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Carta do Fim do Mundo

quarta-feira, 27 julho 2022 06:53

Valorizar o que tem valor

Valores são um conjunto de características de uma certa pessoa ou organização, que determinam o comportamento e a forma como interage com outros indivíduos e com o meio ambiente. (significados.com)

 

Valor para Filosofia é uma relação entre as necessidades do indivíduo e a capacidade das coisas e de seus derivados, objectos ou serviços, satisfazerem o pensamento racional do indivíduo. (wikipedia. Org)

 

Como todos sabemos, os valores alteram-se com o tempo, local, hábitos e costumes. Contudo, não deixam de reflectir o Bem Social.

 

Os indivíduos, famílias, comunidades e sociedades definem os seus valores influenciando-os de forma ascendente e descendente.

 

Os indivíduos influenciam as famílias, as famílias influenciam a comunidade, a comunidade influencia a sociedade e a sociedade influencia os indivíduos através da ética.

 

Valores éticos são o resultado de um conhecimento construído com base na reflexão, sobre as acções humanas e na determinação de princípios que promovem o Bem comum.

 

Princípios são regras éticas inegociáveis.

 

Uma sociedade movimenta-se, (sub)desenvolve-se, de acordo com menos ou mais valores, ou seja, se os seus princípios estão claramente estabelecidos, socializados e supervisionados, é garantido que essa sociedade irá desenvolver-se, independentemente dos seus recursos, calamidades, posição geográfica, etc. Ao contrário, também é válido. Ou seja, quando não há princípios haverá subdesenvolvimento.

 

Diz o provérbio que “ninguém dá o que não tem, nem mais do que tem”.

 

Todavia, temos vindo a assistir, impávidos e serenos, à degradação sistemática dos valores sociais por parte das organizações políticas, nacionais e estrangeiras, que nos levarão ao abismo.

 

Paradoxalmente, demitimo-nos de governar para o superior interesse dos moçambicanos, afim de obedecer e satisfazer os interesses da “comunidade internacional” cuja consequência desse servilismo é o empobrecimento a que estamos expostos.

 

Por outro lado, temos países que seguem o percurso ético de governação, impondo os seus valores e a sua cultura e o resultado é o desenvolvimento que testemunhamos.

 

Mais grave se torna quando a tal “comunidade internacional” apesar de todas as conspirações, explorações, expropriações, desonestidade intelectual e comportamentos inéticos, contra os nossos ingénuos povos e governos, ela própria (comunidade internacional) caminha  para o empobrecimento, “ninguém dá o que não tem, nem mais do que tem”.

 

Pelo que, estimado leitor, nacional moçambicano, ou nacional da “comunidade internacional” saiba que estamos a ser geridos longe dos valores éticos que produzem o Bem social

 

O Bem gera benefícios, o Mal gera malefícios, como é óbvio.

 

A maldade, a mediocridade e o crime nunca compensaram, razão pela qual, os diferentes impérios, os malfeitores, independentemente da sua dimensão, sucumbiram quando menos esperavam.

 

O capital das sociedades são a Educação (na família e na escola) e os valores.

“Certa vez perguntaram a um sábio, quanto valia um dirigente com ética? O sábio respondeu vale 10.

Perguntaram a seguir, e se o dirigente tiver conhecimento?

O sábio respondeu, acrescente um zero à direita.

E se for jovem? voltaram a perguntar ao sábio que respondeu, acrescentem mais um zero à direita.

A última pergunta foi, e se o dirigente violar a ética?

E a resposta foi, tirem o número 1, que só vão sobrar três zeros”.

 

A falta de ética de alguns países supostamente desenvolvidos, defensores do modelo  democrático ocidental, está patente na guerra dos USA/NATO-Rússia. Os Ocidentais fazem a “prova dos nove” da sua mediocridade, associada a uma gritante falta de princípios.

 

Como consequência, o povo ucraniano está a ser chacinado  da mesma forma que os palestinos e os europeus a se empobrecer entre eles, para servirem interesses (entre outros, venda de equipamento bélico) esquizofrénicos dos USA, e atrasarem a nova centralidade geo-estratégica do mundo, a Ásia e aliados.

 

Em Moçambique, não estamos melhor por (in)decisão nossa, destruímos de forma acelerada os nossos princípios e valores éticos.

 

Já não chega ter muitos professores, médicos, polícias, agentes secretos, magistrados, inspectores fiscais, políticos, funcionários públicos, empresários, ONG`s, religiosos entre muitos outros, desmotivados, incompetentes, e corruptos.

 

Agora temos sabotadores, que se divertem a destruírem os maiores valores de uma sociedade “o livro escolar, as leis, o fisco, a segurança pública e a justiça”.

