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segunda-feira, 02 agosto 2021 07:18

“Alguma novidade de Kigali?”

“Alguma novidade de Kigali?”. Foi assim que esta manhã, à mesa do café, fui recebido pelos amigos. Pelos vistos será a praxe dos próximos tempos - contrariamente ao habitual – a luz da chegada da tropa ruandesa, sobretudo depois do primeiro briefing, a partir de Kigali, a capital do Ruanda, alusivo a evolução da luta contra o terrorismo em Cabo Delgado. Antes a pergunta, sobre a mesma matéria, dirigida ao último a chegar à mesa e cabendo-o o voto de qualidade, era um tímido “ouvimos dizer que…! Confirmas?”

 

O intróito lembra-me que no quadro da ajuda ocidental ao desenvolvimento de Moçambique, e parte considerável tida como doação (grátis), eu cresci a ouvir que o país não podia fazer determinadas coisas (e soberanas) porque “o Fundo Monetário Internacional (FMI) não deixa”, que “o FMI vai repreender” e que desta instituição, a fonte de informação segura sobre as novidades e contornos do desenrolar dessa ajuda e de outras relações financeiras como fora o caso das chamadas “dívidas ocultas”.

 

Hoje, face aos contornos da presença da tropa ruandesa em Moçambique, para citar um exemplo, oiço/vejo em “reply” o mesmo filme com o FMI, mas actualizado. Na sua comunicação à nação, o Chefe de Estado moçambicano disse que no quadro da ajuda estrangeira (ruandesa), que é solidária (grátis), o comando no teatro de operações continuaria em Maputo. Não se esperou tanto, menos de uma semana, para que os sinais do briefing ruandês, pelo menos por enquanto, indicassem que Kigali será o palco das novidades (e o comando?) e, na senda, o provável destino dos ganhos. Infelizmente, da experiência com a versão original do filme, não se tirara a devida lição de que “a ajuda não é caridade” tal como dissera um antigo e então PM do Canadá, um país doador ocidental, nos primórdios do corrente século, a propósito da ajuda ao desenvolvimento.  

 

Do dito, e para terminar, auguro (oxalá erradamente) que decorrente da caridade de Kigali, ou de uma outra capital que parta a ajuda militar, os nossos filhos cresçam a ouvir de que “Kigali não deixa”, “ Kigali não vai gostar” que “Kigali quer assim” e de que “são ordens de Kigali”. E assim, e em jeito de resposta à pergunta que me fora colocada à chegada para o café matinal, é caso para dizer de que a novidade (da ajuda) que nos chega de Kigali é a de sempre (velha, conhecida e rabugenta) e que só difere o samaritano, Kigali. Alguém confirma?

Definitivamente, a COVID-19 veio para nos matar de verdade e tornar-nos também vivos mortos, matar-nos enquanto vivos! É que, enquanto seres vivos, temos no nosso interior um mundo. Um mundo que vive verdadeiramente dentro de nós. E esse mundo é composto de tudo que vemos no mundo exterior à nossa volta: paisagens, objectos, pessoas, cenários, cenas, eventos, factos… um milhão de coisas. É um facto que temos dois mundos: um, o nosso ‘eu’ interior, nas nossas cabeças; o outro, o verdadeiro, o tangível, à nossa volta!

 

Como nos sentimos quando perdemos a memória de um simples objecto, pessoa, evento, cenas e cenários; quando não nos lembramos de seja o que for? Um grande vazio dentro de nós! E o que acontece quando perdemos, ou nos é roubado, aquele nosso objecto de estimação? Um simples chapéu, um relógio… para não falar do nosso telefone celular… que acontece? Quase morremos, ficamos… down, deeply down! Por fim, o que acontece quando nos morre uma pessoa querida, um familiar, um amigo, ou uma simples pessoa conhecida? Morre uma parte de nós também!

