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Bento Rupia Junior

Bento Rupia Junior

domingo, 28 abril 2024 08:21

Sou Mais pelo Outro 25, o de Junho

Quando se fala na efervescência de "25", muitos se recordam imediatamente da Revolução dos Cravos de Portugal. Contudo, é outro "25" que faz o coração deste pedaço de terra chamado Moçambique bater mais forte – o 25 de Junho, dia em que celebramos nossa independência, a verdadeira emancipação do jugo colonial que por séculos tentou sufocar a rica tapeçaria cultural que define a nossa nação.

 

A independência de Moçambique não é apenas um marco político, mas um grito contínuo de expressão e valorização da nossa identidade. É o reconhecimento da potência das nossas línguas nacionais, como o Emakhuwa, o Elomwe, o Cisena, o Cishona, o ndaw e tantas outras vozes que compõem a melodiosa sinfonia de nosso povo e de seus hábitos bantu. Estas línguas são veículos de nossa história, transportando tradições, sabedorias e o espírito inquebravel dos moçambicanos.

 

Nossa gastronomia é um universo de sabores que desafia qualquer tentativa de dominação neocolonial. Os aromas do caril de amendoim, do frango à zambeziana, da nhemba e da mathapa, são testemunhos de uma culinária que soube adaptar influências externas sem perder a essência de suas raízes. Em cada prato, celebra-se não apenas a alimentação, mas a resistência de uma cultura que se recusa a ser homogeneizada.

 

Na música, artistas como Zaida Bacar, Zaida Chongo, Madala, Stewart Sukuma e grupos como Ghorwane, têm sido o reflexo da nossa diversidade sonora, misturando ritmos tradicionais com influências modernas, resistindo à hegemonia cultural e reafirmando a música como forma de resistência e afirmação cultural. A marrabenta, por exemplo, mais do que uma dança ou estilo musical, é a expressão da nossa alma resiliente e jubilosa.

 

Artisticamente, Moçambique tem se destacado através de figuras como Malangatana Ngwenya, Mia Couto, Chissano, ou a Renata cujas obras desafiaram a narrativa colonial e capturaram os anseios, lutas e alegrias do povo moçambicano. Cada pincelada de Malangatana, cada estrofe ou prosa é um testamento da nossa luta contínua pela soberania cultural diante de influências externas que buscam diluir nossa identidade.

 

Religiosamente, Moçambique é um mosaico de crenças que coexistem, demonstrando o respeito pela diversidade espiritual que é central para a nossa coesão social. Esta convivência entre diferentes religiões também simboliza a nossa rejeição ao imperialismo ideológico, seja ele de natureza cultural ou religiosa.

Em contraposição ao neocolonialismo subtil e à dominação simbólica ainda presentes no mundo de hoje, a celebração dos 50 anos da independência de Moçambique no dia 25 de Junho é uma lembrança contínua da nossa soberania por afirmar, da nossa resiliência e do nosso compromisso com a preservação e valorização da nossa rica herança cultural. Devemos ser, sim, mais pelo nosso 25 de Junho, pois ele representa a nossa alma, a nossa luta e o nosso futuro. Longa vida a Moçambique, livre e soberano!

Bento Junior

Faz uma semana que me interpelaram para falar de uma opinião publicada e que se vai transformando em opinião pública e se muito não me engano, em medida publica pela via da acção política: de atribuir a demografia toda a culpa pela incapacidade de resolver os problemas vivenciados pela sociedade moçambicana. Qual Malthusianismo! Essa pastosa medida, embora tenha sido proposta em uma época muito diferente, ainda encontra defensores como política de controle da natalidade para solução de problemas econômicos. Em Moçambique, país com diversos desafios socioeconômicos, essa abordagem pode parecer atraente em teoria, pois sugere que controlar o crescimento populacional seria uma resposta eficaz para lidar com as demandas limitadas dos recursos naturais e com a pressão sobre a economia. No entanto, uma análise mais crítica revela que essa perspectiva não é apenas impraticável, mas também perigosa, ignorando as complexidades da realidade moçambicana e desconsiderando soluções mais abrangentes para os problemas enfrentados pelo país. Insisto na minha grande tese: enquanto buscarmos construir um ordenamento jurídico, econômico e político ignorando a essência e fundamento do substracto kultur (entenda-se cultura e escrevo no seu original para não distorcer o seu entendimento) estaremos sempre a construir algo sem alicerces e totalmente desprovido de nexo com a realidade. Outra alienação estrutural!


Não deixa de ser comum senso que Moçambique enfrenta uma série de desafios econômicos, como pobreza generalizada, desigualdades sociais, infraestrutura precária e dependência de setores voláteis, como a agricultura e a exploração de recursos naturais. Em meio a essas questões, surge a ideia de que controlar a taxa de natalidade poderia aliviar a pressão sobre os recursos escassos, porém, essa abordagem simplista ignora fatores fundamentais que contribuem para a dinâmica econômica do país.


