Director: Marcelo Mosse

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Actualizado de Segunda a Sexta

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Nando Menete

Nando Menete

O dia 3 de Março de cada ano escolar era o da última chamada a fim de ajustar e compor a lista definitiva de cada turma. Este procedimento administrativo era, salvo erro, apelidado de ῎Estatística 3 de Março῎. Tempos idos do secundário, e não sei se ainda é feita esta prática.  

 

Nesta data, ou a propósito dela, que era, na verdade, o primeiro dia obrigatório desde o início do ano lectivo em meados do mês de Fevereiro, lembro-me que a medida da chamada a plateia estudantil respondia: ῎Mudou de escola῎, ῎Viajou e ainda não voltou῎, ῎Foi estudar fora do país῎,

 

῎Estuda de manhã῎,῎Desistiu de estudar῎ e por ai fora. 

O preâmbulo vem a respeito da composição final da nova equipa para a governação do país no mandato que ora inicia. Suponho que também haja uma data em que o Presidente da República (PR) fará a última chamada. Quem até a essa data não for chamado, o melhor é recolher as armas e aguardar o próximo mandato. 

Mas nem tudo está perdido. Há uma esperança no fundo do túnel que resulta da experiência escolar pós-῎Estatística 3 de Março῎, com a ocorrência, embora não fosse normal, do ingresso de novos colegas fora do período estipulado.   

Neste contexto, e até à data do procedimento governamental da ῎Estatística 3 de Março῎, a esperança de uma brecha, nem que seja no final do mandato, para os potenciais auto-elegíveis que não tiverem sido chamados pelo PR durante a temporada regulamentar. 

Desse tempo do secundário nunca esqueci-me de um colega pós-῎Estatística 3 de Março῎ cuja presença foi justificada como passageira e com o argumento de que ele estava a espera de um voo para uma das províncias e que nunca mais decolou. 

Por acaso, recentemente, cruzei-me com este colega, hoje um renomado médico cardio-neurologista. E sempre que me cruzo com ele a minha saudação é, carinhosamente, a mesma: ῎Então, para quando o voo?῎.  

Espero, para terminar, que os análogos pós -῎Estatística 3 de Março῎ governamental mantenham sempre a esperança e o sorriso quando forem saudados na rua por um sarcástico ῎Então, para quando o cargo?῎, que será bem melhor do que estarem a cargo do meu amigo médico cardio-neurologista numa central de cuidados intensivos.

terça-feira, 11 fevereiro 2025 11:05

Chapo e Mondlane: capricornianos desavindos

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Sempre quis organizar um encontro nacional entre moçambicanos do signo capricórnio, os nascidos de 22 de Dezembro a 20 de Janeiro. A ideia: providenciar e articular uma plataforma em que os capricornianos moçambicanos pudessem escolher um seu par para concorrer e governar o país. Aliás, consta que o signo capricórnio é o do Poder.

 

Confesso, e não sei por que cargas de águas, que tenho firmado a forte convicção de que para os problemas que Moçambique enfrenta só um nativo capricorniano os pode resolver. Talvez concorre para esta convicção o facto de os capricornianos serem, desde tenra idade, pessoas maduras, ambiciosas, frias e dedicadas. Em ambiente de trabalho, um capricorniano é uma autêntica fera e hábil líder.   

 

O sonho de organizar o encontro nacional de capricornianos voltou à carga nestes dias de tensão pós-eleitoral. Desta vez, não necessariamente para providenciar e articular uma plataforma para que um nativo capricorniano tome o Poder, mais para aproximar dois capricornianos que andam desavindo por conta do Poder. Falo de Daniel Chapo, capricorniano de 06 de Janeiro, e de Venâncio Mondlane, capricorniano de 17 de Janeiro.

 

Mais do que mero sonho, a organização deste encontro urge. Urge por conta até de uma outra característica de capricornianos: são metódicos e inflexíveis. Uma característica que os torna rígidos nas suas opiniões e a não aceitarem questionamentos de outras pessoas. E por aqui não se espera que saia um coelho da mata em que se encontra a política moçambicana.

 

Não me dei ao trabalho de conferir na Internet as previsões para os capricornianos em 2025, sobretudo em matéria de conquista e gestão de Poder. O leitor até que podia conferir e tirar as devidas conclusões sobre o rumo político do país, ora dependente da acção ou inação de dois capricornianos.

