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segunda-feira, 17 fevereiro 2025 16:53

Interferência ou silenciamento?

Escrito por

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Na semana passada, três rádios comunitárias de Nampula —Encontro, Haq e Vida — foram suspensas pelo Instituto Nacional das Comunicações de Moçambique (INCM), sob a alegação de que as suas transmissões estavam a interferir nas comunicações entre aeronaves e a torre de controlo do aeroporto. Segundo o comunicado do INCM, a emissão conjunta dessas rádios estaria a ser captada na frequência 113.8 MHz, dentro da faixa reservada para navegação aérea.Na semana passada, três rádios comunitárias de Nampula —Encontro, Haq e Vida — foram suspensas pelo Instituto Nacional das Comunicações de Moçambique (INCM), sob a alegação de que as suas transmissões estavam a interferir nas comunicações entre aeronaves e a torre de controlo do aeroporto. Segundo o comunicado do INCM, a emissão conjunta dessas rádios estaria a ser captada na frequência 113.8 MHz, dentro da faixa reservada para navegação aérea.

À primeira vista, o argumento técnico parece legítimo. Afinal, qualquer interferência nas comunicações aeronáuticas representa um risco real para a segurança dos voos. Mas basta analisar os detalhes do caso para perceber que a decisão do INCM apresenta graves inconsistências e levanta suspeitas de censura disfarçada de regulação técnica.

1. Onde está a transparência técnica?

Se a interferência de facto existiu, o mínimo que se espera de um órgão regulador é que apresente relatórios técnicos detalhados e verificáveis. No entanto, até agora, o INCM apenas divulgou um comunicado genérico, sem provas concretas de que as rádios foram a causa do problema.
Nenhum documento técnico foi disponibilizado ao público, nem há informações sobre como foi feito o diagnóstico da interferência.

Quais foram os métodos utilizados para identificar a fonte da interferência? Outras emissoras na região foram analisadas? Foram feitos testes para verificar se a interferência persistia após ajustes técnicos?

Se a intenção era resolver um problema técnico, por que não houve um laudo técnico independente a confirmar a suposta interferência?


2. Por que não houve prazo para correcção?

Um aspecto alarmante da decisão do INCM foi o encerramento imediato das rádios, sem que elas tivessem qualquer chance de corrigir o problema.

A prática comum em casos de interferência é notificar as rádios e conceder um prazo para que ajustem osseus transmissores. Isso pode ser feito de várias formas:

a. Redução temporária da potência do sinal.

b. Realinhamento de frequências

c. Uso de filtros de emissão para evitar vazamentos de sinal


Mas, ao invés de oferecer um prazo técnico razoável para ajustes, o INCM simplesmente ordenou o desligamento imediato, o que gera suspeitas sobre se o objectivo era corrigir um problema técnico ou silenciar as rádios.


3. Como três rádios comunitárias causaram o mesmo problema ao mesmo tempo?

O INCM afirma que a interferência foi causada por uma “emissão conjunta” das três rádios. Mas essa explicação não faz sentido técnico. Cada rádio opera em frequências distintas, pois é assim que o espectro de radiodifusão é organizado. Para que houvesse uma interferência conjunta as três rádios teriam que estar a transmitir na mesma faixa de frequência (o que não acontece). Todas teriam que ter problemas técnicos idênticos ao mesmo tempo (o que é improvável). Ou o problema estaria noutro lugar — por exemplo, no próprio sistema de comunicação do aeroporto.

Se a interferência realmente existia, por que só essas três rádios foram afectadas? Há várias outras emissoras na cidade, algumas com transmissores mais potentes. Elas foram analisadas?

4. O que mudou para que, de repente, as rádios passassem a interferir?

As três rádios comunitárias suspensas operam há anos na cidade de Nampula, sem qualquer histórico de interferência no tráfego aéreo.

Se de facto houve um problema técnico agora, a pergunta óbvia é: o que mudou? Houve aumento na potência das emissões dessas rádios? Os equipamentos de transmissão foram alterados recentemente? Ou o problema sempre existiu e só agora foi identificado?

Sem respostas claras para essas perguntas, a decisão do INCM se torna ainda mais suspeita.

O fechamento dessas três rádios precisa ser analisado no contexto mais amplo da liberdade de imprensa em Moçambique. Nos últimos anos, rádios comunitárias têm sido alvo frequente de intimidação, restrições e encerramentos arbitrários. Elas desempenham um papel crucial em informar a população, especialmente em áreas onde a mídia estatal não chega ou onde a informação independente é escassa.

É difícil ignorar que as rádios afectadas são comunitárias e frequentemente dão espaço para vozes críticas e denúncias locais. Será coincidência que somente elas foram desligadas, enquanto rádios comerciais continuam a operar sem problemas?

Em países com tendências autoritárias, alegações técnicas como “interferência no tráfego aéreo” são frequentemente usadas para justificar a censura. Se o objectivo real fosse garantir segurança aeronáutica, por que não houve um processo transparente e técnico para corrigir o problema, ao invés de simplesmente desligar as rádios?

Se o INCM quer manter a sua credibilidade como regulador, precisa responder com urgência a essas questões:

 1. Publicar um relatório técnico detalhado a explicar a suposta interferência e como ela foi identificada.

 2. Permitir que as rádios façam ajustes técnicos antes de uma suspensão arbitrária.

 3. Garantir um processo regulatório justo e transparente, sem decisões unilaterais.

 4. Investigar se há influência política por trás do encerramento das rádios.

A liberdade de imprensa não pode ser desligada com um simples aviso de suspensão. Se houver um problema técnico, que seja tratado como tal. Mas se o objectivo for calar rádios comunitárias e limitar o acesso à informação, então estamos diante de mais um ataque à liberdade de expressão em Moçambique.O país precisa de mais transparência e menos pretextos. Enquanto isso não acontecer, continuará a pairar a dúvida: interferência no tráfego aéreo ou interferência na liberdade de imprensa?


* Jornalista e Director Executivo na empresa Mídia Lab

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