Num texto da disciplina de língua portuguesa, de que não me ocorre o título e nem a classe (o famoso “Não me lembro” do Julgamento em curso sobre as dívidas ocultas”), havia uma passagem que narrava o momento em que diariamente alguém tocava a campainha de uma casa para a entrega matinal de leite fresco. Depois que um dos filhos da casa abria a porta, uma voz ao fundo, vindo da cozinha, perguntava: “Quem é?”
“Não é ninguém. É o homem do leite”. Invariavelmente assim respondia o filho e creio, se a memória não me atraiçoa, que o próprio “Homem do Leite” também passara a responder do mesmo jeito depois que ouvisse a pergunta e antes até que abrissem a porta.
Faz algum tempo que eu contara esta passagem ao meu filho. Por acaso, num destes dias do citado julgamento, e estando distante da televisão, pergunto a ele sobre quem estaria a ser ouvido no julgamento. A resposta não tardou: “Não é ninguém é o Sr. Sarama”.
Perante a minha careta – de alguém que fingira não ter entendido - ele prossegue: “No Tribunal todo o mundo, e até os réus, mandam no Sr. Sarama”. Um pouco depois ele diz: “Mas no fim do dia todos esperam por ele para irem à casa”. O mesmo acontecia com o “Homem do Leite”: todos esperavam por ele antes que saíssem de casa.
Da resposta eu entendera perfeitamente de que ninguém estava a ser ouvido, mas a ser redigida a acta. E para quem não saiba o Sr. Sarama é o escrivão de plantão do julgamento citado e que decorre na 6ª secção do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, ora a funcionar na cadeia da “B.O”.
A ideia de quem redige a acta “não é ninguém” encontra algum fundamento no histórico dos julgamentos mediáticos do país. A título de anexo comprovativo, segue a pergunta: uma vez que o leitor afirma que acompanhou o julgamento do “Caso Carlos Cardoso” poderá dizer aos outros leitores quem terá sido o escrivão desse julgamento?
Aposto que o leitor não se lembre, mas todos os leitores, e não só, que tenham acompanhado o julgamento do “Caso Carlos Cardoso”, certamente que se lembram do Juiz do mesmo bem como do seu posterior (e imediato) percurso até ao cargo de Procurador-geral da República.
Decerto, se a história vingar, será o que acontecera com o desfecho do julgamento em curso, dando azo que se diga de que o “Não me lembro”, facultado como uma opção de resposta a ser dada pelos arguidos/réus, também seja uma opção (institucional) na gestão dos seus recursos humanos no sistema de justiça.
Ainda assim, e para terminar, tenho fé de que um dia o leitor chegue a uma instância superior ao da 6ª secção do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo e no seu ouvido oiça, bem baixinho, uma voz a dizer: “O escrivão é aquele das dívidas ocultas”.
A espionagem entre os Estados, e não só, não é nenhum segredo ou informação classificada e qualquer Estado está sujeito à espionagem e Moçambique não é excepcção. Aliás, é praxe entre os Estados o reconhecimento mútuo e o estabelecimento de relações e troca de representações diplomáticas ou afins que são, para além de actividades dos respectivos objectos, também capitalizadas para as de espionagem.
Por estas terras do Índico, nos anos da resistência colonial, é sabido que Ngungunhane (1850-1906), o Imperador de Gaza teve na sua corte “embaixadores” ou oficiais de ligação que representavam a coroa portuguesa. Certamente que estes oficiais, adicionalmente às actividades no quadro das relações amistosas, também terão desempenhado outras de que mais tarde tenham sido de mais-valia para a captura de Ngungunhane e consequente desmoronamento do império de Gaza.
Nos primórdios da FRELIMO, na Tanzânia, sabe-se de um Leo Milas – um cidadão norte-americano que se dizia descendente de Moçambique e que fora um seu controverso e activo membro e com passagem na chefia de um departamento - sobre o qual recaíam suspeitas de ser um agente dos serviços secretos americanos. Em finais de 2006, Marcelino dos Santos (1929-2019), histórico membro e fundador da FRELIMO, numa reunião deste com algumas organizações da sociedade civil, confessara de que até então “não sabia como Milas fora parar na FRELIMO ”.