 

Se o leitor for um capricorniano, temos que nos juntar e fazer uma vaquinha para organizarmos o I Encontro Nacional de Capricornianos. Um convite público será publicado em breve e com um ponto único de agenda: a aproximação de capricornianos moçambicanos desavindos, particularmente dos capricornianos Daniel Chapo e Venâncio Mondlane.

quarta-feira, 05 fevereiro 2025 07:25

Descanse em Paz, ῎Geração 8 de Março῎!

NandoMeneteNovo

 

Vão a enterrar no próximo dia 8 de Março os restos mortais da ῎Geração 8 de Março῎. Não me admiraria que este início fosse ou tivesse sido o do anúncio fúnebre da ῎Geração 8 de Março῎ na página necrológica de um jornal da Pérola do Índico. Já esclareço.

 

No mesmo jornal, no Obituário Ocasional, lê-se: ῎Geração 8 de Março῎ (1977- 2024). Morreu no passado dia 09 de Outubro de 2024 a geração que deixou o Poder passar. A sua morte coincidiu com a data da realização das eleições gerais e a respectiva autópsia anunciada no dia 23 de Dezembro de 2024, data da validação e proclamação dos resultados eleitorais de 9 de Outubro. O velório decorreu no dia 15 de Janeiro de 2025, data da tomada de posse do novo presidente da República, e o enterro está marcado para o dia 08 de Março de 2025, a data do seu 48° aniversário natalício. Até ao sepultamento, o corpo estará em câmara-ardente.

 

Nascida no Pavilhão do Maxaquene, Cidade de Maputo, no dia 08 de Março de 1977, data em que  o  Presidente Samora Machel reunira com alunos que deveriam prosseguir com seus estudos, na 10ª e 11ª classe, e comunicara-lhes a decisão de que deveriam sacrificar os sonhos individuais em prol dos desafios que o país enfrentava na altura. Da data, do  discurso presidencial e do percurso dos jovens de então, a denominação ῎Geração 8 de Março῎.

 

Desde então, e com uma profunda inserção  em todos os sectores-chave de actividades a nível de todo o país, incluindo no partido dominante, os “oitomarcistas” constituíram a espinha dorsal da governação do país. Depois da governação (2005-2015) do presidente Armando Guebuza era suposto que o Poder passasse da ῎Geração de 25 de Setembro῎ (a que trouxe a independência) para as mãos da ῎Geração 8 de Março῎, a que materializou a independência.

 

Assim não foi. Quais foram as razões? Terá sido por distração? Ou por incapacidade dos seus membros? Não sei, mas por algum motivo esta geração não chegou ao Poder (conquista, exercício e controle) e a pergunta continua no ar.

 

E a propósito de Poder, no citado Obituário Ocasional, a dado momento lê-se: Os da Geração 8 de Março῎, marcadamente nascidos na década 60 do séc. XX, historicamente pertencem a uma década que não forneceu nenhum dirigente máximo do partido Frelimo. Eduardo Mondlane era da década 20; Samora Machel e Joaquim Chissano da década 30; Armando Guebuza da década 40; Filipe Nyusi da década 50; e tudo leva a crer que Daniel Chapo, da década 70, o ora presidente da República e actual Secretário-geral do partido Frelimo, será o seu próximo presidente.  

 

Para a posterioridade, em matéria de Poder, fica registado que a ῎Geração 8 de Março῎ de facto deixou o Poder passar. Não conquistou-o, por direito natural, em 2014 e não fez nada, enquanto bloco, para resgatar o seu direito natural em 2024. Se o tivesse conquistado, porventura o curso do processo político nacional teria sido um outro.

Por ora, e para terminar, resta-nos aguardar os discursos do próximo dia 8 de Março por ocasião da celebração do 48° natalício da῎Geração 8 de Março῎. É bem provável que se anuncie a dissolução da associação ῎Geração 8 de Março῎. Os “oitomarcistas” seguramente que não precisam de uma associação registada para organizar comes e bebes para falas saudosistas do tipo ῎Nos nossos tempos῎

quarta-feira, 08 janeiro 2025 08:16

Partido de Aluguer

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Em troca de 20 mil dólares, Clara, uma moça pobre, moradora de uma favela do subúrbio da cidade do Rio de Janeiro, aceita emprestar o seu útero para gerar um filho para o casal Ana e Zeca, que desejam ter um filho. Depois de várias tentativas frustradas de engravidar, este casal recebera de um renomado médico a triste notícia de que Ana não podia ter filhos, e no lugar a possibilidade de eles contratarem uma barriga de aluguer. Assim foi feito.