Compreendo que seja mais uma imposição das elites financeiras mundiais para países sujeitos aos condicionalismos de ajuda. Para quem não se deu conta, trata-se de implementar aquilo a que chamam de DIVIDENDOS DEMOGRAFICOS. O princípio dos dividendos demográficos é um conceito que se refere à oportunidade única que um país tem de impulsionar seu crescimento econômico e desenvolvimento social por meio de mudanças em sua estrutura demográfica. O conceito baseia-se no fato de que, durante um determinado período, a proporção de pessoas em idade ativa (em idade de trabalho) é maior em relação à população dependente (crianças e idosos).


Embora o princípio de dividendos demográficos seja frequentemente considerado pelos seus adeptos de uma oportunidade para o crescimento econômico e o desenvolvimento social, ele não leva em conta algumas particularidades que o nosso pais possa ser portador e que vale a pena elencar criticamente:


Suposição de crescimento econômico automático: Uma das principais críticas ao conceito de dividendos demográficos é a suposição de que, simplesmente por causa de uma mudança na estrutura demográfica, haverá um crescimento econômico automático. Isso pode levar a políticas públicas mal concebidas e à falta de atenção para outros fatores econômicos e sociais que realmente impulsionam o desenvolvimento.


Ignorar os desafios estruturais. Não levar em consideração os desafios estruturais e institucionais que podem dificultar a realização desses benefícios. Não são poucos os problemas de corrupção, falta de infraestrutura, burocracia e baixa capacidade administrativa podem minar os esforços para aproveitar os dividendos demográficos.


Desigualdade e exclusão social: Em muitos casos, os dividendos demográficos são distribuídos de forma desigual entre a população, concentrando-se em certos grupos e regiões, enquanto outros permanecem marginalizados e excluídos das oportunidades de crescimento econômico. Isso pode levar a um aumento da desigualdade social e acentuar disparidades econômicas.


O contraponto do envelhecimento da população. Existe sempre o outro lado da moeda. Se não forem tomadas medidas adequadas para garantir a sustentabilidade do sistema de previdência social e o apoio aos idosos, os dividendos demográficos podem se transformar em um risco, à medida que a população envelhece e a proporção de pessoas em idade ativa diminui.


Dependência de fatores externos: O conceito de dividendos demográficos pode depender muito de fatores externos, como a demanda global por produtos e serviços do país. Se a economia global enfrentar crises ou choques, os benefícios dos dividendos demográficos podem ser prejudicados.


Supervalorização da população jovem: O foco exclusivo nos dividendos demográficos pode levar à supervalorização da população jovem em detrimento de outras faixas etárias, como crianças e idosos. Isso pode resultar em políticas públicas desequilibradas e insuficiente investimento em educação infantil e cuidados com idosos.


Ora. Alega-se que a aplicação dos dividendos demográficos pode ser benéfica para impulsionar o crescimento econômico e reduzir a pobreza em Moçambique.


A realidade demográfica e cultural de Moçambique leva-nos a uma matriz duplamente complexa e que refutaria soluções do tipo c.q.d (como queríamos demonstrar, da matemática) para compreender como que a dinâmica demográfica factoriza nos fenômenos econômicos. Para expressar o que penso, não temos tanta população assim. Até penso que faltam mais moçambicanos. Mas, devo dizer que pensar na aplicação do Malthusianismo em Moçambique enfrentaria sérios obstáculos relacionados à sua estrutura demográfica e à cultura do país, bem como a inadaptabilidade de um modelo fatalmente condenado. Moçambique possui uma população jovem, com uma taxa de fertilidade ainda relativamente alta. Isso é resultado de fatores culturais e sociais, além de questões como o acesso limitado à educação e a escassez de opções contraceptivas efetivas. Forçar uma política rígida de controle da natalidade poderia gerar resistência e aprofundar as desigualdades, ignorando a importância de outras intervenções mais significativas e visíveis tidas como meios para a tomada de decisões reprodutivas informadas.


1. Limitações econômicas e falta de investimento: A política de controle da natalidade como solução única para problemas econômicos não aborda as principais questões estruturais enfrentadas por Moçambique. É essencial investir correctamente em infraestrutura, educação, saúde e agricultura para promover o desenvolvimento sustentável. Ao focar exclusivamente na redução populacional, ignora-se a necessidade de investimentos em setores-chave que podem impulsionar a economia e melhorar a qualidade de vida da população.


2. Impacto social e direitos humanos: A implementação do Malthusianismo pode resultar em violações dos direitos humanos e questões éticas, já que forçar ou coagir famílias a limitarem o número de filhos fere a liberdade individual e a autonomia reprodutiva. Além disso, tal abordagem pode marginalizar grupos já vulneráveis, como as comunidades rurais e as minorias étnicas.


Embora o Malthusianismo possa parecer uma resposta simples para os problemas econômicos de Moçambique, uma análise mais profunda revela suas falhas intrínsecas. A solução para os desafios do país não pode ser simplificada em uma única política de controle da natalidade, mas requer um enfoque holístico que leve em consideração fatores demográficos, socioeconômicos e os essencialmente culturais. Invistam em outras soluções para a construção de uma sociedade mais justa e próspera em Moçambique.