Era uma vez uma cidade que era conhecida pelas inúmeras Acácias, era uma cidade muito linda, com uma atmosfera e estrutura arquitetónica sem igual, combinação de mar, prédios, montes, vegetação fascinante, podia-se assistir um pôr do sol maravilhoso. A cidade tinha uma baía, o que fazia com que o seu encanto fosse bem mais interessante. O povo era muito hospitaleiro, vivia na base da entreajuda, na luta para o bem comum.
Os cidadãos dessa cidade viviam atrás da fórmula da felicidade, queriam todos ser felizes. Até que chegou um dia que concluíram que um dos maiores entraves à felicidade era a distância. Descobriram que o segredo era estar perto de tudo e de todos. E decidiram encurtar distâncias, mas como naquela cidade o transporte público não era suficiente e os carros eram caros, poucos conseguiam lograr o intento.
Até que acharam a terra do sol nascente, onde os carros eram mais acessíveis (pelo menos para uma média maioria) e de lá chegavam à cidade das acácias através de barcos. Daí, a outra média maioria começou a apreciar a vida dos que já conseguiam encurtar distâncias e começou também a importar carros da terra do Sol Nascente. E, parecia que a medida que os carros chegavam dessa terra distante, as acácias diminuíam, eram ceifadas e no seu lugar prédios altos eram erguidos, e ninguém se perguntava se fazia sentido deixar de ser cidade das Acácias e tornar-se na cidade dos Carros Importados e dos Prédios Altos.
Até que chegou uma altura onde todos tinham carros e estava na moda partilhar o life style, à moda da terra do tio Sam, havia um jornal digital à mão que pertencia e chegava a todos. Nesse jornal era importante mostrar que para além de importar carros, conseguia-se sair pelo menos todos os dias do fim-de-semana, consumir garrafas caras, andar em lugares maravilhosos, estar nos locais mais badalados da cidade... mesmo que não fosse, bastava que parecesse ser aos olhos dos leitores daquele jornal.
Por fim, veio um tempo onde todos já encurtavam distâncias, podiam estar nesses locais badalados, e ninguém perguntava nada, afinal já acreditavam que eram todos felizes. Todos tinham carros, tinham vidas e famílias maravilhosas, vestiam roupas de marca, viviam em bairros nobres, os filhos estudavam nas melhores escolas, independentemente da profissão e do nível de rendimento. E as mulheres dessa cidade! Como eram bem tratadas e mimadas, tinham direito de ter cabelos de tamanho longo, quanto mais longo, mais felizes elas diziam ser ou pelo menos pareciam. Tinham também direito de ter o dispositivo da felicidade, o celular mais caro, quanto mais caro e mais recente, melhor parceiro dizia-se que elas tinham porque nessa altura já não interessava ser casada, comprometida ou autossuficiente, mas ter uma relação que assegurasse esses direitos.
E ninguém perguntava porquê é que as acácias eram substituídas por todos esses luxos, nem como é que a cidade tinha conseguido que independentemente do nível social e do nível de rendimento do cidadão, todos conseguiam ter o mesmo padrão de vida, carros de luxo, garrafas caras... E aos poucos, a cidade tornava-se num lugar onde todos acreditavam ser felizes, descobriram formas de encurtar distâncias, substituir as acácias pelas coisas de luxo.
Eram felizes, mesmo que verdadeiramente não fossem, mas ao menos parecia aos olhos dos outros.
Por Glayds Gande
Para quem não acredita no provérbio segundo o qual a vida dá tantas voltas, eis aqui mais um exemplo, de tantos inacabáveis, das muitas voltas que, de facto, a vida dá. O que é de uma forma hoje, amanhã é outra totalmente diferente, senão, por ventura, o contrário. Verdade de hoje, não verdade ou mentira amanhã!
Vamos então. Em 1987, pelas mãos do então director administrativo da Escola de Jornalismo, o poeta Fernando Couto (pai de Mia Couto), e de Leite de Vasconcelos e Orlanda Mendes, na altura director-geral e directora de Informação da Rádio Moçambique, respectivamente, fui parar ao Sector dos Noticiários da nossa estação emissora mãe. A redacção central da Rádio Moçambique - o então coração de informação da estação emissora… hoje, já está desconcentrado, a partir de qualquer província, qualquer programa informativo é produzido e difundido. Na altura, tudo tinha que ir ao crivo da direcção central!
