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domingo, 03 fevereiro 2019 13:36

As lições que Eduardo Mondlane deixou*

No próximo dia 3 de Fevereiro de 1970 passará um ano sobre a morte do Presidente da FRELIMO, camarada Eduardo Mondlane. Durante este ano a FRELIMO continuou o seu trabalho, intensificando a luta de libertação em todos os níveis, mais impetuosamente, numa ofensiva crescente.

Contrariamente às expectativas do inimigo, a FRELIMO foi capaz de refazer-se do golpe representado pela morte do seu Presidente, e reforçou-se solidamente. Interessa neste momento fazermos uma análise - analisar o significado e implicações da morte do camarada Presidente Mondlane, porque é que ele foi assassinado, qual foi o objectivo do inimigo, se o inimigo alcançou esse objectivo com este crime, em que medida a nossa revolução tem avançado desde 3 de Fevereiro de 1969.

Se recuarmos um pouco na história do nosso povo, da nossa luta e da nossa organização, facilmente compreenderemos porque é que o inimigo tinha tanto interesse em assassinar o Presidente Mondlane. Todos nós sabemos que até à criação da FRELIMO o povo Moçambicano estava desunido - por divisões tribais, religiosas, falta de compreensão e de tradição política. Esta falta de unidade era o principal factor de sucesso do inimigo: habilmente manejando uma tribo contra outra, o povo de uma região contra o povo de outra região, utilizando as religiões nos aspectos em que elas favoreciam a opressão e exploração, os colonialistas portugueses puderam dominar o nosso povo durante séculos.

 

A criação da FRELIMO cm 1962 representou o fim dessa situação, e a realização da UNIDADE. Em volta do Presidente da FRELIMO, camarada Eduardo Mondlane, moçambicanos de todas as tribos, de todas as religiões e sectores sociais, culturais, económicos, decidiram unir-se e lutar juntos contra o inimigo comum. O camarada Mondlane representava, portanto, a Unidade do povo Moçambicano. Os colonialistas portugueses sabiam que esta unidade significava o fim do seu domínio sobre Moçambique. E então, decidiram assassinar o Presidente da FRELIMO, convencidos de que com a sua morte a unidade seria quebrada.

 

 Outras razões levaram o inimigo a assassinar o camarada Mondlane - razões mais próximas, ligadas ao desenvolvimento da luta. Foi sob a liderança do camarada Mondlane que a FRELIMO desencadeou a luta armada de libertação nacional, em 25 de Setembro de 1964. O camarada Mondlane representava assim a compreensão de que só a luta armada pode conduzir o povo Moçambicano à liberdade e independência. Esta foi mais uma razão para o inimigo o escolher como principal alvo. Por outro lado, o Presidente Mondlane imprimiu à nossa luta um carácter popular, lutou sempre pela vitória da linha verdadeiramente revolucionária, que colocava como objectivo único servir os interesses do povo Moçambicano, contra qualquer forma de exploração. Isto também, como é evidente, preocupou muito os colonialistas, alguns dos quais tinham a esperança de poderem continuar a exploração num governo africano mas fantoche.

 

 Mais: o camarada Mondlane ensinou-nos a definir com clareza quem é o nosso inimigo - que o inimigo não deve ser definido pela cor da pele, mas pela sua actividade contra os interesses do nosso povo. E é esta orientação que nos permite hoje, mesmo depois da sua morte, definir com clareza o inimigo em cada fase da nossa luta. O camarada Mondlane considerou a instrução do nosso povo como devendo ser uma das nossas preocupações fundamentais. Porque a independência de Moçambique e a sua sobrevivência como país realmente independente dependem da existência de quadros conscientes, capazes de assumir as várias tarefas revolucionárias.

 

O camarada Mondlane ensinou-nos ainda sobre a necessidade de sermos completamente independentes nas nossas relações com os outros países - rejeitarmos o paternalismo de certas potências, aceitarmos só o auxílio que nos é dado sem imposição de condições, na base do respeito absoluto dos outros países pela nossa luta e pelo nosso povo.  O camarada Presidente Mondlane preocupou-se em estruturar a FRELIMO em bases sólidas - tão sólidas que sobrevivessem mesmo se ele ou outros dirigentes em certo momento não pudessem continuar a participar na luta. Preocupou-se em criar uma estrutura que assegurasse a continuidade da Revolução - para além da presença física dos indivíduos.

 

 Tudo isto o camarada Mondlane realizou.  Compreendemos assim porque é que o inimigo o tinha como alvo, como era importante para o inimigo assassinar o nosso Presidente. Assassinando-o, o colonialismo português esperava destruir todas as vitórias já alcançadas: a unidade, a compreensão da necessidade da luta armada, o carácter popular e revolucionário da luta, a definição do inimigo em termos de exploração, a prioridade na educação do povo, a solidez das nossas estruturas, a nossa independência no plano internacional. Um ano passado sobre a morte do nosso Presidente surge naturalmente a questão: terá o inimigo alcançado os seus objectivos com este crime? Terá conseguido destruir a nossa unidade? Parar a luta armada? Desviar a nossa orientação politica?

 

 A resposta é dada pelo próprio desenvolvimento da luta – desenvolvimento político, militar, económico, educacional, etc. Nunca a nossa luta conheceu tantos sucessos como no ano que passou. Mobilizámos e organizámos novas populações para a luta; matámos centenas de soldados colonialistas; abatemos aviões; destruímos dezenas de postos, sabotámos pontes e estradas; abrimos mais escolas para as nossas crianças, mais centros médicos para os nossos feridos e doentes; aumentámos a produção a tal ponto que a maior parte das zonas libertadas são auto-suficientes em comida. É claro que estas vitórias não teriam sido possíveis se o nosso povo tivesse deixado de estar unido, se a nossa força política e militar tivesse enfraquecido, se a nossa linha revolucionária e popular tivesse sido desviada.

 

 A explicação desta situação já foi referida: é que o Presidente Mondlane conseguiu criar uma estrutura que sobrevivesse à sua morte e, interpretando a vontade do povo, formulou uma linha política revolucionária que, por ser verdadeiramente popular, estava segura de ser sempre defendida. A morte do Presidente da FRELIMO provocou, como reacção imediata, uma certa desmoralização entre os nossos combatentes. Mas cedo nós soubemos vencer a dor e transformá-la em nova força e ódio contra o inimigo. Porque, como o camarada Mondlane frisou muitas vezes, o problema que se põe ao nosso povo não é o de viver ou morrer, mas viver livre ou escravizado. E então, a morte daquele que dera a sua vida em sacrifício pela libertação do seu povo não podia de maneira nenhuma significar o fim da luta. Os nossos combatentes compreenderam que parar a luta seria atraiçoar os ideais de Liberdade, Independência e Revolução, pelos quais o camarada Mondlane morreu. Parar a luta seria tornar inútil o sacrifício do nosso Presidente - e seria condenarmo-nos a uma escravidão perpétua. Por isso, a luta continua.

 

*Editorial de “A Voz da Revolução”, órgão de informação da FRELIMO, publicado em Janeiro de 1970. 
“Carta de Moçambique” reproduz o texto integral, com a vénia devida, para benefício da memória, da história e para a informação das gerações mais jovens.

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