 

Não há Direitos sem Obrigações.

 

A “democracia”, por si só, não garante uma sociedade justa e desenvolvida.

 

Todos os modelos políticos têm os seus prós e contras, a democracia tem como base o  poder do voto da maioria. Se essa maioria não lê, quando lê não compreende o que lê, significa que as decisões estarão disponíveis à mediocridade e manipulação.

 

Neste mundo prolífico em oportunistas e populistas ter este modelo Ocidental de democracia interessa-nos?

 

Nenhum recurso, seja ouro ou gás, irá reverter o caminho do subdesenvolvimento, se nós não valorizarmos o que tem Valor.

A Luta Continua!

 

Amade Camal

“Existem medidas ousadas a serem tomadas face ao anúncio de que a vida estará mais cara nos próximos doze meses, mas também há aqui oportunidades. As medidas seriam o banimento de compra e venda de maçaroca, deixando para a formação de milho, proibição de venda de lanho de coco, faz muita diferença na cozinha nacional. Em termos de oportunidades, a Autoridade Tributária tem se desdobrado a fazer divulgação da Lei das Cooperativas Modernas com objectivo de colectar impostos. Aqui, a divulgação da criação das cooperativas seria para agregar valor ao produto, através de produção baseada na assistência técnica do Estado, produção em escala, com muitos agricultores a produzirem a mesma cultura, mercado assegurado de entre outras vantagens”.

 

AB

 

O Banco de Moçambique, através do respectivo Governador, veio a público anunciar que os próximos 12 meses serão difíceis para os moçambicanos, do ponto de vista do custo de vida e indicou os Cereais e os Petróleos como sendo aqueles que irão pesar mais para esse efeito. Ora, tendo soado o alarme publicamente, é chegada a hora de pensar-se nas alternativas ou num plano de emergência para fazer face a essa carestia de vida anunciada. Nesta reflexão, três sectores do Governo e a comparticipação do sector privado, na minha opinião, se mostram chaves para um plano de emergência e digo as razões dessa opinião mais adiante.

 

Os sectores chaves do ponto de vista do Governo, sem excluir os outros naturalmente são:

 

  1. Agricultura e desenvolvimento rural;
  2. Comércio e Indústria;
  3. Economia e Finanças;

 

Obviamente, o amigo irá questionar sobre o papel dos transportes, das obras públicas e recursos hídricos, de entre outros e a resposta é simples: todos os sectores deverão, nesta perspectiva, contribuir fazendo a sua parte. Entretanto, as áreas aqui elencadas constituem o núcleo, onde as coisas devem ser pensadas de forma colectiva e saírem directrizes a serem implementadas com a cumplicidade do Sector Privado, no caso em apreço, sob liderança da CTA – Confederação das Associações Económicas de Moçambique e, aqui, não se exclui nenhum actor privado. A enunciação da CTA se deve ao facto de liderar o DPP – Diálogo Público Privado e, por via disso, ter sido outorgado o título de entidade de utilidade pública.

 

1.a) O papel da Agricultura e desenvolvimento rural

 

Aqui, volto a repetir que a participação do sector privado, de forma estrutural, é importante porque o Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural, por mais bons planos que possa desenhar e conseguir recursos para o fazer, se o sector privado não corresponder, nada irá resultar porque, que eu saiba, não temos Empresas Públicas de produção agraria. O que penso que este sector deveria pensar é traçar um plano de produção agrícola em função das condições agroecologia da zona, juntar agricultores na mesma zona (aqui entra o sector privado) para a produção do mesmo tipo de produto de modo que se consiga uma produção de escala.

 

As culturas a serem consideradas, na minha opinião, salvo outros pensamentos, seriam as seguintes: Milho, Mandioca, Batata Doce, Repolho, Couve, Tomate, Cebola em Rama, Feijões, Cenouras e outros. As entidades ligadas à Saúde, na componente nutricional, teriam aqui um papel preponderante na divulgação de nutrientes destes produtos e a forma de preparação para que não criem disrupção na vida nutricional das populações e aqui irei abrir parênteses para dizer que muito dirão que esses produtos não substituem o arroz e nem o trigo, base da dieta alimentar dos moçambicanos, explico-me.

 

A dieta alimentar de um povo ou de sociedade deve ser materializada de acordo com a sua capacidade produtiva e de prover os produtos de dieta alimentar. Na minha passagem pela Alemanha Democrática, o Instituto onde frequentei, levou-nos a Berlim para contemplar a estátua do homem que obrigou os Alemães a comerem batata reno como seu alimento básico em detrimento dos cereais. A explicação era muito simples, o período de produção de cereais era insuficiente para prover a segurança alimentar enquanto que o ciclo da cultura de batata-reno permitia a produção duas a três vezes no mesmo campo e ao mesmo tempo as quantidades eram de longe aquilo que se conseguia em cereais. Mais, a par da batata-reno, introduziram o consumo de carne de porco também por razões do clima, mas aí me não vou alongar.