Entre as figuras de proa de informação da Rádio Moçambique que encontro na Secção dos Noticiários, dirigida por Tiago Viegas, estão noticiaristas colossos como Armindo Chunguane, Antonio Bernardo Cuna (ABC), Narciso Zandamela, Ramos Miguel, o Dava, a Amélia Muchanga, o Moisés Aide (já falecido, Deus o tenha) e… o Severino Sumbe! O Sumbe era o esteio do noticiário internacional da Rádio, era redactor e editor ao mesmo tempo daquele material informativo.
Nessas alturas, ao contrário de como é hoje em dia, as fontes das notícias internacionais eram… complicadas. Recebiam-se telexes a partir de certas agências noticiosas, Lusa, Reuter, Novost e Angop… e outras poucas mais que não me vêm à memória. Depois, havia uma secçãozinha de escutas de certas emissoras mundiais. Aqueles materiais todos, um grande maço de telexes e umas cassetes áudio iam parar às mãos e ouvidos do Severino Sumbe e ele procedia à selecção das notícias que achasse apropriadas e oportunas, depois editava e submetia ao chefe Tiago Viegas para ver e só depois disso é que iam para o ar.
Eu, jovem foca, recebia trabalho de todos ali na secção. Mas também do Tiago Viegas, Marcelino Alves e até da própria directora Orlanda Mendes; recebida directamente trabalho e nem tinha como reclamar; mas como um principiante reclamar? Havia ali turnos: o primeiro, das 6 horas até às 13; o segundo, das 13 às 19; e o último, das 19 horas até meia noite. Fazia-se escala rotativa, assim como dos respectivos chefes!
Depois de três meses, fui posto também já a fazer turnos. E um dos chefes de turno era Severino Sumbe!... para além do seu trabalho sobre o noticiário internacional, ela coordenava aquele turno em que estivesse, corrigia e editava os textos do turno. E assim tive no Sumbe meu chefe de turno com todas as prerrogativas.
Trabalhamos sem stress durante aqueles seis meses! Sumbe era um grande redactor! Homem muito disciplinado, muito rigoroso em tudo, mas não arrogante, nem ditador. Zeloso na pontuação, na linha, no parágrafo, no ponto. Texto conciso, curto, directo, exigências próprias do jornalismo radiofónico. Ele próprio, como pessoa, era uma pessoa rigorosa consigo próprio. Sempre a tempo e horas, aprumado e homem de poucas falas e quase não ria. Muito dedicado ao trabalho.
Por razões pessoais, não fiz carreira na Rádio Moçambique. Após fazer o curso médio de jornalismo, em 1988, não voltei à RM, rumei para a Sociedade Notícias, SARL. Entrei pelo jornal Notícias, mas logo fui chegar ao semanário Domingo, onde estive até Fevereiro de 2001.
E eis que o Severino Sumbe, passado algum tempo após o meu estabelecimento, se muda da Rádio Moçambique para o semanário Domingo! Pouco depois de ele chegar, há alterações e eu… fico subchefe da Redacção! Chefe de Severino Sumbe, portanto!... o mesmo que tinha sido meu chefe na RM!
Confesso que o Sumbe não se importou nada com isso. Trabalhou normalmente, com a sua seriedade, disciplina, rigor e entrega total. Era o primeiro a chegar à Redacção e muitas vezes a entregar o seu texto. E depois, quando passo a chefe de redacção, ele fica adjunto! Nunca em nenhum momento tive problemas com o Chefe Sumbe, como passámos a chamá-lo na saudosa Redacção do jornal Domingo! O rigor e disciplina dele facilitaram bastante o nosso trabalho. Muito colaborativo, nunca deixou nada, mas absolutamente nada por fazer. Muitas vezes até deixava o que estava a fazer para fazer o mais urgente, ou fazia as duas coisas! Mas sempre disponível.
Homem de poucas falas, como se disse, nunca se metia em fofocas. Pouco falava nem sobre a sua vida, nem sobre a vida de outros.
Foi um grande prazer trabalhar com o Severino Sumbe, aliás, com o Chefe Sumbe! Até sempre, mais velho.
Olá Pai Natal. Espero que estejas bem; espero igualmente que o peso da idade não te tire a boa disposição que lhe é característica. Nunca te vi pessoalmente, mas cresci a acreditar que existias e que eras um velho porreiro, de massa corporal robusta, barba branca e cumprida, e de vestes vermelho e branco. Reza a história que tradicionalmente andas na neve à trenó puxado por renas. Sei que vais premiando às meninas e meninos bem-comportados ao longo do ano.
