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terça-feira, 25 outubro 2022 12:53

Sobre o Fundo Soberano

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O Governo submeteu há dias à Assembleia da República um projecto de lei que cria o Fundo Soberano, na expectativa de o ver debatido e aprovado ainda nesta sessão que começou na primeira semana de Outubro corrente.

 

Está de parabéns o Executivo, porquanto a pressão do tempo era/é enorme: este mesmo mês de Novembro, Moçambique vai começar a receber os primeiros valores decorrentes da exploração dos seus recursos naturais, especificamente do gás natural da chamada Bacia do Rovuma e não existe até ao momento qualquer instrumento que norteia a aplicação desses valores, bem como dos valores decorrentes de mais valias em diferentes situações de exploração dos nossos recursos, como os casos de vendas ou trespasses de acções entre as multinacionais exploradoras dos nossos recursos. Já tivemos trespasses na Bacia do Rovuma e em Tete e muitos de nós não estão informados sobre a aplicação desses fundos.

 

Portanto, é imperioso que haja um instrumento que oriente a aplicação dos valores que vão ser recebidos com a exploração dos nossos recursos naturais, sejam receitas de exploração, ou impostos e ou mais valias decorrentes de transações diversas. E este instrumento orientador devia/deve reflectir a vontade colectiva dos moçambicanos. O mote aqui é que os recursos naturais pertencem aos moçambicanos, a todos os moçambicanos e, assim sendo, devem/deviam ser estes a estabelecerem a geometria da sua exploração, bem como da aplicação dos dividendos decorrentes dessa exploração. A lei do Fundo Soberano deve ser inclusiva, albergar as aspirações de todos nós, e não apenas daqueles que neste momento estão no comando, pois, como estamos todos de acordo, os recursos naturais, bem como os proventos da sua exploração, são de todos nós moçambicanos e, assim sendo, devem beneficiar a todos os moçambicanos e às gerações vindouras. 

 

Talvez devido à pressão do tempo, o Governo tenha apressadamente esboçado o draft da referida lei e submetido ao parlamento. Aceito que houve auscultação a diferentes sensibilidades nacionais, mas acho que deve haver mais auscultação e, se possível, haver explicação pública de como tal auscultação foi realizada, quais essas sensibilidades e como foi o processo. Inclusão e participação, é tudo quando se apela.  Não podemos somente ver no jornal que há um seminário sobre isto e aquilo e que… o Banco de Moçambique vai apresentar isto mais aquilo!

 

Olhando para o draft propriamente. A justificativa do draft submetido devia ser mais bem trabalhada. Como está, só espelha grandemente a pressa que se tem em encontrar um instrumento legal que balize as nossas actuações. A parte introdutória deve ser de uma grande solidez, abrangente, universalizante, bem alinhavada, apontar de forma clara e inequívoca que se trata de um instrumento que visa regrar sobre os proventos da exploração dos recursos naturais de Moçambique no seu todo e não apenas da dos blocos A ou B “e outros” ou “etc.”

 

Em termos de conteúdo. Julgo aceitável a ideia de que os proventos devem ser divididos pela utilização presente e futura. Isto é, uma parte reforçar o orçamento do Estado actualmente e a outra ser conservada e ser aplicada em empreendimentos virados para o futuro. Não abono é a ideia de que todos os valores deveriam ir para o Fundo Soberano. O nosso Orçamento de Estado ainda é deficitário e, por isso, financiado ou apoiado por instâncias estrangeiras, o que de alguma forma cerceia a nossa independência, soberania e autonomia. As nossas necessidades são imensíssimas e, portanto, não seria de uma mente sadia que, estando-se a passar fome numa casa e obtendo-se alguma renda, esta seja conservada para gerações vindouras.

 

Onde tenho sérios problemas é no que diz respeito à utilização do exacto Fundo Soberano. O draft da lei sobre o Fundo Soberano fala de uma "política de investimento do Fundo Soberano” a ser definida pelo Governo… Ou seja, vai ser aberta uma conta do FS no Banco de Moçambique na qual se vai depositar uma parte dos fundos provenientes da exploração dos recursos naturais, os quais serão utilizados de acordo com a “política de investimentos” a ser delineada pelo Executivo. Discordo.

 

Minha visão é que devemos definir aqui e agora o que fazemos com o Fundo Soberano, a parte que irá para a conta a ser aberta no Banco de Moçambique. A lei sobre o Fundo Soberano deve estar completa e estar completa significa que deve também especificar o destino dos valores a entrarem. Não acho que devamos ser como a maioria dos criadores de gado do nosso país, que se contenta apenas em contemplar a quantidade de cabeças que tem no curral e está à espera de ver o que vai fazer com elas… tipo nós que só vamos ver o saldo da nossa conta e não temos ideia clara do que fazer com aqueles fundos… que até são magros… estamos à espera de decidir o que fazer com eles. Não. Esta questão tem que estar fechada já. Tomarmos uma decisão colectiva e consensual sobre onde aplicar os fundos provenientes da exploração dos recursos naturais.

 

Já agora: acho que o Fundo Soberano deve ser aplicado na construção e reabilitação de infra-estruturas, só e somente só. Por infra-estruturas, quero dizer estradas estratégicas e estruturantes, isto é, as primárias e secundárias, pontes estratégicas, nacionais, regionais e provinciais; linhas férreas regionais e nacionais; e barragens e centrais eléctricas de âmbito nacional e regional. Penso que um país com excelentes infra-estruturas será um bom “legado” para as gerações vindouras.

 

Espero que a Assembleia da República lime bem esta parte. Não pode ficar em aberto onde aplicar o Fundo Soberano. E a AR pode, igualmente, proceder a uma auscultação mais alargada a complementar a já feita pelo Governo, mesmo que isso implique que a lei venha no próximo ano.

 

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