 

Quando morre uma parte do nosso mundo, interno ou externo, somos nós que morremos! É o que a COVID-19 está a fazer: matar-nos verdadeiramente, ou matar uma parte de nós.

 

Morreu o João Augusto Matola. Foi-se mais um amigo! Foi-se mais uma parte do nosso mundo, interior e exterior. Mais do que uma desolação, mais do que estarmos deeply down, é uma parte de nós que morreu.

 

 

Já se disse muito sobre o João Matola, da faceta profissional ou de vida privada: grande profissional, formador, editor, que gostava de puxar pelos colegas, educador, formador, etc. E os seus colegas directos na Rádio Moçambique o disseram com mais e melhor propriedade. E nada do que disseram é questionável. Porém, mais uma ou duas coisas sobre este homem alegre não fazem mal. Amigo de todos, como um seu colega da Delegação de Nampula melhor o disse. Um homem de coração muito aberto, que não sabia fazer maldade a outrem. Um João Matola de energias positivas, como dizemos hoje, alegre. Um homem de riso exuberante, fácil e contagiante; conversador, piadeiro. Boa pessoa. Era sempre prazeroso estar com ele!

 

João Matola faz parte da minha turma na Escola de Jornalismo em 1987, a primeira que inaugurou o ciclo de cursos médios de jornalismo naquele estabelecimento de ensino. Da nossa turma, faziam parte o Adolfo Semente (ex-DM), falecido, Deus o tenha, Marcelino Silva (RM), João de Brito Langa (RM), Simião Pongwana (TVM), o Simão Anguilaze (TVM), o escritor Nelson Saúte, o Leonardo Júnior Sabela (ex-Notícias), o Vasco da Gama (AIM), o Marcelo Machava (DM), o Rui Machango (ex-Notícias), entre outros.

 

No ano e meio em que frequentámos a Escola de Jornalismo, a turma foi quase que uma família, tendo como “pai” o Fernando Couto, pai de Mia Couto, e “mãe”, a esposa daquele! Tratavam-nos, verdadeiramente, como filhos. Tudo fizeram para que fôssemos bons profissionais, mas, antes disso, para que fôssemos grandes humanos. Não me lembro de ter havido querelas de registo durante este tempo todo. O velho poeta Fernando Couto, já falecido, Deus o tenha, estava sempre conosco, ou com quem estivesse na Escola. Conversava, contava histórias e estórias, ria-se (leia-se brincava) connosco.

 

O Matola, como o tratávamos, sobressaía pela sua simplicidade, lidava com todos. Como dizia aquele seu colega da RM, era amigo de todos. Ria com todos, conversava com todos, contava piadas para com todos. Irradiava a sua energia para todos os colegas. Numa palavra: era um grande humano para todos os seus colegas! Mas também jogava futebol. Era um bom jogador de futebol. Muitas vezes, nos fins-de-semana e feriados, íamos jogar ali na ex-Escola Secundária da Maxaquene (agora Universidade São Tomás). Bom centro campista e com boa capacidade de drible e boa visão de jogo! Gostava de jogar com ele, não contra ele...

 

Quando terminamos a formação, fomos colocados em diferentes órgãos de informação. Ele foi para a Rádio Moçambique; pouco tempo depois, foi estudar em Portugal. Mas a irmandade, amizade e o companheirismo, gerados, criados e patrocinados pelo casal Couto na Escola de Jornalismo permaneceram até hoje. Nem o ter ido estudar em terras lusas fez dele um vaidoso! Ficava zangado quando alguém dos seus ex-colegas fosse a Nampula, onde ele foi delegado da RM, e voltasse sem o procurar! Queixava-se nos outros ex-colegas quando os encontrasse!...

 

Vezes sem conta, eu e ele encontrávamo-nos, confraternizávamos, batíamos copos, papos e copos, fazíamos tudo! Mesmo quando terminou a sua casa, há bons anos atrás, fez questão de me fazer saber. Não fomos “phahlar” a casa, mas brindamos no restaurante do Clube de Ténis, ali no jardim Tunduru, tarde adentro!

