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segunda-feira, 20 janeiro 2020 07:26

Das minhas limitações

Lembro-me como se fosse ontem: quando Celso Correia foi nomeado ministro, o mundo quase que ia desabando. Dizia-se, na altura, que Correia era um menino de recados e mimado de Armando Guebuza que, por isso, ia ao ministério para sabotar o Presidente Nyusi. Correia era marionete e puto de boladas sujas do Guebuza. 

 

Celso Correia não era nada ministeriável, logo para um sector importante e sensível como o da terra, ambiente e desenvolvimento rural. Não tinha experiência. Era um miúdo atrevido e ambicioso que não tinha noção das coisas. 

 

Já o Rajendra de Sousa entrou no ministério cheio de sabedoria e de coisas para dar. Enquanto vice-ministro, fez sombra ao próprio ministro. Tanto que não foi surpresa para ninguém que Rajendra passasse a ministro. Era o mais sensato. Era o que se esperava.

 

Do primeiro ao último dia, havia sempre uma expectativa em relação ao Rajendra de Sousa. As pessoas sempre acreditavam que Rajendra guardava uma carta da sabedoria na manga e que poderia tirá-la a qualquer momento. Mas nada! 

 

Hoje, Celso Correia é o tal ministro. O ministro irreverente, atrevido, ousado e criativo. Aquele ministro que não pode ser descartado. O ministro que é capa na FRELIMO. O ministro apoiado pela opinião pública. Hoje, Celso Correia e João Machatine são os tais ministros.

 

Enquanto isso, o Rajendra sumiu. Um grande académico e intelectual com voz de Jazzista na menopausa entrou gritando e saiu mudo. Perdeu ideias. Nunca vou-me esquecer daquele dia que o Rajendra apareceu na tê-vê apelando ao consumo massivo de "nhewe"/"tseke" porque, segundo ele, amolecia as fezes. Ali logo me apercebi que a bússola do cota estava avariada. Nunca consegui entender a relação entre a maciez do nosso côcô e a industrialização e comercialização do país. 

 

CONCLUSÃO

 

Por causa dessa e outras realidades, custa-me avaliar o governo, de acordo com as experiências ou diplomas das pessoas nomeadas. Tenho medo de comprar gato por lebre. Para fazer uma validação saudável do governo é preciso conhecer o objectivo do Estado. Ou seja, onde queremos ir. É preciso conhecer a Missão, a Visão e os Valores do Estado, como um todo, e dos Ministérios, como áreas de apoio. 

 

Por exemplo, qual é o objectivo da educação? Aqui parece que cada ministro cria a sua própria estratégia. É tudo pessoalizado. Ora 2ª classe tem exame, ora não tem; ora há 2ª época, ora não há; ora há exame extraordinário, ora não há; ora o ensino básico vai até 7ª classe, ora vai até 9ª; ora os exames são corrigidos em Maputo, ora cada um corrige sozinho; ora a passagem é automática, ora é semi-automática; ora é electrónica, ora é quase-mecânica; ora o livro deste ano é desta editora, ora é daquela editora; ora isto, ora aquilo. Afinal, qual é a visão do Estado para a Educação a longo prazo?

 

Parece que estamos a construir um edifício que ninguém conhece o projecto. O pedreiro, o carpinteiro, o canalizador, o electricista e o serralheiro não sabem como será o edifício, apenas sabem que é para residência. Por isso, o critério de avaliação do trabalho de cada profissional é a sua esperteza e a sorte.

 

Então, é aqui onde moram os meus limites. 

 

- Co'licença

quinta-feira, 16 janeiro 2020 12:53

O cinzentismo de Nyusi e suas incongruências

Eu esperava que o discurso do Presidente Filipe Nyusi fosse um libelo mobilizador, com uma visão sobre nosso futuro a médio prazo, ou mesmo uma imagem do país que teremos quando ele abandonar o poder (se bem que não se pode fazer muito em cinco anos). Eu esperava ouvir um galo cantando uma nova madrugada.