Nos anos 80, o país já independente, o Estado moçambicano desmantelou e apresentou em público uma rede de espionagem da CIA, a agência secreta norte-americana. Para alguns círculos esta resposta foi altamente inadequada, pois, salvo desafiar uma superpotência, e em tempos da Guerra-Fria, as autoridades nacionais terão perdido um canal para acções de contra-espionagem e ainda perdido o rasto de actividades desta agência no país.
Ainda nos anos 80 e seguintes - os tempos dos refugiados da solidariedade política internacional, dos cooperantes e os tempos da ajuda externa ao desenvolvimento - lembrar, e para citar como exemplo, que quadros destes processos chegaram, à luz do espiríto da irmandade, a desemprenharem funções, algumas de relevo, em diversos sectores e serviços quer públicos quer privados. De parte de alguns destes quadros é bem provável que tenham agido na recolha de informações à margem do interesse das “relações amistosas”.
Na senda deste breve histórico nacional vis-à-vis as incidências do julgamento das chamadas “dívidas ocultas”, ora em curso na “B.O”, um dos réus acusa de espionagem (militar) a empresa (Kroll) estrangeira contratada pelo Estado para elaborar o relatório de auditoria das citadas dívidas. Embora não se saiba da veracidade da acusação, tal procedimento – o recurso a empresas para actividades de espionagem - não é estranho para o “modus operandi” de qualquer serviço de inteligência.
Outrossim, e em jeito de fecho, aproveitar recordar que durante a II Guerra Mundial a então cidade de Lourenço Marques, hoje de Maputo, fora um palco fértil da espionagem internacional. Por essa altura, e a propósito dessa fertilidade, mas em matéria de informação doméstica, alguém comentara de que “Lourenço Marques (Maputo) é uma casa sem paredes”.
Esta manhã ao subir o transporte público acompanhei uma conversa de dois passageiros. Um deles dizia que “quem pede mais uma oportunidade, e até a título de última, é quem não cumpriu com as promessas feitas nas oportunidades dadas anteriormente”. O outro passageiro ainda acrescentou que “quem assim age é quem não fora suficientemente competente para levar as próprias promessas avante”.
Achei interessante a conversa e fui aproximando cada vez mais deles para melhor acompanhar. O meu interesse era simples: corre na media, cafés e nas redes sociais o debate sobre a possibilidade ou não de um terceiro mandato em Moçambique. E decorrente disto pensara que os dois passageiros conversavam sobre isso. Debalde. Eles apenas falavam de uma situação entre namorados desavindos.
De toda a maneira, e meio frustrado, aproveitei e passei o resto do itinerário a refletir sobre o que eles conversavam vis-à-vis o debate sobre o terceiro mandato. No final conclui que os argumentos por eles esgrimidos também serviam para o debate em curso. Ou seja, e não só em Moçambique, e em situação análoga: havendo necessidade de um tempo extra - na verdade a marcação de um novo jogo - é um sinal de que no tempo regulamentar do (s) mandato (s) não se conseguiu lograr os resultados pretendidos.
Outrossim, e voltando ao objecto da conversa dos dois passageiros, especulo que coube à namorada, na sua qualidade de requerida, decidir se concedia ao requerente (namorado) uma nova oportunidade.
Para o caso em debate, o do terceiro mandato, e porque nada consta do legítimo potencial requerente (beneficiário) sobre tal pretensão, esta até ao momento, e salvo melhor entendimento, não passa de uma mera especulação. Dito isto, e para terminar, entendo que caso haja essa pretensão nada melhor que aguardar pelo pronunciamento do legítimo requerente e beneficiário.
No passado dia 19 de Outubro, em Portugal, foi gravado no Panteão Nacional (homólogo da nossa Praça de Heróis) o nome do antigo cônsul português em Bordéus (França). Aristides de Sousa Mendes (1885-1954) fora, na altura da II Guerra Mundial, o diplomata que desobedecera o regime de Salazar emitindo, à revelia, milhares de vistos a favor de judeus e de outros em fuga das atrocidades da Alemanha Nazi.
O acto (de consciência) de Aristides Sousa Mendes custou-lhe a expulsão da carreira diplomática e a viver, com a sua família, veementes retaliações a ponto de morrer na miséria. Há quem justifique, e é plausível, que a resposta dada por Salazar fora uma característica do seu regime ditatorial. No mesmo diapasão, é também plausível que o reconhecimento e a homenagem que hoje o Estado português presta ao (desobediente) diplomata e aos seus préstimos sejam uma característica do actual quadro democrático em Portugal.