 

Vá em paz, Irmão, Amigo e Companheiro. Repouse em paz e até sempre! A sua memória ficará para sempre em nós!

 

(ME Mabunda)

Soube esta manhã que o Jornalista João Matola da Rádio Moçambique (RM) partiu. Soube-o ao ler o texto de despedida/homenagem lavrado pelo seu colega da RM, Arão Cuambe e publicado no Jornal Carta. Enquanto lia, invadia-me a memória de um certo dia de Agosto em 2006. Foi um dia de reunião do Conselho de Administração da RM. Eu e um colega, na qualidade de organizadores do I Fórum Social Moçambicano (que teria lugar em Outubro de 2006), participávamos na dita reunião e que definiria as linhas da parceria entre a RM e a organização do Fórum Social Moçambicano, nomeadamente na divulgação e cobertura integral deste evento pela RM.

 

“Temos interesse e queremos ser um parceiro estratégico deste evento”. Assim concluiu Botelho Moniz, que dirigia a reunião que terminara, no ponto de agenda atinente ao Fórum Social Moçambicano, com a indicação do João Matola, convidado a propósito à reunião, para que este fosse o ponto de ligação da RM na parceria com o Fórum Social Moçambicano. Desde esse dia e por 03 meses o João Matola foi mais do que um ponto de ligação - um amigo, conselheiro, assessor, activista social – tendo o seu empenho traduzido numa divulgação e cobertura do evento comparável e de fazer inveja com a de grandes eventos oficiais e privados deste país.

 

Lembro-me, para dar uma ideia do compromisso e entrega de João Matola, que na manhã do dia seguinte ao da reunião do Conselho de Administração da RM, enquanto preparava-me para entrar no ar no programa de Emílio Manhique, outro saudoso jornalista, este pergunta-me para quando é que era o evento. Depois da minha resposta ele ficara espantado pois ainda faltava muito tempo, o que não era normal no seu programa.

 

Da leitura do texto do Arão Cuambe, ressaltou-me o seguinte trecho: “ …Ao final do dia, o João, como um bom “marronga”, com passagem pelas escolas portuguesas, actuava como meu enólogo fazendo-me provar desde a Casa de Insua, de casta agradável, e um bom Borba, entre outros vinhos Portugueses”. Mal ainda terminara a leitura enviei, por Whatsapp, o link do texto a um amigo que também participara na organização I Fórum Social Moçambicano. Com o link foi a seguinte mensagem: “Thomas. Este é quem ficara encarregue pelo Conselho de Administração da Rádio Moçambique para cobrir integralmente o I Fórum Social Moçambicano tendo cumprido com sucesso. De lá até hoje ficamos por tomar um copo e quem sabe nesse dia eu teria tido uma aula sobre vinhos.” Do Thomas, a resposta: “Não repita isso de ficar a dever alguém uma sessão de copos”.

 

“Um copo de balanço” por tomar com João Matola é a sessão em dívida desde os finais de Outubro de 2006 e que desde então, eu e o João Matola, sempre que nos cruzássemos, era recordada como um pendente. E ainda continua um pendente. Saravá João Matola!

sexta-feira, 30 julho 2021 06:57

Uma rechonchuda no machimbombo

Vi uma peça na STV, que também foi veiculado pelo Diário da Zambézia, que me deixou estarrecido, na qual colaboradores do BCI, que não foram flagrados com a mão na massa, foram transportados aos montes no Mahindra como ladrões de créditos e reputação firmada.Inclusive, o acto, lembrou-me um episódio no qual um jovem foi assaltado num carro e disse, aos polícias, que o acto tinha sido cometido por alguém com uma camiseta vermelha.

