Um amigo - depois da sua licenciatura na área de ciências sociais - teve a sorte de responder positivamente a uma vaga de emprego numa organização da Sociedade Civil. E já com uma semana de trabalho, ele procurou-me com ares de preocupadíssimo e com alguma estupefacção à mistura. Na conversa confessou-me que bastara uma semana de trabalho para presenciar a queda de uma das lições da Faculdade, sobretudo a referente ao conceito de Sociedade Civil. Segundo ele, num piscar de olhos a definição de que a Sociedade Civil é o espaço entre a Família e o Estado foi contrariada pelo corpo dirigente da organização que era formado por membros da mesma família, nomeadamente o marido, a mulher e a filha, nas posições de director, financeira e gestora de programas e projectos, respectivamente.
Este episódio foi há dez anos. Relembro-o a propósito de uma nova conversa com o mesmo amigo. Foi no Domingo passado e num café da cidade. Desta vez a preocupação foi um outro fenómeno que amiúde ocorre em algumas instituições do sector público, o seu novo campo de emprego. o amigo não compreendia como é que o preenchimento de vagas, em algumas instituições do Estado moçambicano - que ele chama de “Instituições Públicas Monárquicas” - ainda obedecia a critérios monárquicos. E tal como na definição de Sociedade Civil, na sua primeira experiência profissional, nesta nova o amigo quase que deitava abaixo toda a sua trajectória académica. Acontece que ele aprendera de que o ao fim da última monarquia em Moçambique foi em 1895 com a prisão de Gungunhana, o Imperador de Gaza, à mando da Coroa portuguesa. E que Portugal, a potência colonizadora de Moçambique, já em 1910, instaurara a República (que diz respeito a todos os cidadãos) na sequência do derrube da monarquia. Além disso, e mais recente, o Estado moçambicano, desde a sua independência em 1975, que é também uma República.
“Isto é inconstitucional” dizia ele. Um companheiro da mesa ao lado, que acompanhava de soslaio a conversa, juntou ao “Jus Sanguinis” (do mesmo sangue), o “Jus Solis” (da mesma terra), terminando com a sugestão de que na verdade o que acontece - e por défice de efectivos de cada critério -, é a ocorrência de um sistema híbrido. O amigo, vendo de que não respondia a nenhum dos critérios, e na procura incessante de alguma brecha legislativa, levantou a possibilidade de ver provincializada o conceito de naturalização, mormente a adaptação dos critérios usados na aquisição da nacionalidade. Infelizmente, por falta de tempo, uma outra e dominical tertúlia de café sediará a discussão.
De toda maneira, para terminar, fica a deixa do amigo: incorporar a “Provincialidade Adquirida” no leque da elegibilidade para o preenchimento de cargos nas “Instituições Públicas Monárquicas” (IPM). Agora imagina, caro leitor, que as instituições do Estado, que adoptam esse tipo de filosofia, passassem a usar, na sua denominação, a sigla IPM no lugar de EP (Empresa Pública).
Hoje, prestes a findar a 3ª prorrogação do estado de emergência, decretado por conta da pandemia da Covid-19, defendo que caso não se regresse às aulas imediatamente que se adie o ano lectivo. É melhor que o país concentre as suas energias e use o tempo necessário a preparar o regresso às aulas e nas condições que existirem com ou sem pandemia. A razão deste posicionamento é simples: por falta de condições sanitárias nas escolas a sociedade teme que o regresso às aulas é patrocinar o contágio descontrolado. Em resposta, o Governo, mormente o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano, procurou criar tais condições e até marcara o passado dia 27 de Julho como a data de regresso. Uma pretensão colocada de lado pelo mais alto magistrado da nação, alegando que se estava ainda em estado de emergência e não, necessariamente, porque não existiam as condições sanitárias para o regresso. E finda a 3ª prorrogação do estado de emergência versus a criação de condições sanitárias, Quid Juris?
Uma nova e ordinária prorrogação legal do estado de emergência está fora de questão. Por outro lado, a criação de condições sanitárias é uma incógnita e demanda a seguinte pergunta: estará o país em condições de criar as condições sanitárias em menos de meio ano? Em caso afirmativo – sim, é possível – não se estará a passar um certificado de incompetência aos governos que precederam o actual, atendendo que em menos de seis meses o Estado consegue criar condições que não foram possíveis em 45 anos? Isto não significa deitar por terra todo o esforço empreendido até agora. Apenas, e a título de alerta, questiono até que ponto ponderar o regresso às aulas à satisfação plena das condições sanitárias é válida? Estas nunca existiram em 45 anos e nem por isso foram usadas como braço de ferro para o início, por exemplo, de qualquer ano lectivo no passado.
