Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

Edna Juga

Edna Juga

quarta-feira, 17 abril 2024 07:08

Desperte, Esqueça e Descanse.

Desperte meu coração,

faz de mim teu eu.

Desperte meu coração,

jaz em mim teu eu.

Desperte meu coração,

traz para mim teu eu.

 

Tombaste nos escombros?

Não culpes aos feiticeiros,

meteste o pé em caminhos embusteiros,

procurai a flor-dos-formigueiros,

curará os teus erros derradeiros,

ao contrário da altiva erva-dos-besteiros.

Esqueça-lhes meu coração,

faz de mim teu eu.

 

Esqueça-lhes meu coração,

jaz em mim teu eu.

Esqueça-lhes meu coração,

traz para mim teu eu.

 

Ergue os teus ombros,

afasta-te dos bisbilhoteiros,

seus conceitos são desordeiros,

desviam aos herdeiros,

buscai os nobres cavaleiros,

servos da ordem dos carpinteiros.

 

Descanse meu coração,

faz de mim teu eu.

Descanse meu coração,

jaz em mim teu eu.

Descanse meu coração,

traz para mim teu eu.

 

Costure os nossos encontros,

em momentos eternos,

desenvencilhe-te dos mundos externos,

aguardo-te nos internos,

registra nos teus cadernos,

os dias hodiernos são subalternos.

terça-feira, 29 agosto 2023 07:59

Nos coisou o coiso

Edna Juga

Nos coisou o coiso,

Porque coisamos o coiso.

Esplêndido!

 

Erramos conscientes do nosso erro,

erguendo uma estátua na hora,

encaminhamos os descoisados ao nosso aterro,

aonde lhes confundiremos a honra,

guiados pelo som do cincerro,

chegarão sem demora.

 

Nos coisou o coiso,

Porque coisamos o coiso.

Rápido!

 

Coloquemos armadilhas no chão,

deixemos que escorregue o peão,

enamore a sua face com o alcatrão,

destruindo um futuro campeão,

transformemos-lhe em ladrão,

dos sonhos alheios prometidos pelo panteão.

 

Nos coisou o coiso,

Porque coisamos o coiso.

Maravilha!

 

Coisamos os descoisos,

envenenamos a sua visão na meta,

impelindo-os a viver de improvisos,

perdidos na verdade obsoleta,

sem compreenderem os avisos,

prestados pelo descoisado asceta.

 

Nos coisou o coiso,

Porque coisamos o coiso.

Orgulhemo-nos!

 

Aos recém coisados ergamos uma taça,

eles defenderão a nossa carapaça,

mutilarão a quem representar ameaça,

mesmo que por engano o faça,

desaparecerão como fumaça,

ou como estrume para labaça.

quinta-feira, 03 agosto 2023 07:10

As bestas da Praça

Edna Juga
O mundo cae em desgraça,
com as grandes bestas que ocupam a praça,
aliciam belezas cheias de graça,
para dar-lhes um amanhã sem esperança.

 

Ouvimos só um lado da história,
onde uma ela é sempre a escória,
reduzida para uma irrisória,
eternizada como uma vagabunda na memória.

 

Ah, sim sim,
é mesmo assim,
num contexto frenesim,
elas terminam sem fim.

quinta-feira, 29 junho 2023 06:48

A Vigia

Edna Juga

Cena 1

São 03:03 da madrugada de sábado. A encruzilhada entre duas grandes avenidas está visivelmente despida de vida humana. Um grupo de semáforos posicionados nos três cantos da encruzilhada seguem as suas mudanças sincrónicas, obedecendo a sequência alternada das cores Verde, Laranja e Vermelho. Como não houve movimento desde às 23 horas, jogam o renomado Nomes-Terras. O mais trapaceiro do grupo quando percebe que vai definitivamente perder, desvia a atenção da agremiação.

 

- “Ainda não percebo, por que temos que trabalhar 24 horas?”, pergunta incitando discussão.  - “Durante dois meses, há três meses, estávamos desempregados. Os automobilistas sobreviveram, muito bem, na nossa ausência. Agora que não há ninguém, estamos a trabalhar. Mesmo quando há, quem é que para? Estou com sono. Isso é um abuso!”, resmungou o trapaceiro.

 

A mais sensata dos semáforos, aproveitou a deixa para fazer comentários que encerrariam a conversa.

 

- “Ouçam colegas, o nosso digníssimo e exemplar colega está com sono!”, exclama enquanto organiza as próximas palavras. - “Onde ficou a sua vergonha?”, dispara a pergunta dando início a um ataque. - “Você só sabe reclamar. Primeiro, o seu sinal verde não funciona devido a lâmpada fundida. Segundo, onde está o montante que lhe deram para as lâmpadas? A sua indolência, obriga aos automobilistas, a tornarem-se vesgos para perceber, se devem ou não passar”, opugnou a sensata. Termina o seu discurso indagando, “Por que, até hoje, ainda não trocou a lâmpada? Diga lá?”

 

A conversa ia mudando de tom até que um deles principiou um quadro de alucinações. Era o único dentre o grupo que ainda não havia sido reabilitado. Tratava-se de um semáforo antigo que não recebera a devida atenção. As lâmpadas, começaram a piscar simultaneamente. Deu sinal de encaminhar-se para um estado de colapso, dizendo:

 

- “Estes têm direito de passar, mas aqueles devem esperar. Aqueles tem direito de passar, mas estes devem esperar. Não… Não… Não! Aqui reina a democracia. Todos devem passar, esperar e parar ao mesmo tempo. Se todos temos direitos e deveres, quem poderá confundir a democracia?! Ou… Ela, não existe?” – Cantarola algo inaudível, com intervalos de risos bobos, entrando em estado de avaria.