 

Alguns metros depois um jovem, que vinha do seu trabalho, foi cercado, recolhido, encarcerado é espancado. Motivo: tinha uma camiseta vermelha. Recolhido aos calabouços, mesmo com a vítima afirmando que não tinha sido aquele jovem a pessoa que lhe tirou o telefone, ele ficou detido, mesmo com testemunhos de pessoas que tinham estado com ele naquele dia ele permaneceu detido até que teve de ser libertado por uma procuradora.

 

Portanto, é regra da nossa polícia é deter sempre, pois qualquer pessoa acusada por eles é naturalmente culpada. Voltando ao assunto do BCI e a forma como os seus colaboradores foram recolhidos diz mais do banco do que da polícia. Ainda que todos jovens ali estejam envolvidos no crime, aquela forma indigna de transportá-los, diz muito dos valores do BCI enquanto empresa.

 

Há algo que se chama dignidade e o BCI deveria ter criado meios para garantir isso aos seus trabalhadores. É importante também que os jornalistas não se limitem a reproduzir o que a polícia diz? Não se pode transformar a suspeita na culpa de forma alguma. Nenhum colaborador ali foi surpreendido com dinheiro fruto do roubo, foram simplesmente recolhidos por serem trabalhadores do BCI e por terem estado na agência na hora em que deviam trabalhar. Ou seja, aquele era o único lugar onde deveriam estar naquele momento, suspeito seria estarem em outro lugar sem justificação.

 

O pior é que até prova em contrário são inocentes e, por regra, há grandes probabilidades de que sequer tenham antecedentes criminais. Se todos ali forem culpados a polícia falhou, o BCI falhou e o jornalismo perdeu a oportunidade de questionar os métodos da polícia e os valores que o banco preza no que diz respeito aos seus colaboradores. Devia ser regra, quando se faz jornalismo, avaliar se as pessoas que são classificadas como supostas criminosas são tratadas com dignidade ou não. Isso sequer é um valor do jornalismo, mas um princípio que nos devia acompanhar enquanto humanos.

Enquanto o tio Manuelinho costurava as palavras, em conversa, sobre a proposta do seu contrato para ser Presidente do Município de Quelimane, o Jota, seu sobrinho, era interpelado, em sua imaginação, a cada segundo, por várias colocações.

 

Por um lado, não conseguia entender como era possível haver propostas de contratos para Presidentes de Municípios, uma vez que a legislação vigente preconizasse outra realidade. Por outro, não parava de cogitar a respeito das cerimónias fúnebres sobre a ida ao além da sua estimada tia Marciana. Eram pensamentos contrários que deslizavam na sua cachimónia!


Além disso, em sua mente, chovia também uma descarga de meditações sobre a realização da Conferência Internacional de Jornalismo Investigativo, para a qual ele havia sido selecionado a participar, em representação daquele famoso domicílio de formação de jovens jornalistas, que hoje se encontram espalhados pelos quatro cantos da nossa estética e extensa Pérola do Índico.

 

Entretanto, ainda não estava claro se o Jota haveria de participar nas cerimónias fúnebres, pois, para que isso acontecesse, ele teria de escolher entre assistir ao funeral da sua tia e perder a Conferência ou regressar a Maputo, um dia antes do enterro, a fim de viajar à vizinha terra do rand aonde decorreria a já esperada Conferência, onde teria, igualmente, a única oportunidade de assistir de perto à Carlos Cardoso Memorial Lecture dedicada ao mais célebre Jornalista Investigativo Moçambicano. Era o anseio de todos Jornalistas, principalmente os Estagiários.

 

Contudo, entre todos os pensamentos, além do contrato para Presidente de Município, o que mais agitava os seus milhões de neurónios era o Chinês, único passageiro que fotografou as nossas florestas. Ele era o mais curioso cidadão, naquele autocarro, que apreciava todas as passagens verdes, repletas de clorofila, que desfilam ao longo da Estrada Nacional Número Um.

