Matilde trabalha na cidade como empregada doméstica, vive num bairro de expansão que responde pelo nome Santa Isabel. Quando chega ao Zimpeto, às 19h37, não encontra transporte, salvo uma carrinha de caixa aberta denominada _my love_ que deixa-lhe no local onde a terra batida beija o asfalto da circular. Matilde caminha, apesar de saber que é perigoso durante a noite, mas não tem escolhas. Leva consigo fé em Deus e meia lata de leite para o filho de dois meses, cujo pai baldou-se para outro bairro e não quis assumir. Dois quilómetros a caminhar colocam-lhe olhos nos olhos com um grupo de delinquentes, que para lhe tiraram o celular, ofertado pela patroa, espetam-lhe uma faca gelada no pescoço. Incapaz de soltar um pio viu todos homens apossarem-se do seu corpo. Curiosamente, no local onde morreu Matilde, minutos antes de violada, a polícia trocou a detenção dos criminosos por 500 meticais. Matilde poderia ter sido salva se o centro de saúde, avaliado em 0,000000000000001% do valor correspondente à quantia partilhada nas dívidas ocultas, tivesse sido construído como prometido. Enquanto Matilde se esvaía em sangue tinha lugar uma festa onde se distribuíam ranges rovers, motas top de gama, casas incríveis e por aí em diante. No outro lado de Maputo um rapaz banha-se no rio, mas a sua pele começa a arder sem motivo aparente. Inocente Reginaldo não percebia que era vítima dos químicos duma fábrica de alumínio por conta do seu bay pass. A multinacional jamais se responsabilizou pelos danos. Os responsáveis pela fiscalização fizeram ouvidos moucos ao clamor popular. Eles criavam campanhas de responsabilidade social em grandes órgãos de mídia e nos jornais escrevia-se: um rapaz morreu afogado por entrar no rio ébrio. Somos um país incrivelmente despraparado para pobres e dói, imenso, quando um golpe lixa tudo. Não que o dinheiro fosse tornar a nossa vida menos miserável do que já era. Neste caso tornou as coisas bem piores. Antes das dívidas 100 dólares eram 3000 meticais. Hoje são 6000. Ficávamos duas vezes mais pobres e por essa razão é impossível ser imparcial no que diz respeito à responsabilização dos estrategas da nossa penúria. Por Matilde e Reginaldo e por todos que se abraçam no _my love_ com essa chuva que se lixem.