 

Os restantes colegas semáforos interrompem o jogo, assim como, a audição da discussão entre o trapaceiro e a sensata, para acudir-lho. A lua em sua faceta crescente notifica, aos astros, que a madrugada juvenil será longa. Está contente porque subtraíra o protagonismo da lua cheia. Mesmo com os 55% de crescimento, consegue medir o pulso dos acontecimentos que vigia. Em duas frases, exprime:

 

- “A minha homóloga lua cheia pensa que só ela pode causar infortúnios.”, afirma triunfante. - “Em breve, causarei impacto na vida de algumas almas imprecatadas!”, conclui ciente do seu poder nas propínquas ocorrências.

 

Cena 2

Num dos extremos da grande avenida, que intercepta a encruzilhada descrita, vem um automobilista jovem. Em seu plenos 23 anos, festejados há três semanas, goza de uma aparência física peculiar. A sua face está decorada de acne de grau três. Aos 19 anos, deu a sua batalha contra o acne por vencida. Passeou por vários consultórios de dermatologia, bem como, por vários dermatologistas. O último intento secreto da família é levar-lhe de férias para Singapura afim de experimentar uma nova técnica.

 

Os resultados publicados por uma instituição de pesquisa de dermatologia são incontestáveis. O nome do pesquisador foi recomendado para um dos mais conceituados prémios de pesquisa clínica. Há ainda uma esperança, no fundo do túnel, para a mãe agoniada com afiguração disforme do filho. Junta-se a isso, a sua altura de 1,94 cm, corcunda e escanifrado. Durante a escola primária passou despercebido entre os colegas. Sem embargo, aos catorze anos começou a distinguir deles pela altura e a corcunda. Aos 16 anos, iniciam as malezas da acne. No princípio apareceram alguns pontos negros, depois alguns pontos brancos. Na altura, a sua prima Mariamo, que ia sempre aos domingos almoçar com a família, não se cansava de dar conselhos. No primórdio, tentava espremer-lhe os pontos. Mais tarde, sugeriu usar saco de cebola… Depois, usar a pasta de dentes… A seguir, usar o carvão em pó… Posteriormente, usar mel, entre outras.

 

 A lista de tentativas era vasta. Numa das vezes, ousou presentear a sua roupa íntima inferior para esfregar nas zonas acometidas. Os seus bons desejos de prima preocupada eram reconhecidos. Mas, todos foram mal sucedidos. Na escola, o jovem era desajeitado para o desporto. Contudo, rapidamente encontrou o seu engenho. Era um génio no mundo da tecnologia e da informática. Conquistou amigos por ser imbatível em jogos de game. Navegava livremente no mundo virtual, onde era capaz de ter acesso gratuito aos produtos mais procurados, nos sites de pirataria digital. Com os seus 18 anos, já facturava quantias consideráveis com a prestação de serviços como freelancer. Mesmo com êxito, no pilar profissional, sentia-se profundamente descontente. A sua meta era mostrar-se imbatível para conquistar a atenção do pai. Este último, era um homem de negócios requisitado internacionalmente. Esquivava-se das suas responsabilidades paternais por múltiplas razões. Durante os raros diálogos que trocará com o filho, deixava sempre a mesma mensagem.

 

- “Miúdo, aprenda uma coisa! Todas as pessoas têm o seu preço. O que você deve aprender é a identificar quem elas são e quanto elas valem.”, dizia fitando directamente nos seus olhos. - “Com isso, saberá o quanto está disposto a pagar para que façam o que você quer.”, terminava o seu discurso solenemente.

 

Aos olhos do pai, aquele jovem era uma aberração. Não podia de forma alguma ser sangue do seu sangue. Nos momentos em que os ruídos da sua agitação profissional paravam, indagava-se, como ele um benquisto homem teria um representante indigno de chamar de filho. Ainda por cima, o primeiro herdeiro. Por sorte, o jovem era extremamente lúcido. Como regra familiar, decidiu inclui-lo nos negócios da família mas por insistência do que por iniciativa própria. O resultado foi prodigioso. As rendas da empresa aumentaram pelas condições inatas do jovem. Estava a compreender agora as flutuações da moeda internacional. Muitas vezes, fez alertas importantes que impediram de criar uma tragédia financeira para a empresa familiar. A experiência adquirida com advento da COVID-19, possibilitaram isolar o filho no mundo dos negócios através de encontros virtuais. Assim, podia utilizar o excelso de sua sagacidade, sem desferir o seu ego. O pai descobriu no filho, um excelente negociador. Mais ainda, estava sempre actualizado em muitos assuntos. Havia uma dose de inveja saudável quando o filho contrariava o pai em reuniões de alto nível. Todavia eram aceitáveis pelos seus desfechos sempre exitosos. Por outro lado, um mal vinha se instalando, com a entrada no mundo das substâncias psicotrópicas. A nova rede de amizade, o arrastaram para um mundo conhecido-desconhecido. Julgava que através dele podia se conectar com as pessoas que o cercavam.

 

Nos dois anos precedentes, ao evento que se aproxima, conheceu a Mônica numa festa de despedida de solteiros. A rapariga encenou um papel nada dignificante para a imagem das mulheres. Sendo única feminina, naquele evento, realizou o que lhe cabia no tempo esperado e ao montante  transacionado. As suas regras eram simples: banho, cheque, e o resto se apaga, no dia seguinte, com alguns copos de aguardente. Para o jovem, aquele encontro representou um marco na sua vida. No desflorar de sua ingenuidade ficou completamente apaixonado. Ou seja, assim o considerou, orientando-se com as suas pobres referências. Intimamente, estava ciente que nunca podia levar a Mônica para casa. Existiam muitos desafios na frente, como exemplo,  profissão, raça, religião, berço. Melhor dizendo, os valores e realidades eram dissonantes. Mesmo com esse contraste, arriscava-se a gastar quantias exorbitantes de dinheiro para ter alguns minutos da atenção, da Mônica, a vigarista.