 

Ora, eu até suspeitei, uma vez que já tinha perdido a conta das vezes que o Chinês se havia levantado para memorizar, com imagens, a nossa floresta verdejante. Pensei nos variadíssimos, alguns não registados, abates de árvores e exportações ilegais de madeiras, ao longo do nosso extenso País, praticados por seus compatriotas, claro, em conluio com alguns irmãos nossos.

 

Naquele instante, Jota lembrou-se de uma conversa aberta que teria com um amigo Engenheiro Florestal, produzido na mais antiga Universidade do País, e questionou ao tio Manuelinho:

 

— Tio, lembra-se do discurso de Ban Ki-moon, o antigo e oitavo Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), que proferiu aquando da aprovação da Resolução sobre a Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável?

 

— Claro, meu sobrinho mais velho. Na liderança do Secretariado das Nações Unidas, Ban Ki-Moon é sucessor de Kofi Annan, o ganês, e antecessor de António Guterres, o Tuga, actual Secretário-Geral. — Enquanto soltava alguns sorrisos. E acrescentou: — Seguindo a lógica do funcionamento do mundo, estas informações são importantes para quem não deseja viver a ser enganado. É imperioso que estejamos atentos a isso. Lembro-me muito bem, meu filho. Queres que eu cite o que ele disse? — Indagou, confiadamente, o Manuelinho.

 

— Eu conheço a responsabilidade do teu cérebro, que assiduamente preserva, em memória, toda informação impagável e digna de apreço — Disse o Jota, num tom de voz despreocupado.

 

— Jota, meu sobrinho…. Você, sempre a querer colocar-me no terraço! “Os 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são a nossa visão comum para a Humanidade e um contrato social entre os líderes mundiais e os povos”, garantiu Ban Ki-moon. E adicionou: “São uma lista das coisas a fazer em nome dos povos e do planeta, e um plano para o sucesso”.

 

O Jota estava desqueixolado pela rápida e pontual resposta do tio Manuelinho. E, consecutivamente, juntando algumas consoantes e todas vogais do nosso alfabeto, desatou:

 

— Muito bem, tio. Eu sabia que não me irias decepcionar. Isso não é de hoje e eu já estou acostumado! Na verdade, eu estaria preocupado se não tivesse uma resposta depois de 30 segundos. — Ao mesmo tempo que estendia os seus gêmeos olhos para os bancos de trás do autocarro, onde o Chinês estava sentado, tentando controlar os movimentos daquele cidadão estrangeiro que não parava de fotografar as nossas valiosas florestas.

 

— Olha, esta Resolução entrou em vigor no ano passado, ou seja, a 1 de Janeiro de 2016 e carrega como bandeira a seguinte expressão: “Transformar o nosso mundo: Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável”. Além disso, ela possui 17 Objectivos, divididos em 169 Metas, e foi aprovada consensualmente por 193 Estados-Membros da ONU, reunidos em Assembleia-Geral, nos States, para resolver as necessidades humanas nos países desenvolvidos, bem como nos países em desenvolvimento e tem como destaque: “ninguém deve ser deixado para trás”.

 

O Jota ficou em silêncio, tentando mastigar e ruminar as informações que acabara de receber, ao mesmo tempo que procurava encaixar o caso do Chinês na famosa Agenda 2030. E Manuelinho, num rápido movimento exercido na Área de Broca do seu cérebro, acumulou:

 

— Trata-se de uma Agenda muito ambiciosa que reúne várias dimensões do desenvolvimento sustentável (social, económico, ambiental) e promove a paz, a justiça e instituições eficazes.

 

— E como é feita a avaliação da implementação das metas estabelecidas em cada um dos 17 Objectivos? — Questionou o Jornalista-Estagiário, devidamente aconselhado pela Área de Wernick do seu cérebro. Ele queria compreender os detalhes da execução daquela Agenda.