 

Mas Nyusi preferiu apresentar-nos retalhos programáticos da sua governação nos próximos cinco anos. Algumas palavras ocas, algumas medidas concretas. Nenhum assomo visionário, um pensamento estratégico da nação.

 

O povo, como sempre, bateu palmas. Eu também!

 

Seu compromisso com a paz é inigualável. Mas como tratar da insurgência em Cabo Delgado? Nada! Nenhuma ideia central.

 

Sua grande promessa foi a de alocar 10% do orçamento do Estado na Agricultura. Fantástico! Só precisa clarificar: o dinheiro vai todo para o Ministério ou directamente para quem produz? A vontade é boa mas, em Moçambique, os governantes ensinaram-nos a desconfiar.

 

Ele também apoia o projecto de linha férrea para Macuse, um empreendimento que pode fazer muito bem à Zambézia. Agora, é preciso ajudar na mobilização de recursos.

 

Mas o discurso estava cheio de nuances.

 

Sem conteúdo (como na abordagem da corrupção; Nyusi não tem um pensamento estratégico sobre o assunto, nem se esforça para compreender melhor o problema e pensar como fazer);

 

Incongruente (promete reabilitar a linha Beira/Machipanda, mas não faz nada para retornar o ferro-crómio à linha de Ressano, cedendo ao "lobby" rodoviário, que está dando cabo da N4,  numa altura em que falta  apenas 7 anos para a estrada passar para nossas mãos);

 

Omisso (como quando fala de economia azul e faz vista grossa à pesca furtiva, que está delapidando nosso mar, novo take away chinês);

 

Inconsequente (promete uma nova instituição de crédito para a economia, quando existe esse saquinho do BNI, uma vaca leiteira falida, que nunca fez banca de investimento e até já faz retalho e micro-credito);

 

Falacioso (como quando promete um Hospital/um Distrito, mostrando uma ignorância abismal sobre o que é um sistema de saúde; um Hospital Distrital tem requisitos, não é um centro de Saúde. Um Hospital Distrital, por definição, deve ter, Pelo Menos 2 salas de operações, 1 laboratório, 1 serviço de Imagiologia com Rx e aparelho de ecografia, 4 enfermarias, designadamente Medicina, Cirurgia, Pediatria e Maternidade. Deve ter 1 cama por cada 1000 habitantes do Distrito. Deve ter 1 ambulância e 1 viatura de caixa aberta. Deve ter recursos humanos: médicos, enfermeiros, técnicos de laboratório e de RX, parteiras, serventes, motoristas, enfim. Deve ter um orçamento de funcionamento para medicamentos, combustíveis, energia elétrica, água etc.

 

E Moçambique tem 154 distritos. Impossível.

 

O discurso de Nyusi foi cinzento. Agora, apesar isso, esperamos que esse cinzentismo não marque o mandato. 

quinta-feira, 16 janeiro 2020 06:35

Surpreenda-nos, Senhor Presidente!

Acompanhei atentamente o discurso de tomada de posse de Sua Excelência Filipe Jacinto Nyusi, Presidente da República de Moçambique. De resto, foi um discurso bonito, mas não tanto quanto o de 2015. Na verdade, a beleza do discurso de 2015 residia na "curiosidade". Estava carregado de simbolismos da estreia. Do novo. Da ansiedade. Estava repleto de nervosismos de ambas as partes: do orador e do receptor. 

 

Por um lado, o povo estava ansioso em ouvir o que é que o NOVO, o JOVEM e o ENGENHEIRO de estruturas férreas tinha para dizer e, por outro, o Presidente estava ansioso em saber como seria recebido e entendido pelo seu povo. Era um Chefe de Estado engenheiro e jovem, atributos que fugiam do protótipo moçambicano (e porquê não, africano) de governante. Nyusi deve ter sido o Chefe de Estado que apresentou o discurso mais "conectante" com o povo. Acredito que depois daquele discurso a sua popularidade tenha subido de fasquia. 