 

Naquela hora da madrugada, muito agitado com o reencontro presencial, dirigia a 140 km/hora para ver-lha. Antes da jornada, entregou-se ao seu vício, para escamotear a timidez e mostrar que era homem, naquele encontro a dois. Ia atrasado devido a uma cerimônia fúnebre que tardou a desvincular-se. Uma série de mensagens foram enviadas para desculpar-se. Adicionalmente, endereça-lhe uma foto de dois presentes que levava consigo. Dentre eles, nada mais nada menos era o último iPhone lançado ao mercado. Esperava com isso, receber antecipadamente, um perdão pela demora.

 

No seu canto, a lua testemunhava toda a cena. Com um sorriso maroto, assobiou a um gato indeciso em continuar a sua exploração. O som do assobio, intima-o a terminar a sua exploração numa casa abandonada. Ao fim, sentou-se no muro, que o separava do passeio e a avenida, lambendo a cauda e parte do tronco com destreza. Subitamente, ao observar a lua, começou a miar em sotto voce, em andamento Lento. Dois minutos, mais tarde, ouviam-se as vozes de outros gatos, respondendo como um grupo coral, “Miau-Mi-Auuuu-Miau-Prr!”, em andamento Largo. Uma das residentes do prédio, ao lado da casa abandonada, no caminho de assossegar a sua bexiga importunada pela urina, desvia o percurso da casa de banho para a cozinha. Vai a correr buscar sal grosso. Com certa urgência, atira sal por todas as entradas da casa, sejam elas portas ou janelas. Depois de sentir-se aliviada, na casa de banho, fecha todas janelas e põe-se a rezar. Em posição de submissão, cresce-lhe um forte pressentimento, e roga:

 

- “Salve-nos, Senhor! Livre-nos, a nós, da adversidade!”, exclama com profunda incerteza de interferir no que quer, que se segue.

 

Cena 3

 Na avenida que faz cruzamento com a avenida da vêm um carro que funciona como táxi privado, que marcha 120 km/hora. O automobilista é tido como Sr. Jaime. Depois da aposentadoria precoce, numa instituição não governamental, tornou-se motorista privado. O novo emprego dava autonomia para gerir o seu próprio negócio. Tinha clientes fixos com regimes de viagens semanais dos seus domicílios aos postos de trabalho ou estabelecimentos específicos. A alma do seu negócio estava no bom cuidado do veículo e sua cortesia na comunicação. Sabia oferecer pronto conforto, respeito, privacidade, aos seus clientes. Só por isso recebia, largas gorjetas para além dos honorários planificados. A publicidade dos seus serviços era passada de cliente para cliente. Em conversação, com o seu irmão gémeo que às vezes o substituía, instruía:

 

- “Tomé, fale pouco! Pergunte somente o necessário para saber a localização do destino, se pretende ouvir alguma coisa e se está confortável. Se fizerem alguma pergunta, procure entender se conversa contigo, ou está diante de um solilóquio. Esses ricos, na maioria, querem ouvir apenas as suas vozes. Alguns são narcisistas. Outros, são vítimas deles mesmos… Não obstante, o mal é o mesmo. As suas almas estão tão carregadas, que qualquer um sem vencilhos, serve de confidente. Com eles, a estratégia é tornar o ouvido ábdito para evitar ataduras mórbidas.”

 

O Sr. Jaime era conhecido no seu bairro como um indivíduo cerimonioso, tradicionalista e um tanto misterioso. A imoralidade não fazia parte da sua conduta. Quem necessita-se de sua ajuda devia meditar sobre os seus objectivos antes de contactar-lhe. Caso contrário, receberia uma aula sobre o significado do tempo. Num desses dias, um velho arengueiro do bairro, aflito por não ter ninguém com quem compartilhar às últimas notícias, arriscou-se a confidenciar sobre o aborto da filha da Sra. Joaquina. Em resposta, em uma das línguas nativas do país, ouviu:

 

- “O Vovó Pedro, sabe quantos dias faltam para que a sua respiração lhe abandone?”, pergunta calmamente aproximando-se do velho, que o observa com espanto.

 

Com uma das mãos no ombro do seu interlocutor, continua:

 

 – “Eu, também, não sei quanto tempo me falta a mim. Não devaneia que seria prudente usar esse tempo para organizar a sua herança e evitar discórdia entre os seus?”, provoca-o ciente de espernear a mediocridade naquele arcabouço de ideias.

 

Indignado o velho reage, retirando a mão do seu ombro, e afirma em leal baixaria das pessoas mal ocupadas:

 

- “Ah! Só porque trrabalhas com brrancos, pensas que és o mais-mais? Êh? Tsc-tsc-tsc…”, respondia a fungar, completamente exaltado. - “Seu prreto desgraçado! Eu te vi a nascer. Sabes disso? Podias ser meu filho. Sabes disso? Só não comi a tua mãe porrque ela é salgada, feia e gorda. Sabes disso? Agora queres me matarr! Neh? Vou queixarr ao mano Titos.”, rezingava afastando-se do Sr. Jaime.

 

Aquele evento não era o primeiro incidente. O Sr. Jaime sabia que o velho era um adolescente que nunca conseguira transitar a fase adulta. Livrar-se de um diálogo com ele era salutar. Estava feliz porque nos próximos três a seis meses não teria que trocar palavras com o velho. Tratava-se de uma indivíduo da pior estirpe. Um aliciador de crianças para ronceirismo. Na sua casa, vendia bebidas alcoólicas de 24/24 horas. De sexta-feira à domingo, os vizinhos eram apoquentados com música estrondosa, algazarra, e toda sorte de bizarrice. Sendo uma pessoa influente, as queixas contra o seu comportamento libertino, sempre foram por água abaixo. Todavia, o velho sabia que qualquer melúria contra o Sr. Jaime seria uma tarefa perdida. O mesmo estaria na verdade a expor-se. Por outra, estaria a levantar questionamentos sobre si. O comportamento exemplar do Sr. Jaime era uma testemunho incontestável de sua moralidade.

