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Crime

Desde que Amade Abubacar foi detido a 5 de Janeiro pela Polícia em Macomia, quando fotografava pessoas fugindo dos ataques protagonizados por grupos armados em Cabo Delgado, sua família vive um drama sem paralelo. A mulher, Chamira Machembo, contou as peripécias por que tem passado ela e as filhas menores. Chamira ainda vive chocada. Não esperava nem compreende o que se passa. No passado dia 19 de Janeiro, Chamira teve permissão de visitar Amade na prisão em Macomia. O jornalista contou que foi roubado. Os militares tiraram-lhe tudo, incluindo cartões de ATMs, dois telemóveis, dinheiro (5.640 Mts), seu Bilhete de Identidade e o cartão de identificação tributária.

 

Abubacar é jornalista do Instituto de Comunicação Social (ICS) em Macomia, que lhe deu as costas, à família também. Os dias têm sido difíceis. Desempregada, a família dependia dos rendimentos de Abubacar, um homem que não se cansava de trabalhar para dar do melhor às suas duas filhas. 

 

Agora, Chamira vive com a ajuda de parentes e amigos de Abubacar, que se mostram solidários. Ela lamentou que algumas entidades com quem Amade Abubacar colaborava terão prometido apoio, mas depois telefonaram a dizer que já não seria possível! Outro drama é o facto de Chamira Machembo, depois da única visita que fez ao marido a 19 de Janeiro, deixou de saber do seu rasto. Diz não ter informações concretas sobre o paradeiro do marido e que têm sido infrutíferas as tentativas de entrar em contacto com o advogado Augusto Messariamba, nomeado pelo MISA Moçambique. 

 

De acordo com Chamira Machembo, as coisas começaram a ficar estranhas em Dezembro de 2018, quando ocorreu um furto na sua residência. Amade estava a trabalhar na rádio e ela teve uma breve ausência para o mercado. Quando regressou, um ladrão tinha levado um computador portátil, um disco duro externo, gravadores, uma pen drive e um modem, objectos essenciais para o trabalho do marido. 

 

Desde lá, Amade se via à nora para escrever. Ou tinha de se deslocar à radio. Em casa escrevia no telefone. Quando Amade desapareceu no dia 5 de Janeiro, Chamira ainda pensou que era uma coisa breve. Mas já passam 33 dias. Doméstica, uma das suas maiores dificuldades é cuidar das filhas sozinha. Não tem assistência alimentar. E nem pode ter acesso às contas bancárias de Amade. “Carta” sabe que o jornalista detido não vivia unicamente dos rendimentos no ICS. Colaborava com outras entidades, nomeadamente jornais e jornalistas, expondo ao mundo o drama da insurgência em Cabo Delgado. Amade era o correspondente da “Carta de Moçambique” em Cabo Delgado. 

 

PS: "Carta" tem prestado algum apoio em dinheiro à família de Amade Abubacar.

 

(Omardine Omar)

Durou apenas 6 dias o recolher obrigatório decretado no passado dia 24 de Janeiro pelo edil da Vila de Mocímboa da Praia, Fernando Neves. Num comunicado datado de 1 de Fevereiro, sexta-feira, Neves determinou o levantamento da interdição da “circulação noturna de peões, bicicletas, motorizadas, viaturas pesadas e ligeiras, assim como o exercício de qualquer actividade comercial e projecção de filmes".

 

A decisão de decretar o recolher obrigatório foi denunciada pelo bastonário de Ordem de Advogados, Flávio Menete, durante a abertura do ano judicial na passada sexta-feira. Menete alertara que o edil de Mocímboa tinha tomado uma decisão inconstitucional. 

 

De facto, a Constituição da República estabelece no seu número 1 do artigo 282 que “o Estado de sítio ou de emergência só pode ser declarado no todo ou em parte do território nos casos de agressão efectiva ou eminente, grande ameaça, ou de perturbação da ordem constitucional ou de calamidade pública”. 

 

A CRM estabelece também que a declaração do estado de emergência ou de sítio é uma competência exclusiva do Presidente da República, que deve, para o efeito, buscar a anuência da Assembleia da República, pois trata-se, ao fim e ao cabo, de uma ordem que suspende direitos constitucionais dos cidadãos. Imediatamente após a denúncia de Flávio Menete, o edil de Mocímboa voltou atrás. (Carta)

Não é segredo que a intensificação dos ataques em Cabo Delgado está a provocar sérios embaraços ao regime, levando-o a procurar bodes expiatórios face à sua incapacidade em travar as incursões dos grupos armados naquela província. Apesar do optimismo que tem transparecido no discurso dos dirigentes, Presidente da República incluído, a verdade é que as forças de defesa e segurança enfrentam sérias dificuldades no combate aos que quando iniciaram os primeiros ataques em finais de 2017 em Mocímboa da Praia foram rotulados de criminosos aventureiros sem qualquer motivação.