 

Em 2015, Nyusi era "empregado" e o povo, "patrão". Tinha um coração onde cabiam todos os moçambicanos. A juventude e a educação eram o seu ópio; a corrupção e a impunidade, os seus piores inimigos. A liberdade de imprensa e de expressão era o apanágio. Na prática, "nheto"! 

 

O discurso de 2019 é o mesmo de 2015, mas com uma caligrafia trémula e sem confiança. Parecia um discurso que não estava a sair do seu íntimo. Pouca retórica. Faltou vida ao discurso. Até parecia um daqueles informes do Estado da Nação... cheio de incertezas e pouca convicção. E com razão! 

 

O quinquênio passado foi muito problemático. Se fosse num jogo de futebol, diria que foi uma primeira parte falhada. Diria que, neste momento, estamos a perder e temos de recuperar na segunda parte. Temos de ter a coragem de reconhecer isso sem evasivas nem subterfúgios e, muito menos, vergonha. Aliás, o próprio Chefe de Estado já se deu conta disso. Se pegarmos na gíria desportiva de que "equipa que ganha não se mexe", chegaremos a mesma conclusão. Ao anunciar que 60 por cento do próximo governo será gente nova, o Presidente Nyusi está a reconhecer a inoperância do governo anterior. Esteve aquém do esperado. Não quero aqui alencar motivos para não ser repetitivo, dado que tem sido um debate actual da mídia nacional e internacional.

 

Como o discurso do primeiro mandato não passou disso - discurso, agora só posso esperar apenas que o Presidente nos surpreenda pela positiva. "Wallahi-Billahi", espero que o Presidente Nyusi desfaça o meu equívoco e mostre que, desta vez, pode ir muito além das promessas públicas. E eu acredito que isso é possível.

 

Estamos aqui para ajudá-lo sempre que precisar, Excelência. Usarmos os "recursos minerais" para catapultarmos a "agricultura" para criarmos o "desenvolvimento" para chegarmos ao "zero fome" não é coisa doutro mundo. Fazermos com que os recursos naturais não sejam a nossa maldição é fazível. Ouvirmos e respeitarmos ideias diferentes, analisarmos e acolhermos - se for o caso - não é um bicho de sete cabeças. Não nos enfiarmos balas e não nos quebrarmos tarsos, metatarsos, carpos, metacarpos, falanges, falanginhas, falangetas, úmeros, tíbias, etecetera, não custa nada. Combatermos a corrupção é também possível. Alimentarmos a Tabela de Téo com mais gatunos é canja. Unidos somos mais fortes. 

 

Eu aredito piamente na vontade do Chefe de Estado de materializar o seu discurso. É possível, sim. Já, o foco, este parece que anda preso numa teia algures. Parece que depende da boa fé dos beija-mão. Os cânticos das hosanas têm estado tão altos que ensurdecem e tiram o foco do nosso Presidente. Evitemos distrair o Presidente desta vez! 

 

Que este mandato seja o nosso presente! Surpreenda-nos a todos, incluindo os bajuladores. Supere-se e surpreenda-nos, Excelência! Aquela visita inesperada ao Presidente Dhlakama na Serra da Gorongosa foi uma demostração de que é capaz de se superar e de nos surpreender e, diga-se, foi o píncaro do mandato... se ainda não deu bons frutos, é assunto para outro fórum. Trabalhe fora da caixa, Excelência! É possível. Saia do papel! Eu ainda "confio em ti", porque também sei que "contigo" pode "dar certo". Surpreenda-nos! "Tamu-juntu", camarada! 

 

- Co'licença!

quinta-feira, 16 janeiro 2020 05:27

A “mão externa” e outros órgãos

Em Moçambique é normal que o Poder recorra a expressão “mão externa” para acusar as organizações da sociedade civil moçambicana de estarem (e existirem) ao serviço de interesses estrangeiros, sobretudo do Ocidente. Pelo que se crê o móbil da acusação é o facto de estas organizações receberem doações/financiamento do Ocidente e de supostamente no verso do cheque constar uma agenda do que fazer . Sobre a acusação - e do mesmo jeito que o acusador também bebe (e bem antes) da mesma fonte - já diz o ditado: quem fala assim não é gago (risos).