 

Este introito para dizer que os hábitos alimentares são moldados em função da realidade específica de cada sociedade. Você não vai colocar como dieta principal de uma sociedade um produto que e de difícil acesso e que não é produzido no país. Aqueles que dominam algumas dietas externas dirão, mas em Portugal o prato principal é o Bacalhau e não são produtores de bacalhau. Esse é assunto para outra conversa, porquanto, não devemos fugir do foco.

 

2.a) Indústria e Comércio e seu papel

 

Muitas vezes, quando falamos de produção agrícola, olhamos para o Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural como a entidade responsável pela produção e colocação do produto no mercado, nada mais errado este raciocínio. na verdade, o Ministério da Indústria e Comércio deveria ser aquela instituição que, junto do Ministério da Agricultura, define o que o mercado precisa, ou seja, a planificação da Agricultura deveria ser baseada naquilo que são as necessidades do mercado e, na minha opinião, a responsabilidade de saber o que o mercado necessita é da Indústria e Comércio. Este Ministério, inclusive, deveria definir os padrões de qualidade dos produtos a serem considerados no consumo, quer a nível nacional quer para exportação. No segundo caso, em coordenação com a Organização Mundial do Comércio, mas deixemos o que deve fazer e foquemo-nos no nosso plano de emergência.

 

O Ministério da Indústria e Comércio, não sei se faz ou não, mas deveria licenciar os operadores de Comercialização Agrícola do País. Ao licenciar esses agricultores, digo comerciantes, esta entidade tem como saber quem compra e onde o produto e onde vende. No caso de existirem sinais de não escoamento de produção, numa determinada zona de produção, os comerciantes licenciados para essa zona são chamados a dizer algo e por via deles compensar-se os agricultores e compensar. Porquê! Porque esses comerciantes deverão ter um acordo prévio de compra e venda do que for produzido naquela zona.

 

Aqui, por experiência própria, a tendência do agricultor tem sido “desviar” as primeiras colheitas de cada produto, isso porque essa colheita apresenta a mais-valia no mercado. Surge quando ainda há escassez desse produto e, na terceira ou quarta colheita, quando o preço baixa é quando exige que o comerciante lhe compre e escoe a sua produção. Estes aspectos devem estar acautelados e é simples, o contrato deve prever o escalonamento de produção, o que significa saber quando semeia e quando colhe. Essas datas são determinantes para um contrato prévio de Compra e Venda de produtos agrícolas. Não se deve passar responsabilidades de não escoamento ao comerciante e deixar quem criou problemas de fora!

 

3.)1 Economia e Finanças, seu papel

 

Bom, todos sabemos que a função desta instituição é a colecta de impostos para repassar as actividades do Estado, mas esta instituição também deve estar comprometida com a sobrevivência da sociedade. Nestes casos, abdicando de alguns impostos e, aqui, quero me referir especificamente ao Imposto de Valor Acrescentado nos produtos eminentemente agrícolas, não se trata aqui de abrir uma competição sã entre o formal e o informal, trata-se sim, de criar condições para que, o cidadão deste país consiga ter acesso a comida a um preço com menos 17%. Isto terá um impacto enorme na comercialização agrícola nessa fase. Por uma questão de coerência, diria que essa isenção aplicar-se-ia aos produtos considerados prioritários mas, se fosse possível abrangência para todos os frescos não processados seria de uma importante contribuição.

 

Dito isto, nas diferentes fases de implementação deste plano de emergência, o sector privado estaria lá para participar, implementando as directrizes do plano. Como disse acima, o Governo não possui, neste momento, empresas públicas agrárias porque, se as possuísse, apelava-se a si própria para desenhar e implementar esse plano. Mais um dado interessante, a Autoridade Tributária tem estado a falar das Cooperativas de produção para sair-se do informal. Aqui, a criação das Cooperativas seria para melhorar a produção, conseguir a produção de escala e, por via disso, ter o mercado assegurado.

 

Dito isto, creio ter dado a minha singela contribuição para que a carestia de vida nos próximos doze meses não seja tão severa para nós moçambicanos, a duração deste plano seria de 24 meses, ou seja, dois anos, o primeiro para subsistência e o segundo para a consolidação do sistema de produção e de Comercialização, depois disso e em função dos resultados obtidos, o Governo e o sector privado poderiam desenhar o futuro da nossa agricultura que, na minha opinião, é o único que tem o potencial de crescer sempre!