 

 Como exemplo da procura de bodes expiatórios para a guerra (porque de guerra se trata, ainda que se tente suavizar com os já conhecidos sofismas) em Cabo Delgado, na sua edição de hoje o matutino pró-governamental Notícias insere um artigo sobre quatro supostos logísticos que foram detidos pela Polícia. Os visados são indiciados de fornecer armamento de guerra e vestuário aos grupos de atacantes que actuam nos distritos do norte da província de Cabo Delgado. Adianta o Notícias que os ‘logísticos’ em causa, identificados pelos nomes de Ussene Juma (36 anos), Domingos Máquina (23), Aine Idrisse (30) e Xavier Shacabaceni (54), sendo estes dois últimos irmãos, confessaram ser originários de Macomia de onde se deslocavam até à província de Nampula para levar caixas e outro material contendo armas, munições e vestuário destinados aos atacantes que actuam em vários pontos de Cabo Delgado.

 

 Segundo o “Notícias”, Juma, Máquina, Idrisse e Shacabaceni ficavam à espera das encomendas enviadas nos autocarros a partir de Nampula para a vila-sede de Macomia. Já em poder das encomendas, os quatro saíam à calada da noite para um ponto combinado não muito distante da vila de Macomia, onde deixavam as caixas, sacos e pastas contendo o material bélico e vestuário que mais tarde era recolhido por outros integrantes do grupo. O quarteto justifica a não denúncia da sua actividade à Polícia pelo receio de uma eventual vingança, através do assassinato dos denunciantes, a ser protagonizada pelos grupos dos atacantes em Cabo Delgado, conforme ameaça feita por um dos cabecilhas.

 

Outros bodes expiatórios

 

O primeiro sinal público da tentativa das forças governamentais de encontrar bodes expiatórios para o conflito armado em Cabo Delgado foi a detenção do empresário sul-africano Andre Hanekon, acusado de conivência com os protagonistas dos ataques em alguns distritos daquela província. Hanekon morreu recentemente em circunstâncias ainda por esclarecer, apesar de a autópsia dos serviços de medicina legal do Hospital Provincial de Pemba apontarem para ‘causas naturais’.

 

 Mas a família do falecido empresário sul-africano exige das autoridades moçambicanas uma nova autópsia imparcial e transparente, para que se saiba exactamente o que aconteceu. Antes da sua morte, Hanekon estava detido na cadeia de máxima segurança em Pemba, para onde tinha sido levado depois de um malabarismo judicial que se seguiu ao seu aparentemente encenado rapto num hotel no distrito de Palma, do qual contraíu ferimentos graves que foram o motivo do seu internamento num hospital rural antes de ser transferido para o Hospital Provincial da capital de Cabo Delgado.

 

Numa clara demonstração da impotência dos órgãos judiciais perante o regime, Andre Hanekom continuou detido mesmo depois de o tribunal ter emitido um documento autorizando a sua saída em liberdade condicional, mediante pagamento de uma caução.  A ordem do tribunal foi pura e simplesmente ignorada pelas forças de defesa e segurança! Outro bode expiatório do regime perante a sua impotência em descobrir o ‘remédio’ para a guerra em Cabo Delgado é o jornalista Amade Abubakar, detido pela PRM e depois entregue aos militares, quando em Macomia entrevistava pessoas fugindo dos ataques. Numa clara violação da liberdade de imprensa, e também no que pode ser entendido como uma vergonhosa subserviência da Justiça ao regime, Abubakar continua encarcerado em Pemba à espera de julgamento, apesar das fortes pressões internas e externas para a sua imediata libertação. (Humberto Mandlate)

domingo, 03 fevereiro 2019 13:36

As lições que Eduardo Mondlane deixou*

No próximo dia 3 de Fevereiro de 1970 passará um ano sobre a morte do Presidente da FRELIMO, camarada Eduardo Mondlane. Durante este ano a FRELIMO continuou o seu trabalho, intensificando a luta de libertação em todos os níveis, mais impetuosamente, numa ofensiva crescente.

Contrariamente às expectativas do inimigo, a FRELIMO foi capaz de refazer-se do golpe representado pela morte do seu Presidente, e reforçou-se solidamente. Interessa neste momento fazermos uma análise - analisar o significado e implicações da morte do camarada Presidente Mondlane, porque é que ele foi assassinado, qual foi o objectivo do inimigo, se o inimigo alcançou esse objectivo com este crime, em que medida a nossa revolução tem avançado desde 3 de Fevereiro de 1969.