Ademais, sendo as condições sanitárias a base para o suporte da decisão pelo regresso ou não às aulas, não me parece que proceda. Aliás, quando foi da instauração do estado de emergência o argumento-base foi o de atrasar o pico da pandemia, enquanto o sector da Saúde criava as condições de resposta, e a Saúde, se não me falha a memória, já veio a terreiro afirmar que já está à altura, significando que uma vez acautelada a razão-mor, não há razões para o país continuar a manter fechados os outros sectores, em particular o da educação. Além disso, é compreensível, e por conta do défice de condições sanitárias, que se receie o contágio no regresso às aulas, mas o argumento também não cola, pois em países com melhores condições sanitárias o contágio foi uma realidade, e muitos deles, assim como não hesitaram em reabrir o ensino, voltaram a fechar. Todavia, a situação dos outros não outorga ao país o direito de deixar de lutar porque estes países, e até mais desenvolvidos, falharam.
De momento, avaliando a hesitação pelo regresso, o que me parece em pauta não são as condições quer sanitárias quer de resposta do sector da Saúde à pandemia, mas sim, e simplesmente, a falta de coragem. E a coragem, em algum momento, deve prevalecer sobre as condições necessárias (de luta). Foi assim em 1962/64, quando foi do início da luta armada para a libertação do país. (Cont.)`
Passam pouco mais de onze anos da tragédia do Voo 447 da Air France que fazia a ligação Rio de Janeiro e Paris, vitimando todos os 228 ocupantes, entre passageiros (216) e tripulantes (12). Sobre o acidente lembro-me de ter lido, na altura, de que face a falta das caixas negras - só achadas depois de dois anos de buscas - era chegado o tempo dos corpos “falarem” sobre o acidente. Assim, e através de vários exames, saber-se-ia o que teria acontecido com a aeronave. Os resultados de exames preliminares aos primeiros corpos recuperados das águas do atlântico reforçariam, nessa altura, a hipótese de que o avião desintegrara-se antes embater no oceano e de que o acidente não fora causado por nenhuma explosão do tipo fogo.
Trago este acidente à mesa a propósito do (preocupante) silêncio dos recuperados da Covid-19 em Moçambique. Um silêncio com requintes de segredo de Estado e que até assusta mais do que a própria infecção. Dos recuperados, que não são poucos em relação aos casos positivos, não se sabe nada sobre o que terá sido feito para que a recuperação fosse possível e nem sobre os ambientes ou as circunstâncias que possivelmente tenham mais propiciado o contágio. O Ministério da Saúde apenas divulga os números da Covid-19, o que tem o seu impacto, mas uma informação sobre os bastidores desses números de certeza que faria uma diferença e didáctica no processo de consciencialização pública.
Em tempos de pandemia - e de uma que é nova e com um elevado potencial de perigosidade -, seria bom que este tipo de informação fosse de domínio público e deste modo, calculo, permitiria uma maior tomada de consciência do cidadão sobre os cuidados a redobrar quer de prevenção quer em relação a recuperação em caso de infecção. Certamente de que cabe ao cidadão recuperado tomar a decisão da partilha pública da sua experiência, mas também, acredito, cabe às autoridades sanitárias algum papel e iniciativa na divulgação desse tipo de informação, mesmo que de forma generalizada.
Infelizmente o grosso da informação que circula, vital e importante, é de outras paragens e urge que seja mais doméstica. Porventura, aqui esteja uma das chaves, em falta, para o sucesso do combate à pandemia da Covid-19 em Moçambique e, quiçá, a quebra do estranho silêncio (sobre e) dos recuperados da Covid-19 seria o ponto de partida, salvaguardando, obviamente, qualquer tipo de acusação, incluindo a de violação de segredos de Estado.