 

Adelino Buque

O uso crescente das plataformas digitais resulta de um conjunto de transformações que o mundo conhece desde a criação da Internet. Por hipótese, podemos argumentar que essa lógica é uma característica própria do que pode ser chamado de ‘sociedades modernas’. Para tal, duas razões seriam cruciais para explicar a emergência desta realidade. Por um lado, os partidos políticos e as organizações tradicionais (associações, sindicatos e igrejas) perderam o seu controlo sobre a sociedade, deixando espaço para outras instituições (menos formais e burocráticas) organizarem a acção política dos cidadãos (Gaxie & Pelletier, 2018). Por outro, as ligações sociais têm-se tornado cada vez mais fluidas – os políticos deixaram de ser uma inspiração social e nutrem menos confiança dos seus governados.

 

Assim, a utilização das redes sociais da Internet acaba por estar intimamente ligada à participação política, especialmente às formas de engajamento cívico ‘não convencionais’, tais como os protestos, petições, boicotes e ocupações. Por exemplo, evidências de fora de Moçambique já mostraram que a utilização do Facebook e Twitter é um forte preditor do envolvimento político (Scherman & Rivera, 2021). Embora estas conclusões sejam determinantes, parte significativa dos trabalhos nesta área revelam que tais estudos foram realizados quando a penetração dos meios de comunicação social era consideravelmente menor do que é actualmente, sobretudo se tivermos em conta a ‘Primavera Árabe’ como exemplo de destaque. Isto leva à questão de saber se os media sociais ainda estão correlacionados com a participação política, num contexto em que tais meios mudaram, nos últimos anos, e novas plataformas foram introduzidas. Contudo, destaque-se que a utilização dos meios de comunicação social está relacionada com o envolvimento dos cidadãos na política, pois essas plataformas não só expandiram as oportunidades para as pessoas se envolverem em actividades virtuais, como também se tornaram um veículo que facilita a participação numa vasta dimensão de acções offline.

 

No caso de Moçambique, precisamos recordar-se de Setembro de 2010, quando foram colocadas a circular mensagens de texto e algumas publicações em plataformas virtuais sobre uma mobilização social de vulto, onde o País, no geral, e a Cidade de Maputo, em particular, viveu um cenário de mobilização social que marcou uma época (Chaimite, 2014). Exceptuando-se a violência com que tal acto teve lugar, foi notário o papel desempenhado pelas redes sociais da Internet para a difusão ou propagação daquele evento, seja para distorcer o que sucedia ou relatar o respectivo evento em tempo ‘real’. Todavia, se 2010 é um exemplo típico do que podemos designar como mobilização cívico-virtual, o que dizer dos anos seguintes? Nesta opinião, que julgamos inacabada, colocamos algumas hipóteses sobre o evoluir do espaço cívico no espaço virtual em Moçambique nos últimos anos.

 

Em geral, podemos afirmar, com alguma convicção, que após 2010, o que resta da memória colectiva de uma acção plena de mobilização data de 2015, quando organizações da sociedade civil se juntaram para manifestar contra a insegurança e busca de paz no País. Naquele ano, a mobilização feita por meios digitais pode, no nosso entender, ter sido fundamental. Mas e depois, que exemplos podem ser mobilizados para ilustrar a tendência protestatória por via dos meios digitais? A resposta é ou seria pouca ou quase nenhuma. Na verdade, são esporádicas ou quase inexistentes as acções de mobilização social em Moçambique ou, pelo menos, nas capitais provinciais, seja por meios virtuais ou similares.


De facto, não se tem memória de um acto que, nos últimos 7 anos, tenha marcado o espaço dos repertórios de acção colectiva no País. E a pergunta que se pode colocar é: será por falta de razões? Talvez sim, mas talvez não. Por hipótese, diríamos que o cenário de mobilização social tende a fechar-se em contramão com a própria expansão das redes sociais da Internet, que se tornaram aquilo que designamos de ‘tubos de escape’, dado que o espaço físico (rua) se tornou perigoso para realizar acções públicas de mobilização (Tsandzana, 2020). Embora poucos ou quase inexistentes, os últimos exemplos de que temos memória datam de 2021, quando houve uma tentativa, embora falhada, de se realizar uma mobilização contra a introdução de portagens ao longo das vias rodoviárias da capital e província de Maputo. O caso mais recente incide precisamente ao presente mês de Julho, primeiro no dia 4 e, depois, no dia 14, sendo em relação a este último que incide o nosso comentário.

