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terça-feira, 02 fevereiro 2021 06:24

O Pé-Ere não é gabarola

Quando, em finais de Dezembro passado, um brada me enviou um estudo sobre as minhas crónicas feito por um estudante moçambicano em Portugal, eu nem dormi. No dia seguinte, antes que 2020 acabasse, fiz um post a exibir o estudo para todo o mundo ver. A maioria de vocês também faria o mesmo. Basta o nosso nome aparecer num jornal qualquer já é motivo de se gabar. Quando é jornal estrangeiro, então, nem val'apena. Mas, o Pé-Ere nada! Ele não é assim. É muito humilde ele. Não gosta de se fazer. 
 
Olha, do jeito que falaram do Pé-Ere em Nova Iorque há dois anos, se fosse eu, teria reagido. Jean Boustani passou todo o seu julgamento a falar do Pé-Ere, mas ele nada! Muito relaxado! Tipo nem estavam a falar dele. Muitos esperavam ver na sua página oficial algo como: aquele gatuno libanês está a chamar-me de gatuno lá em Nova Iorque, mas eu juro que não comi esse dinheiro das dívidas ocultas... nem eu nem ninguém da minha família... aquele puto que está na cadeia não é meu, é filho de Tchembene aquele... meu é esse que anda a fazer rallys aqui na Julius... é bom que fique bem claro isso para todos moçambicanos. Mas nada, ele ficou no cantinho dele numa wella. Sereeeno!
 
Agora estão a falar do Pé-Ere em Londres e ele está tipo não sabe. Iskandar Safa, tio de Boustani, apresentou documentos que confirmam que o cunhado do 'titxa' Ferrão recebeu um milhão de dólares da Privinvest, em 2014, mas ele está tipo 'mas um gajo que tem um milhão de dólares fica assim como eu?'. Sempre humilde e bem educado. Não comenta fofocas. Quando eu crescer quero ser assim. Aqui, quando alguém faz uma bolada de mil dólares só, no dia seguinte já anda a com guarda-costas a lançar notas de 200 nos mercados. Mas o Pé-Ere, nada. É culto.
 
O Pé-Ere não é gabarola. Quando, no ano passado, Tchembene mandou a Procuradora Bia ter uma conversinha sobre as dívidas ocultas com o antigo ministro da Defesa, ele nem apareceu a dizer que era ele esse tal antigo ministro que estava a ser procurado. Humildade só. Ele nem quer que as pessoas saibam que era ministro. Não quer se fazer. A Procuradora ainda está a procura do antigo ministro, mas ele não quer se exibir. As pessoas estão ansiosas em conhecer essa importante figura que tanto se fala dentro e fora do país, mas ele não é de 'show-offes'. 
 
Se fosse um gajo gabarola, já teria aparecido a dizer 'sou eu esse antigo ministro da Defesa que estão a procurar'. E aí a Procuradora toda derretida: 'uaaauuu... que fofo!... podemos falar um pouco sobre os dólares que o ex-presidente disse que o senhor levou e f*deu o país, por favor?!'.  Mas ele nada. Não quer se fazer. Não quer nem se gabar que sabia que o país estava a ser f*dido. 
 
Isso chama-se ter berço. Sempre no seu cantinho a viver a sua vida. Quanta educação, meu Deus! Quanta modéstia! 
 
- Co'licença!

 

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No entanto, seu conteúdo não vincula a empresa.

É maré cheia e daqui deste aconradouro, o arquipélago de Mucucune que se estende do outro lado de lá, lembra-me o filme de Francis Coppola, Apocalipse Now. A diferença ´porém é gritante, entre a película que vi nos princípios da década de oitenta no Cinema Manuel Rodrigues em Inhambane, e a história que estou a viver neste lugar esplendoroso, mesmo assim vituperado pelo matadouro que nos impregna com o fedor da bosta. No filme o actor principal era Marlon Brando e era ficção, aqui o personagem de proa sou eu e tudo isto é real.

 

Estou à espera, com mais gente, do barco que nos vai levar a Guidzivane, uma das ilhotas do mítico Mucucune e que se localiza no extremo norte, escancarada para o oceano Índico. É a efectivação de um sonho antigo, uma oportunidade de viver esses ritos apregoados desde os tempos. Então, sinto uma grande incapacidade de suster a ansiedade que me devora.

