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Carta do Fim do Mundo

terça-feira, 22 agosto 2023 12:53

O reencontro com Mendoza Colt

MoisesMabundaNova3333

Graças às férias de passagem do segundo para o terceiro trimestre do ano escolar, foi-nos possível reencontrar o antigo colega Crisóstomo Júlio Dumangane na Escola Secundária de Chókwè, nos anos 1981, 82 e 83. De certeza que alguns dos colegas não se lembrarão de Crisóstomo Júlio Dumangane, mas, sim, e muito facilmente, do Mendoza Colt! Resultado de muitas leituras de livros de cowboy, o Crisóstomo Júlio Dumangane adoptara o nome do grandioso personagem policial Mendoza Colt. Não só adoptara o nome, mas quase todo o modo de vida, estilo e ser daquele actor. Não só ele, alguns de nós também, mas a isso iremos mais adiante.

 

Terminara eu a leitura do livro O cheiro da chuva - um contributo importante para o entendimento da nosso história imediatamente a seguir à nossa independência - e quase obrigava o Júnior a lê-lo de seguida, durante os seus quinze dias de férias, ao que me responder que não podia porque o seu professor de português lhe mandara ler o Jesusalém de Mia Couto. Júnior está na 12a classe numa das escolas da capital. Fiquei curioso de ouvir isso, porque é como nós estudamos. Os professores de português sempre nos mandavam ler qualquer coisa nas férias e depois fazermos o resumo num caderno próprio - tínhamos três cadernos, um de apontamentos, outro de resumos e o terceiro para escrever qualquer coisa, como poesia, conto, uma história. E então pergunto ao jovem quem é esse seu professor de português que lhe mandou ler Mia Couto. “Crisóstomo Júlio Dumangane!” - respondeu.

 

Desatei a rir e a bom rir ante o espanto do filho; muita coisa estava explicada: foi meu colega de escola e passamos pelos mesmos processos. Depois, recomendei-lhe que num desses dias fosse dizer ao seu professor de português que “papá lhe manda cumprimentos”. Reportou, o Júnior, que, após lhe dizer o nome do seu pai, também ele, o professor Crisóstomo, riu-se a bom rir. Estavam criadas as condições para o reencontro com o Mendoza Colt, aliás, Crisóstomo Júlio Dumangane! Voltemos a Chókwè!

 

Cada um vindo de onde vinha, em 1981, muitos alunos foram dar a Chókwè para prosseguir com os estudos na Escola Secundária de Chókwè. Calhou todos a vivermos no centro internato. Por aí 200 estudantes. No internato, havia camarata para os alunos e outra para as alunas. A camarata dos rapazes estava em forma de L. Na parte baixa do L, estavam os beliches do Crisóstomo, Isaías, Pedro e o Ombe. Esta parte do dormitório era chamada de… Califórnia, a terra dos grandes cowboys, e o Crisóstomo Mendoza Colt…

 

Durante os três anos, o Centro Internato de Chókwè conheceu um dinamismo jamais vivido. A própria cidadezinha conheceu uma intensidade diferente, era a primeira vez que recebia tamanha quantidade de estudantes oriundos de quase todos os distritos da província de Gaza, incluindo de Xai-Xai, a capital, e não só: havia também gente de Maputo e outra do centro do país. Por conseguinte, havia todo o tipo de estudantes e pessoas ali. Bem comportadas umas, mal outras, assim-assim outras tantas ainda; tudo havia lá. Alguns de nós gostavam muito de leitura: trocavámos entre nós livros e livros e íamos à biblioteca distrital levantar outros e/ou… “roubar”. “Roubamos” livros! Aproveito pedir desculpas à sociedade, pelo grupo todo; aquele “roubo” não era/é comum, decorria da avidez de saber um pouco mais… de toda a forma, era roubo e dele nos penitenciamos... Mas também fugíamos frequentes vezes para o cinema, à noite, no clube, o que nos valia punição severa da parte do chefe do internato Sondo, sempre que descobrisse.