 

            Naquela madrugada, a casa do Sr. Jaime foi urgentemente visitada por um dos membros da família Sítone. A filha Carolina foi a correr a sua casa, depois de ter realizado duas chamadas sem sucesso. Em pânico, bate a porta da casa do Sr. Jaime e grita:

 

- “Tio Jaime, estou a pedir nos atender.  Tio Jaime!”, exclama profundamente alarmada com o plano B. Enquanto isso, intercala a batida na porta, janela, gritando o seu nome.

 

Naquele final de semana, o Sr. Jaime estava de folga. Na noite anterior, havia rumado com a família para sua quinta. Quem ficava responsável por atender o negócio era o Sr. Tomé. Ao contrário do seu irmão gémeo, o Sr. Tomé era um indivíduo rude e quase sempre mal-humorado. Sendo gémeos homozigóticos, era simples diferencia-los pela cicatriz no queixo do Sr. Tomé. Além disso, o nível de brutalidade era abismal. Praticava fisiculturismo agravando, ainda mais, a sua expressão agressiva. O lar era muito conturbado na sequência da violência doméstica exercida sobre a esposa e os filhos.  Nas duas semanas pregressas, uma reunião familiar impeliu a distanciar-se deles por causa da repercussão psicológica. Uma visita não avisada protegeu a esposa de uma asfixia por uma esganadura. Muita discussão decorria pela queixa retirada na esquadra contra o esposo. Iam-se 7 anos de ciclos de contendas violentas com separações e retornos.

 

Passados 3 minutos, a porta da dependência traseira da casa do Sr. Jaime, abriu-se. Primeiro saiu um filhote de cão da raça Jack Russell Terrier, a correr animado por estar solto, soltando um latidos amistosos. Simultaneamente, tinham saindo de casa alguns vizinhos curiosos com o som que vinha de fora. Em passos decididos, atrás do seu mascote, vinha o Sr. Tomé furioso com a barulheira:

 

- “Ei, chega! Vão nos arrombar a casa, pá!”, determina com tom incisivo. Enquanto aproxima-se da fonte do ruído, agacha-se para resguardar no colo o filhote de cão fazendo carinho, no tronco e ajeitando a coleira.

 

Ao avistar a Carolina, magicou que algo grave devia ter acontecido. Aquela menina não tinha o perfil de estar fora de casa aquela hora e naqueles trajes privados. Malgrado, sentia-se enfadado por lhe ter interrompido o ócio. Em algumas horas, tinha que ir buscar dois estrangeiros ao aeroporto, seguindo-se um passeio com um casal de turistas pelos pontos icónicos da cidade e por fim, conduzir um casal de idosos, à missa vespertina. Observando a vizinhança; mesclada entre curiosos, preocupados e mexeriqueiros; que se aproxima do quintal, tenta disfarçar o seu desinteresse, comunicando-se com elegância:

 

- “Como posso dispor os meus serviços?”, averigua fingido prestação, resultado do treino na comunicação com os clientes. Em resposta, Carolina toda desesperada e libertando o pranto recentemente reprimido, soluça entre a palavras:

 

- “Eu… Eu… Eu!”, não consegue completar a frase dada a agitação.

 

Ao mesmo tempo escorrem-lhe lágrimas e muco pelo nariz. A demora em pronunciar-se começa a inervar o Sr. Tomé que achasse perdendo tempo. Captando a irritação diluída no ar, uma senhora de idade muito terna, abeira-se a Carolina. Com discrição, reproduz a questão com o tom matriarcal mas agora na língua local:

 

- “Minha filha!”, observa-a afagando as costas. Com delicadeza, retira-lhe as secreções na face usando porção da capulana que traja, e prossegue, “O que te aconteceu Carolina?”. Por um lado, a voz afectuosa tranquiliza temporariamente a Carolina. Por outro lado, a pergunta aguça aos bisbilhoteiros a erguerem os pescoços, como girafas; as orelhas, como um Jerboa-de-orelha-longa e aos olhos, causam uma quase exoftalmia, para registar tudo ao pormenor, no âmbito da reportagem que farão aos vizinhos dorminhocos. Reflectindo no tempo que lhe fugia, a Carolina esclarece:

 

- “Eu ia a casa de banho, quando vi papá, no chão. Estava no chão…”,  interrompe o discurso pensativa.  Ao absorver um imediato trago de ar frio, acrescenta, “O lado esquerdo do corpo secou, a boca virou, e não está a falar”.

 

            Ao proferir estas palavras, recorda-se em voz alta que tinha que trocar as fraldas do bebé. A Senhora de idade, muito envolvida com a situação, assume o comando vigorosamente. Ordena ao Sr. Tomé e aos dois vizinhos de meia idade, para acompanhar a Carolina. Sem contestar, o Sr. Tomé adentra-se na dependência deixando o seu mascote. Ao agasalhar-se, por instinto, endereça uma série de mensagens para um primo atender aos clientes do dia. Leva as chaves do carro, toda documentação necessária e tranca a dependência. Instalado no carro, convida a Carolina e aos dois vizinhos solícitos a acompanhar-lho. Todos despediram-se da senhora de idade e dos outros vizinhos que os testemunhavam partir. Nos 5 minutos posteriores, a Carolina, partilhou que o dia tinha corrido bem com o pai. Quando ela regressará a casa às 19h, o mesmo já havia preparado o jantar e dado de comer ao seu neto de 8 meses. Após o banho, em diálogo durante o jantar, o pai informou que tinha concluído as peças de carpintaria que os clientes iam buscar, no dia seguinte às 9h. Assistiram o telejornal das 20h. Esse era um momento que aproveitavam para estar juntos desde a sua viuvez há 15 anos. Encontrando-se os quatros irmãos, nos seus lares, sentia a responsabilidade de cuidar do pai.  A cerca de dois anos, o seu namorado agora noivo, fez-lhe o Lobolo planificando o matrimónio para o ano seguinte.