A que propósito falo disto? A propósito de saber o destino dado a funcionários públicos moçambicanos, e não só, que em circunstâncias análogas as do diplomata Aristides de Sousa Mendes tenham tomado decisões em contramão com as famosas orientações superiores.
É de crer, em jeito de nota de fecho, que no Moçambique pós-independência, mormente no tempo monopartidário, tenham existido, em acto e consequências, “os nossos Aristides de Sousa Mendes” e de que hoje, no quadro da constituição (democrática) de 1990 e seguintes, urge que o Estado os reconheça e homenageie, no mínimo aos mais destacados e exemplares desobedientes. Sob que critérios? É um outro debate.
Sobre a ajuda militar do Ruanda a Moçambique já se disse muita coisa, entre elas de que ela é pura solidariedade e nada em troca. Já passam dois meses e este assunto – o de se saber quem paga ou quanto é que custa o apoio militar - amiúde é chamado à mesa o que demonstra alguma preocupação ou, no mínimo, que o argumento da solidariedade não cola ou convence.
Na recente aparição de Paul Kagame, presidente do Ruanda, como convidado de honra na celebração da passagem do 57º aniversário das Forças Armadas de Moçambique, o assunto veio à tona na conferência de imprensa dada pelos dois estadistas. E mais uma vez a resposta foi a de sempre: é de borla!
Pelo facto de este assunto estar a merecer uma acirrada insistência é recomendável que kagame apresente uma factura - mesmo que ela não seja para ser paga -, pois assiste aos moçambicanos o direito de saber o custo da intervenção. Até porque tal configuraria uma outra ajuda do Ruanda a Moçambique, mormente a do país poder aprender, uma vez por todas, sobre as consequências do desinvestimento nas suas forças armadas.
De toda a maneira uma factura já é apresentada aos moçambicanos quando se assiste a constantes demonstrações cirúrgicas de superioridade e a de ter que se ouvir, sobretudo das cordas vocais do presidente do Ruanda, de que a ajuda militar do seu país é gratuita, e paga a 100% pelo seu país, o que apenas alimenta o orgulho e as virtudes messiânicas de Kagame.
Contudo, é de uma outra factura, e bem detalhada sobre os custos da intervenção, a que mais interessa e que certamente o seu conhecimento permitirá que os moçambicanos fiquem cientes sobre o quanto é necessário para que o país de per si consiga defender a pátria.
E ainda, a propósito da factura, tal é pertinente para que um dia, assim querendo, e por qualquer razão, o país possa liquidar a gratidão do Ruanda, servindo a factura como uma referência (monetária) para a retribuição de tamanha gratidão.
Por isto, e como um grande cavalheiro, é justo que Kagame submeta a factura ao povo moçambicano, o legítimo destinatário da sua ajuda militar.
Em meados da década 2000 um conhecido e saudoso académico moçambicano aconselhara a um grupo de jovens activistas, que se empenhavam em campanhas públicas de influência da governação, para “não fragilizar ainda mais, mas fortalecer as instituições”. Para o académico, não estava em causa a razão que impelia os jovens activistas a endurecer as campanhas, mas o receio quanto ao resultado, atendendo que as instituições em Moçambique ainda eram/são frágeis e daí o receio de que elas pudessem cair em total descrédito diante da exposição em que se veriam confrontadas.
Para elucidar o seu conselho, o académico ainda advertira de que “não se augura que o país caia em situação semelhante a da Somália” e de que o objectivo, e assim lançava uma contraposta, deveria ser sempre no sentido do fortalecimento das instituições e que cabia aos jovens o papel motor para as mudanças requeridas.
Este sentido de Estado, fazendo jus ao dito pelo académico, até lembrava Marcelo Caetano, político e académico da área do direito, que na negociação dos termos da sua rendição como chefe do governo português, deposto pelo golpe de 25 de Abril de 1974, também advertira de que “O Poder não pode cair na rua”.