 

Trouxe a expressão (mão externa) à mesa, não para debruçar sobre acusações, mas  para partilhar algumas considerações que se prendem com o seu  alcance ( e dos órgãos adiante) e a razão da escolha da mão (externa) e não de um outro órgão do tipo, por exemplo: coração , estômago ou cérebro.

 

Imagino que se tenha recorrido a este termo (mão externa)  porque dos dedos da mão sai a assinatura do cheque. Dos mesmos  dedos a direcção a dar ao valor inscrito. E também – a parte dolorosa – dos mesmos dedos sai um gesto que se assemelha com o nome de uma fruta da corrente época. Deste gesto  e por ter recorrido à empréstimos na calada da noite, o país ainda se ressente da sua profundidade.  

 

Uma outra expressão e com a mesma intenção acusatória de “ mão externa” com o tempo saiu de moda. Era a não menos famosa  “mão invisível”.  A razão por ter saído de moda  talvez fosse porque  as ditas agendas escondidas deixaram de ser segredo e em nome da transparência passaram para o fórum público de tal sorte que é perfeitamente identificável o dono da  dita “mão externa”: os países do Ocidente que condicionam o seu apoio à questões  de ordem política  e económica. 

 

Para o apoio  recebido de outros países -  caso da  China -  o termo (mão externa) não é  aplicável, pois a China – pelo o que se consta da fala oficial – não condiciona a sua ajuda à nenhuma imposição de natureza política ou económica. Enquanto que o apoio do Ocidente é considerado  mau, o da China é bom. Neste contexto, uma expressão adequada para caracterizar a abordagem da ajuda chinesa e recorrendo a outros órgãos do corpo humano e de tão amorosa a ajuda chinesa,  quem a recebe devia ser acusado de   “coração externo”.

 

O denominador comum e o culpado  da dependência  externa é um outro órgão: o estômago. Este  (já  interno/nacional)   ainda não se libertou dos hábitos e costumes gastronómicos coloniais e pelos dias que correm, os da globalização . Para ilustrar chamo a atenção de uma entrevista (dada depois da independência) de Ricardo Rangel, o saudoso fotojornalista moçambicano, que perguntado sobre o que mais gostava de comer respondeu que adorava um bom cozido à portuguesa. E em seguida lamentou que o seu estômago não se tenha descolonizado.  Presumo que não tivesse sido  matéria da agenda do processo de  descolonização.

 

A par do estômago  está  o cérebro. Isto para falar do último órgão (também interno/nacional). Não é segredo para ninguém que o grosso da literatura (científica e religiosa) que alimenta (doutrina) o cérebro da Pérola do Índico é externa e boa parte proveniente das fontes do apoio.  Logo e a partida: um órgão  exposto, vulnerável e à reboque da “mão externa” e do “coração externo”.   

 

Nestas circunstâncias - diante das  incursões  externas ( da mão e do coração) e da  capitulação  interna  (do estômago e do cérebro) – haverá alguma  luz no fundo do túnel?  Acredito que haja e  tenho fé  que um outro órgão e local  (devidamente identificado)  venha à terreiro em socorro da Pérola do Índico .

terça-feira, 14 janeiro 2020 09:17

Tabus da minha cidade

Tenho 96 anos de idade e nunca tinha visto antes uma coisa igual. Já vivi momentos dramáticos e de medo, que ultrapassam os limites da dor, como estar uma noite inteira debaixo do matraquear incessante do granizo por sobre as chapas de zinco que cobrem a minha casota, e do rimbombar apocaliptico dos trovões que pareciam a última ira do próprio Jehová dos Exércitos. Experimentei a terrível sensação de que o mundo ia implodir para dentro dele mesmo, ou para dentro de nós, nos anos 40, quando um terramoto flagelou aldeias inteiras em Kassakatiza, alí no limite entre Tete e Zâmbia. Tenho ainda na parede da memória, o remoínho que me arrancou do rio Zambeze, para fustração dos crocodilos, colocando-me no ar como  Jesus Cristo em ascenção, depois de se despedir dos Seus discípulos em Galileia. Tenho esses profundos episódios todos, inesquecíveis, e eu a pensar que não haveria mais nada de extraoridnário para viver.