 

Fui o primeiro a entrar na linda barcaça acaba de pintar, logo a seguir vinha uma rapariga a tocar música no seu celular e sentou-se ao meu lado. Esta foi a primeira contrariedade, pois, o que eu queria ouvir ao longo da viagem, era a melodia do vento moderado que sopra do sul, em consonância com o mar sendo amorosamente rasgado pela quilha. Queria contemplar aquela paisagem inteira em silêncio.

 

Partimos sem alarido, deixando as ondas que se iam esbatendo na margem e nas paredes do repugnante matadouro, e aqui dentro do barco com cerca de quinze passageiros,  o silêncio parece triunfar, mas é desmentido pelo som do celular que já está demais. Não consigo concentrar-me no detalhe da viagem e a miúda está animada ouvindo aquilo que até podia ser boa música para os ouvidos dela, mas que oiça isso sozinha porque nós outros queremos escutar a composição da natureza.

 

Eu já estava no limite da irritação diante desta violação ao meu sossego, era insuportável, e na falta de palavras suaves para não magoar a inoportuna  “DJ”, eu disse, moça, porque é que não usas os auriculares? Ela olhou para mim e ignorou-me completamente. E repeti, moça, porque é que não usas os auriculares? Desta vez a rapariga exasperou-me questionando-me, afinal qual é o seu problema?

 

Calei-me profundamente, suportando a faca enterrada no meu peito por uma miúda com problemas sérios de formação. Uma companheira de viagem que podia ter a idade da minha neta, e ela disse mais perante o meu silêncio de derrota, se o senhor não gosta de música a culpa não é minha.

Na terra dos Muzaias nasceram reis, plebeus e bárbaros. O poder local foi sempre repartido por membros destes três grupos. A autarquia é rica, produtiva, com terrenos extensos e devidamente localizados. Na verdade, todos que lá conhecem, querem ter espaços extensos para construir mansões, vivendas e hotéis, mesmo que seja para arrancar ou usurpar dos nativos. Por lá, a Lei está sempre do lado do homem de fato e gravata, linguagem aportuguesada ou dialecto branqueado.

 

Na terra dos Muzaias, chegar ao poder exige lealdade e mudança total do cérebro e da forma de estar e ser dentro do partido. Até para se recolher dinheiro de projectos e usar para fins alheios, não precisa de um exercício magistral basta ter parentes no sector da Justiça e protecção política total.

 

É assim, pelo menos, como vive o jovem autarca da terra dos Muzaias, que ascendeu ao poder em meio a várias trafulhices. Ele teve um primeiro mandato de fotos bonitas, boas aparições da mídia corrupta e inaugurações que agradaram até aos inimigos.

 

Entretanto, o que ninguém sabia é que por detrás daquele discurso refinado havia milhares de munícipes que estavam a ser expropriados das suas terras e machambas.

 

Ninguém imaginava que o autarca estava a construir obras com dinheiro proveniente de golpes palacianos. Ninguém sabe que o autarca tem uma dívida que não para de subir com o Tribunal Administrativo, avaliada em 900 milhões de meticais.

 

O autarca é sortudo! É visto, até ao momento, como o único para segurar a terra dos Muzaias, enquanto se prepara um candidato à altura para gerir aquele território bastante cobiçado.

 

O autarca da “terra dos Muzaias” sabe calar os oponentes, mesmo em plena votação do Plano Anual ou Orçamento Rectificativo da autarquia em que o seu partido tem uma maioria relativa e a oposição junta e unida pode o derrubar.

 

Contudo, estranhamente, o homem conseguiu amarrar e estar a dar de comer membros de Assembleias Municipais dos outros partidos, que sempre votam ao seu favor ou inventam que estão doentes no momento certo, acabando por defraudar aqueles que a muito esperavam pelo momento para encostar o homem.

 

O tipo é um estranho. Consegue gerir um território onde não visita certas zonas porque a população que dirige se cansou dele e chegou até a ameaçar-lo de morte.

 

O autarca da “terra dos Muzaias” por tanto medo de ser exposto na mídia, chegou a pagar a um prurido jornalista e gestor de um vende manchetes da praça dois camiões com mais de 500 sacos de cimento e pedras para que não se tornassem públicos os seus crimes na autarquia dos Muzaias, uma vez que na justiça ninguém o toca.