Veio-me à mente estes episódios na conversa habitual de café sobre o julgamento das chamadas “dívidas ocultas”, ora em curso, cujos factos em exame decorrem de processos de governação. Deste julgamento e por conta de ânimos que são notórios nos autos e nas audições e ainda em querelas de outras esferas em praça pública, que por porventura decorram da corrida para o preenchimento da candidatura partidária na rota da conquista do Poder, a conclusão de que, independentemente do desfecho do julgamento, as crispações no seio da Frelimo não cessarão e no final do dia, seguramente, que o partido ficará cada vez mais fragilizado.
O citado académico moçambicano, chamado a opinar do além, de certeza que aconselharia que não se fragilizasse ainda mais (caos), mas sim que o partido fosse fortalecido. E quem assumiria essa tarefa? Marcelo Caetano, diante da fragilização/queda do seu regime, fez questão de entregar o Poder a um General (mais velho) e não aos jovens capitães de Abril, os reais autores da mudança. Talvez estes não o merecessem.
Uma saída semelhante - o Poder continuar na mão dos mais velhos – seria uma opção actual do partidão? Não sei, mas de toda a maneira fica a lição de que a fragilização ou a crise em qualquer instituição é uma oportunidade de mudança e uma energética ocasião para a juventude assumir e com responsabilidade o devido protagonismo como uma alternativa viável e segura.
O certo, para fechar, é que como as coisas andam e embora o Poder, detido pelo partido em pauta desde a independência em 1975, não seja provável que caia na rua, a possibilidade que caia na urna é bem real. Perante este cenário, um devoto partidário respondeu: “Nem plano B temos!”. Na verdade, é o plano C de que fala, porque o B sempre foi o de implementar (e com sucesso) o plano A.
Um meu vizinho interpelou-me ontem, quarta-feira, o dia (útil) da regulamentada folga deste julgamento e fez-me, com sotaque brasileiro, o seguinte pedido: “Cara! Faça aí rapidinho um resuminho dos sete dias de julgamento.” E muito rapidamente, escolhi o objecto em pauta no julgamento e, a parte do objecto, o assunto da extradição do antigo ministro das finanças.
Até ao momento a ideia é a de um julgamento sobre a autoria da concepção do projecto de monitoria e protecção costeira na sua versão original, que é a empresa PROINDICUS cujo valor inicial final fora orçado em 372 milhões de dólares americanos e terminado em 622 milhões de dólares americanos. Do valor inicial, a acusação diz que mais de 50 milhões foram propositadamente empolados e que tais valores foram a posterior distribuídos por alguns dos réus, ora em julgamento, e que por terem participado no plano, bem como a forma de recebimento, movimentação e aplicação do dinheiro são acusados de vários crimes.
Decorrente da acusação e das audições fica a percepção de que a PROINDICUS fora concebida pelos serviços secretos, mas, salvo melhor informação, nada ou pouco consta ainda, em julgamento, sobre quem tenha de facto e de júri aprovado, tanto o projecto como a contratação dos empréstimos. Aliás, se se está em presença de dívidas ocultas, é natural que o processo para a sua contratação também seja oculto.
Quanto a extradição do antigo ministro das finanças, ora detido na África do Sul, em cumprimento de um mandato das autoridades dos Estados Unidos da América (EUA), duas correntes se posicionam: a que defende que o antigo ministro seja extraditado e julgado nos EUA e a que defende que seja extraditado para Moçambique. A primeira afirma que em Moçambique não existem garantias para a realização do julgamento e que a ocorrer é certo que será de forma manipulada. E para reforçar o posicionamento é ainda citado que em Moçambique não existe nenhuma acusação contra ele, contrariamente ao pedido de extradição dos EUA.
Neste sentido, a ausência de uma acusação em Moçambique concorre a partida para que o antigo ministro siga para os EUA e tal é ainda reforçado por este país ter sido o primeiro a pedir a extradição. Contudo, caso ocorra o contrário - o ministro aterre em Maputo - é de crer que será uma oportunidade para a primeira corrente confirmar ou não as suas acusações. Em caso afirmativo, uma outra suspeita ou acusação - a da possibilidade de que tudo não passa de um teatro encenado por uma rede que envolva os três poderes - também proceda e será um grande golpe para todo o país, para a região e para o mundo. “Não quero nem imaginar”, sincronizou o vizinho.