 

Eis que agora, empurrado pela própria história, provavelmente pelo destino, estou aqui, numa cidade alagada de preconceitos e tabus sem fim. A princípio, quando cheguei, vindo de Chinde - outra escala da minha existência de andarilho anarquista - esta urbe parecia incapaz de produzir feitos notáveis, para além do sossego, que por sua vez nos dá a falsa sensação de que a vida aqui é completamente musicada. Mas aos poucos e poucos, fui percebendo que por detrás deste sereno ulular, podem estar escondidas várias hienas que passam a vida a sorrir para esconder o asco.

 

Moro num ponto privilegiado da baía, em Nhapossa, de onde posso contemplar, de longe, as cidades de Inhambane e Maxixe. À noite passo horas e horas observando tranquilamente as luzes emanadas pelas duas urbes, as quais, por sua vez,  deixam escapar as gotas da iluminação que se espalham pelo mar, tornando a paisagem ainda mais reverberante. Tudo isto é uma beleza sem paralelo, enfatizada pelo murmúrio imperceptível das ondas pacatas. É uma dávida.

 

E porque a cidade de Inhambane é um alfobre de mistérios, temos que estar preparados para o pior. Na última quinta-feira (9 de Janeiro de 2020), acordamos entusiasmados ao ver o Céu completamente coberto de nuvens, depois de meses e meses sem chover por estas terras. Era o renovar da esperança, que mesmo assim, perante todos os sinais de infausto, nunca desvaneceu. Trovejou em sussurro sem que antes podessemos visualizar os relâmpagos. Pingos escassos começaram a tamborilar por sobre os nossos tectos, mas pouco tempo depois tudo voltou com era. Sol devastador.

 

Porém, do lado da Maxixe, que fica aqui pertinho, chovia a potes. E no lugar de a precipitação alastrar-se até  onde havia sido anunciada, foi desviada para Homoíne, Panda e Funhalouro, deixando-nos a mercê da canícula e dos pensamentos. Dizem que alguém, cheio de maldade e rancor contra estes lugares, “amarrou” a chuva. Aqui não pode chover, e muitos acreditam nisso. Aliás, eu também, que pensava ter vivido o lado mais dramático da vida, sou tentado a pensar como esses muitos. Até porque aqui mesmo, nas profundezas deste pedaço de mar, há pessoas que vivem em comunhão com os peixes e mariscos afins, incluindo tubarões que têm aparecido como se fossem o terror dos mares. Esses seres humanos naufragaram. Uns reapareceram, e hoje são curandeiros. Outros, contudo, continuam lá, na esperança de um dia voltarem.

 

Nos meados de Dezembro de 2019 eu voltava de Linga-Linga, depois de uma visita familiar. Esse poderá ser o dia mais espectacular dos meus últimos tempos. Fomos perseguidos pela chuva, que entretanto limitava-se a cair à volta do barco à vela que nos transportava, sem nos atingir. Andamos cerca de duas horas à favor do vento, cheios de medo, com a chuva a escoltar-nos, e o marinheiro, experiente nestas andanças, dizia-nos, fiquem calmos, havemos de chegar.