 

Na terra dos Muzaias, os pássaros cantam tanto em árvores separadas que, quando chega a hora da verdade, não conseguem despejar as fezes de uma vez só na cabeça do autarca.

 

O cenário é lastimável. Os grupos de interesse capturaram a autarquia. A humildade do homem desapareceu num zás. Pelo que a actual estratégia do seu grupo partidário é investir na imagem de um outro jovem, que nos últimos tempos passa a conversar e a comer com vendedores de recargas de telemóvel, passando as noites com os moradores de rua e engraxando sapatos, sempre que vai ao escritório, em plena rua. O objectivo é a promoção de uma imagem que o homem não tem, como demonstrou quando estava na terra do Mapiko!

 

Os projectos mal-parados, na terra dos Muzaias, são tantos, que por falta de seriedade chega-se a abrir concursos para a reabilitação da mesma estrada num ano, mais de seis vezes, mas os problemas prevalecem.

 

Coitados dos munícipes da terra dos Muzaias, que escolheram aparência em vez de cabeça e desenvolvimento. Também, foi sempre assim. Lembremos que Pablo Escobar chegou a ser, ainda que por pouco tempo, membro do senado da Colômbia. O povo votou nele!

 

Hoje, na terra dos Muzaias, ver o autarca virou milagre. É tanta coisa parada e mal explicada que o homem pensa que vive numa montanha ao lado de um super-homem nietzschiano, do tipo Zaratustra. Assim é o autarca da terra dos Muzaias!!!

quinta-feira, 28 janeiro 2021 08:08

Ao Armando Matsimbe pela nossa amizade inabalável

A fuga de Adriano Bomba, um dos melhores pilotos moçambicanos formados na então União Soviética na categoria de Mig-17, inspirou-me a escrever uma crónica nos princípios do ano 2000, publicada no jornal Notícias. Foi um texto contestado pelos pilotos que o leram, pois não correspondia à verdade, ou seja, a história que eu contava desmentia absolutamente os princípios da física, a não ser que o “caça”, segundo esses mesmos pilotos diziam, estivesse a ser conduzido por mim.  Adriano Bomba jamais cometeria aquela peripécia, não por incapacidade, mas porque a gravidade da terra não o permitiria.

 

Eu descrevia Bomba dirigindo a máquina de guerra a baixíssima altitude, num voo mais do que rasante, ainda por cima fazendo gincanas entre os imbondeiros que se estendem de Chicualacuala à fronteira com a África do Sul, numa acção que visava despistar os radares, mas o que eu dizia era ficção exagerada, nenhum caça-bombardeiro faz aquilo, mesmo voando nas mãos dos pilotos mais sagazes do planeta como Adriano Bomba, o  que se descrevia na minha prosa era uma paranóia.

 

Eu referia ainda que o homem  desbaratou temporariamente – no Aeroporto Internacional de Maputo - os controladores de tráfego que assistiam às manobras de um avião que acabava de sair dos trabalhos de manutenção, o qual  devia ser testado pelo aludido elegido por ser reconhecido como um “as”, e essa destreza era demonstrada num determinado momento dos exercícios, Bomba elevou em impressionantes acobracias o seu Mig-17, para logo baixar a níveis quase do chão, apontou com a fuzilagem a cabina dos controladores de tráfego que entraram em pânico, tendo caido todos de bruços, com medo, para logo a seguir o av ião passar de “barriga” ao lado da torre de forma espectacular.

 

Os pilotos que leram esta última passagem disseram que eu estava doente de doido, isso é impossível, não faz parte nem da formação de um doente mental. E como se essa loucura não bastasse, disse ainda que de entre os controladores de tráfego, estava Alberno Chipande na qualidade de Ministro da Defesa Nacional, e que ele também caíu como os restantes, e pior do que os profissionais da aviação civil ali presentes, Chipande desmaiou e molhou as calças de urina. Foi aí então que os meus críticos disseram em definitivo que eu estava a delirar.

 

Seja como for, Adriano Bomba fugiu naquele dia, naquela cirucunstância deixando os companheiros em desespero, de entre os quais o meu amigo Armando Matsimbe, de quem tenho muitas saudades, pelas histórias sem fim que contava em convívios sem tabus. Mas como ele próprio – o Armando - dizia, a vida é como um caça-bombardeiro em pleno combate, a qualquer momento pode ser atingido por um missil.