 

Na primeira tentativa, e com recurso à inseminação artificial, Clara ficou grávida. No contrato celebrado, a Clara deixa claro que deverá entregar a criança aos pais biológicos ainda na maternidade. Acontece que durante a gestação Clara é tomada pelo sentimento da maternidade e por um amor profundo como se o bebé fosse realmente seu, acabando por se arrepender. Após um complicado parto normal, que a deixa estéril, Clara se recusa a entregar a criança e foge com o bebé.

 

Com a ajuda da wikipédia, https://pt.wikipedia.org/wiki/Barriga_de_Aluguel_ (telenovela), estava a descrever o enredo da telenovela brasileira “Barriga de Aluguer” exibida nos anos noventa do século XX no Brasil e em Moçambique.

 

Ainda que o leitor já desconfie, trago à superfície esta novela por conta de semelhanças entre o seu enredo com o do histórico da proximidade e enlace entre o partido PODEMOS e Venâncio Mondlane, o candidato presidencial suportado por este partido, no decurso das incidências da polémica novela eleitoral “9 de Outubro”.

 

As semelhanças prendem-se, entre outros, e por estar na agenda política do dia, com o (eventual?) diferendo entre as partes no que toca à tomada ou não de posse dos 43 deputados da lista do PODEMOS que foram eleitos para a próxima legislatura.

 

Na mesa, a questão de fundo: a quem pertence o destino a dar aos 43 deputados da lista do PODEMOS que foram eleitos para a próxima legislatura? Ao partido PODEMOS, que alugou o seu “útero” a Venâncio Mondlane, ou a este que depositou o seu capital político no “útero” do partido PODEMOS? 

 

O resto do enredo que se seguiu da novela “Barriga de Aluguer”, mormente a contenda jurídica e o seu desfecho, deixo sob os cuidados do interesse e curiosidade do leitor em procurar saber. Quanto ao curso e desfecho do (eventual?) diferendo entre o partido PODEMOS e Venâncio Mondlane aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

 

Contudo, e para terminar, fica registado, e devidamente patenteado, a emergência do conceito de “Partido de Aluguer” nos anais da fértil arte política moçambicana em matéria eleitoral.

segunda-feira, 30 dezembro 2024 17:42

O bairro está de volta!

NandoMeneteNovo

Por conta do dia da família, 25 de Dezembro, e mesmo diante das restrições de mobilidade, há famílias que foram passar parte do dia em casa dos avós dos filhos, sendo ainda uma oportunidade de regresso ao bairro de um ou de ambos os progenitores. Fui um dos afortunados que regressou ao bairro.

 

Fora um e outro vizinho, que não resistiram ao capital imobiliário, o bairro ainda preserva os que ainda mantêm a escassa e soberana conquista da independência, a casa do APIE (Administração do Parque Imobiliário do Estado). Um destes, a memória institucional do bairro, e quem ao colo levava-me ao futebol e falava, às escondidas, de um outro país que habitávamos, estava à varanda da sua casa e sinalizou-me para uma conversinha.

 

Anui a chamada. O sinal foi o mesmo que o anunciava, ainda garoto, para mais uma aula - percebo hoje - de cidadania e ciência política. Para os miúdos do bairro a primeira universidade. Corriam os anos oitenta e o ensino privado era até proibido.

 

Feito o protocolo familiar fui à varanda do vizinho. ῎Meu filho, o bairro está de volta!῎. Assim fui recebido. A partida até pensei que o bairro estivesse de volta por conta da minha presença, pois já não ia ao bairro fazia algum tempo. Debalde. Não era sobre a minha presença de que ele falava, mas do facto de o bairro ter voltado a falar e articular entre vizinhos os assuntos que os dizem respeito enquanto comunidade. 

 

῎Meu filho, a última reunião do bairro e do quarteirão em que participei, Samora vivia῎. Dito, em seguida o vizinho relatou-me a reunião ocasional em que participara com os vizinhos, entre antigos (poucos) e novos, a maioria (novos proprietários ou seus inquilinos). O mote fora a falta de corrente elétrica por conta da queda/avaria de um PT (Posto de Transformação) que acabou por afectar algumas das casas do bairro.