 

Líamos a bom ler alguns de nós; devorámos a colecção 6 Balas, a colecção Vampiro, etc., etc. Identificávamos o herói e/ou as personagens principais; admirávamos-lhes as acções e bravuras e fervilhávamos por dentro. Entre os que gostavam de ler a sério, contavam-se o Crisóstomo Dumangane, o Paulito Tete, o Rui Nhanzilo, o Israel (os três já falecidos, que Deus os tenha), o Leitão, o Lopes (eu, este era o nome que me tinham dado), o Pedro, o Catine, o Germano, a Mondlanita e poucos mais; nem todos os alunos liam (perdão aos que não mencionei). Isto tudo criou em nós uma competência comunicativa acima do normal, que se traduzia em boa performance na disciplina de português e no à vontade em quase todas as situações extra-aulas. E isto, por seu turno, criava-nos outros problemas, quais sejam, chefes e docentes sentirem-se de alguma forma afrontados e alguma inveja de colegas…

 

Mas, além de competência comunicativa, linguística, acabamos também adoptando atitudes e comportamentos dos cowboys, até hoje. O Crisóstomo, o Pedro e os falecidos Paulito e o Rui destacavam-se por andar quase sempre, todo o dia, fizesse frio ou calor, de sobretudos (gabardines), com aqueles chapéus de abas grandes, justamente ao estilo dos cowboys de… Far West! Eu e o Baluine (nome também cunhado dos romances policiais que o falecido Israel adoptara) acabamos apaixonados pelos chapéus dos cowboys, esses de abas grandes, até hoje. Mais do que as vestes, os nossos comportamentos caminhavam para o “cowboyismo”: destemidos, mais ou menos bem elaborados, activos, um pouco agitadores. A agitação no internato foi tal que alguns de nós acabamos expulsos por atitudes incorrectas, outros suspensos e outros ainda mandados trazer os encarregados de educação; mas conseguimos fazer a última classe da escola.

 

Marcámos uma fase da Escola Secundária de Chókwè. E esta será para sempre a nossa segunda cidade: temos um grupo de WhatsApp a que chamamos de FORJADOS NO CHÓKWÈ… Terminada a nona classe, cada um de nós foi enviado para diferentes frentes, como era prática. O Crisóstomo foi para o professorado e nós outros para outras coisas. Assim, perdemo-nos ao longo destes 40 anos! O Mendoza lecionou em Xai-Xai, depois na Macia e Manjacaze e, agora, na cidade de Maputo.

 

Foi assim que nos reencontramos - não todos, ou com a maioria, como seria de desejar, mas o Crisóstomo, o Pedro, o Germano Mutane, o Justino, eu, o Pedro Chauque, o grande David Bila e a Ana Paula Cardoso numa casa de pasto por aí e… matamo-nos e matamos as saudades e saudades de Chókwè, de nós mesmos e do “cowboyismo”, na companhia de uns bons copos de vinho!

 

O Mendoza Colt continua aquele falante fino de português, mas voltou a Crisóstomo Júlio Dumangane!

terça-feira, 15 agosto 2023 06:33

Uma grande encruzilhada

MoisesMabundaNova3333

Uma vez mais, a apreciação, debate e aprovação da lei sobre o Fundo Soberano pela nossa Assembleia da República foi adiada para… mais tarde, não se sabendo se será na próxima sessão ou não. A primeira proposta deste instrumento legal foi desenhada no início do segundo semestre do ano passado e esperava-se que na sessão de Outubro do mesmo ano fosse à apreciação e aprovação, dado que em Novembro iríamos receber os primeiros dividendos da exploração do gás, o que não aconteceu. Muitos, incluindo eu, então, sentiram-se desconfortados com a proposta de lei, ou de todo excluídos e clamaram por mais auscultação popular, inclusão e mais debate. A AR anuiu e o projecto acabou sendo retirado para próxima oportunidade.

 

Tudo indicava que tal oportunidade seria na sessão do primeiro semestre do presente ano, mas, uma vez mais, não aconteceu. Entre o desencontro de ideias entre deputados das três bancadas, as desavenças da AR e o Banco de Moçambique, com o governador deste a humilhar completamente os deputados/moçambicanos ao não comparecer nem se justificar a uma sessão de esclarecimento na comissão parlamentar especializada, veio de nova à tona que a tal auscultação não tinha sido mais abrangente como se requer e nem acomodava as contribuições apresentadas por várias sensibilidades.

Houve, novamente, recomendação de mais auscultação.

 

Daí para cá, houve uma correria louca do Executivo e, quando se convocou a sessão extraordinária da semana passada, havia quase certeza de que o projecto de lei, uma vez constante da agenda, iria ser abordado. De novo… nada!