 

            Nas suas projecções, a Carolina não acolhia bem o casamento. Para ela, implicaria mudar de casa, de bairro, de província e quiçá do país. O seu noivo, eminente funcionário num empresa multinacional de exploração de recursos naturais, trabalhava na outra extremidade do país. Fazia-lhe pressão para viverem juntos e acompanhar o desenvolvimento do filho deles. Em justa fuga, a Carolina, explicava com certa dose de chantagem:

 

- “Papá tem problemas de tensão. Quem lhe vai acompanhar para consulta e controlar o tratamento? Esqueceste que o doutor disse para tomarmos conta dele. Hmm!? Se acontecer alguma coisa quem vai ajudar? Queres que eu o abandone?”

 

As alegações da Carolina eram muito fortes para serem rebatidas. O noivo foi duas vezes arrastado as consultas de cardiologia. Uma vez foi para acompanha-la e outra vez em substituição. Noutras vezes, voluntariou-se devido a indisponibilidade pelos trabalhos em turnos, numa rede de telefonia móvel. Ambos tinham apanhado um susto, quando o Sr. Sítone estive internado por um quadro de hipertensão arterial severa. A rotina familiar acabou mudando para todos. Reduziram o sal na confecção alimentar, a ingestão de alimentos gordurosos, abandonaram os temperos artificiais, praticavam exercício físico regularmente. O grande mal a ser eliminado era o alcoolismo. Uma psiquiatra austera conseguiu reinserir o pai novamente na vida social. O trabalho se tornara um refúgio da solidão após a morte de sua esposa. Não podia se dizer, de todo, que o vício estava ultrapassado todavia controlado.

 

Durante a semana, conseguia ludibriar o vício sepultando-se no trabalho. Porém, aos fins de semana passava as tardes, na casa do velho Pedro, para olvidar o luto que ainda lhe pesava sobremaneira. O local era uma tentação pela exposição ao álcool. Dizia que bebia moderadamente. O seu principal divertimento era jogar Ntxuva (xadrez africano) com os demais vizinhos. Na maioria da vezes perdia. Entretanto, não se importava. O importante era o entretenimento. As esposas daqueles homens havia imposto, como condições, que os jogos não envolvessem apostas. Já alguns anos, uma família fora despejada da casa por causa delas. Muitos infelizes aprenderam pela má via o preço das irreflexões.

 

Chegado a casa dos Sítones, todos acudiram o homem dispondo-o na cadeira traseira do carro. Por ventura, o bebé da Carolina desfrutava um sono profundo, alheio aos acontecimentos do domicílio. Ao espreitar-lho no berço, assossegou-se pelas fácies angelicais que contemplava. Findo os preparativos para saída, carregou o bebé e sentaram-se no assento lateral ao motorista. Um dos vizinhos, ficou no bairro para permitir conforto da viagem aos passageiros traseiros.

 

Infligindo as regras, lá ia o Sr. Tomé, tranquilizado pela pouca movimentação. Conduzia a alta velocidade para levar a pronto socorro o Sr. Sítone. O mesmo tinha mais afinidades com o seu irmão Jaime do que ele. A um quarto de distância do Hospital, o bebé acordou chorando aos berros. Aquele som estridente empurrava o Sr. Tomé para fora da bolha do fingimento. Inspirava profundamente para se controlar. A mãe sentindo os nervos por um fio, deu-lhe de mamar cantando baixinho melancolicamente, uma música para ninar. A música era mas para ele do que para o bebé.

 

Cena 4

A cerca de três quarteirões do Hospital, o nível de consciência do Sr. Sítone decresce para uma estado de imobilidade completa do corpo. O vizinho que o tinha com a cabeça no colo, aflito sussurra pelo nome, dando palmadas gentis na face e movimentando o tronco:

 

- “Tio Sítone, tio Sítone!”, aterrorizado afasta-se do corpo desajeitadamente, gritando por socorro abraçando o motorista.

 

A filha na frente junta-se aos gritos pelo pai, voltando a acordar o seu filho, que se põe novamente aos berros. Descontrolado, o Sr. Tomé ameaça:

 

- “Larga-me, seu estúpido”, ordena removendo rispidamente as mãos que lhe envolvem.  Com os olhos fixos na estrada, declara “Fechem a boca ou vos atiro a todos da janela!”. O seu carácter explosivo era sobejamente conhecido pelos passageiros, excepto o bebé que continuava pranteando. Furioso intimida mãe, dizendo:

 

- “Se esse, bebé não terminar o circo rebento-vos agora.

 

A Carolina num impulso cobre a boca do bebé com a mão, embalando-o com o tronco e braço contralateral. O Sr. Tomé completamente decidido a desfazer-se deles na entrada do Hospital, afunda o pé no acelerador, coloca o carro em sinal de emergência e vai buzinado em intervalos regulares. Cinco minutos depois, entra numa das grande avenidas da segunda cena.

 

Uma peona, funcionária num restaurante próximo a avenida, regressa a casa sozinha. O destino é a paragem de transporte semicolectivos. Na manhã do dia anterior, chamaram-na para fechar o lugar de uma colega recentemente expulsa por furto. Aquele extra vinha de bom grado para cobrir algumas contas que tinha a pagar. Infelizmente, naquele turno ninguém dormia no restaurante a espera do amanhecer  e todos iam embora em vias opostas a dela.

 

Analisava como o trabalho foi dinâmico. Aquele grupo de colegas era mais colaborador que os do seu turno fixo! Para variar, a casa esteve cheia, conseguiram uma generosa gorjeta dos clientes cuja repartição foi equitativa. Aquela seria um excelente altura para solicitar a permuta.  Agora na rua, magicava como pediria ao patrão para ficar até amanhecer para não regressar sozinha, nas próximas ocasiões. Enrolada em três capulanas  para reduzir a corrente de frio, caminhava pela estrada mal iluminada, para evitar o passeio escuro. Não se via nenhum guarda na avenida. Ouviam-se em alguns edifícios, uns sons abafados de algumas rádios ligadas, sem embargo, não reduziam a sensação de insegurança. Era a primeira vez, que regressava sem companhia naquela hora.

