Esperamos que, desta vez, tudo mude. Que as decisões tomadas saiam do papel à realidade. Que os que nos escravizaram em Ndlavela sejam devidamente responsabilizados. Que tudo não termine somente nos nossos velhos hábitos e costumes. Que não saiam apenas as caras, mas também os casacos velhos – que saiam deste local junto dos seus fantasmas.
Esperamos, igualmente, que as retiradas diúrnas e nocturnas das novatas para orgias sexuais mediante ameaças e agressões não continuem a ser vistas como um mero exercício interno. Estranhamente, o Inquérito integrou também mulheres como nós, em papéis fundamentais, as quais, no final, vieram dizer que os dados do Centro de Integridade Pública (CIP) eram exagerados.
Sua Excia, o nosso medo pela vida, dentro deste recinto atormentador, só piorou desde que este escândalo foi despoletado. Os que ficaram olham-nos com desdém e ódio. Julgam-nos e condenam-nos pelas suas dificuldades. Culpam-nos pelas suas carências financeiras e fome que as suas famílias passam ultimamente.
A verdade é que explicamos à Comissão tudo o que vivíamos. Agora, se abuso sexual não tem o mesmo impacto quando comparado à exploração sexual, isso não cabe a mim explicar neste meu pequeno desabafo, porque, como contei noutra minha intervenção (Diário de uma reclusa de Ndlavela (cartamz.com)), não entendo as razões pelas quais nós passamos por tudo isso. Éramos comidas a hora que lhes apetecia, mas ninguém registou isso. Para eles, tudo que acontecia devia às relações de força e poder que existem neste recinto. Esperamos que o caso seja criminalizado e tudo não termine apenas mediante medidas administrativas.
Apesar disso, o nosso maior pavor é ter um fim indesejado. É sermos estupradas por uma equipa de futebol e seus suplentes. É terminarmos numa vala comum e às nossas famílias informar-se-lhes que morremos de Covid-19, pelo que o nosso corpo não pode ser entregue, em respeito às medidas de contenção da propagação desta pandemia infernal.
O nosso pavor será, ainda, ver a justiça vencida ao relento. A verdade desmentida e os inocentes silenciados. O nosso pavor é continuar a sermos exploradas “legalmente”, prostituídas gratuitamente e violadas eternamente. Embora não sejamos filhinhas de mamã, somos também humanas. Somos mulheres, apesar de condenadas pelo erro e violadas sem piedade.
Hoje, a Comissão de Inquérito terminou a sua missão, os resultados foram apresentados e, possivelmente, alguns dos infractores serão encaminhados para outros postos e, num ciclo vicioso, continuarão com as mesmas práticas. Talvez parte deles serão promovidos ou, ainda, outros serão responsabilizados. Quem sabe!
Sua Excia, enquanto a justiça não for feita, as nossas lágrimas e a força interna dos nossos choros continuarão a ecoar das nossas atormentadas almas. Algumas de nós serão coitadas para sempre e condenadas pelo linguajar jurídico que esmiuçou a diferença entre abuso e exploração sexual. Ai de nós!
Quid juris? Que a culpa não morra solteira…!