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sexta-feira, 01 março 2019 06:26

Os ladrões de crenças

Escrevi num romance meu que o mais importante não é a casa onde moramos mas a casa que mora dentro de nós. Essa casa pode ser a Pátria.


A Pátria é uma palavra delicada. Foi (e continua a ser) usada com nobres propósitos. Mas também já foi usada por ditadores para manipular as pessoas. Serviu para justificar guerras, crimes, regimes de opressão. Em nome de Deus, da Pátria e da Família construíram-se tiranias, fabricaram-se ódios e campanhas de morte e sangue.

quinta-feira, 07 fevereiro 2019 16:29

A mão externa

O cidadão está ansioso por escutar o noticiário. Assuntos graves, de urgência nacional pairam no ar. Ele liga a rádio e a notícia de abertura é a seguinte: no distrito de Namacurra a produção de milho deve ultrapassar a meta anual em 25 por cento. O cidadão suspira fundo e sintoniza uma estação televisiva: a notícia de abertura dá conta que um ministro realizou essa coisa completamente extraordinária que foi apelar para que se aumente a produtividade. O cidadão procura uma outra estação. E fica a saber que num bairro periférico de Lichinga um jovem matou a sogra à paulada.

 

O cidadão percebe que, para saber da realidade nacional, ele tem que procurar uma fonte noticiosa estrangeira. E foi o que ele fez naquele dia. E o que fez nos restantes dias. Para saber do seu país, ele passou a escutar noticiários de fora. Um dia, o vizinho, acusa-o de falta de orgulho nacional. E defende que a planificação agrícola no distrito de Namacurra é um assunto absolutamente global. E que é ainda mais vital saber o que diz um nosso ministro sobretudo quando ele não diz nada. E conclui o vizinho: você, meu caro, é um pobre manipulado. O cidadão não reage bem, exige explicações. Está a ver, isso de exigir explicações já é coisa da mão externa, declara o vizinho. O que acontece quando a pessoa começa a saber. Vai querer saber mais, vai quer debater, vai querer pensar pela sua cabeça. E a pessoa pensar pela sua cabeça, isso só pode ser uma ideia vindas de fora.

 

Veja o caso do Manuel Chang. Se continuássemos a não falar dele tudo estaria melhor. Não teríamos nada para falar. Você ficaria satisfeito com os noticiários nacionais que falam do cumprimento das metas do milho em Namarrói. Em Namacurra, corrige o cidadão. Um autêntico patriota, como eu, tem confiança, não anda para aí a querer saber de tudo e mais alguma coisa. Isso de querer saber, meu caro, não faz parte da autêntica cultura africana, isso é coisa que vem de fora, queixa-se o vizinho. Mas não acha, argumenta timidamente o cidadão, não acha que é bom que se discuta, dentro de Moçambique e entre moçambicanos, os assuntos que nos dizem respeito? E não acha, pergunta o cidadão já mais empolgado, que os que reclamam que não paguemos as dívidas ilegais sejam mais patriotas que os que aceitam tudo e mais alguma coisa? E não há mão externa nas dívidas ocultas dos que, como eu, querem saber de como iremos pagar?

 

O vizinho, suspira exausto e, já em desespero, pergunta: quem lhe está a pagar, meu caro caro cidadão? Quem lhe paga para questionar os que receberam empréstimos de fora e que, coerentes com o seu amor pátrio, colocam esse dinheiro sujo no exterior? Não lhe passou na cabeça que esses que lavam o dinheiro no exterior o fazem por verdadeiro nacionalismo, apenas para não sujar o chão da nossa bela pátria amada?

 

O cidadão retirou-se e afastou-se pela rua movimentada. Sentiu que lhe mexiam no bolso do casaco. Não reagiu com medo que fosse a mão externa.

sexta-feira, 18 janeiro 2019 05:53

O julgamento oculto

As pessoas estão preocupadas: Manuel Chang vai mesmo ser julgado? A grande pergunta é realmente uma outra: afinal, “onde” vai ele ser julgado? Essa pergunta esconde uma outra interrogação que é seguinte: “quem” vai finalmente julgar o ex-ministro? Reina a percepção que, lá fora, a justiça será mais rigorosa. Que lá fora se evitará uma certeira lavagem de culpas depois de uma alegada lavagem de dinheiro. E todos sabemos: mundo anda demasiado sujo por causa de tanta lavagem. 



Outras preocupações se juntam: mas é só ele? E os outros? E quando se pergunta por esses outros olha-se não para o lado mas para cima. Quer-se dizer: os que mandavam no Chang. Nunca se falou tanto de um julgamento que ainda está por haver. As pessoas falam porque estão obviamente cansadas dos julgamentos que ficam sempre por acontecer. E agora, este Manuel Chang, com ou sem culpa formada, resume num só nome todos os nomes dos que permaneceram acima da justiça.  Manuel Chang é um nome que se passou a dizer no plural. 