 

Quando se dava por sozinha, ouve de longe uns passos apressados ao seu encalce. Sem olhar para atrás, começou a acelerar o passo, quando de longe escuta:

 

-“Cremosa, queres que eu te acompanhe?”, uma voz masculina atrevida, autoconvoca-se a estar junta dela. Quando os sons dos passos outrora distantes, aparentam estar próximos, a jovem poem-se a correr. Em retorno, a reacção de evasão, a voz diz:

 

-“Sucá! Quando eu te apanhar vais ver, sua ranhosa desqualificada!

 

O semáforo em alucinações, ao ver o sinal de pisca-pisca contínuo do carro que aproxima pensa “Bem me quer ou mal me quer?”. Espera ver assim, uma luz verde ou vermelha, contudo a cor é a mesma. Em provocação, diz aos colegas:

 

- “Quem é mais velho aqui só eu. Acabou a anarquia! Todo mundo com cor verde!

 

Os outros semáforos sem participarem na tomada de decisão trocaram o sinal que tinham para verde.  Temiam o lunático que, em momentos de crises, assumia a liderança deixando tudo desordenado. A sensata preocupada tentava comunicar-se com outros para ao menos ficarem desligados. Os gatos miavam interpretando L’ORFEO de Claúdio Monteverdi, ao passo que um rato tenta atravessar de um lado da estrada para outro. Uma crise de desejo cresceu, no gato posicionado no muro. Depois de calcular o golpe, saltou para o passeio em direcção a rato.

 

A  jovem do outro lado da avenida, meteu-se no meio da estrada, assim que ouviu a buzina do carro que vinha em sua direcção. Em sua mente, pensou “Mil vezes morrer atropelada do que nas mãos desse abutre.” O Sr. Tomé ao desviar-se da alienada que quase atropelava, para de buzinar para recobrar o fôlego. Do outro lado da avenida da cena 2, vem o jovem que com os efeitos das doses ingeridas sente-se impelido a atropelar o gato que irrompe a estrada. O sinal está verde e pode acelerar ainda mais. Em fracção de segundos dois carros, embatem-se capotando, sem ficar nenhum sobrevivente excepto o bebé.

 

A jovem que era perseguida alegra-se por sua estranha sorte. Hoje teria sido o fim. Mantendo a sua corrida, ouve um gato a miar junto a um bebé ileso que chora. Depois de olhar para os lados, espanta-lhe a ausência do indivíduo que a perseguia. Sentindo que foi abençoada pega no bebé e vai para casa, guardando as reflexões para o desabrochar do dia. A lua crescente observa, vigilante, reconhecendo culpados e vítimas. Uma incomum regulação da sincronia dos semáforos marca-se, sem deixar sinais de alguma vez ter havido problemas. O gato mia insatisfeito por se achar manipulado. Perdeu a sua refeição, se não fosse o salto repentino dado, a esquivar um possível atropelamento. Ao concluir a observação: dos destroços; dos corpos sem vida espalhados no chão e outros retidos no carro; do vulto da mulher que se aparta com uma criança no colo; do semblante de um covarde que assiste os eventos escondido detrás de uma árvore, forte para as acções predatórias e fraco para as nobres; começa agora um peculiar miar semelhante ao choro! Todos os gatos circunscritos a zona miam de volta, acompanhando as nuances. Escutam-se vários timbres vocais. Em adição, a maioria dos cães da área ladram melancolicamente, em uníssimos com os gatos, em cortejo as almas que abandonam o plano físico. Os sensitivos que despertam com o som, lançam pragas aos gatos e cães com medo do que lhes possa acontecer. Vão rapidamente examinar nos quartos os seus entes. A seguir, leem as mensagens nos telemóveis, abrem os correios electrónicos, averiguam as diferentes estações noticiosas nacionais, em busca da fonte de inquietação. O mau agouro pesa-lhes sem perceber a origem. A senhora que a pouco rezava decide recolher-se nos seus aposentos. No seu pensamento expressa, “O que é mau não tarda a revelar-se! Até a pouco, fiz tudo correctamente. O que virá na sua hora se resolverá”.

terça-feira, 09 maio 2023 08:11

ONDE ESTÁS?

Edna Juga

Por Edna Juga

Onde estás Filosofia?

com as tuas mãos descascas bananas,

transforma-as em catanas,

que cortam machambas,

e, afugentam cobras mambas.

Ondes estás Sabedoria?

com as tuas verdades cruas,

despimo-nos de ideias nulas,

dás-nos tolerância,

para viver sem implicância.

Onde estás Sapiência?

com a tua ciência,

desenvolvemos o dom da resiliência,

compreendemos que todos somos um,

mesmo não havendo nada em comum.

segunda-feira, 17 abril 2023 06:20

A reflexão do quadro duma sala de aulas

Edna Juga

Os pensamentos de um quadro de numa sala de aulas é muitas vezes ignorado. Geralmente, os quadros são somente utilizados como um vector de comunicação entre os professores e os alunos. Numa localidade situada no centro de uma cidade cosmopolitana havia um quadro especial. Ele tinha sido instalado numa escola primária de renome há cerca de 20 anos. Em sua superfície sobreviviam a memórias de personagens que em tempos foram brilhantes, assim como, dos que eram uns verdadeiros desastres. De longe, chegavam histórias do fracassos e êxitos das pessoas que estudaram e hoje marcavam a cidade com as suas acções.