Na área metropolitana de Maputo a notícia do dia é a paralisação do transporte semi-colectivo de passageiros, vulgo Chapa, cujo epicentro é o Município da Matola. Para a paralisação, os Chapeiros alegam de que o rigoroso cumprimento da lotação da viatura (15 lugares), no quadro do estado de emergência, não é economicamente viável e é injusto, comparando com a mesma medida em relação aos autocarros (70 lugares), vulgo FEMATRO/TPM. Em defesa dos passageiros veio a terreiro o Edil da Matola, apelando para que os Chapeiros regressassem à actividade. Em poucas palavras é esta a fotografia cuja impressão trouxe, à superfície, detalhes que não foram captados no momento do “Click”. Por enquanto fiquemos com três e destes a conclusão.
O primeiro detalhe: à escassos dias do fecho da 3ª prorrogação do estado de emergência, declarado por conta da Covid-19, fica confirmado de que a medida “Fica em Casa” não decola e se ela tivesse sido levada à letra a paralisação teria um outro espírito, certamente o da falta de utentes e não o da proibição do transportador em responder à demanda que é alta, faltando saber se é por escassez de meios ou do cumprimento da lotação; O segundo detalhe: o Edil da Matola mostrou-se contra a paralisação. Uma posição em contramão com a política governamental do momento, a do “Fica em Casa”, pois, no mínimo, e em nome da coerência, o Edil teria igualmente dirigido aos seus munícipes, e de forma veemente, um apelo para que ficassem em casa, salvaguardando, claro, as devidas excepções; Por último, o terceiro detalhe: a obrigatoriedade do cumprimento da lotação. Na verdade, não é nenhuma medida genuína (e nem adicional) do estado de emergência, mas apenas o cerco ao seu rigoroso cumprimento cuja intenção, suponho, foi a de servir de um mecanismo para desestimular a oferta e a procura por transportes, forçando assim o “Fica em Casa”. Debalde.
A experiência do que acontece(u), um pouco por todo o mundo, com o sub-sector da aviação pode ser um ponto de partida interessante para reflexão. Aqui o lema foi: “Fique em Terra” e o seu cumprimento integral. De toda a maneira, a posição tomada pelos Chapeiros força o cidadão a fazer o que não fez nos últimos 04 meses: ficar em casa. Em síntese, a fechar, e no âmbito da prevenção da Covid-19, a paralisação voluntária dos Chapas pode ser vista como um indicador de sucesso da medida “Fica em Casa”. Um resultado que o Governo fica a dever aos Chapeiros.
Um amigo, que de tanto ouvir projectos e cifras de milhões de dólares americanos que circulavam nas habituais rondas de conversa das sextas-feiras, entre um grupo de amigos, decidiu levar uma máquina de calcular para uma dessas rondas. Chegado o dia e cada vez que um dos amigos vocifera os milhões de dólares ele apontava na máquina. Na hora do fecho da conta do bar, ele fechou a das cifras milionárias: em três horas de conversava circularam na mesa perto de trezentos milhões de dólares americanos. Um valor tão alto, mas insuficiente para saldar a conta do bar que rondava os três mil meticais. E mais uma vez, a conta não fora saldada, adiando-a para um tempo incerto.
O amigo contou-me a estória a propósito das visitas de auscultação feitas por governantes em início de funções e que mereceram atenção no meu texto passado (Protocolo para o início de funções de governação. Existe?). Estas visitas e as conversas das cifras milionárias não têm nenhuma diferença, pois ambas pecam pelo excesso de intenções e na hora da verdade a lamentação de sempre: não há verba para tanto verbo. Agora imagine o meu amigo, o da máquina calculadora, na comitiva das visitas de auscultação e anúncio de intenções desse tipo de governantes. À estes lembrar de que os anos de governação não são para auscultações, são para realizações mesmo de que isso custe alguma cedência para a máxima de que “O político vive de promessas e fica com as remessas”. De toda maneira não há regra sem excepção, justificando assim a auscultação de determinado assunto e caso ela tenha sido planificada.
