorosamente, apregoavam. 
 
 
Essencialmente, o homem disse que tais governantes,  e seus rebentos, não tinham ideia nenhuma sobre "protecção costeira”, ficavam a  disputar a prerrogativa de "família economicamente mais proeminente", pediam dinheiro para alimentar paixões e amores fátuos, para financiar projectos imobiliários privados, patrocínio político partidário e carreira eleitoral  e/ou...  alimentar sonhos de homens que se atribuem "pecados únicos” e aspirações à banqueiros.  
 
 
Mais do que isso, no que poderia interessar aos moçambicanos, tal  julgamento trouxe ao de cima e decodificou nomes. Forneceu evidências documentadas que todo o “apriorismo patriótico" não conseguiu encobrir de poeira, relaxamento e descaso, entre o fechar de portas em nome da “soberania privada” e o deslegitimar das decisões e prerrogativas do Conselho Constitucional. Qual país de letra morta!
 
 
O resto, não passa disso. Velhos e novos soldados da guarda pretoriana competindo por visibilidade na dança do fumo,  do "capim raso" e no manietar da opinião pública em torno de assuntos que, mais do que envergonhar-nos, como "Estado periférico” que somos, concorrem para a exacerbação de tensões e conflitos sistemicamente disruptivos das possibilidades de reencontro como sociedade, entre nós mesmo.
 
 
O recrudescer de ameaças e ataques à organizações da sociedade civil e a indivíduos que questionam o falseamento de narrativas, à história,  acrescenta apenas isso: barbárie ao imbróglio das dívidas e engodo dos peixes.
 
 
Parafraseando o Ministro das Finanças, saudoso e implicado  Maleiane, mesmo antes de “Mazamera”, apertem os cintos moçambicanos,  ainda vamos sofrer, especialmente com estas atitudes de negação e de proteção canina de actos lesa pátria. 
 
 
A meio de tal sofrimento, que fique claro: A sorte de Jean Boustani, recém-revelado “filho da pátria", importa menos do que o seguimento do fio da meada por ele denunciado em tribunal para o destrinçar das (in)verdades do imbróglio e, ao assim fazer-se, iniciarmos a catarse e os passos para a reconciliação em torno de tão fracturantes eventos.
sexta-feira, 06 dezembro 2019 05:58

O melhor tribunal desses "bradas" é aqui na banda

Quem foi roubado? Fomos nós. Quem está a pagar a dívida? Somos nós. A quem está a doer? A nós. De quem são os gatunos? São nossos por direito. Quem estima os nossos gatunos melhor do que nós? Ninguém. Então...!!!

 

Então, o que falta para nos entregarem os nossos gatunos!? O que custa trazerem os gajos aqui na Munhava, no Brandão, em Namicopo, no Kongolote, no Torrone Velho, na Soalpo, em Canongola, em Xiquelene, em Nicandavala, no Inguri, em Marmanelo, em Paquitequete, e etecetera, e etecetera? O que custa entregarem ao povo o que é do povo?

 

O povo é, neste momento, a única entidade que está em melhores condições de tratar desses gajos com maior honra e dignidade que lhes é merecida. Nem Brooklyn, nem Kempton Park, nem Machava, nem Bê-Ó, nem nada. Connosco esses vão jurar nunca mais roubar.

 

Aqui na zona não tem nem meritíssimos juízes, nem senhores jurados, nem senhores advogados. Nem ministério público. Nem escrivão. Aqui não se escreve nada. Aqui é "feici-tu-feici". Aqui tem gente que sabe tratar de gatunos. Aqui tem gente que sabe dar chapadas. Cotoveladas. Rasteiras. Chutos. Cabeçadas.

 

Aqui na zona tem gente que sabe interrogar. Só com uma "mpama" os gajos já estarão a falar o que roubaram desde os cinco anos. Segunda "mpama", já estarão a trazer a lista dos comparsas. Terceira, já estarão a trazer os bens, incluindo os Mercedes, Mazeratis, Bi-Emes, e até o taco que iam abrir "com ele" o famigerado banco.

 

Aqui na banda tem gajos que sabem dar bofetadas em Três-Dê. Tem gajos que te dão porrada hoje e a dor vai-se repetindo anualmente na mesma data e hora. Chama-se porrada-aniversariante. O nosso tratamento fica para vida toda. É inesquecível.

 

Não se conversa com gatuno no ar condicionado: o gatuno pode ficar constipado e não conseguir falar. Não se trata gatuno com água mineral: água não faz bem à memória, é normal que não se lembre de muita coisa. Aqui na banda o único mimo que se dá a um gatuno (já vai com muita sorte) é perguntar se o gajo quer cagar antes ou durante a sessão.