 

Numa tarde de domingo, refletia o quadro falando com as carteiras da sala de aulas, que nos últimos 20 anos houve uma redução drástica na qualidade de professores e estudantes. O quadro estava muito ressentido e exigia reforma pelo facto de assistir um cenário de debilidade que se instalava diariamente. Num tom grosseiro vozeava:

 

- “Colegas, estou cansado de ver crianças malcriadas. Vêm a escola sem tomar-banho. Cheiram mal, não sabem nada e só passam a vida a brincar aqui na sala. E, esses professores sonolentos estão toda hora no WhatsApp. Na última sexta-feira, a menina de dois totós que é até bem comportadinha sofreu um bullying na aula… O grupo dos colegas mais dementes da turma roubaram o lanche dela, mandaram ela fazer o trabalho de casa para todos e ainda um outro obrigou-lhe a dar um beijinho na bochecha. Como isso é possível? A professora de disciplina em que o incidente ocorreu é uma frustrada na sua vida pessoal. Ela vem dar aulas duas vezes por semana. Não quer se meter no assunto para não seguir as consequências. Como uma típica inútil, em vez de dar castigar aos meninos, preferiu rebater na menina. A estratégia foi bem sucedida porque as crianças não pensam. Concluiram a seguir que a culpa era da Joana. Assim, enquanto chorava teve que escrever 100 vezes, eu sou a menina malcriada. Quase todos deram uma gargalhada farta excepto a Catarina. Esta outra menina é uma estranha. Representa uma das piores alunas na turma porém com um comportamento surpreendente.”

 

 

Naquele exacto momento, passava um duende jornalista que buscava um novo tópico para o seu jornal. Ao ouvir o discurso do quadro, infringiu as regras dos duendes ao expor-se. Dos seus auriculares, podia se ouvir a obra Erlkönig de Franz Schubert… Um forte excitação crescia em sua mente enquanto cantarolava “Den erlenkönig mit kron und schweif?”. Conseguia interligar o que acabará de ouvir do quadro com a obra musical. A verdade por detrás disso tudo, é que os duendes jornalistas davam de tudo para uma publicação que lhe permitisse concorrer a Pulitzer. Com a reconhecida graciosidade dos duendes, interveio:

 

-“Prezado Sr. Quadro, com estima oiço as suas legítimas reivindicações. Observei que tem muitas indagações para ser atendidas. De tudo o que falou, concedo-lhe a oportunidade de conversar com a Catarina amanhã no intervalo maior de lanche, às 10h. Serão criadas todas as condições para que possa falar sozinho com ela. Temos um pacto?”

 

O quadro meio desorientado ficou mudo levando o seu tempo a assimilar o que acabava de ouvir. Analisou que consequências teria um pacto. De tudo que já havia aprendido, os pactos sempre terminavam mal. Mas, o que mal pior sofreria comparado a aquela turma de crianças conduzidas por adultos indolentes? Com medo de acordar daquele sonho maravilhoso, saltou todas a perguntas condicionantes ao pacto. Sem dar azo a fundamentações, respondeu que sim e planificaram a ordem de eventos.

 

Na manhã seguinte, estava todas as crianças na escola. A famosa professora do incidente era quem iria substituir a professora daquela hora que estava nos falecimentos. Chegou às 09:30 na sala de aulas. Não precisou de dar desculpas ao atraso porque aquelas crianças não representavam nada. Estava muito feliz para se aborrecer com aqueles seres satânicos. No semestre que se aproximava ia começar a dar aulas numa escola privada. Muitos dos seus males iam terminar. Ainda estava a perguntar-se porque aquele jovem não lhe deu lugar no chapa. Quando pediu lugar ao jovem recebeu uma resposta típica de jovens sem respeito. Quase ria quando se viu refletida no jovem. Ao entrar na sala, sacudiu a roupa para aterrar-se no que devia fazer a seguir. Numa visão panorâmica, a maioria dos alunos estava lá fora a brincar e quase ninguém na sala. Com passos decididos, dirigiu-se ao pátio da escola, de forma autoritária mas com voz afinada, por causa da sala do director que estava bem próxima, gritou:

 

- “Meninos, por favor, para sala.”.

 

Nenhuma das crianças reagiu a chamada. A professora entrou numa crise de nervos. Não podia gritar o que as crianças mereciam ouvir. Para não chamar atenção sobre seu atraso, arrancou o ramo de uma árvore quase pelada de folhas, que respirava os seus últimos dias, apoquentada com os fungos que há muito tinha entranhado. Juntamente ao pau, pegou uma pedra no chão. Estudou o povoado de alunos, calculou a distância para lançar a pedra sem atingir ninguém. Lembra-se de sua proeza em caçar pássaros com fisga. Mesmo enferrujada na prática não falharia. Então com uma mão, lançou a pedra para uma placa metálica próximo dos estudantes. O som atraiu os para sua direcção. Com a outra mão, levantou o ramo recentemente arrancando fazendo sinal de porrada. De seguida, todos foram a correr para sala. Sabiam que aquela professora não era de promessa vagas. Iria distribuir um par de estalos a todos os estudantes menos as crias dos chefes dos quarteirões. Um deles era filho de uma curandeira bêbeda. Esta era uma mulher viúva frustrada pela noites mal passadas sem seu esposo. Por incrível que fosse, o seu filho era o único inteligente no grupo de elite. Tinha o mérito de ser bem sucedido por esforço próprio. A mãe costumava dizer ele não era filho dela por ser o mais escuro de todos na família. A sua inteligência favorecia a sua estadia na família. Em poucos anos, ele colocaria a família de volta a ribalta. Ninguém mas ninguém, no seu juízo normal ousava comentar os discursos da curandeira. Os últimos atrevidos deram de caras com as trevas.