Grosso modo, a fase de auscultações e de promessas encerra na campanha eleitoral e a tomada de posse inaugura a de resultados ou, no mínimo, de passos firmes nesse sentido. Exemplos disso, felizmente, existem e um deles vem da capital do país. Quando foi do anúncio público municipal sobre a retirada voluntária de vendedores informais de locais impróprios, em particular na baixa da cidade, o Município de Maputo, respondendo aos que reclamavam a intempestividade da medida, defendeu que a decisão era o corolário de um processo de articulação e não o seu início. Possivelmente, suponho, que o início, pelo menos público, tiver lugar com a campanha eleitoral, o momento em que o actual edil da capital auscultara e prometera aos munícipes “txunar” Maputo. Em menos de um ano alguns resultados são visíveis. Alguns possam estar a dizer que a pandemia Covid-19 deu um empurrão no caso da venda informal. Óptimo. Até que faz algum sentido, mas o empurrão só ajuda quem de facto estiver preparado e no caso para saldar a conta/promessa e não para adiá-la.
Voltando aos governantes das boas intenções e nada acontecer, e mesmo a fechar, vai um pouco de frustração com a fé: tinha tanta, mais tanta fé que por esta altura do ano, início do segundo semestre, a conta das promessas eleitorais de 2019 começasse a ser saldada, mas, pelos vistos, está a aumentar, incluindo com a pressão da pandemia da Covid-19. O mesmo acontece com a conta do bar da malta do meu amigo da calculadora: de tempos em tempos é pedida e o pagamento adiado. Isto até ao dia em que dono do bar disser: “C'est fini!”.
Desponta o interesse pelo início das funções de governação (ministerial e afins) a propósito das actuais romarias mediáticas de auscultação, ditas de conhecimento do terreno, por parte de alguns dos governantes. Não são os primeiros que assim procedem, mas espero que sejam os últimos, pois tal procedimento só aumenta o coro das lamentações e o tamanho das promessas, abrindo espaço para uma, e na certa, avaliação negativa do desempenho face aos resultados e metas, ora empolados por declarações típicas de uma campanha eleitoral.
O fundamental: urge uma outra forma e profícua para o início de funções governativas. Mas antes, talvez a mudança comece pelos critérios de indicação de governantes. Por exemplo, para o actual elenco ter-se-á perguntado se cada governante reunia as qualidades requeridas para os desafios do sector em pauta? A base da pergunta e a resposta pressupõem existir um conhecimento prévio do sector, o que aniquila – para ser mais claro – com a necessidade de visitas de auscultação em início de mandato. Uma vez definido o perfil do cargo, segue a consulta aos potenciais candidatos, recaindo a escolha no que tiver dado mais garantias, tomando este, já empossado, o seu tempo e talento a analisar a papelada do sector. Depois, e do que lhe cabe fazer, enquanto instituição, vê o que existe e falta, e se existe, como reforçar, e se falta, que alternativas existem, articulando, obviamente, com outros e afins sectores do executivo. O exercício culmina com um relatório onde o governante descreve como pensa executar, e com sucesso, as suas funções durante o mandato.
Em seguida, e numa audiência solicitada ao Presidente da República (PR), apresenta e defende as suas ideias, obtendo deste a concordância e a promessa de que terá o seu total apoio. E caso assim não seja, a visita pode ser aproveitada para rogar-lhe que indique uma outra pessoa. Em caso de continuidade, e já com total conhecimento da profundidade do mar versus o calado requerido, efectua as visitas ao sector para partilhar como pensa levar o navio à bom porto. Em cada visita, dependendo da instituição, é importante que o governante se faça acompanhado do respectivo dossiê e de quadros com a devida sensibilidade, alargando o leque a outras pessoas de valia técnica e estratégica quer no activo ou na reforma quer públicos ou privados. fazer frente
No final das visitas, o governante elabora um plano/relatório definitivo de seguimento, incorporando as respectivas adaptações e apesenta-o em reunião do Conselho Coordenador (CC) que conte, fora o próprio sector, com outras instituições relevantes, entre públicas e privada. Depois do CC é que o governante começa de facto (e sem gravata) a sua função, assegurando assim alguma legitimidade, confiança e a mobilização dos que fazem parte e que também interagem no sector. Não sei o tempo para este exercício, mas acredito, e seria óptimo, que fosse em menos de seis meses e de intenso trabalho. Depois e na primeira visita do PR às províncias, este participaria em alguns eventos que testemunhassem avanços, como por exemplo, a assinatura de alguns acordos para a viabilização de determinados projectos, poupando ao PR, em tempos de início de governação, de uma segunda campanha eleitoral.