 

Dêem-nos os nossos gatunos. Não brinquem com eles assim. Façam tipo presidência aberta: província por província, distrito por distrito, cidade por cidade. Experimentem, verão os resultados. O melhor tribunal desses aí é aqui onde vive o povo. Pelo que, não estamos a entender os porquês de não nos entregarem esses mafiosos para nós jobarmos com eles. Estamos preparados. Estamos a "djimar" há cinco anos. As nossas porradas já estão quase fora do mandato. Até campeonato de flexões já estamos a fazer aqui no "feici". Será que não estão a ver!?

 

- Co'licença! 

quarta-feira, 04 dezembro 2019 10:19

Sumbi

Apaixonei-me por ela, logo no primeiro dia que a vi passar em frente a minha casa. Passam dois anos, e de lá para cá  a nossa relação tem sido intensa. Cada vez que nos encontramos, o amor que nos une,  aumenta. Recrudesce a minha responsabilidade, no sentido de que não posso cometer a mínima imprudência, sob o risco de deitar tudo a perder. O azimute que me guia altera de forma espontânea quando a vejo, na rua ou no mercado, onde quer que seja. Ela já me arrebatou por inteiro, e sinto-me cada vez mais empurrado para a condição de ter que assumir a paternidade de uma criança que nem sei de onde vem. Na verdade esta menina tem idade de ser minha neta.

 

O que mete medo nela, é a sua maturidade precoce. Ela é determinada na luta pela sobrevivência,  que desenvolve todos os dias sob ambrela da verdadeira avó. Sabe que é pobre, absolutamente pobre, tem profundas necessidades. Os lábios secos denunciam um pequeno ser que passa horas e horas sem comer. Os olhos também, chamam-nos a atenção para alguém que tem quase nada para se alimentar. Mas  tudo isso não a demove, não a resigna. Parece acreditar que as coisas mais sólidas começam daqui, de baixo, onde muitas vezes temos que consentir sacrifícios.

 

Nunca me pediu nada, apesar de eu perceber que Sumbi não tem claramente nada. Se não a chamo para entrar no meu quintal, ela passa. Olha para as abundantes mangas dependuradas na copa das duas árvores fartas, que se erguem no meu espaço, e continua o seu caminho. Sem olhar para trás. E se não calha eu estar por ali, olhando para o caminho que usa sempre, quase todos os dias, então a minha neta vai engolir saliva para dentro de um estômago que nunca esteve saciado. Porém, se a vejo, por entre as frestas das plantas que servem de vedação, saio a correr e chamo-a.... Sumbi! Ela sustem a marcha, como uma tigreza que apesar de não ter encontrado a presa, mantem a confiança. Rodopia, e volta.

 

Enquanto a miúda entra, eu já estou a arrancar a fruta, sem medir a quantidade. E é ela  que vai dizer assim, chega, Bitonga Blu!

 

Há uma consonância entre as palavras da Sumbi, e aquilo que lhe vai no coração, e na mente. Se assim não fosse, eu já teria entendido. Aliás, ontem mesmo, no mercado da Mafurreira, nos arredores da cidade de Inhambane onde moramos, voltou a revelar-me a sua personalidade. O seu forte carácter. Ou seja, de entre muitas vendedeiras de marisco, a minha netinha estava lá, vendendo também, lutando ombro com ombro com as demais, na disputa pelos potenciais clientes, mas sem perder a postura. Ainda não a tinha visto, até que no meio daquela azáfama, ouvi uma voz que conheço muito bem, chamando-me como um leve trovão no seio das montanhas de pedra: Bitonga Blu! Olhei para ela, e senti toda a minha alma fluindo.

 

Ali, todas aquelas “magweva” (revendedoras) conhecem-me. Conquistam-me para a freguesia, freguês para aqui, freguês para ali. Mas nesta circunstância, quem ganhou foi Sumbi, a minha neta. Cheguei perto dela e perguntei, quanto custa todo este camarão? E ela respondeu-me, 150.

 

A nossa amizade vale mais que todo o dinheiro do planeta, para além de que eu queria que a miúda vendesse tudo, de uma vez, e voltasse para casa como um passarinho vitorioso, entregue ao vento, em liberdade. E foi o que fiz, comprei tudo, que nem é tanto assim, para agraciar os meus sentimentos, e da Sumbi. É um camarão miúdo, apanhado na pequena rede que ela arrasta nas noites, na companhia da avó, sem poder dormir como outras crianças.

 

Dei-lhe uma nota de duzentos meticais, e fiquei sem saber se recebia o troco, ou deixava com ela. De resto, esta é uma criatura delicada, e eu tenho medo de magoá-la.