Bom, Pai Natal, não quero me focar nas tuas características físicas, com tua nacionalidade, gostos clubísticos nem com as tuas preferências gastronómicas. Sei que no Natal és a figura que reúne consenso e que faz as maravilhas de muitas crianças pelo mundo.
Escrever-te esta cartinha foi um exercício que julguei acima de tudo de exercício de cidadania e, se for a anexar o meu Bilhete de Identidade irá notar que estou fora do grupo de eleição e não tenho idade para fazer parte da tua lista enorme de pedidos da mais diversa linha (desde playstations, bicicletas, brinquedos diversos, roupas e muito mais), mas mesmo assim escrevo na esperança de que a carta chegue a ti. E se não puder satisfazer aos pedidos, não se coiba de fazer chegar a mais pessoas que detenham poder de influenciar e quiça tenham vontade e bom coração porque escrevo com o coração em lágrimas.
Sou de Moçambique, um país localizado na zona sul do continente africano. Um país bonito, de gente muito hospitaleira e alegre, embora ultimamente a tristeza grassa grande parte dessa gente alegre. Um país substancialmente rico, mas praticamente empobrecido. Na sua vastidão costeira é banhado pelo Oceano Índico e tem ocorrência de acidentes geográficos esplendidos; tem praias paradisíacas, reservas e parques naturais de dar inveja a qualquer um que visitar – cá entre nós acho que o Pai Natal irá trocar a neve pelo calor tropical e passar uma temporada aqui quando nos visitar. Mas não me quero alongar a caracterizar o nosso país para não tornar a minha carta ainda mais longa. Se tiveres alguma dúvida podes consultar na internet porque sei que usas um telefone moderno com acesso a internet de última geração. E se persistirem as dúvidas ainda, veja no mapa mundo e notará que fazemos fronteira com a África do Sul – este país sobejamente conhecido pelo mundo, pelo melhor e pelo pior.
Pai Natal!!!
Decidi vestir a capa de mensageiro das crianças do meu país porque, infelizmente grande parte delas não sabe ler nem escrever e não pode expressar seus sentimentos, desejos e anseios; tampouco ouviram alguma vez falar desse velho barbudo que espalha presentes pelas crianças bem-comportadas. Aqui, a luta diária é pela sobrevivência numa autêntica e desenfreada maratona por água, comida e, se possível um pouco de paz. A necessidade primaria aqui no nosso país não são brinquedos, porque ninguém brinca tendo estomago vazio, com instabilidade e com incertezas quanto ao amanhã. Neste momento que escrevo esta carta, milhões de crianças em todo o país passam por privações das mais básicas. A única coisa que me apraz partilhar é que são crianças que transmitem muita paz mesmo vivendo na guerra; nutrem bastante amor mesmo que o ódio seja uma nuvem perene, e transpiram esperança mesmo que as os sonhos de um futuro risonho sejam de certo modo ofuscados pela incerteza do presente nublado.
A zona norte do país, concretamente na província de Cabo Delgado (por sinal a mais bafejadas pela descoberta de enormes quantidades de recursos minerais), a situação não é boa. Na verdade, é péssima pois a insurgência armada criou uma onda tremenda de deslocados e nessa onda temos milhares de crianças que correm risco de vida, risco de virarem crianças soldado e não viverem a sua infância na plenitude – infância esta que já era penosa antes deste horrível conflito. A insurgência Pai Natal, semeou luto, sofrimento, dor e muita tristeza nas famílias moçambicanas e deixou um rasto de destruição e devastação tremendo.
O nosso saudoso Presidente – O Marechal Samora Machel, dizia que “as crianças são as flores que nunca murcham”. Mas nesta carta carrego o pesar da dor e desespero do dia-a-dia vivido por estas crianças – sem comida, sem água, sem abrigo seguro e digno e ainda por cima longe dos seus familiares que sucumbiram ao sabor das malditas armas.
A insurgência mata um pouco de cada moçambicano a cada vida que se esfuma. Cada vida que se vai é menos um sonho, menos um sorriso e menos uma certeza. Por isso não peço nesta carta brinquedos; não peço fartura na mesa; não peço donativos nem ajuda externa disfarçada de eterna bondade. Peço que o Pai Natal coloque mais responsabilidade naqueles que governam e dirigem os destinos do país; Peço mais respeito pela dignidade humana e mais amor por estas flores para que efectivamente não murchem nunca. Mais saúde, mais educação, mais segurança e melhores condições de nutrição para todos do Ruvuma ao Maputo e do Zumbo ao Índico.