Dito o essencial, termino com o Secretario de Estado do Desporto (SED): se o que o SED tem feito - visitas de auscultação e anúncio de intenções – o faça por obrigação protocolar de início de governação não me resta mais nada que o perdoar e pedir que faça um trabalho de lobby e advocacia intragovernamental para que assim não seja no futuro. E se for por iniciativa própria, perdoo-o na mesma e peço que o SED pergunte ao timoneiro do Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural como ele consegue fazer diferente. O recurso ao SED foi apenas para mediatizar a mensagem do texto, atendendo ao facto do SED, Gilberto Mendes, ser a mais antiga e popular figura pública de toda a máquina executiva e ao leme de um sector que se lida com multidões e emoções da pátria. Duvido que perca o lugar de SED por conta disso.
É comum ouvir de que Moçambique herdou um Estado atrasado e que a culpa fora o azar de o seu colonizador (Portugal) também sê-lo e assim ter obstruído o desenvolvimento. Nesta visão subjaz a ideia de alguma pena em não se ter explorado ainda mais o país e por mais tempo, porventura desde a chegada de Vasco da Gama, em 1498, e não apenas com a ocupação efectiva nos últimos 72 anos da colonização. Para esta visão, a alternativa que traria desenvolvimento é a de um colonizador rico/desenvolvido (Inglaterra). Assim não foi e ao que parece paira alguma mágoa em não ser a língua inglesa, a oficial de Moçambique.
Em 1975, o facto de Moçambique ter herdado um território com o seu potencial ainda por explorar é visto como fatalidade e não como a oportunidade que o país teve para afirmar, e de raiz, um rumo autóctone do seu desenvolvimento. Aliás, no discurso presidencial do passado dia 25 de Junho, a data da independência, os ganhos reivindicados soam trabalho porque o ponto de partida estava bem próximo de zero e o ponto menos próximo de zero não teve a devida continuidade, mesmo que em moldes diferentes, fora devastado. Ademais, a trabalheira de “Escangalhar o Aparelho do Estado Colonial”, caso este fosse o de um país desenvolvido, eventualmente, e nos tempos que correm, ainda seria uma árdua e soberana tarefa.
Do exposto, transcorridos 45 anos da independência nacional, depreende-se que a inferência de que o actual atraso de Moçambique é por culpa do atraso de Portugal é equivalente a de que o país seria uma forte e pujante economia caso Portugal, à época da colonização, tivesse o poderio da Inglaterra, ou este o colonizador, ficando a dúvida se a sorte de Moçambique seria bem diferente e melhor que a do grosso das independentes colónias inglesas, em particular as de África. Todavia, acredito que seja um lapso a leitura de que a colonização é boa desde que sob a égide de um colonizador rico/desenvolvido e de que na sua retirada, deixe desenvolvimento e não o atraso do colonizado. E também acredito, que já é tempo do atraso de Moçambique assumir uma outra paternidade.
PS: Em uma das suas visitas à Moçambique e antes de ocupar a presidência portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, falando da passagem afectuosa do seu pai por Moçambique, na qualidade de Governador-geral, fez um comentário que mereceu, na altura, um raspanete, salvo erro do “Bula-Bula” (a última página do Jornal Domingo). “O meu pai foi um colonialista bom”, cito o comentário de memória. “Como se o colonialismo fosse algo bom”, cito, e também de memória, o dito raspanete.
A “Política do Manípulo” é uma das formas de pressão que é utilizada entre nações, e não só, de modo a prevalecer os superiores interesses de quem a recorre. A Rússia é o exemplo paradigmático, aplicando-a com o contrato de fornecimento de gás no seu relacionamento tenso com a Ucrânia. Por cá, ela não é estranha e baste que se lembre da empresa EDM (Electricidade de Moçambique), sobretudo quando o assunto é a manutenção de equipamento, o de clientes com facturas atrasadas, e também, e é recente, em casos incomuns como foi o de um jovem que escalara (por amor?), na Matola, uma das torres de transporte de energia.
Do intróito está claro de que ficar “às escuras” e por força da “Política do Manípulo” é também uma forma de resolução de problemas. E se ainda sobra alguma dúvida, notadamente em relação a sua eficácia, reforço a aclaração com mais dois exemplos, sendo um desportivo e outro eleitoral. No desporto, e cito o basquetebol, quem não se lembra de algumas das suas noites memoráveis às custas do recurso ao manípulo do quadro eléctrico do Pavilhão do Maxaquene e, creio, em algum momento, o da EDM. Nas eleições, particularmente na contagem de votos, consta a ocorrência sincrónica do milagre da multiplicação, e de invejar à Jesus Cristo, com o corte cirúrgico no fornecimento de electricidade.