 

A queda da corrente elétrica no bairro até que não era algo estranho. Mas desta vez, e talvez pelo actual contexto de crise e incerteza pós-eleitoral, cada vizinho fez o seu contacto e esperou nas cercanias do PT pela equipe da EDM, Eletricidade de Moçambique. Às escurras decorreu a reunião ocasional, e como resultado foi constituído um grupo de Whatsaap e levantadas as principais acções conjuntas, destacando as de vigilância, limpeza e segurança. 

 

Depois de ouvir a boa nova lembrei-me, ainda garoto, das reuniões e limpeza do quarteirão e do bairro. Lembrei-me, sobretudo, da liderança na mobilização e concretização de acções conjuntas de interesse colectivo. Tenho ainda em mente três chefes de quarteirão. O meu vizinho até frisou este detalhe na conversa, acrescentando de que hoje, infelizmente, mal sabe quem é o chefe de quarteirão e o de bairro e nem as formas para as respectivas escolhas.  

 

Para o vizinho, e nos tempos democráticos que correm, o cargo de chefe de quarteirão e de bairro deveriam ser o primeiro e permanente contacto democrático de base e ao serviço da comunidade, e não meros departamentos locais de negócios para a emissão de declarações de residência.

 

῎Meu Filho! Podes escrever: o bairro está de volta!῎. Anui e assim terminou a fala com o meu outrora, e eternamente vizinho.

 

E a propósito do bairro estar de volta: os ventos que sopram da área nuclear da cidade e da de expansão metropolitana de Maputo onde, e pela primeira vez, os vizinhos e outros com interesses na área circundante voltam a articular em nome e defesa da coletividade, fazem fé as palavras de esperança do meu eterno vizinho. Todavia, uma certeza: o futuro fará a competente prova dos nove.

Em tempos, algures pelo mundo, conheci um sindicalista e parte, na altura, da oposição em seu país. Pouco tempo depois o seu partido e candidato presidencial ganham as eleições e ele participa na nova estrutura governativa. Em visita ao seu país, passo alguns dias na sua casa protocolar na capital. Um luxo e em bairro nobre.

 

No final da estadia, o meu anfitrião fez questão de sublinhar de que aquelas condições de vida não correspondiam à realidade dele, apelidando-as de seus ''anos da fantasia''. Contou ainda de que a realidade dele estava em outro local, por acaso longínquo, geograficamente e socialmente, e de que as condições reais da sua vida seriam as que retomaria e com a ajuda da sua nova experiência procuraria contribuir para o progresso da sua cidadezinha.

 

Ontem lembrei-me deste meu amigo sindicalista, enquanto acompanhava, na TV, a apoteose da recepção no aeroporto à equipe sénior feminina de basquetebol do Clube Ferroviário de Maputo que há dias, em Dakar, Senegal, conquistou pela terceira vez o campeonato africano (de clubes) da modalidade.

 

Aliás, não é a primeira vez. É sempre assim quando uma equipe nacional, incluindo a selecção, sobretudo da modalidade de basquetebol, ganhe troféus ou faça brilharete além-fronteiras e que me levam a questionar se não seriam essas proezas semelhantes aos ''anos da fantasia'' do meu amigo sindicalista?

 

Infelizmente, e conforme o combinado, ainda não consegui visitar a terra deste amigo o que me permitiria aferir, ''in loco'', a autenticidade das suas palavras. Mas tenho tido notícias, incluindo as de que a cidadezinha onde voltou a morar, depois que o seu partido e candidato presidencial não conseguiram renovar mais um mandato, está a progredir.

 

''In loco'', (in)felizmente, conheço a realidade do clube campeão, sobretudo a das condições em que se encontram as suas instalações desportivas na baixa da capital. Por aqui, uma dúvida: terá o Ferroviário dito às suas congéneres, estruturas de gestão regional e mundial da modalidade ou a singulares com quem se tenha cruzado, de que os seus troféus eram apenas os seus ''anos da fantasia'' e em seguida as convidasse a visitar a sua realidade?

 

Enquanto espera-se que a dúvida desvaneça, e face aos dados, nomeadamente o percurso histórico de conquistas africanas do Ferroviário de Maputo vis-à-vis o percurso histórico da progressiva deterioração e abandono das suas instalações desportivas da baixa da capital, incluindo onde as campeãs treinam, fica a ideia de que o campeão esteja apenas confortável com os seus (já) eternos ῎anos da fantasia῎. 