 

Enquanto isso, ouviu-se o barulho do empurrar de um dos vidros do autocarro, no lado de trás. Conseguia-se escutar, também, os sons do volume de um Smartphone que recolhia fotos para a sua quase entulhada galeria. Do lado de fora daquela janela, havia uma enorme quantidade de árvores. Um verde escuro banhado de clorofila! E ali estava, novamente, como se nada estivesse a acontecer, o Chinês, planificadamente mansinho, com o seu Huawei preto, capturando imagens da nossa vasta floresta. Em seguida, Manuelinho respondeu:

 

— Olha, sobrinho. A avaliação da implementação e o progresso dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável serão realizados de forma regular, por cada País, envolvendo os governos, a sociedade civil, as empresas e outros representantes dos vários stakeholders ou partes interessadas. E os jovens não devem ficar de fora neste processo importantíssimo!

 

— Entendo, tio. Então, a questão da exploração ilícita ou abate de árvores igualmente está contemplada nestes Objectivos? — Interrompeu, em jeito de provocação, o jovem sobrinho.

 

— Exactamente, Jota. Eu penso que você sabe muito bem disso. Trata-se do Décimo Quinto Objectivo, que se refere a “Proteger, restaurar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, travar e reverter a degradação dos solos e travar a perda de biodiversidade”. É o Objectivo das florestas!

 

— Hahaha... Este é mesmo para o Chinês! Aliás, o tio notou bem que aquele passageiro turista continua, constantemente, a fotografar as nossas florestas? Não são essas fotos que comprometem a nossa economia?

 

— Como assim, Jota? — Questionou, espantado, o Manuelinho.

 

— Tio, afinal, não verificou as incontáveis vezes que ele, sempre, se levantava para tirar fotos das nossas reservas florestais? Não notou que ele fotografava exclusivamente as regiões com quantidades extraordinárias de árvores? Isso é normal, tio? — Rematou o Jornalista-Estagiário.

 

— Ahaaannn… Sim! Tens toda razão, sobrinho. Eu também já estava a ficar preocupado com a constante movimentação dele. Sabes, se for o que estamos aqui a pensar e conversar, isso pode comprometer a meta que se deve alcançar daqui a três anos, em 2020, de se assegurar a conservação e recuperação do uso sustentável de ecossistemas terrestres e de água doce interior e os seus serviços, em especial as florestas.

 

— É verdade, não precisa de óculos para ver e entender que a missão do Chinês é clara. Quem aqui anda a tirar fotos só de árvores? Será que ele é o único passageiro com celular neste carro? Nem mesmo Engenheiros Florestais andam a tirar fotos só de árvores. Eu já viajei com alguns e nenhum deles andava a fotografar as nossas árvores. Posso ligar para confirmar!

 

— Tens razão, sobrinho. Tens toda razão, meu filho! — sentenciou Manuelinho.

 

— Eu penso que o Chinês está a fazer o mapeamento das nossas zonas florestais para, depois, desenhar um esquema de abate de árvores. É até bem possível que já exista uma Operação Nó Górdio para desflorestar a nossa Pátria. Querem consumir a nossa madeira! Em todo o País, principalmente em Sofala, Zambézia e Cabo Delgado, verifica-se o desmatamento das florestas sem a respectiva substituição das espécies abatidas. Quantas vezes ouvimos e lemos, nos jornais e TVs, casos de detenção de enormes quantias de madeira transferida para países asiáticos? — Relatou o Jota e, com uma voz veemente em defesa da Pátria, acrescentou:

 

— Por exemplo, há cinco anos, em 2012, foram capturados 562 contentores de madeira virgem que estava prestes a ser exportada. No ano passado, assistimos a maior captura de sempre, isto é, cerca de 1.300 contentores de madeira confiscados. Mesmo neste ano (2017), ouvimos falar da apreensão de três contentores de madeira. Todos estes casos foram registados no Porto de Nacala e tinham um destino comum: a populosa República da China. Isso é mera coincidência?