Contudo, o recurso à “Política do Manípulo”, embora pareça sólida, nem sempre é a solução acertada para os problemas. Assim é, e há mais de três meses, com a pandemia da Covid-19. Sucede que depois que fora accionada a posição “OFF” do manípulo, não se acautelara um conjunto de procedimentos – os ditos esforços nesse sentido -, que propiciassem uma resposta adequada e equilibrada aos problemas que determinaram o apagão, e de que só depois é que se accionaria a posição “ON”. Com o desespero à vista e havendo a necessidade de libertar alguma energia para certas áreas, o Presidente da República, no quadro da 3ª prorrogação do estado de emergência, accionou o manípulo geral, deixando alguns disjuntores na responsabilidade dos timoneiros das respectivas áreas. E aqui, em algumas das áreas, e de tanta escuridão, já ninguém sabe onde localizá-los ou de quem é a responsabilidade por accioná-los e nas condições que se acharem criadas.
Em suma, a fechar, fica o alerta de que trilhar pela “Política do Manípulo”, consciente ou não, nem sempre resulta e o seu recurso, mormente no processo de governação, fora caro, é para quem pode e não para quem quer. Por enquanto, a avaliar o acalorado debate sobre o regresso ou não às aulas, resta-me apenas apelar à calma que a procissão ainda vai no adro.
P.S: A propósito do recurso à “Política do Manípulo”: nos tempos do “Apartheid” na África do Sul e da “Guerra dos 16 anos” em Moçambique, enquanto a EDM emitia “Avisos de Corte” aos seus clientes devedores, a África do Sul fazia “Cortes de Aviso” no fornecimento de energia à Maputo. Tenho de memória esta situação e creio que mereceu, na altura, uma carta do leitor.
“O Moçambicano é laborioso e tem capacidade para assegurar para si e para os seus dependentes um conjunto de condições básicas mínimas para a sua subsistência e bem estar , o que lhe falta é a oportunidade para o realizar (RAP, 2004:7)”. A citação é uma fotografia histórica da normalidade de Moçambique. Uma normalidade caracterizada pela luta diária do cidadão, famílias, associações e de empresas, e pela dificuldade e/ou impossibilidade do Estado em prover “o acesso às condições que lhes permitam satisfazer as suas necessidades básicas e perspectivar o seu crescimento e desenvolvimento no mais breve período de tempo possível (RAP, 2004:25) ”. Estes trechos - do Relatório Anual da Pobreza (RAP/2004), coligido pelo Grupo G20, um fórum da sociedade civil moçambicana -, tomaram a minha memória/consciência por conta de uma outra fotografia: a da actual anormalidade decorrente da pandemia da Covid-19.
Por acaso já teve a oportunidade de ver uma fotografia da nossa (a)normalidade? Depois do discurso do Presidente da República (PR), o da 3ª prorrogação do estado de emergência, encontrei uma, mas referente a realidade portuguesa. Foi numa leitura de uma crónica de João Miguel Tavares, Jornalista português, que à dada altura, e citando uma outra pessoa, dizia mais ou menos o seguinte: “Na reacção à epidemia, a única coisa bem-sucedida foi aquilo em que era preciso não trabalhar. Em tudo aquilo em que seria preciso trabalhar, falhou-se.” A partida, ocorreu-me que já vira uma fotografia semelhante, mas com alguma diferença e a retratar a Pérola do Índico. A diferença foi a falha em tudo: no que era preciso não trabalhar e no que seria preciso trabalhar. E esta é a fotografia responsável, conforme a justificativa presidencial, pela 3ª prorrogação do estado de emergência, pois, o país, no domínio do que era preciso não trabalhar, falhou como foi o caso da medida do confinamento. No que respeita ao que seria preciso trabalhar, o país também falhou, tomando de exemplo os sectores sociais (educação) e económicos (indústria, comércio e serviços), sobretudo no que tange a medidas que permitissem o seu funcionamento e com uma certa normalidade e em segurança.