 

PS: Em jeito de parêntesis: foi recentemente inaugurado um estádio municipal de raiz na autarquia do Ibo, Cabo Delgado, construído com fundos dos Caminhos de Ferro de Moçambique, patrono/proprietário do Ferroviário. Salvo erro, foram perto de 2 milhões de dólares desembolsados. Não sei se estão inclusos os custos com a cerimónia presidencial de inauguração...

domingo, 15 dezembro 2024 17:19

Pensar e agir estrategicamente

Estes dias de canícula pós-eleitoral veio-me à memória o Professor José Negrão, falecido académico e proeminente activista social moçambicano. A memória em questão não se prende com assuntos eleitorais, mas sim com a habilidade de pensar e agir estrategicamente, sobretudo na criação e gestão das condições necessárias para que um determinado propósito siga com tranquilidade o curso previsto, quer anulando ou mitigando, antecipadamente, as potenciais ameaças, quer capitalizando oportunidades para a respectiva viabilização.

 

Nesta linha, partilho um episódio por mim vivenciado, enquanto membro de um grupo de trabalho, em 2003-2004, quando foi do processo de participação da sociedade civil na monitoria do plano governamental de redução da pobreza absoluta, cuja liderança – da coligação da sociedade civil, denominada G20, que fora criada para o efeito, envolvendo vários segmentos da sociedade, incluindo o sector privado, sindicatos, academia e confissões religiosas, fora as tradicionais ONGs – esteve à cargo do Professor Negrão.   

 

Nessa altura, o país ainda vivia a ressaca da tensão pós-eleitoral das eleições de 1999, as consequências das cheias de 2000 bem como o habitual frenesim da proximidade e realização das eleições, no caso das autárquicas de 2003 e as gerais de 2004, contando estas últimas com a emergência de Armando Guebuza como o candidato antecipado do partido Frelimo, então assumindo o cargo de Secretário-geral do seu partido.

 

Ainda nessa altura, destacavam-se na influência da opinião pública, entre outras figuras: o jornalista Machado da Graça com a sua ''Talhe de Foice'' no Jornal Savana; o jornalista Salomão Moiana com os seus editoriais no Jornal Zambeze; e o músico José Mucavele que, repetidamente, na imprensa, alertava sobre o potencial (neo)colonialismo nos processos de governação nacionais, tendo sido, nesta linha, crítico da candidatura do Doutor Gagnaux , um moçambicano de raça branca  e de ascendência suíça, para edil da capital do país.

 

O ponto: numa das reuniões do grupo de trabalho de preparação para um encontro da cúpula do G20, o Professor Negrão sugeriu que convidássemos as três figuras acima para começarem a participar na reunião da cúpula. Nas reuniões os três não falavam. O Machado da Graça até passava o tempo a desenhar. Numa das reuniões de balanço do grupo de trabalho acabei por perguntar ao Professor Negrão qual era a mais-valia em ter os três nas reuniões do G20. 

 

Em resposta, o Professor Negrão disse que era estratégico tê-los próximos e mesmo calados do que distante e a hostilizarem. O argumento: para o Professor Negrão uma ''Talhe e Foice'' de Machado da Graça a questionar se o G20 não seria mais uma encomenda ou organização de quadros do partido Frelimo, um editorial do Salomão Moiana a questionar a transparência e integridade da iniciativa, e uma entrevista de José Mucavele, a acusar que se estava diante de mais uma iniciativa neocolonial ocidental (sublinhar que o Professor Negrão era de raça branca), seriam mais do que suficientes para derrubar as boas intenções do G20. 

 

Dito isto, e embora tenha mencionado no início de que a memória que me acossara não estava directamente relacionada com assuntos eleitorais, mesmo os decorrentes da actual tensão pós-eleitoral, agora percebo que tem, e tem muito. Mas, como diz um outro professor e académico, Elísio Macamo: ''Pensar dói!''. E ''Pensar e agir estrategicamente'' deve doer ainda mais, tal a ausência generalizada na política da Pérola do Índico. 

quinta-feira, 05 dezembro 2024 14:10

Habemus Cabrito, Caranguejo, Cágado ou Abelha?

Nos primórdios do século em curso, um grupo de cidadãos, representando os mais variados sectores da sociedade, elaboraram, de forma independente, apartidária e profissional, um documento, que mereceu a aprovação parlamentar por consenso, com o propósito de os governados, governantes, profissionais, diversas organizações da sociedade civil e, em suma, de toda a Nação e dos parceiros de cooperação que servisse de referência ou guião para o desenvolvimento de Moçambique até ao ano de 2025.