 

Não é que o Jota, apesar da triste situação de infelicidade da sua tia Marciana, estava mesmo vigilante e com os ponteiros dos neurónios bem acertados. As florestas são importantes não só como fonte de madeira, mas também como protectoras das colinas e reguladoras do fluxo de água, protegem as bacias hidrográficas e a vida selvagem, reduzem a taxa de erosão do solo, contribuem para o estabelecimento do turismo, armazenam as vastas quantidades de carbono que servem para mitigar as mudanças climáticas, que anualmente asfixiam milhares de gente.

 

— Tio, a Umbila (Pterocarpus angolensis), Chanfuta (Afzelia quanzensis), Tanga-tanga (Albizia versicolor), Jambirre (Millettia stuhlmannii), Cimbirre (Androstachys johnsonii), Muanga (Pericopsis angolensis), Mutondo (Cordyla africana) e Mpingo, também conhecido como Pau-Preto (Dalbergia melanoxylon), são algumas das espécies da primeira categoria ilegalmente exploradas para empanturrar os bolsos de muita gente de classe privilegiada, deixando a nossa economia cada vez mais pálida e magrizela, quando contabilizados todos desvios nesta área.

 

— Jovem, vejo que você anda bem informado sobre os nossos recursos florestais e faunísticos. Eu pensei que, além de alguns Agrónomos, apenas Engenheiros Florestais conheciam os nomes científicos das nossas reservas florestais. — Disse uma voz grossa, que vinha da parte traseira da cadeira aonde o Jota e tio Manuelinho estavam assentados. — E adicionou, calmamente:

 

— A propósito, você é um destes profissionais que acabei de mencionar? — Questionou aquela voz que, sem pedir licenças, acabava de se embrulhar numa conversa que se diga familiar.

 

— Nenhum de nós fez esta área — Respondeu o Manuelinho, e, em seguida, aditou: — É verdade, Jota. Isso também afecta o cumprimento de outros Objectivos. Por exemplo, o Primeiro Objectivo, que prevê, até 2030, erradicar a pobreza extrema em todos os lugares. — Disse Manuelinho — Que, logo a seguir, somou mais palavras à sua fala: — O desvio de fundos provenientes de corte ilegal e venda de árvores, bem como o valor de taxas envolvido, que também é desviado neste esquema, pode contribuir para que este Objectivo não seja alcançado.

 

E aquela voz acompanhante de um passageiro desconhecido, que vinha do banco de trás, interpelando o discurso do tio Manuelinho, acrescentou:

 

— O Segundo Objectivo é identicamente afectado. Por exemplo, a prática ilegal de abate de árvores pode influenciar o garante de sistemas sustentáveis de produção de alimentos e implementação de práticas agrícolas resilientes, para aumentar a produtividade e a produção ao nível local e nacional. Além disso, não ajudará a manter os ecossistemas e fortalecer a capacidade de adaptação às alterações climáticas, às condições meteorológicas extremas, secas, inundações e outros desastres, a fim de melhorar, de forma progressiva, a qualidade da terra e do solo. — Rematou e, consecutivamente, devolveu a sua voz no abrigo do silêncio.

 

— Isso é muito sério! — Atirou o Jota, tendo adicionado: — Afecta, de igual modo, o Quarto Objectivo. Com o constante desmatamento e abate de árvores, ilegalmente, como será possível, até 2030, garantir-se que todos os meninos e meninas completem o Ensino Primário e Secundário de qualidade, se a madeira que deveria servir para construir as Escolas e produzir carteiras e quadros é malandramente desviada para bem longe das suas zonas de origem?

 

— Sobrinho. Estamos mesmo numa situação difícil de gerir. Imagina só, daqui a três anos, em 2020, o Sexto Objectivo prevê proteger e restaurar os ecossistemas relacionados com a água, incluindo florestas e zonas húmidas. Será que isso vai acontecer? — Interrogou o Manuelinho.