 

Para além dos áudios que supostamente davam indicação da provável manifestação, o facto de circularem imagens que sugeriam um pré-posicionamento de viaturas da polícia, que deviam agir em caso de erupção social, representa uma dupla função que as redes sociais da Internet desempenham. Sucede que ao mesmo tempo que esses espaços podem ser vistos como ferramentas mobilizadoras, a sua capacidade de dissuasão – promoção do medo e da incerteza – também é presente de forma consequente. Ou seja, enquanto se fala de mobilização no espaço digital, também devemos mencionar a desmobilização programada, o que foi visto através de uma imagem colocada a circular, no dia 13 de Julho, por via de uma foto cujo teor indicava “Os Cidadãos Agastados e Desempregados com a Crise no País (ADCP) tem a informar a todos os cidadãos de todas as cidades do País que, por motivos organizacionais, não terá lugar a manifestação prevista para amanhã, dia 14 de Julho...”. Aliás, actos de desinformação intencionada, por via de fotos, textos ou vídeos antigos/manipulados ou fora do contexto, são uma prática constante neste tipo de situações.

 

Por conseguinte, face ao contexto acima, a nossa contribuição passa por compreender o que terá causado o instalar da ‘eutanásia de protestos’ em Moçambique, os quais, em tempos, foram promovidos por via das plataformas digitais. Para uma provável resposta, avançamos três hipóteses as quais devem ser lidas de forma complementar.

 

  • Reforço da repreensão digital: é memória que, após os protestos de 2010, uma das medidas centrais foi a introdução da obrigatoriedade de registo de cartões SIM, vista, na época, como um mecanismo de monitoria das comunicações. De igual forma, cresce a aprovação de dispositivos que visam coartar algumas liberdades, como é o caso da Lei das Transacções Electrónicas (2017) e Estratégia Nacional de Cibersegurança (2021). Isto mostra que embora positiva, a ascensão dos media digitais e sociais trouxe um aumento substancial da atenção para a repressão dos activistas e movimentos digitais e/ou para a utilização de ferramentas digitais na repressão. Com efeito, embora um número crescente de pessoas dependa, primária ou exclusivamente, de plataformas digitais, regimes autoritários desenvolveram concomitantemente um conjunto formidável de capacidades tecnológicas para constranger e reprimir os seus cidadãos (Feldstein, 2021).
  • Socialização política do digital: o facto de o espaço virtual estar a ser disputado por todos, cria oportunidades para que quem governa siga de perto o que sucede em tais plataformas digitais. Ou seja, entendemos que, desde 2010, cresceu a consciência política sobre a importância e o papel dos media digitais, o que, muitas vezes, faz com que sejam criadas bolhas de intervenção política, justamente para deturpar o sentido real do debate nesses espaços ou apenas para recolher informação que alimenta a terceira dimensão que abaixo apresentamos.
  • Incremento da violência simbólica (e material): enquanto se refere que Moçambique pouco podia fazer para conter o terrorismo dada à incapacidade material de acção, ao mesmo tempo, parece evidente que, quando se trata de actos de mobilização social e política, as autoridades demostram plena e exagerada musculatura para agir. Tal realidade remonta desde a presidência de Armando Guebuza, tendo apenas se amplificado ao longo dos anos. Tal realidade nos faz concluir que se os espaços digitais podem democratizar as vozes, simultaneamente, não parecem ser capazes de transgredir o virtual para o físico (rua) por receio da acção de força e violência estatais.

 

Por fim, diante de todo este cenário, surge uma questão que não podemos deixar de mencionar. Sucede que falar de mobilizações sociais, seja em Moçambique ou em outras realidades, remete-nos a invocar a presença ou a capacidade do sector associativo e sindical. Ora, no caso nacional, são essas entidades que, mesmo sem certeza do que realmente poderá suceder, adiantam-se em propalar comunicados desmentidos, como se as manifestações fossem actos anti-democráticos.

 

Mais ainda, facto similar aconteceu com a Associação dos Estudantes Universitários da Universidade Eduardo Mondlane (AEU-UEM) em 2021, bem como, recentemente, através de um desmentido posto a circular no dia 13 de Julho de 2022, assinado conjuntamente pela Organização dos Trabalhadores de Moçambique, Confederação Nacional dos Sindicatos Independentes, pelo Sindicato Nacional de Jornalistas, Sindicato Nacional de Professores e pela Associação Médica de Moçambique. Porém, estranho é que estas últimas organizações tenham emitido, no dia 11 de Julho, através do Jornal Notícias, um comunicado que ia de encontro com a convocação de uma possível ‘greve geral’, em virtude das reivindicações por elas feitas junto do Governo. Contraditório ou não, este pode ser um exemplo que ilustra a orfandade a que estão expostos os associados em Moçambique, a qual, certamente, é um tema para um futuro comentário.

 

Referências

 

Chaimite, E. (2014). Das revoltas às marchas: a emergência de um repertório de acção colectiva em Moçambique. Maputo. IESE.