 

Que a tua alma descanse em paz, Mandito, meu irmão de sangue!

quarta-feira, 27 janeiro 2021 13:08

Mensagem de apoio às vítimas do ciclone Eloise

Mais um ciclone atravessa o nosso país, afectando, directamente, as províncias do centro, em particular, Sofala, Manica e Zambézia. Ainda nem sequer nos refizemos das anteriores tempestades de 2019, como foram os casos do Idai e Kenneth e, mais recentemente, do ciclone Chalane, e teremos de lidar com os efeitos nefastos do Eloise. Estes são momentos perturbadores, preocupantes, duros e, até, demasiado violentos. Precisamos de força, coragem e muita fé para enfrentar estas crises e manter acesa a chama da esperança. Temos de continuar fortes e resilientes, e saber erguer a cabeça, em todos os momentos.

 

quarta-feira, 27 janeiro 2021 08:42

Lamentações patrióticas

O sumiço de cerca de uma centena de contentores de madeira no Porto de Pemba é uma demonstração de crime organizado para a nossa qualificação para os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020. Com esta última performance do Porto de Pemba garantimos o nosso lugar na modalidade desportiva de Crime Organizado, na categoria de Cara-de-Pau.

 

Somos bons nesta modalidade olímpica. E o povo também tem ajudado bastante com textos de indignação. Cada vez que um cidadão escreve um post do tipo 'é possível 82 contentores de madeira desaparecerem do porto sem que alguém tenha notado?' são mais pontos para Moçambique. A nossa indignação ajuda muito. Tem de parecer que estamos muito surpreendidos. O Comité Olímpico Internacional está a ver tudo. Por isso, temos de continuar a fingir que estamos admirados.

 

Nunca deixamos os nossos créditos em mãos alheias nesta modalidade. E não será desta vez. Tudo, menos perder a nossa cara-de-pau num certame internacional! Não podemos permitir! A nossa bandeira tem de estar ali, no píncaro do mastro mais comprido. Por isso, nas próximas revelações de corrupção temos de melhorar as nossas emoções!

 

De resto, a cada dia, o governo tem estado a trabalhar seriamente para melhorar o nosso crime organizado. O que vejo é que falta um pouco de criatividade da nossa parte como adeptos. Vê-se que estamos a publicar mesmas coisas e não estamos a caprichar nos comentários. Ora, em muitos posts é possível notar que a indignação não é autêntica. Vê-se que a pessoa só escreveu para estar na onda. Outra cena também preocupante é a falta de organização. O ideal seria uns escreverem 'como é possível sumirem contentores apreendidos?' e outros dizerem 'este país é uma merda!'. Ou uns dizerem 'país do pandza' e outros responderem com 'onde está a porta deste país, quero descer!', etecetera. Ou seja, as indignações devem estar sincronizadas umas às outras. Os insultos ao governo devem ser poéticos. Não pode insultar o governo como se estivesse na paragem de chapa. Isso pode baixar a nossa pontuação.

 

Um apelo importante que faço ao governo é no sentido de divulgar o calendário das próximas descobertas de corrupção para que o povo veja em directo na SuperSportMaxímo. Isso iria nos ajudar a opinião pública a ficar indignada em tempo real.

 

Agora, minhas irmãs e meus irmãos, se formos desqualificados precocemente a culpa não será do governo nem da Pê-Gê-Ere. Que fique claro! Estes estão muito engajados em manter a cara de Moçambique cada vez mais de pau possível. Se formos eliminados, a responsabilidade será inteiramente vossa - vocês que não se indignam nas redes sociais. A vossa indiferença tem nos prejudicado muito. Até nem parecem moçambicanos. Se não estão satisfeitos com a qualidade da nossa equipa olímpica de crime organizado, então, que se mudem para Guiné! É que o objectivo desta seleção é fazer desaparecer Moçambique do Mapa Mundo e, nessa altura, todos seremos chamados a nos surpreendermos massivamente. Quando esse dia chegar, temos de sair às ruas do 'feici' aos prantos tipo não sabíamos. Temos de fingir surpresa. São as regras do jogo.

 

Pois é! Faça a sua parte! Contribua com a sua lamentação patriótica e ajude o governo a melhorar a nossa sem-vergonha! Não precisa ser de verdade... aqui quase nada é de verdade.

 

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