 

Depois de entrarem todos na sala, a professora rapidamente passou uma vista de olhos para conferir se não era observada por alguém. Sorria consigo mesma ao pensar na justificativa que daria pelos meninos estarem lá fora, naquela hora. A seguir, atirou o pau no chão, sacudiu as mãos para livrar-se da areia e das ideias que lhe surgiam. Lembrava-se que devia fazer uma consulta a curandeira que tanto desprezava por ser um iletrada. Contudo, a velha desgraçada havia cumprido com as suas premonições.  Enquanto isso, o duende jornalista redactava os eventos. Faltavam cerca de 5 minutos para o intervalo maior. Sincronizava o seu relógio, para os momentos que se aproximavam. Fez um sinal para uma aranha que mostrava-se ansiosa para actuar. A missão era somente saltar para cabeça da Joana. Tratava-se de uma aranha da espécie Grammostola pulchra pertencente à família Theraphosidae. Embora venenosa sabia que só estava ali para brincar. O duende a faria desaparecer assim que o pânico se instala-se. O quadro estava meio arrependido por envolver a Joana. Gostava dela por ser inocente, delicada e dedicada. Entretanto, era a única medricas capaz de dar um berro que fizesse o show que precisava. A professora ainda não tinha começado a dar as aulas. Estava a verificar as últimas mensagens que entrava no seu WhatsApp. Escrevia a sua empregada para não preparar o almoço. Em paralelo, o duende fazia sinal para a aranha descer devagar. Esta ia descendo com precisão para permitir ser vista por todos. Na última fila da carteira na sala, Pedrito gritou em pânico e totalmente surpreso:

 

- “Prussoraaaa, ESTÁ A DESCER UMA ARANHA PARA A CABEÇA DE JOANA. Ei, Joana, Cuidadooooooo!”.

 

O Pedrito embora fizesse troça da Joana gostava muito dela desde a creche. Sem pensar, estava a tirar o sapato para bater na aranha. Em câmara lenta, a Joana olha para o tecto. Assiste o encontro da sua testa com a aranha. Nesse mesmo instante, os esfíncteres relaxaram deixando fluir as necessidades maiores e menores. A maioria das crianças saíram a correr, umas rir do cheiro das fezes outras a tremerem de medo. O Pedrito lançou a sapato valentemente para atingir a aranha. Mas, esta estava bem preparada, esquivou o sapato e desapareceu das vistas de forma triunfante. Um raro sentimento de piedade, surgiu na professora que pegou na menina no colo e levou a enfermeira da escola acompanhada pelo Pedrito que se tinha esquecido que devia fingir que não gostava da Joana. O plano traçado pelo duende surtiu o efeito desejado. Naquele momento, eram precisamente 10 horas. Estava o quadro diante da Catarina que estava profundamente indiferente ao que havia acontecido. O duende fazia sinal para que o quadro aproveitasse rapidamente o momento. Buscando a palavras mais apropriadas, o quadro perguntou num disparo a Catariana:

 

- “Menina Catarina, quem és tu?”

 

A Catarina olhou para o quadro com uma expressão que representava uma incógnita. O quadro, constrangido comentou:

 

-“ Menina Catariana, estou quase a reformar. Porém ainda não lhe compreendi direito. A menina é uma das mais preguiçosas da turma, tem muita baixa auto-estima mas consegue esquivar-se com destreza das implicações dos professores e das provocações dos colegas. Qual é o seu segredo?”

 

A palavra segredo encontrou ressonância em Catarina. Em fracção de segundos, ofereceu um sorriso assustador. Tinha uma cárie avançada que criava repugnação aquém lhe mirasse de perto. Em resposta, a Catarina disse:

 

Venho a escola por obrigação,

 

sento-me na sala de aula por castigo,

 

escrevo e leio mal porque não me interessa aprender,

 

a minha infelicidade é causada pelos meus pais que me impuseram vir a escola.

 

 

Durante a aula estou completamente distraída,

 

concentrada no que fiz antes ou no que farei depois,

 

gostaria de estar com a minha irmã mais velha a vender mafurra e gelo no quintal,

 

a minha infelicidade é causada pelos meus país que me impuseram vir a escola.”

 

Naquele instante, o relógio do duende marcava 10:07, um funcionário da escola aproximava-se para limpar a sala que se encontrava imunda. Não sobrava muito tempo para o quadro interagir com a Catarina. Esta por outro lado, tinha despertando de uma estado de hibernação mental. Pensava em silêncio “Eu falei com um quadro”. Saiu da sala a correr sorridente para contar a Joana que o quadro falava.

 

Passavam-se 10 minutos da 10 horas, o duende tirava as suas últimas notas. Colocou uma mão no bolso, jogou no ar um porção de compromisso. Levantou a mão para o quadro agradecendo o pacto. Nesse ínterim, o quadro desfazia-se em bocados. Libertava-se dos 20 anos de serviço a escola onde estudavam a Catarina, Joana e Pedrito. No seu último suspiro vislumbrou o futuro brilhante das três criaturas. Ficou comovido por ter influído na mudança de comportamento de Joana e o impacto que criaria depois de tornar-se presidente do país.

segunda-feira, 27 março 2023 15:16

Os reservatórios de luz

Edna Juga

Ai de nós, oh rebanho! Vivemos entre a massa e somos guiados para um lugar desconhecido, o famoso vale de zé-ninguém. Dentre muitos, surge alguém que se distingue da manada por abandonar as roupas cinzas da ignorância e vestir as belas cores do arco-íris, ou seja, da vida.

 

Ai de nós, oh rebanho! Como sempre hipnotizados por fazer o mesmo, todos os dias, tememos a arte e beleza de fazer o novo, correcto e justo. Ignorámos o saber estar, ser e fazer. Muitas vezes, criamos situações de desconforto para apagar a luz das nossas relíquias, os reservatórios da diferença que procuramos mas não conseguimos encarnar.

 

Quando os reservatórios perecem, é nessas situações que compreendemos que a luz se apagou. A nossa cegueira, nesses momentos de escuridão, abandona-nos e damo-nos com as sombras de uma luz que se foi. Ai de nós, hipócritas que nunca aprendemos nada!