 

Em causa, a ausência de consenso. Prevalecem divergências nos pontos essenciais, designadamente, sobre a natureza e essência do fundo, se uma conta bancária domiciliada no Banco Central ou noutro; quem vai efectivamente geri-lo; e onde e como será aplicado. Por outras palavras, estamos no mesmo sítio onde estávamos quando ainda não recebíamos dividendos da exploração dos nossos recursos naturais. Entretanto, já estamos a recebê-los.

 

Mas, ouvindo e analisando alguns dos pronunciamentos de certos concidadãos, dá para perceber que a questão da essência ainda não está ultrapassada e é bicuda. O professor Severino Ngwenha questiona se, numa situação como esta em que nos encontramos - de crianças estudando ao ar livre e no chão; apenas 30 por cento de compatriotas com três refeições por dia (ao contrário do que propalou Celso Correia); 50 por cento com acesso à água de fonte segura e energia eléctrica; défice de hospitais e os existentes sem medicamentos essenciais para a maioria da população; país com grande défice de infra-estruturas (estradas, linhas férreas, pontes, acesso à comunicação (telefonia); etc. - vale a pena guardar dinheiro para as futuras gerações. Esta é a questão de fundo: tendo compatriotas sucumbindo, sobrevivendo; com uma refeição por dia, sem emprego, sem acesso à água segura, energia, estrada, telefone, ie., condições de vida básicas, vale a pena guardar dinheiro?… grande encruzilhada!

 

Num artigo de Outubro do ano passado, escrevia eu: “Minha visão é que devemos definir aqui e agora o que fazemos com o Fundo Soberano, a parte que irá para a conta a ser aberta no Banco de Moçambique. A lei sobre o Fundo Soberano deve estar completa e estar completa significa que deve também especificar o destino dos valores a entrarem. Não acho que devamos ser como a maioria dos criadores de gado do nosso país, que se contenta apenas em contemplar a quantidade de cabeças que tem no curral e está à espera de ver o que vai fazer com elas… tipo nós que só vamos ver o saldo da nossa conta e não temos ideia clara do que fazer com aqueles fundos… que até são magros… estamos à espera de decidir o que fazer com eles. Não. Esta questão tem que estar fechada já. Tomarmos uma decisão colectiva e consensual sobre onde aplicar os fundos provenientes da exploração dos recursos naturais. 

 

Já agora: acho que o Fundo Soberano deve ser aplicado na construção e reabilitação de infra-estruturas, só e somente só. Por infra-estruturas, quero dizer estradas estratégicas e estruturantes, isto é, as primárias e secundárias, pontes estratégicas, nacionais, regionais e provinciais; linhas férreas regionais e nacionais; e barragens e centrais eléctricas de âmbito nacional e regional. Penso que um país com excelentes infra-estruturas será um bom “legado” para as gerações vindouras.” 

 

Considero pertinente a questão colocada acima, mas mantenho este posicionamento, que me parece que cobre a preocupação levantada, de se guardar dinheiro quando compatriotas soçobram, com a ressalva de que também não vejo com bons olhos que a gestão do fundo seja por uma equipa subordinada ao governo do dia; deve, sim, prestar contas à Assembleia da República. 

terça-feira, 08 agosto 2023 06:20

Ode à Orlanda Mendes

MoisesMabundaNova3333

Em Dezembro de 2019, com  o meu amigo Pedro Sitoe e as nossas esposas, tivemos que ir a Xai-Xai, para assistir ao casamento da Eunice, filha do  amigo/irmão Vidal Bila. Às nove  horas, lá estávamos nós na igreja que acolhia a cerimónia religiosa, depois o que o Pedro segreda que precisava de ir a uma casa  de banho. Escolhemos ir às bombas da “pontinha”, como se chamam , desde há muito, na zona alta em Xai-Xai. Era perto. Lá chegados,  enquanto o Sitoe ainda estava no carro, eu já pedia a chave da casa de banho ao guarda. Mal ouviu a voz, o guarda, no lugar de me estender a chave, fixou a sua vista em mim e, sem demoras, disparou:

 

  • O Sr. é Moisés Mabunda, o senhor que fala na rádio [RM]! Conheço essa voz, oiço-a há muitos anos. Não perco por nada os vossos comentários [no programa ‘Esta Semana Aconteceu’]. Nunca pensei que um dia viria a conhecer a pessoa do senhor Mabunda. Admiro-o muito!... Muito obrigado!

 

E estendeu-me a chave depois de um aperto de mão; já com o Pedro Sitoe à ilharga, muito curioso.