Feito o resuminho, a nota de que os dados ainda estão a correr e que qualquer opinião mais apurada e ilações destes e outros pontos do dossiê das “Dívidas Ocultas” só serão possíveis com o esclarecimento, em tribunal, de todo o processo, incluindo o último cêntimo dos 2, 2 mil milhões de dólares americanos, valor acrescido com os empréstimos de mais duas empresas (EMATUM e MAM), criadas no quadro do mesmo projecto de monitoria e protecção costeira.
Na despedida, a promessa de que haja mais encontros para resuminhos e de preferência nas folgas das quartas-feiras. Ainda com o toque do cotovelo fresco, o vizinho perguntou-me se conhecia uma velha música que diz “eu canto o que o povo quer, eu canto o que o povo diz”. Em seguida, depois da minha confirmação, e recuperando o sotaque brasileiro, o vizinho dispara: “No tribunal não é bem assim, não!”. Se o leitor também não percebeu, no próximo resuminho já pergunto o que isto significa.
Um tempo antes da criação da FRELIMO, consta que Marcelino dos Santos, que em tempo célere obtivera fundos e realizara em Dar es Salam, Tanzânia, um evento da UDENAMO, movimento em que ele acabara de se filiar e que até então não conseguira realizar o dito evento, recebera no aeroporto, de regresso à Rabat, Marrocos, um envelope de Adelino Guambe, líder da UDENAMO. A partida, Marcelino dos Santos desconfiara que o conteúdo fosse uma gratificação. Depois de aberto, no envelope constava uma carta da sua suspensão ou mesmo expulsão da UDENAMO.
Um amigo ocasional de viagem é que me contara este episódio e jurara que lhe fora relatado pelo próprio Marcelino. Se este episódio é verdadeiro? Eu também não sei. Também não é sobre a veracidade que o trago. O mesmo veio-me à mente durante o julgamento sobre as “dívidas ocultas”, particularmente no momento em que o réu Teófilo Nhangumele dissera em Tribunal, a propósito da sua participação, enquanto consultor, facilitador ou intermediário, na elaboração do projecto de vigilância e recolha de informação denominando de Sistema Integrado de Monitoria e Protecção Costeira, que fora dispensado, em finais de 2012, pelo ministro da defesa nacional na altura.
E por ele dito, fora o facto de não pertencer as Forças de Defesa e Segurança (FDS) - e o projeto é da alçada da segurança nacional - o argumento usado para a sua desvinculação do projecto. E tal como acontecera com Marcelino dos Santos, suponho que o Teófilo esperasse por outra sorte por conta dos bons serviços prestados, considerando as suas declarações. Aliás, acredito que qualquer ser humano, depois que achar que prestara bons serviços a quem quer que seja, espere, mesmo que desinteressadamente, por alguma recompensa, incluindo um simples elogio.
Estes dois exemplos se juntam a outros da praça. Um deles é o do actual edil de Maputo que na sua primeira versão de presidente do Município fora preterido pelo seu partido (FRELIMO) como o candidato para um segundo mandato. O mesmo acontecera no Município da Beira com o falecido Deviz Simango em tempos da sua filiação no partido RENAMO.
Em fecho de papo, é caso para avisar de que por estas bandas do Índico, e não é de hoje e nem monopólio de ninguém, é normal que em política, e até em outras áreas, que o destino dos melhores seja o mesmo que é dado ao da verdade em tempos de guerra: abater!
PS: Este final de semana, depois da passagem do mau tempo e de ter visto as fotografias do estado em que ficara parte do complexo de tendas instaladas na cadeia “BO”, onde está em funcionamento o Tribunal que julga as polémicas “dívidas ocultas”, concluo que o que está em pauta – o abortado projecto de vigilância e recolha de informação denominando de Sistema Integrado de Monitoria e Protecção Costeira – não teria nenhuma serventia mesmo que tivesse sido plenamente montado, pois, pelos vistos, o problema não é o da falta de informação. Caso fosse, o próprio Tribunal, que julga o caso, teria feito o uso da informação sobre o mau tempo durante o final de semana e que fora atempadamente disponibilizada pelos serviços mateológicos.