 

Segundo este documento, que foi intitulado de Agenda 2025, o seu principal objectivo era o de estabelecer novos caminhos para impulsionar o desenvolvimento de Moçambique cujos resultados, no ano 2025, os 50 anos da independência do País, os moçambicanos, em Paz, Harmonia e Solidariedade, celebrariam (ou não) em contínuo progresso económico e social.

 

No documento foram definidos quatros cenários possíveis, que dependendo do que seria o desempenho do país, um deles seria alcançado. Os quatro cenários previstos foram denominados de i) Cabrito, ii) Caranguejo, iii) Cágado e iv) Abelha, ambos a traduziram o conhecimento popular sobre o comportamento destes animais. Segundo a Agenda 2025:

 

i) O Cenário do Cabrito compreende “o aumento da corrupção, da intolerância, da exclusão social e do eventual retorno da guerra”, consubstanciado na deterioração das condições que envolvem a variável determinante Paz, Estabilidade Política e Social. Historicamente, a exclusão social sistemática a que os moçambicanos foram votados durante o regime colonial provocou uma revolta colectiva que, facilmente, se transformou na luta armada para a Independência de Moçambique.

 

ii) O Cenário do Caranguejo caracteriza-se por zigue-zagues, em que cada actor anda tão depressa para a frente como retrocede, provocando crises cíclicas, seguidas de momentos de recuperação lenta e ténue devido à desestruturação causada pelas crises, cujas alterações afectam significativamente na variável determinante Democracia e Participação. Historicamente, em Moçambique a tendência para a contínua falta de diálogo construtivo na vida social e política do País contribui para este cenário.  

 

iii) O Cenário do Cágado, e tal como acontece com o cágado que chega longe mas vai muito devagar e age sozinho,  o país pode chegar longe mas devagar e haverá grandes assimetrias e desigualdades. Neste cenário, impera a primazia de interesses individuais ou de grupo sobre os interesses colectivos, embora ocorra uma melhoria significativa da variável determinante Competitividade e Transformação Tecnológica e tudo que a ela diga respeito, independentemente da qualidade de vida da maioria dos cidadãos.

 

iv) O Cenário da Abelha, que faz jus a própria abelha que é trabalhadora, forte, persistente e empreendedora, caracteriza-se pela  inclusão, a unidade, a tolerância, o máximo uso das capacidades de cada actor, a harmonia e o crescimento consistente. Um cenário em que se verifica um crescimento significativo nas variáveis do Capital Humano e do Capital Social decorrente do desempenho positivo das variáveis determinantes Paz e Estabilidade Social, Democracia e Participação e Competitividade e Transformação Tecnológica.

 

Exposto, em linhas gerais, os cenários da Agenda 2025, e tendo em conta que se está a escassos dias do ano de 2025, fica a pergunta: Habemus Cabrito, Caranguejo, Cágado ou Abelha?

 

PS: consta que na terra de origem do actual Presidente da República, o significado ou tradução do seu apelido é Abelha. Caso para dizer que incentivos, até de fórum sociológico e antropológico, não faltaram para que o país, em 2025, celebrasse em apoteose o cenário desejável: o Cenário Abelha!

 

 

sexta-feira, 29 novembro 2024 16:36

Agenda

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Na primeira metade da década de 2000, um antigo Governador do Banco de Moçambique, Parakash Ratilal, disse uma vez, numa palestra sobre o impacto da adesão de Moçambique como membro das Instituições de Bretton Woods (IBWs), O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), em 1984, que um dos ganhos do país ao aderir a estas instituições foi a estruturação e rigor burocrático que passou a ter na gestão da coisa pública, sobretudo das finanças públicas.

 

Chamado pela plateia a exemplificar, Ratilal fez referência ao processo de prestação de contas com estas instituições que se materializava(m) através da realização periódica de reuniões e da elaboração de documentação dentro do quadro referencial previamente acordado e religiosamente submetida dentro do prazo. 

 

Nas visitas ou missões anuais do FMI ao país nota-se essa lógica. E como simples exemplo é a informação que se partilha para o conhecimento público. Religiosamente o público fica a saber através de um comunicado de imprensa que se realizará uma visita ou missão do FMI de avaliação, a sua duração, objetivos e agenda, entre outra informação pertinente. No final da visita um novo comunicado público a debruçar sobre os resultados e passos seguintes.  