 

Aquele guarda não se enganara em nada. Sou, de facto, comentador do  programa ‘Esta Semana Aconteceu’ da RM desde o seu primeiro programa, em Fevereiro de 1995. O Carlos Cardoso e eu fizemos o programa inaugural, com a moderação da… Orlanda Mendes!

 

Estava eu já chefe de redacção do semanário Domingo e nas vésperas do relançamento dos programas de informação, recebo uma chamada da RM a dizer que a Sra. Orlanda Mendes queria falar comigo. Anui ao convite, a pensar que eventualmente fosse para retomar um assunto antigo…

 

É que comecei a minha carreira jornalística na RM, na Direcção Central de Informação, Departamento de Noticiários, em Fevereiro de 1987. O chefe era Tiago Viegas, a Orlanda Mendes era a directora adjunta e o director Marcelino Alves. Volta e meia, a Orlanda estava no sector dos noticiários e, muitas vezes, a dar orientações e indicações. Certa vez, ela própria, a partir de fora, ligou para os “Noticiários”, era prática, e eu fazia parte do turno de serviço, atendi ao telefone e ela orientou que eu devia tomar notas ipsis verbis de uma informação que ia ditar. Ditou-me e eu passei-a à letra de forma e foi para o ar. Principiante que era, alguma coisa não terei posto bem e, quando chegou de onde estava e depois de ouvir o produto final no ar, veio logo para o Departamento e caiu-me em cima muito mal, mas muito mal mesmo, de tal forma que passei a ter medo dela… Passados quase seis meses, o curso de jornalismo, o primeiro envolvendo estudantes com nível médio, começou na Escola de Jornalismo e eu tive que interromper o trabalho no sector dos Noticiários e ir à formação. Quando um ano depois terminou a formação, como não tinha contrato com a Rádio Moçambique, era colaborador, não me senti obrigado a voltar. Escolhi o órgão do meu coração, o Domingo… não me apaixonei pelo jornalismo radiofónico porque pensava - e ainda penso - que não tenho boa voz para tal…

 

Quando a Orlanda soube que eu tinha rumado para a Sociedade Notícias, mandou-me chamar e tive que me ir explicar diante dela, todo acabrunhado e amedrontado. Disse-lhe que eu gostava mais do jornalismo escrito e que no radiofónico provavelmente não iria longe. Ela não gostou, disse-o claramente; conforme apontou, devia ter ido falar com ela. De modo que, quando veio aquela chamada, pensei que fosse a retomada deste assunto!

 

Mas não. Era para me comunicar que um novo programa ia arrancar e ela contava comigo como comentador, semanalmente. Era o nascimento do ‘Esta Semana Aconteceu’ - e a minha duradoira colaboração com a RM. Não me estava a pedir, estava a comunicar, pelo que não tinha como dizer fosse o que fosse, até para não lhe contrariar uma vez mais. Mas, receios eram muitas na minha cabeça, sendo o primeiro aquele de me não considerar com boa voz para rádio; o segundo, não ser eu um bon vivant… e o terceiro, que eu ainda tinha que andar muita estrada para ser comentador; não seria em seis anos de carreira que ia passar a… comentador! Mas ela vira o que vira em mim e estava bem cismada, aliás, ela era muito forte nas suas convicções. Cerca de duas semanas depois, ligou-me para ir ao programa. Convoquei os espíritos matxangana - switatikomba koseyo (há-de se ver lá) -, cerrei os punhos e lá fui…

 

Se já estava medroso, nervoso e a tremer, imagine-se como fiquei quando encontro na cabine como contraparte no debate o… Carlos Cardoso! Um dos maiores e melhores jornalistas que o Mundo teve. Era como que me porem a jogar contra Messi ou Ronaldo. Claro que eu era fã do Cardoso. Admirava/admiro-o incondicionalmente. Não sei como correu o programa, mas, semana seguinte, lá estava a Orlanda Mendes de novo ao telefone… outras semanas ainda e com o Salomão Moiane como contraparte… e assim foi durante estes longos anos até hoje, mesmo depois de ela se aposentar.