Contudo, nem tudo está perdido. Existem sinais positivos que contrariam a onda e o exemplo vem do comércio informal vis-à-vis autoridades públicas, lê-se Município de Maputo. Os vendedores informais, e fazendo jus da qualidade laboriosa dos moçambicanos e dos imperativos de sobrevivência, não se confinaram perante os riscos da pandemia e pressionaram que a sua actividade não fosse encerrada. Por sua vez, e diante dos riscos e fazendo jus do seu papel de provedor das condições necessárias, o Município encetou uma ofensiva de organização dos mercados informais, adaptando-os aos ditames da pandemia cujo grosso das medidas não passa de pura urbanidade. No lugar de fechar, o Município optou por organizar os mercados informais para que a sua actividade decorresse em melhores condições sanitárias e em segurança. E este é um exemplo, nosso e local, de resposta aos problemas e desafios, tanto em relação aos dos tempos da dita anormalidade quanto, em parte, aos da suposta normalidade. Agora a pergunta: e nos restantes sectores? O da educação, por exemplo, fora continuar encerrado, não é possível algo de diferente e funcional?
Em reacção da decisão do PR, a do regresso faseado do ensino, algumas vozes já se levantaram contra, registando, a propósito, de que o contrário - pressionar o regresso às aulas -, nunca foi posto à mesa, fora, e para o ensino privado, a questão do pagamento ou não de propinas. O argumento do não regresso é o de que o país não está ainda preparado. Sobre isto, e com todo o respeito, pergunto se em algum momento o país já esteve preparado? E o que nos leva a cruzar os braços na educação e a levantá-los no comércio informal? Certamente que a resposta será a de que no comércio informal são adultos e na educação é diferente (ou indiferente?) porque são crianças, no caso dos subsistemas mais abaixo. O que é (in)diferente é o facto de não se estar a capitalizar a pandemia – que veio de repente e pelos vistos não partirá de repente e nem tão já –, no sentido de operar as mudanças e melhorarias que se impõem no sector da educação e afins ao seu funcionamento. Assim sinaliza ou acontece(u) com o comércio informal no Município de Maputo e um pouco por outras partes do país, o que me impele a defender de que a saída passe por se pensar em que termos e condições podem ser ponderadas e sempre reavaliadas o regresso às aulas, e de que é esta a pauta do debate e não, necessariamente, a do fecho definitivo do ano lectivo.
Neste contexto, o cruzar de braços, o que contraria com a laboriosa particularidade dos moçambicanos, cola com a nossa fotografia da (a)normalidade, a referente a 3ª prorrogação do estado de emergência, decorrente ou não da Covid-19, mas, porventura, também decorra de uma outra pandemia, a da apatia em pensar e fazer diferente. Felizmente, esta última, embora preocupante, o seu contágio é facultativo. Para terminar, quero acreditar de que os defensores do NÃO, quer o do regresso às aulas quer o do fim ou alívio de outras proibições e restrições, e em segurança, não estejam a pensar que o SIM, em particular o do regresso às aulas, só será possível com o fim da pandemia. E por acaso: quando é que será o fim da pandemia?
Dentro do espírito sugerido no texto passado (Por uma “Nova Pérola” no discurso de Nyusi), abaixo as palavras do que seria a última parte do discurso presidencial por ocasião do 45º aniversário da independência nacional. Assim, depois do que foi o foco do discurso – uma retrospectiva sobre os ganhos dos 45 anos, os principais problemas e desafios ultrapassados e dos ainda pendentes - o mesmo seguiria nos seguintes termos:
“Caros moçambicanos e moçambicanas
Tenho a plena consciência de que não terei sido a vossa escolha unânime. Tenho ainda a consciência de que a minha eleição para o cargo de Presidentes da República decorreu num processo eleitoral caracterizado por algumas zonas de penumbra, historicamente recorrentes e que, na sequência, corroí e reduz a confiança do povo em todo o edifício democrático do Estado moçambicano e na sua capacidade de solucionar os problemas do país. Não me orgulha e até inquieta-me ser rotulado de um presidente eleito em condições de desconfiança. E por sentir na pele essa condição, que não auguro para o meu sucessor, gostaria de que em conjunto empenhássemos esforços para credibilizar e estabilizar o nosso sistema eleitoral que, a meu ver, é uma condição essencial para o sucesso da nossa jovem democracia e do nosso futuro como um Estado próspero e de direito.