Partilho dessas interrogações. E tenho mais uma: não é apenas do julgamento de Chang que estamos a falar. Estamos a falar do julgamento de milhões de moçambicanos. De um julgamento que nunca chegou a acontecer mas do qual resultou uma sentença contra todos nós, condenando-nos a pagar uma dívida de milhões de dólares que terão ido parar aos bolsos de uns poucos nacionais e estrangeiros. Existe, pois, para além uma dívida oculta, um julgamento oculto. Esse julgamento produziu a mais insólita das sentenças: os que foram roubados foram declarados culpados e intimados a indemnizar os que roubaram. Não foram apenas os moçambicanos em idade adulta que foram punidos: foram os filhos, os netos e todos os que, antes de saber o que é dinheiro, já sabem o que é estar endividados. 



Já que houve um julgamento sem tribunal nem juiz que haja agora um novo veredicto em que sejamos ilibados dessa punição. Moçambique e moçambicanos merecem libertos dessa ilegal sentença. 



PS – Circulam por aí textos que são indevidamente imputados à minha pessoa. Outros  como Teodato Hunguana queixam-se do mesmo. Haverá, ao que tudo indica, uma fábrica de falsificação de textos de opinião. Por favor, a todos os leitores peço: não divulguem textos sem ter antes confirmado a sua autoria. O que dá força aos cobardes falsificadores de textos é a nossa apressada ingenuidade. Não nos tornemos cúmplices dessas desavergonhadas mentiras. 

quarta-feira, 02 janeiro 2019 03:04

O que celebramos no Ano Novo

No momento em que o relógio marca a meia noite peço à minha família que faça silêncio. Sugiro que escutemos a cidade em festa. No escuro rasgado pelo fogos de artíficio soam estrondos que antes seriam de Guerra e agora são uma fraternal celebração. Para além do estampido dos foguetes escuta-se gente rindo e clamando de felicidade. Durante escassos minutos esquece-se o que nos incomodou a vida inteira. Saber esquecer é uma condição para se ser feliz. De repente, a cidade é uma única aldeia. Não é apenas um ano que começa. É um parto colectivo de uma esperança adiada. Não é um ano que termina. É todo um somatório de tristezas e desilusões que, por artes mágicas, em colectivo se desvanece.

 

 Pensando bem não somos apenas nós que nos celebramos, vivos e produtores de vida. Esta festa junta gerações de tempos mais longínquos do que podemos imaginar. O fogo de artifício que ilumina hoje os ceús de todas  cidades do planeta foi criado pelos chineses há milhares de anos atrás. Muito antes dos mesmos chineses terem inventado a pólvora, pedaços de bambú eram, nas aldeias do Sul da China, atirados para as fogueiras e explodiam com um grande aparato. Em Maputo e em todas as cidades do mundo enchemos os céus com esse luminoso fogo que cruzou as fronteiras da geografia e do tempo. Esse fogo converteu-se num património nosso, de toda da humanidade. Mas pouco se fala da origem dessas súbitas luzes que nos fazem vibrar. Os ciosos nacionalistas de hoje, que se fecham em fortalezas contra aquilo que consideram “estrangeiro”, estão, sem o saber, a celebrar a inventividade de camponeses chineses que há mais de 2000 mil anos inventaram um modo ruídoso e colorido para afugentar os maus espíritos.

 

Ao partilharmos esta festa, como sendo de todos nós, estamos celebrando uma certa versão da História. Essa versão foi imposta sobre as outras versões,  com todo o desfile de violência e de negação de diversidade. Estamos reproduzindo a herança dos antigos romanos que celebravam o inicio de Janeiro, mês consagrado ao Deus Janus (de onde vem o vem o nome do primeiro mês do calendário gregoriano). Estamos a revisitar a chamada história universal. Que não foi nunca tão universal como parece. E nem sempre foi assim: durante a Idade Média, a Igreja Católica considerou o primeiro de Janeiro uma data pagã e preferiu marcar o Ano Novo no dia 25 de março, o chamado “Dia da Anunciação” que marca a aparição do arcanjo Gabriel à Virgem Maria.

 

No século XVI, o papa Gregório XIII introduziu o calendário gregoriano e o primeiro de janeiro foi reestabelecido como Ano Novo nos países católicos. A Inglaterra foi exceção na Europa e continuou a celebrar a passagem do ano no dia 25 de março até 1752. Finalmente, naquele ano, o Parlamento alinhou os britânicos com o resto da Europa.  Celebrarmos todos o princípio do Ano no primeiro de Janeiro é o resultado de um percurso, de uma história que deveria ser mais conhecida. Essa história daria razões adicionais para celebaramos melhor o quanto há de diversidade numa festa globalmente partilhada.

 

quarta-feira, 26 dezembro 2018 05:39

Carta

Estamos arrumando a nossa casa para melhor exercemos a democracia no nosso país. Isso é certo e espera-se que avancemos num mecanismo de participação em que todos acreditem. É isso que se passa na nossa casa. Mas nós não vivemos fora do mundo. Esse mundo não começa fora das fronteiras. Houve um tempo em que essa linha de fronteira demarcava o “dentro” e o “fora”. Não é mais assim. Um amplo e poderoso sistema de comunicações faz que o “fora” viva dentro de nossa casa.

quinta-feira, 13 dezembro 2018 03:06

Nas mãos da polícia

No aeroporto de Paris, o polícia francês de fronteira olhou e revirou o meu passaporte, franziu o sobrolho e perguntou:

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