Ontem, um pouco antes do início do julgamento, dito o das “Dívidas Ocultas” ou “Dívidas Não Declaradas” ou ainda das “Dívidas Ilegais/Inconstitucionais/Ilegítimas/Odiosas”, trazia no bolso questões prévias e destas uma de fundo. Tinha fé de que o Juiz, em momento oportuno, abriria as linhas telefónicas para os ouvintes e telespectadores. Debalde. Em benefício público, eis algumas das questões prévias: 1) Quem iniciou/participou na concepção e/ou na aprovação do projecto de monitoria da costa moçambicana?; 2) Quem participou na identificação/estruturação dos financiamentos/empréstimos e /ou na sua aprovação?; 3) Quem participou nos actos de contratação dos empréstimos (2, 2 mil milhões de dólares americanos)?; 4) Quem recebeu os empréstimos transferidos (directamente) pelos bancos?; e 5) O que foi pago com o valor dos empréstimos?
Ainda decorrente da sessão de ontem e do que fora avançado pela acusação quanto as circunstâncias iniciais para a concepcção do projecto (corria o ano de 2011 e trazido como novidade por estrangeiros) dá a impressão de que Moçambique, país independente desde 1975 e com uma linha de costa de cerca de 3 mil Km e de uma zona económica exclusiva (de mar/oceânica) de 200 milhas (322 Km), apenas, e só, em 2011, e nas circunstâncias forasteiras que se avançam, é que se dera conta da urgência de monitoria e protecção da sua costa marítima. Até então (2011) transparece que as fronteiras do país se resumiam na terrestre e eventualmente na aérea. Aliás, até bem pouco tempo, a ideia de que existe uma fronteira marítima por defender, e passível de uma ocupação efectiva, se esgotava como uma matéria universitária da cadeira de direito internacional. Já agora: existe algum plano para a monitoria e protecção da fronteira cibernética?
Voltando ao foco do julgamento, deu para perceber, salvo melhor entendimento, que o que está em julgamento na “B.O”, uma conhecida cadeia de máxima segurança e que é o local da realização do julgamento, incide sobre a (minha) quinta questão prévia (O que foi pago com o valor dos empréstimos?), e nesta, especificamente recai sobre a acusação em relação aos valores recebidos (e de forma criminosa) pelos arguidos/réus (segundo a acusação) que correspondem a menos de 100 milhões de dólares americanos do valor total dos empréstimos. Portanto: uma parte ínfima (5%) dos 2, 2 mil milhões de dólares americanos. No que tange (risos) a outras questões prévias, embora algumas informações tenham sido tocadas ao longo da sessão, ressaltando, salvo tenha escapado aos meus ouvidos, que não fora aflorada os mais de 500 milhões de dólares que não se acharam justificativos (cerca de 25% do total dos empréstimos), segundo as contas do relatório de auditoria da Kroll, é de acreditar que um dia merecerão o devido crivo jurídico.
Sendo assim, e esta é a questão de fundo: o facto do julgamento em curso ser apelidado, marcadamente na imprensa, como o das “Dívidas Ocultas” (STV) ou “Dívidas Não Declaradas” (TVM) ou ainda das “Dívidas Ilegais/Inconstitucionais/Ilegítimas/Odiosas” (Sociedade Civil), ainda não soa bem ou, no mínimo, não deixa tão claro pelo facto de retirar o peso (95%) e as circunstâncias do grosso ainda por esclarecer. É o mesmo que o governo justificar no parlamento apenas 5% do Orçamento de Estado como justificação global do orçamento de um determinado ano. Na senda do dito, temo que no final deste julgamento o cidadão (a sociedade) dê por justificado ou encerrado o dossiê das “Dívidas Ocultas” ou “Dívidas Não Declaradas” ou ainda das “Dívidas Ilegais/Inconstitucionais/Ilegítimas/Odiosas”.
Em benefício do direito do cidadão a informação, e bem informado, porventura um cabal esclarecimento público sobre o que está de facto em julgamento na “B.O” devia ter sido uma das questões prévias (ou reparos) na sessão de ontem, a inaugural do julgamento. Quiçá, até ao último dia do julgamento assim seja procedido. Para terminar, ainda ontem, um amigo alertara-me de que a ser feita, no país, uma avaliação geral sobre a ocorrência do tipo de crimes de que são acusados os arguidos/réus é caso para dizer, e por extensão, de que “na B.O não estão em julgamento apenas 19, mas sim 30 milhões de arguidos/réus”.