 

Palavras faltam-me para agradecer à Orlanda Mendes; mas estou eternamente grato a esta senhora, uma das grandes jornalistas do mundo! Penso serem as palavras certas estas: Orlanda Mendes foi a mentora/coach do Moisés Mabunda comentador hoje conhecido na rádio e nas televisões. O primeiro incidente com ela serviu e bem para eu aprimorar o rigor e o zelo jornalístico, profissional e na minha vida pessoal. Extremamente rigorosa como ela era! O convite aos debates no ’Esta Semana Aconteceu’ desafiaram-me a melhorar e aprimorar a forma de aprender os assuntos e a ir e a estar num debate. Não fossem estes autênticos empuranços para as águas profundas, provavelmente não haveria nenhum nadador aqui. 

 

Muito khanimambo, Coach Maria Orlanda Mendes! Descanse em paz!

 

terça-feira, 01 agosto 2023 12:18

À espera do próximo ciclone!

MoisesMabundaNova3333

Julho já se foi e, ciclo da natureza, segue-se o Agosto. E, assim, estamos na segunda metade do ano. É o tempo correndo. E correndo depressa. Segundo a enciclopédia dos tempos que correm, a Wikipedia, na física, o tempo é considerado como a grandeza física directamente associada ao correcto sequenciamento, mediante ordem de ocorrência, dos eventos naturais; estabelecido segundo coincidências simultaneamente espaciais e temporais entre tais eventos e as indicações de um ou mais relógios adequadamente posicionados, sincronizados e atrelados de forma adequada à origem e aos eixos coordenados do referencial para o qual se define o tempo.

 

Acrescenta que, definido desta forma, o tempo parece algo simples, mas várias considerações e implicações certamente não triviais decorrem desta, mostrando mais uma vez que este companheiro inseparável de nosso dia-a-dia é mais misterioso e subtil do que se possa imaginar. Medir o tempo envolve geralmente bem mais do que apenas justapor um relógio a um evento e anotar sua indicação.

 

À parte a interessante definição de tempo, a que apenas recorremos para avivarmos o nosso intelecto, algo sempre necessário, certo é que a nossa época fria já está em fase descendente. Para a frente, aproxima-se a época quente, chuvosa, ciclónica, de inundações; de destruições, de perda de bens, culturas e de muitas infra-estruturas. Em suma, de muito sofrimento. Tem sido assim nos últimos seis, sete anos.

 

Para Novembro, quando a época chuvosa ganha mais forma e intensidade e portanto propensa a ciclones e inundações, faltam aí três, quatro meses. Um olhar para trás, vemos aí Fevereiro e Março, três, quatro meses atrás, quando o país era, exaustiva e insistentemente, fustigado pelo ciclone Freddy. Para aqueles com memória fraca, vale lembrar que o ciclone Freddy devastou o nosso país por duas dolorosas jornadas: a primeira foi de 6 a 24 de Fevereiro, tendo afectado severamente a província de Inhambane. Não satisfeito, depois de penetrar até algures no vizinho Zimbabwe, voltou a atazanar o nosso território, sobretudo nas províncias da Zambézia e Tete, de 2 a 14 de Março; isto é, depois de cerca de sete dias após a primeira passagem.

 

As destruições e todo o rol de danos e sofrimentos infligidos aos moçambicanos ainda se fazem sentir  no dia-a-dia dos concidadãos e estão muito bem vivas nas nossas memórias!

 

Mas antes, de 19 a 23 de Janeiro, tínhamos sido fustigados pelo ciclone Cheneso na província de Nampula. Ainda que tenha sido de categoria 1, as marcas de destruição e de sofrimento estão bastante  bem visíveis.

 

Causa uma certa indignação e espanto quando não vemos nem ouvimos acções concretas vigorosas, céleres e consistentes no sentido de nos prepararmos melhor para o sempre  pior cenário que vem aí com a nossa época chuvosa. Pior ainda, quando sabemos que de 2019 a esta parte fomos assolados por cerca de vinte ciclones!

 

Depois de uns três a quatro meses do Freddy, criamos uma comissão nacional para as mudanças climáticas, não má ideia. Ficou mais de um mês para se reunir pela primeira vez depois que foi nomeada… e mais nada! Pelo contrário, o Zimbabwe, que nem sofre ciclones com tanta frequência e intensidade quanto nós, depois de sentir o Freddy, foi equipar-se com  perto de  dez helicópteros… esse Zimbabwe que já esteve mergulhado e ainda enfrenta grave crise económica.

 

Compreendo  que… não temos  dinheiro e temos muitos problemas/desafios  financeiros na mesa, como ouvimos todos os dias. Mas,  às vezes, não parecemos ter problemas de dinheiro e daí a incompreensão total  e completa dos médicos e dos professores.