Tenho também a plena consciência de que não respondi cabalmente às vossas expectativas aquando do meu primeiro discurso de tomada de posse. Por extensão, reconheço que no meu 1º mandato não tive o engenho e o discernimento necessários e à altura dos problemas e desafios que se impunham ao país. Reconheço ainda que não me fiz acompanhar com o que de melhor o país dispõe em termos de quadros e talentos nacionais, na sua maioria, produtos dos ganhos do período pós-independência, anteriormente relatados, embora entenda de que as boas ideias não têm cores partidárias. No presente mandato, iniciado em Janeiro passado, eventualmente não tenha também correspondido na formação do elenco que me acompanha.
Não obstante, estou hoje, mais do que nunca, ciente de que urge mudar o curso da nossa História de governação. E diante de nós, o presente e o futuro, são as variáveis de tempo sobre as quais ainda podemos alterar o seu curso. O passado, apenas nos servirá de conselheiro. Assim, e agora, preocupa-me sobre o que devemos fazer para que o amanhã seja risonho para cada um de nós e para as próximas gerações. Os tempos que correm, certamente que não são dos melhores, mas os que se aproximam, e por conta do que será a nossa árdua e titânica entrega na luta diária, podem ser transformados em melhores. E se me escutam é sinal de que ainda existe uma réstia de força e esperança, e rogo, por isso, que não vacilemos perante as tempestades do percurso assim como o fizeram os moçambicanos e moçambicanas que resistiram e lutaram, de diferentes formas, até que a independência, a que hoje celebramos, fosse alcançada.
Meus compatriotas,
O tempo urge. E por hoje não tomarei mais do vosso precioso tempo que tanto escasseia quanto os bens e serviços de que necessitamos para a nossa sobrevivência. Todavia, gostaria de tomar a vossa atenção para expressar, do fundo do meu coração, as minhas sinceras desculpas por não ter, até então, contribuído o suficiente para que hoje celebrássemos a independência de um Estado que todos almejamos ou, no mínimo, que estivéssemos nessa direcção. E nesse sentido, o de criação de um Estado que espelhe o conjunto dos nossos sonhos, e na minha qualidade de Presidente da República convoco a todos os moçambicanos e moçambicanas, do Rovuma ao Maputo e na diáspora, a reflectirmos sobre o caminho que se deve seguir no futuro, e em particular, nos próximos cinco anos, de modo a celebrarmos, em 2025, o quinquagésimo aniversário da independência nacional em condições melhores e num quadro em que na diversidade, e de uma vez por todas, possamos caminhar em terra firme, em paz e em contínuo desenvolvimento.
Neste contexto, e partindo do princípio de que as boas ideias não têm cores partidárias, nomearei uma Comissão Nacional de Consensos com o objectivo de apresentar-me, em três meses, uma proposta que levarei ao vosso conhecimento e debate público e dele iniciarmos, ainda este ano, uma nova caminhada sob o manto do brilho do sol de Junho e pedra a pedra construindo o novo dia. Bem hajam e muito obrigado!”
Nestas palavras, ou no espírito delas, penso que o Presidente da República (PR) teria inaugurado uma nova era de governação democrática em Moçambique, lançando as bases do que denominara de “Nova Pérola” (do índico), a ideia de um outro e novo Moçambique, construído a partir de um pacto que decorre do resgaste e actualização de inúmeras e anteriores propostas de ideias e planos e com o diferencial de que desta vez o PR, em exercício, levá-lo-á avante. Assim não foi o discurso, mas nada está perdido, desde que o PR, em próximas comunicações à nação, assim o faça e ainda, no mandato, a sua materialização ou, no mínimo, as condições para tal, tendo, por exemplo, o combate à pandemia da Covid-19 e os seus efeitos bem como a celebração dos 50 anos da independência, em 2025, como factores adicionais de incentivo e mobilização da sociedade.
Concluindo, é sabido que fazer diferente e mudar o país dá muito trabalho e trabalho que não acaba, mas o contrário, se nada for feito e de extraordinário, o país inaugurará e caminhará num novo ciclo de 50 anos com os habituais fantasmas da culpa - quer os do passado colonial quer os dos anos do período posterior à independência -, arriscando, seguramente, que as próximas gerações não se orgulhem das que as precederam, incluindo a que trouxe, há quase meio século, a independência.