 

Em rigor, e dentro desta previsibilidade, a partir do comunicado inicial o leitor decide ou não acompanhar o decurso da missão e/ou esperar pelos resultados e respectivos passos seguintes a serem partilhados no comunicado de imprensa final.  

 

Foi dentro desta lógica de governação e fazendo fé nas palavras de Parakash Ratilal sobre os ganhos de Moçambique por ter aderido às IBWs que estive expectante em relação ao recente e fracassado encontro entre os candidatos presidenciais com o Presidente da República e por este organizado no contexto da tensão pós-eleitoral. 

 

Mas, e mais uma vez, será que se está diante de mais um fracasso do Banco Mundial e FMI em Moçambique?

 

PS. A propósito do título (Agenda): numa certa coligação ou fórum da sociedade civil em que participei dei-me conta que em certas reuniões compareciam “dinossauros” que no grosso das reuniões não se faziam presente ou mandavam pessoal júnior. Curioso, um dia pergunto a um dos “dinossauros” sobre o que determinava que viesse a uma reunião. A “Agenda” foi a pronta resposta.

sábado, 23 novembro 2024 09:29

O Pai da Eduarda

Por conta recorrente da ocorrência do fenómeno de enchimento de votos na urna em cada pleito eleitoral moçambicano trago à mesa para reflexão um episódio longínquo e interessante de enchimento ocorrido na altura em que frequentei o ensino primário. Sublinho que o interessante foi o desfecho.

 

Corriam os anos oitenta de Samora Machel. Na turma, quarta classe, entre os colegas havia uma competição acirrada pelo pódio das notas que era sempre disputado por três alunos em cada teste ou prova. Entre estes despontava e levava sempre a melhor nota a colega Eduarda cujo pai, que nunca soubemos o nome, o tratávamos carinhosamente por ῎Pai da Eduarda῎. 

 

O ῎Pai da Eduarda῎ era praticamente nosso colega. Era muito presente e de fazer inveja aos ῎Pais Turma῎ de hoje. No seu velho Peugeot trazia a sua filha e a levava de volta à casa no final da jornada estudantil. Ele fazia o mesmo quando a levasse ao clube e quase sempre ficava para acompanhar os treinos, incluindo em dias de competição.

 

O ῎deixar e pegar depois῎ ou ῎deixar, ficar e juntos regressarem῎ era a regra para todas as saídas de casa. Umas vezes apenas os dois e outras tantas os três: a Eduarda, o pai e a mãe. Uma bela imagem e marca que amiúde ocorre-me quando o papo são as saudades em encontros ocasionais ou não com colegas da altura da escola primária. 

 

Porque o país vive mais uma turbulência pós-eleitoral veio mais uma vez à ribalta o ῎Pai da Eduarda῎ num encontro recente que tive com um colega da primária, por sinal também da mesma turma da quarta classe. Entre lembranças da altura, a do desfecho dado pelo ῎Pai da Eduarda῎ a um fenómeno de enchimento então ocorrido. Foi assim:

 

Numa certa prova a Eduarda teve a melhor nota e era a máxima, 20 valores. No dia seguinte o ῎Pai da Eduarda῎ não só deixou a filha como foi até a sala com ela. O assunto era a nota, pois na contagem paralela feita por ele a sua filha tinha apenas 16 Valores. 

 

Tenho até hoje a nítida memória do momento em que o ῎Pai da Eduarda῎, diante do professor e perante toda a turma reclamava e exigia ao professor que repusesse a verdade. Feita a recontagem, confirmou-se a nota de 16 e no pódio da prova a Eduarda teve a terceira melhor nota da turma.

 

Lembro-me que no final da solenidade da reposição da verdade - que foi o momento em que o professor alterava a nota - e diante de sorrisos de satisfação do ῎Pai da Eduarda῎ e da sua filha, a turma aclamou o instante com uma longa e estrondosa salva de palmas. Foi bonito e recomenda-se.  

 

PS: Em anteriores lembranças deste episódio, incluindo a última acima, sempre fica uma dúvida ou falta de consenso em relação ao enchimento feito pelo professor. Terá sido por mero engano ou propositado? Seja o que for, o facto é que o desfecho foi solenemente aplaudido e celebrado por todos.

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