 

Feldstein, S. (2021). The Rise of Digital Repression: How Technology is Reshaping Power, Politics, and Resistance. Oxford. Oxford University Press.

 

Gaxie, D., & Pelletier, W. (2018). Que faire des partis politiques ? Paris. Éditions du croquant.

 

Scherman, A., & Rivera, S. (2021). Social Media Use and Pathways to Protest Participation: Evidence From the 2019 Chilean Social Outburst. Social Media + Society, 7(4), 1-13.

 

Tsandzana, D. (2020). Redes Sociais da Internet como “Tubo de Escape” Juvenil no Espaço Político-Urbano em Moçambique. Cadernos de Estudos Africanos, 40(2), 167-189.

 

FIM.

terça-feira, 05 julho 2022 08:24

Uma sociedade profundamente dividida

A sociedade moçambicana encontra-se estes dias profundamente partida. Agitada e muito dividida, desencontrada. Em causa os benefícios que o Estado dá aos combatentes da Luta de Libertação Nacional (LLN), assunto despoletado pela carta da ministra Ana Comoane que instrui a Secretária de Estado de Inhambane a priorizar os dependentes dos combatentes da LLN nas contratações a haver proximamente na sequência das vagas de emprego abertas em várias áreas naquela província. Fica-se por saber se este procedimento da ministra é permanente, sempre aconteceu, ou é um acto isolado e só veio a público porque as cartas vazaram para as redes sociais e depois para os media!

 

De um lado, está obviamente o próprio Estado, através do governo, a entender que o procedimento é legal e que faz todo o sentido estabelecer e manter privilégios especiais aos combatentes e aos seus dependentes, mas depois concentrar-se apenas nos combatentes da Luta de Libertação Nacional e seus dependentes.

 

Do outro lado, estão os que entendem que os cidadãos devem ser iguais perante a lei, tal como prescreve a Constituição da Reública de Moçambique (CRM) e que não pode ser o próprio Estado/Governo a promover actos que dividam a sociedade, que promovam a discriminação, a desunião, o descontentamento generalizado e a desarmonia social.

 

Nada tão pernicioso que uma sociedade dividida, desarmoniosa. Uma sociedade que pretenda progresso, bem estar, desenvolvimento, tem que primar pela harmonia, paz espiritual, consenso nacional e unidade. E tudo isto passa pela promoção de atitudes, comportamentos e procedimentos harmoniosos e apaziguadores.

 

Na verdade, se lermos com atenção o tal artigo 15 da CRM, vamos perceber que a interpretação que a ministra faz é algo errônea, com algum cheiro a ilegalidade. Promove a discriminação social. O parágrafo número um do referido artigo fala, de facto, de valorização de todos os combatentes - da Luta de Libertação Nacional, da Defesa da Soberania e da Democracia, “reconhece e valoriza os [seus] sacrifícios”. Todos eles são abrangidos. No entanto, já o parágrafo dois fala somente dos combatentes da LLN e diz que “o Estado assegura protecção especial aos que ficaram deficientes  na luta de libertação nacional, assim como aos órfãos e outros dependentes daqueles que morreram nesta causa.” Uma interpretação rigorosa diz-nos que se trata de “dependentes” dos combatentes falecidos ou deficientes. E não de todos os combatentes da luta de libertação nacional, como subjacente na instrução da ministra. Portanto, devíamo-nos ater só e só nesta faixa.

 

Mas há mais que inquieta a sociedade: até onde é quando vão estes “dependentes”? É que na definição actual dos próprios, “combatentes” são todos aqueles que de uma ou de outra forma estiveram envolvidos na Luta de Libertação Nacional, os filhos destes e os netos destes, nalguns casos também os trinetos… daí o termos hoje “combatentes” com idades inferiores à idade da nossa independência nacional. Isto é o que se está a verificar no concreto no dia-a-dia da nossa sociedade. Repare-se que a extrapolação não é para com todos os “combatentes”; mas somente para com os “combatentes da Luta de Libertação Nacional”.

 

Faz sentido considerar combatente o filho e ou neto de um combatente? Faz sentido considerar professor/engenheiro/médico… o filho e ou neto de um professor/engenheiro/médico? Assim, o filho e ou neto do Eusébio são futebolistas? O filho e ou o neto do Belmiro Simango são basquetistas… do Joaquim João futebolistas…

 

Ninguém rejeita que os combatentes tenham privilégios especiais, afinal são pessoas muito especiais, que hipotecaram as suas vidas pela libertação da nação moçambicana. Mas que, primeiro, sejam todos os combatentes das várias lutas que o país enfrentou nas várias fases da sua história. Segundo, que não haja extensão forçada da categoria de combatente para filho, neto e trineto. Só o facto de o combatente gozar de privilégios especiais já é o bastante para os seus dependentes terem um futuro de segurança e prosperidade.

