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terça-feira, 08 agosto 2023 06:20

Ode à Orlanda Mendes

Escrito por

MoisesMabundaNova3333

Em Dezembro de 2019, com  o meu amigo Pedro Sitoe e as nossas esposas, tivemos que ir a Xai-Xai, para assistir ao casamento da Eunice, filha do  amigo/irmão Vidal Bila. Às nove  horas, lá estávamos nós na igreja que acolhia a cerimónia religiosa, depois o que o Pedro segreda que precisava de ir a uma casa  de banho. Escolhemos ir às bombas da “pontinha”, como se chamam , desde há muito, na zona alta em Xai-Xai. Era perto. Lá chegados,  enquanto o Sitoe ainda estava no carro, eu já pedia a chave da casa de banho ao guarda. Mal ouviu a voz, o guarda, no lugar de me estender a chave, fixou a sua vista em mim e, sem demoras, disparou:

 

  • O Sr. é Moisés Mabunda, o senhor que fala na rádio [RM]! Conheço essa voz, oiço-a há muitos anos. Não perco por nada os vossos comentários [no programa ‘Esta Semana Aconteceu’]. Nunca pensei que um dia viria a conhecer a pessoa do senhor Mabunda. Admiro-o muito!... Muito obrigado!

 

E estendeu-me a chave depois de um aperto de mão; já com o Pedro Sitoe à ilharga, muito curioso.

 

Aquele guarda não se enganara em nada. Sou, de facto, comentador do  programa ‘Esta Semana Aconteceu’ da RM desde o seu primeiro programa, em Fevereiro de 1995. O Carlos Cardoso e eu fizemos o programa inaugural, com a moderação da… Orlanda Mendes!

 

Estava eu já chefe de redacção do semanário Domingo e nas vésperas do relançamento dos programas de informação, recebo uma chamada da RM a dizer que a Sra. Orlanda Mendes queria falar comigo. Anui ao convite, a pensar que eventualmente fosse para retomar um assunto antigo…

 

É que comecei a minha carreira jornalística na RM, na Direcção Central de Informação, Departamento de Noticiários, em Fevereiro de 1987. O chefe era Tiago Viegas, a Orlanda Mendes era a directora adjunta e o director Marcelino Alves. Volta e meia, a Orlanda estava no sector dos noticiários e, muitas vezes, a dar orientações e indicações. Certa vez, ela própria, a partir de fora, ligou para os “Noticiários”, era prática, e eu fazia parte do turno de serviço, atendi ao telefone e ela orientou que eu devia tomar notas ipsis verbis de uma informação que ia ditar. Ditou-me e eu passei-a à letra de forma e foi para o ar. Principiante que era, alguma coisa não terei posto bem e, quando chegou de onde estava e depois de ouvir o produto final no ar, veio logo para o Departamento e caiu-me em cima muito mal, mas muito mal mesmo, de tal forma que passei a ter medo dela… Passados quase seis meses, o curso de jornalismo, o primeiro envolvendo estudantes com nível médio, começou na Escola de Jornalismo e eu tive que interromper o trabalho no sector dos Noticiários e ir à formação. Quando um ano depois terminou a formação, como não tinha contrato com a Rádio Moçambique, era colaborador, não me senti obrigado a voltar. Escolhi o órgão do meu coração, o Domingo… não me apaixonei pelo jornalismo radiofónico porque pensava - e ainda penso - que não tenho boa voz para tal…

 

Quando a Orlanda soube que eu tinha rumado para a Sociedade Notícias, mandou-me chamar e tive que me ir explicar diante dela, todo acabrunhado e amedrontado. Disse-lhe que eu gostava mais do jornalismo escrito e que no radiofónico provavelmente não iria longe. Ela não gostou, disse-o claramente; conforme apontou, devia ter ido falar com ela. De modo que, quando veio aquela chamada, pensei que fosse a retomada deste assunto!

 

Mas não. Era para me comunicar que um novo programa ia arrancar e ela contava comigo como comentador, semanalmente. Era o nascimento do ‘Esta Semana Aconteceu’ - e a minha duradoira colaboração com a RM. Não me estava a pedir, estava a comunicar, pelo que não tinha como dizer fosse o que fosse, até para não lhe contrariar uma vez mais. Mas, receios eram muitas na minha cabeça, sendo o primeiro aquele de me não considerar com boa voz para rádio; o segundo, não ser eu um bon vivant… e o terceiro, que eu ainda tinha que andar muita estrada para ser comentador; não seria em seis anos de carreira que ia passar a… comentador! Mas ela vira o que vira em mim e estava bem cismada, aliás, ela era muito forte nas suas convicções. Cerca de duas semanas depois, ligou-me para ir ao programa. Convoquei os espíritos matxangana - switatikomba koseyo (há-de se ver lá) -, cerrei os punhos e lá fui…

 

Se já estava medroso, nervoso e a tremer, imagine-se como fiquei quando encontro na cabine como contraparte no debate o… Carlos Cardoso! Um dos maiores e melhores jornalistas que o Mundo teve. Era como que me porem a jogar contra Messi ou Ronaldo. Claro que eu era fã do Cardoso. Admirava/admiro-o incondicionalmente. Não sei como correu o programa, mas, semana seguinte, lá estava a Orlanda Mendes de novo ao telefone… outras semanas ainda e com o Salomão Moiane como contraparte… e assim foi durante estes longos anos até hoje, mesmo depois de ela se aposentar.

 

Palavras faltam-me para agradecer à Orlanda Mendes; mas estou eternamente grato a esta senhora, uma das grandes jornalistas do mundo! Penso serem as palavras certas estas: Orlanda Mendes foi a mentora/coach do Moisés Mabunda comentador hoje conhecido na rádio e nas televisões. O primeiro incidente com ela serviu e bem para eu aprimorar o rigor e o zelo jornalístico, profissional e na minha vida pessoal. Extremamente rigorosa como ela era! O convite aos debates no ’Esta Semana Aconteceu’ desafiaram-me a melhorar e aprimorar a forma de aprender os assuntos e a ir e a estar num debate. Não fossem estes autênticos empuranços para as águas profundas, provavelmente não haveria nenhum nadador aqui. 

 

Muito khanimambo, Coach Maria Orlanda Mendes! Descanse em paz!

 

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