Ayuba César Saíde, um jovem militar de 21 anos, natural da cidade de Quelimane, que desde 2018 estava a receber instrução em Montepuez, Cabo Delgado, desapareceu dos radares da família de uma forma quase misteriosa. Faltando apenas um ano para Saíde concluir o tempo de serviço militar, ele foi enviado para uma missão em Macomia, mas viria a perder a vida juntamente com outros três soldados. Os quatro foram alegadamente sepultados numa vala comum.

 

Numa entrevista à “Carta”, um parente de Ayuba Saíde revelou que ele e os colegas tinham sido enviados para Macomia, integrados numa das 46 brigadas militares destacadas para proteger aquele distrito, que é palco de ataques insurgentes. Numa emboscada a uma coluna militar, os quatro morreram.

 

Mas, ao invés de informar assertivamente às famílias, os Comandos militar dos distritos de Montepuez e Macomia recorreram a uma mentira para justificar a morte de Saíde e seus colegas, que foram enterrados sem conhecimento dos parentes. Durante semanas, foi comunicado às famílias que os quatro jovens militares haviam perdido a vida num passeio de motorizada. Sempre que os parentes tentassem saber do seu paradeiro, recebiam informações desconexas. 

 

No dia 22 deste Janeiro, parentes de Ayuba Cesar Saíde e seus colegas, preocupados com o seu estranho silêncio, e porque por telefone não obtinham resposta, deslocaram-se ao quartel de Montepuez para obter informações. Depois de muita insistência e pressão, a verdade veio à tona no dia 23 deste mês: Ayuba César Saíde e os seus três colegas tinham sido mortos num ataque ocorrido na madrugada do dia 20 de Janeiro.

 

Conforme contou à “Carta” o familiar de um dos defuntos, o local da tragédia não foi revelado pelas autoridades. Depois de receberem a confirmação de que os jovens militares tinham morrido, os familiares exigiram que os corpos fossem exumados para posterior envio às zonas de origem.

 

A fonte que falou com “Carta” contou que a intenção das autoridades era esconder a verdade. Uma das alegadas mentiras foi que os finados tinham viajado, e que as zonas por onde andavam não tinha cobertura de telefonia móvel. No dia em que os quatro militares foram mortos, seus corpos foram lançados numa vala comum. Apenas duas famílias tiveram a sorte de recuperar os restos mortais dos seus entes. Seus enterros decentes foram realizados na semana passada em Caia e Quelimane. (Omardine Omar)

O norte de Moçambique acolhe a partir de terça-feira um exercício militar apoiado pelos Estados Unidos, com forças armadas moçambicanas e de outros 15 países, anunciaram hoje o Ministério da Defesa moçambicano e a embaixada norte-americana em Maputo. O exercício, designado Cutlass Express, vai decorrer até 07 de fevereiro e realiza-se todos os anos na costa africana do oceano Índico, com o apoio dos EUA.

 

Esta nona edição vai ser feita ao largo de Cabo Delgado, a província norte de Moçambique em que aldeias remotas estão desde há um ano a ser atacadas por grupos armados que já provocaram 140 mortos.

 

O exercício deste ano vai ensaiar o combate à pirataria e ao "tráfico ilícito de drogas, de produtos da flora e fauna bravia e de seres humanos", acrescenta o comunicado.

 

O comunicado não faz referência à situação vivida na região, mas alguns dos crimes referidos têm sido apontados entre as causas dos ataques que acontecem na província.

 

É também naquela região que petrolíferas norte-americanas (Andarko e Exxon Mobil) lideram investimentos em curso para extrair gás natural dentro de quatro a cinco anos, a partir daqueles que são dos maiores depósitos submarinos do mundo.

 

O exercício vai decorrer na zona de Pemba, capital provincial de Cabo Delgado, e contempla ainda a realização do Simpósio de Líderes Seniores, em Maputo, de 4 a 7 de fevereiro de 2019, coorganizado com o Centro Africano de Estudos Estratégicos. "O exercício foi concebido para reforçar a cooperação multilateral entre as forças navais que operam no Oceano Índico e concentrar-se-á no desenvolvimento de capacidades relacionadas com a identificação, abordagem e busca de embarcações suspeitas no mar", acrescenta o comunicado conjunto do Ministério da Defesa de Moçambique e embaixada dos EUA em Maputo. (Lusa)

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