 

É esta extensão forçada e irracional que deixa a sociedade bastante dividida. E nós não podemos patrocinar actos que dividem a nossa pátria amada, sob o risco de termos guerras que nunca acabam!

 

ME Mabunda

terça-feira, 28 junho 2022 15:19

Em delírio total!…

No distante ano de 1990, os nossos “Bons Rapazes” lançaram uma fabulosa música com o título Akuhanha, a seguir à greve dos professores que se registou nessas alturas na capital do país. Inspiraram-se no levantamento dos docentes e escreveram a belíssima música que é aquela faixa até aos dias de hoje.

 

Fabulosa, porque na verdade a música é maravilhosa, autêntica delícia, própria dos nossos Ghorwane!  Mas também porque, em termos de letra, eles tentaram cantar o que a seus olhos era a sociedade moçambicana na altura. E, diga-se, uma leitura muito crítica, avassaladora: muito ousada até para a democracia que ainda não tínhamos em Moçambique nesse período histórico. Lembre-se que só foi em Novembro de 1990 que adoptamos a constituição que preconiza a democracia multipartidária que vivemos hoje.

 

Na letra cáustica da Akuhanha, a nossa era uma sociedade às avessas, de pernas para o ar, sem racionalidade, com muitos paradoxos, em delírio total! Diziam os “Bons Rapazes” nos seus versos que, na nossa sociedade moçambicana de então, "designavamos mafurreira de escola” (o estudo ao relento, debaixo de árvores - que infelizmente ainda continua) / “os estudantes fugiam dos livros” / “os professores abandonavam as salas de aulas e se passeavam nas ruas” / “os nossos hospitais estavam sem medicamentos” / “os médicos fugiam dos doentes” / “dependentes de muletas abandonando-as” / “roupas sem ninguém para vestir” / “comida sem ninguém para comprar e comer” / “peixe sem pescador para o pescar!” … e por aí fora. Ao longo da música, repetiam“swa tika, swa tika” (é pesado/violento)!

 

1990 foi daqueles anos verdadeiramente difíceis para a nossa “pátria amada”. A guerra dilacerante tinha atingido o auge da destruição; o país estava completamente parado ou em regressão, a economia quase toda ela paralisada. Não andava nada, ou não se passava absolutamente nada!

 

Hoje, passados mais de 30 anos, não podemos obviamente dizer que a sociedade é ainda aquela desses tempos, às avessas, em regressão, completamente destruída. Não. Há muitíssimas coisas que mudaram e para o melhor. Hoje, dizemos que Moçambique já não é mais o país de que se fala, mas o país com que se fala!

 

No entanto, a despeito de imensas coisas boas que por cá acontecem, há outras tantas aí que continuam um autêntico delírio!

 

Uma definição rápida do Google diz que delírio é um estado de alteração mental que faz com que um indivíduo apresente uma visão distorcida da realidade, sendo que isso pode ser demonstrado de diferentes formas, por meio de uma confusão mental, de uma redução da consciência e até mesmo de alucinações.

 

Que podemos dizer daquele agente de polícia que tentou perseguir para prender uma canoa na água a andar e depois a nadar, algures na costa da cidade da Beira?

 

Conta a reportagem que, numa das zonas costeiras da cidade da Beira, onde os pescadores concentram as suas canoas e de lá partem para a pesca, ou quando voltam ali as estacionam, dois polícias andavam por ali. Um do sexo masculino e o outro feminino. A passagem deles por ali coincidiu com o regresso de uma jornada de um dos pescadores na sua canoa. Consta que os pescadores usam uma técnica que a lei proíbe. Os polícias estavam seguros que aquele pescador estava a usar tal técnica. E o pescador sabia que teria problemas com eles caso lhe deitassem a mão! Vendo-se em apuros, o pescador vira a canoa de volta para o alto mar. E o polícia, tinha a arma a tiracolo, tira-a e a entrega à colega e corre de encontro à canoa!... Começou por correr, mas depois, pôs-se a nadar… ou a tentar nadar… Contaram testemunhas ao Balanço Geral que, às tantas, foi para baixo das águas, depois sobressaiu e… foi de vez! Dias depois, seu corpo seria encontrado sem vida!

 

Não é delírio isso? Que andaria na cabeça desse agente para perseguir uma canoa a nado?

 

ME Mabunda

Por razões profissionais, que, para o caso não interessam, estive na Província do Niassa nos dias 16 a 18 de Junho de 2022 e deparei-me com aquilo que, na minha opinião, constitui o exemplo de um desenvolvimento sustentável e, caso Moçambique queira trilhar pelos caminhos de desenvolvimento, deve seguir o exemplo do Niassa. Esse exemplo ocorre no sector da Agricultura e, aqui, pode se dizer mesmo que a “agricultura é a base de desenvolvimento” como preconiza a Constituição da República de Moçambique.