 

Na verdade, depois da Ilha de Inhambane (Giidwane), a chuva desapareceu. Vimo-la voltando para Linga-Linga e ninguém ousou perguntar, mas o que é isto!

terça-feira, 14 janeiro 2020 06:55

Os 7 pecados capitais do nosso Parlamento

1. Pedir a palavra para gastar tempo de antena exaltando o seu presidente do Partido como se ele fosse Deus. "Em primeiro lugar, gostaria de endereçar as minhas saudações ao nosso querido e amado presidente [do partido] pela sua dedicação, abnegação, entrega, altruísmo, responsabilidade,...". É desnecessário e enfadonho. E quando você vai consultar o significado dessas palavras no dicionário descobre que são todas sinónimas. Ou seja, o gajo gasta tempo a dizer a mesma coisa sem saber. Dá até preguiça ouvir essas m*rdas. No entanto, quando entra no assunto de interesse não diz nada. Para piorar, depois dessas infelizes hosanas, começa a insultar o presidente dos outros. Eu acho aquilo uma "granda" filho-da-putice. Você já escovou até chegar aí, não precisa escovar continuamente. Aliás, não é uma boa passarela para exibir esse tipo de talento.

 

2. Não contribuir para o debate. Possas!!! Há deputados que ninguém conhece, nem mesmo no seu próprio círculo eleitoral. Gajos que nunca falam. Eu acho que a plenária da Assembleia da República devia ser como na sala de aula onde o professor obriga que os alunos participem activamente. Deputado que não abre a boca, mas somente bate palmas, ninguém merece. É um desperdício. Tem microfones que nunca foram ligados durante toda a legislatura passada.

 

3. Falar m*rdas. Trazer assunto totalmente oblíquo ao debate. Caramba!!! Esse é pior que aquele que não fala. Está-se a debater orçamento e o fulano levanta assunto de enchimento de urnas e falsificação de editais. Nada a ver! Assim não se produz. E veja que, quando é para se debater a lei eleitoral, o gajo começa a falar do orçamento da sessão passada. É até uma boa piada quando os deputados se insultam, mas se for fora daquele recinto, melhor.

 

4. Voto de disciplina partidária. Não pensar e não analisar o assunto. Votar pura e simplesmente porque o colega votou. Excesso de disciplina partidária. Esse é o principal obstáculo à produção, à produtividade e ao desenvolvimento. Não se pode desenvolver de forma sustentável sem um debate franco. Debate franco passa até por questionar a sua própria ideia. Duvidar dela. Ouvir e avaliar argumentos contrários. Aliás, foi essa cena de disciplina partidária que matou o país com a inclusão deliberada e irracional do calote no Orçamento de Estado.

 

5. Dormir em plenária. Dormir e acordar com palmas. Não sei a que se deve, mas que irrita, irrita. Se sabe que não está em condições de trabalhar, fica em casa e assuma a falta. Assuma o desconto.

 

6. Viver numa província e pertencer ao círculo eleitoral de outra província. Eu nunca entendi isso. E não me conformo. É legal, mas não é justo. Participar da vida das pessoas que diz representar via "Feicibuk" ou WhatsApp é a pior aberração da nossa democracia. Conhecer o seu círculo eleitoral via "Gugle" é simplesmente um desperdício de dinheiro.

 

7. Não se debater o informe do estado da nação do Presidente da República. Está deve ser a milésima vez que escrevo sobre essa palhaçada. É que é uma palhaçada mesmo. Uma autêntica falta de absurdo, como diria o Muzzo. Então, o "empregado" sai dos seus aposentos, vai à casa do seu patrão para dizer o que lhe vem na cachimônia sobre a vida do seu patrão e o patrão não diz nada!? Fica só a ouvir!? A olhar!? Então, o mecânico faz o diagnóstico da sua viatura e você simplesmente assume tudo sem questionar nada!? Não pode saber os motivos da avaria, o preço do serviço, os prazos, as outras alternativas, etecetera!? Afinal, onde fomos buscar esse modelo!? Não seria melhor gravar a mensagem e enviá-la a imprensa, sem ter de gastar palmas e rimas emparelhadas da presidente da Assembleia!?

 

Essas e outras coisas (sem hierarquia entre elas) me tiram o entusiasmo do trabalho parlamentar. Me tiram forças de votar. Juro que gostaria de estar eufórico com a tomada de posse e com o início da nova legislatura, mas desconsoladamente não dá. Infelizmente, é a nossa democracia. Mas, pode mudar... querendo.

 

"Eni-wei", parabéns, aos deputados!

 

- Co'licença!