 

Mas, fora o ter ou não ter dinheiro, parecemos aquele preguiçoso changana que tem uma cabana que, quando cai a chuva, o seu tecto admite água; quando a chuva passa, não mais se põe a cobrir melhor a sua palhota e só volta a lembrar-se de que tem que cobri-la bem com a chuva seguinte!

 

Assim, estamos à espera da próxima chuva/ciclone!

terça-feira, 25 julho 2023 16:54

Há muitos Changs entre nós!!

Causou bastante estranheza ao juiz gringo o facto de o nosso compatriota Chang ostentar no seu CV uma pós-graduação da Universidade de Londres e, no entanto, declarar que “não falo inglês, mas entendo”. Indignação natural e racional. Não é somente o juiz americano que está indignado, estão muitos de nós, pelo menos os aparentemente mais racionais, indignados e atônitos. Uma pós-graduação não é um grau qualquer, mediano: nem é uma licenciatura, ou bacharelato. É um grau acima de um outro grau académico, muitas vezes o mestrado e, some times, o doutoramento. É uma espécie de especialização num campo de saber específico. Geralmente, confere mais conhecimentos acima de conhecimentos superiores, confere conhecimentos muito mais aprofundados ainda. Na maioria das situações, quem anda em pós-graduações está familiarizado com a língua de Shakespeare. Muitas vezes. Não todas as vezes! Okay, podia não ser o caso da nossa “caixa negra” do maior calote da nossa história. Como o de muitos de nós. Mas, a coisa fica incompreensível, muito suspeita mesmo, quando tal pós-graduação é feita nada mais, nada menos que no coração da língua shakespeariana: Londres! Como é possível obter-se um grau desta envergadura numa instituição que opera em inglês sem falar inglês? Onde grandiosa parte da bibliografia é em inglês? Onde as aulas, os papers, os seminários, as conferências, ou seja, toda a interação é em inglês?

 

Alguma coisa errada não está certa aqui, como costumamos dizer! Das duas, uma: ou Chang faltou à verdade para com o juiz, fala inglês, mas prefere expressar-se e receber as mensagens na língua que domina, sobretudo nas circunstâncias em que se encontra, de preso. Fosse este o caso, o shop stick podia ter sido mais preciso, indicando ao juiz que dada a situação em que se encontra preferia comunicar-se justamente na língua em que se sente mais à vontade. Ou, efectivamente, ele não fala inglês e ponto final; portanto, falou a verdade! 

 

Como a primeira pressuposição não está formulada pelo nosso compatriota diante do causídico americano, é preferível, para nós, narradores, considerar a segunda: Manuel Chang esteve na Universidade de Londres, fez lá pós-graduação, mas não fala inglês, só entende! Fiquemo-nos por aí e trabalhemos com esta proposição.

 

Se é isto, o país está cheio de Manuéis Changs. Temos Changs aos magotes! Que escrevem no currículo uma coisa e no concreto, na vida real, são outra diferente. Muitos têm no CV que falam esta e aquela língua, mas em situação real nada daquilo é. Nos CV falam inglês, falam e escrevem muito bem, excelentemente, o portugues, francês, etc., mas, no concreto, inverdades autênticas. Nos papéis são isto mais aquilo, mas, no concreto, zero de zero. Auto-intitulam-se isto mais aquilo e no momento da verdade não conseguem demonstrar. Ouvimos e vemos compatriotas e compatriotas exibirem nos CV graus de PhD’s, de mestrados, mas no seu dia-a-dia não têm uma alocução a esse nível, muito menos obra ou postura condizentes. Estamos cheios de pessoas que foram estudar algures e de lá trouxeram e exibem graus e graus, economistas, cientistas, isto e aquilo, mas, pouco fazem perceber do que dizem possuir. 

 

E, como somos fraquinhos no que diz respeito ao scouting, muitos destes changs são colocados em posições estratégicas do desenvolvimento do país e os resultados são os que conhecemos. Sorte a nossa. Até já tivemos mais, tivemos gente que nem sequer se lembrava da universidade em que alegadamente estudaram, tipo Neves Pinto Serrano (paz à sua alma)!... - os mais velhos lembram-se e bem dele. 

 

Pelo que não vale de nada rirmo-nos de Chang  da nossa desgraça, ele não é o primeiro nestas proezas e nem é único que foi estudar para a Universidade de Londres e não sabe falar inglês!