 

Por razões éticas e porque a minha função não é de reportar o que vi, não irei citar os nomes dessas unidades económicas, mas, por serem o exemplo, aqueles que trabalham naquela parcela de Moçambique, ou que por alguma razão com ela se relacionam, facilmente irão identifica-las. Aqui, o apelo é o Governo Central olhar para a Província do Niassa como esse polo de desenvolvimento de facto porque o é. E não é nenhum chavão!

 

São dois os exemplos que trago a saber:

 

  • Primeiro exemplo ocorre na área florestal. Uma empresa que trabalha naquela parcela do País começou com a plantação de duas espécies de árvores para exploração. Não posso precisar o período de início, mas creio que isso não é relevante. Neste momento, tem a maquinaria montada para a serração de toros produzidos nessa farma e produz desde madeira em pranchas, ripas, tábuas, madeira prensada entre outras.
  • Quer dizer, esta empresa não faz uso de árvores nativas para a sua produção, ela própria prepara seus viveiros, trata as plantas até à fase de crescimento, procede ao abate e transporte para a sua unidade de indústria e explora toda a cadeia de valor e entrega ao mercado o produto acabado.
  • Uma das grandes surpresas que tive aqui é valida para o segundo exemplo. Os trabalhadores são todos Jovens, com média de idade de 25 anos, quer do sexo feminino como masculino e, para saciar a minha curiosidade, questionei a um dos jovens onde aprendeu a lidar com máquinas de madeira e a resposta não poderia ser interessante, disse o Jovem: “aprendi aqui, este é o meu primeiro emprego”. Perguntei a província de origem e respondeu: “sou do Niassa” ponto final.
  • Para terminar este primeiro caso, notei que o grande obstáculo para a expansão de rede de distribuição da madeira nas diferentes formas são as vias de acesso. Na verdade, se as vias de acesso estivessem à altura dos investimentos feitos no setor florestal, arrisco-me a dizer que a região norte estaria suficientemente abastecida de madeira de qualidade e o desflorestamento ficaria para a história, fim do primeiro caso.
  • SEGUNDO CASO:
  1. A Empresa é secular em Moçambique, o seu fundador veio de Portugal e o seu primeiro negócio foi o comércio na Província de Nampula, depois, viria a estabelecer-se em quase todo o Moçambique. Neste momento, explora o sector agrícola como a indústria e o comércio de um modo geral, mas é da agricultura que pretendo falar.
  2. Neste sector, faz o fomento de uma cultura importante na vida do País, que é o algodão, mas, com o advento de novas culturas, arrisca-se a novas “aventuras” com sucesso. Sublinhe-se que esta empresa possui uma organização espectacular, desde o sistema de monitoria de produção até à colheita e pagamento aos produtores. Todos os produtores estão cadastrados no sistema digital com direito a imagem e cada produtor tem o seu historial, o que não deixa de ser interessante.
  3. Uma das preocupações que a empresa tinha era a migração do algodão para a soja, mas deixou de ser preocupação porque a empresa decidiu lidar com a soja como parte do seu portefólio e disso resultou outras linhas de produção, quer agrícola, quer industrial, ou seja;
  4. Devido a essa nova linha de produção, a empresa, e com efeitos a partir de hoje, 20 de Junho de 2022, começa a refinaria de óleo de algodão e soja. Quando por lá passei, estava-se a concluir a produção dos últimos 10.000 litros de óleo bruto como base para acionar a refinaria, e,
  5. Mais interessante ainda é que, de acordo com o gestor da empresa, a intenção da empresa é produzir o óleo para abastecer a província do Niassa como prioridade, quer através da rede do comércio geral, como através das suas unidades de venda espalhadas pela Província toda. Ou seja, temos uma empresa dedicada à produção agrícola, com enfoque no fomento de algodão, produz algodão, processa e através das sementes do mesmo produz o óleo alimentar;
  6. Tem mais, embora não seja com carácter empresarial, a empresa organizou um sistema de tecelagem que é gerido por 10 senhoras. Elas produzem cascóis variados e o problema delas é a falta de compradores. E aqui desafio os clubes do Niassa a comprarem cascóis das senhoras, desafios igualmente outras entidades a fazerem o mesmo.

 

Adelino Buque

 

NB: Dedico este artigo de opinião ao meu amigo Nelson Maquile, meu Caro amigo, a decisão de trabalhares e residir em Niassa não poderia ser a mais assertiva, parabéns e muita força.

 

AB

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