 

Enquanto isso, o Chinês continuava, aqui e acolá, a fotografar todas as zonas verdes que espalham sombras densas ao longo dos riachos e lombas interiores espalhados na nossa já cansada Ene Um. Ele era mais apreciador e fotógrafo de árvores que um simples passageiro. Mesmo onde o motorista parava o carro para que os passageiros descarregassem das suas bexigas, entre as verdejantes árvores, águas ácidas, e dos seus intestinos grossos, restos de comida, a missão do Chinês era clara e específica: fotografar a nossa floresta!

 

— A minha irmã foi destacada para integrar a equipa que está a realizar o Inventário Florestal Nacional, que iniciou em 2015 e tem prazo de dois anos. Portanto, termina neste ano, mas será publicado nos finais de 2018. Em conversa, ela segredou-me que uma das recomendações do estudo, para evitar a exploração ilegal da nossa frondosa e vasta floresta, é reduzir o actual número e proibir a entrada de novos operadores florestais por 5 ou 10 anos. Neste período, serão monitorados os efeitos destas medidas. — Expôs uma passageira no banco de frente.

 

— Muito obrigado, Moça. — Afirmou Manuelinho, soltando seu olhar sedutor em direcção àquela jovem viajante. E voltando-se para o seu sobrinho, que calculava o diâmetro do seu olhar, disse:

 

— Olha, Jota, espera-se, também, daqui a três anos, em 2020, em todo mundo, promover a implementação da gestão sustentável de todos os tipos de florestas, travar a deflorestação, restaurar florestas degradadas e aumentar os esforços de florestação e reflorestação. Portanto, uma das metas é tomar medidas urgentes e importantes para reduzir a degradação de habitat naturais, travar a perda de biodiversidade, proteger e evitar a extinção de espécies ameaçadas; mobilizar recursos para financiar a gestão florestal sustentável e proporcionar incentivos adequados aos países em desenvolvimento para promover a gestão florestal sustentável, inclusive a conservação e o reflorestamento. — Revelou Manuelinho, esbanjando ciência.

 

— Contudo, se continuarmos a ter muitos passageiros como estes, Chineses, Moçambicanos ou de qualquer nação, que somente andam a fotografar as nossas florestas, duvido que estas ambiciosíssimas metas sejam alcançadas. No lugar de preservar, teremos as nossas florestas cada vez mais despidas de verdes e beleza natural e assistiremos, sempre, contentores carregados da nossa madeira a atravessarem o vasto Oceano Índico. Enfim, vamos aguardar para ver, tio. Porém, confesso que a minha reserva de esperanças está quase a esgotar-se.

 

Não é de se admirar! Casos de exploração ilegal de árvores e contrabando de madeira continuam a afectar a nossa biodiversidade e a acarretar, em grande medida, os cofres do Estado. Em Setembro de 2020, em Cabo Delgado, Província com uma das maiores densidades florestais do País, foram confiscados 102 contentores de madeira, que seguiam à China. Em Julho deste ano, na Província de Sofala, somas de dinheiro foram perdidas devido ao contrabando de madeira.

 

Apesar de existir mecanismos nacionais e internacionais que trabalham para melhorar a governação do sector florestal, a sustentabilidade das florestas, através da aplicação das leis e administração deste sector, não há muita esperança para ver as nossas florestas beneficiarem a população local e engrossar os cofres do Estado para o bem de todos os moçambicanos.

 

Não obstante, será impossível alcançar a Agenda 2030, principalmente os Objectivos e Metas relativos à protecção, restauração e promoção do uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gestão sustentável das florestas, combate da desertificação, degradação dos solos e travar a perda de biodiversidade nacional e mundial, bem como os seus efeitos no cumprimento de outros Objectivos e Metas, se mais Chineses continuarem, livremente, a fotografar as nossas florestas!