 

ME Mabunda

terça-feira, 18 julho 2023 08:09

A coragem que não estamos a ter

Celebrámos, semana passada, o Dia Mundial da População, o 11 de Julho. Conforme refere a Wikipedia, trata-se de um evento celebrado anualmente, com o objectivo de “alertar para as questões de planeamento e desenvolvimento populacional, quando parte significativa da humanidade não tem acesso a recursos e serviços básicos como saúde, educação, saneamento e alimentação, entre outros.” O evento foi criado pelo Conselho de Governo do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas em 1989, inspirado pelo interesse público no Dia dos Cinco Biliões, em 11 de Julho de 1987, data aproximada em que a população mundial atingiu cinco biliões de pessoas. Hoje por hoje, estamos acima dos oito biliões de pessoas. Entre nós, os dados indicam que estamos à volta dos 32 milhões e, em dez anos, deveremos atingir quase o dobro.

 

Este ano, ao contrário dos anos passados, não houve cerimônias pomposas, nem intervenções oficiais contundentes, salvo se nos tiverem passado despercebidas. Do muito que ouvimos dos discursos das nossas autoridades, incluindo as chefias supremas, a única mensagem é que “o crescimento exponencial da população constitui um grande desafio” às nossas políticas de desenvolvimento.

 

Com efeito, a alta taxa de natalidade que grassa em Moçambique e não só, mas também um pouco por todos os países menos desenvolvidos é, sim, um grande desafio. Um grande constrangimento. Um travão muito grande ao desenvolvimento; um factor que retrocede os ganhos que vão sendo conseguidos. Se não, vejamos!

 

As Nações Unidas falam de alertar para as questões de planeamento e desenvolvimento populacional, quando parte significativa da humanidade não tem acesso a recursos e serviços básicos como saúde, educação, saneamento e alimentação, entre outros. Este é o busílis da questão. Cá entre nós, ainda não conseguimos providenciar serviços básicos de saúde a todos os compatriotas; estamos a lutar sem tréguas para termos centros de saúde para os concidadãos ou casas de mãe-espera em grande parte das regiões do nosso Moçambique; ou a construir hospitais de referência nos distritos e hospitais provinciais nas capitais de províncias… Estamos empenhandíssimos em tirar as crianças do chão e ao relento para salas de aulas com carteiras - infelizmente, não temos estado a conseguir faz tempo; ademais, em muitas partes do país ainda não temos ou o ensino básico, ou o secundário, ou o médio, ou os três e ainda estamos a lutar desesperadamente para conseguir… Em Moçambique, grande parte da nossa população não tem água potável e não estamos a conseguir  providenciar-lhe a ritmo satisfatório… Em termos alimentares, todos nós nos lembramos da revolta nacional suscitada pelo ministro Celso Correia quando disse, a plenos pulmões, que os moçambicanos já tinham três refeições diárias…

 

Estamos com este quadro cinzento e ainda somos 32 milhões de habitantes e continuamos a crescer 400 a 600 mil por ano. E nada nos diz que este quadro se vai alterar nos próximos cinco a dez anos. Não sei se alguém põe a cabeça a prêmio em como em dez anos teremos escolas condignas para todas as nossas crianças; ou que teremos hospitais (não digo centros de saúde, que são de menor graduação) para todos os nossos compatriotas; ou que teremos água potável para todos os moçambicanos e três refeições diárias de verdade e não as celsocorreanas!… a não ser que seja um… ragendra aí!

 

Estamos mesmo a imaginar o que será quando tivermos 40 ou 60 milhões de habitantes? Hoje, estamos 32 milhões e não conseguimos oferecer o básico condigno. E nós só vamos dizendo é um desafio, é um desafio… e não estamos a fazer nada. Absolutamente nada. Senhores, vamos ter uma política de população concreta. Desafiante, tamanho é o desafio que temos pela frente. Costuma-se dizer que para grandes males, grandes remédios. É obrigação nossa termos um instrumento que nos ajude a moderar o crescimento populacional. É imperioso controlarmos a taxa de natalidade! Tenhamos a coragem que nos falta por um país agradável, razoável, saudável e em desenvolvimento - e não em regressão aritmética. Eu proporia que aconselhássemos aos nossos concidadãos a terem até quatro, cinco filhos… para podermos lhes proporcionar um futuro melhor!

 

ME Mabunda

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