É meu, e nosso sonho ver o país livre da insurgência e trilhar por caminhos de paz, prosperidade, progresso e desenvolvimento e sei que estas crianças de hoje serão o futuro e a certeza do amanhã. Pai Natal, o meu pedido não precisa de embrulho e muito menos de meias na janela para fazer chegar. O meu pedido é o pedido de milhões de crianças, jovens, adultos e velhos de Quissanga, Nangade, Mecufi, Moeda, Palma, Macomia, Mocímboa da Praia, e muitos outros distritos.
A carta é para ti, mas tornarei a mesma pública para que mais pessoas possam ler e se vestir de Pai Natal não apenas na época Natalina, mas em todas a épocas do ano, porque Natal é todos os dias e acredito que todos podemos fazer o bem a todo instante e tornar a vida menos pesada.
Feliz Natal a todos!!!
Hélio Guiliche (Filósofo)
Nascemos e crescemos - eu e meu irmão mais velho, entretanto, infelizmente já não entre nós - num ambiente relativamente privilegiado, comparativamente, diferente do de uma criança normal na nossa zona, a Circunscrição de Mutxuquete. Se estou correcto (não sou familiar à terminologia colonial), a Circunscrição de Mutxuquete partia de Mutxuquete, berma direita da estrada Chongoene Xai-Xai- Chibuto, paragem a seguir a Jantigwe (Jantigue, na grafia portuguesa), até quase a Aldeia das Laranjeiras, já em Manjacaze. Éramos os filhos do professor Eugénio. Olhados e tratados com muita consideração e respeito. Só perdemos esses mimos todos quando saímos de casa do papá para continuar estudos noutras escolas; aí sim, é onde soubemos o que era a dura infância de uma criança nas zonas rurais.
Esse tratamento privilegiado decorria do estatuto do professor, no caso, o professor Eugénio. O professor, em geral, tinha um papel e estatuto sociais de muito prestígio e consideração. Estou a falar do período anterior à proclamação da independência nacional. O professor disputava de alguma forma autoridade com o régulo; ele era, naquela zona, uma espécie de representante do Padre/Missão, neste caso, da Missão de Malehice. Celebrava missas nos domingos em que o Padre não se fazia à escola, casamentos religiosos na zona, era convidado de honra em eventos, festas e outras cerimônias, incluindo nas de recepção dos madjonidjonis (aqueles nossos irmãos que trabalham nas minas sul-africanas)! Aliás, estes sempre traziam qualquer coisa para o senhor professor: cobertor, sobretudo/casacão, calçado, toalha, sabonetes… sempre tinham qualquer coisa para presentear ao professor, até aparelho de rádio. O professor tinha tratamento privilegiado nas cantinas, podia fazer vales, aliás, os cantineiros quase sempre obrigavam meu pai a fazer vales.
Como se tratou de um período de transição, do período antes para o período pós-independência, neste último, o professor foi perdendo o seu estatuto e papel social até onde estamos hoje. Respeito e consideração social foram-se esfumando sorrateiramente. Hoje, o professor é aquele que conhecemos… com uma imagem bastante degradada, fragilizada e menosprezada. É, hoje, na nossa sociedade, um zé qualquer! Tristemente.
Depois da proclamação da nossa independência, houve também valorização de outras classes. Houve degradação social de certas profissões, sim, como a de professor; mas houve outras que ficaram célebres! Ser ‘dirigente político', por exemplo, era algo diametralmente diferente do que é ser dirigente hoje. Um dirigente tinha muito prestígio, muita consideração… aquela mesmo de um professor no período anterior à independência; a sociedade respeitava-o. De um dirigente político tinha-se uma imagem e consideração bastante grande. Sempre apetecia ver um dirigente, seja administrador, director provincial, governador, director nacional, ministro, etc.
Talvez mais por causa da idade menor ou a diminuta formação e maturidade na altura, víamos no dirigente sempre e sempre uma pessoa especial, com qualidades fora do comum. Não era qualquer um que ascendia à posição de dirigente. Foi o momento em que a moral e ética pública eram valores supremos para se ser dirigente. Não bastava a militância, tinha que ter conduta exemplar. Dirigentes houve que foram descartados por aquilo que se chamava corrupção sexual, ou material, ou ainda por alcoolismo. Os valores morais desempenhavam um papel importante para a nomeação de alguém. Muito por causa disto, ser dirigente era algo apetecível, o dirigente granjeava respeito, consideração e prestígio. Ser dirigente animava…
Mas depois, a coisa deu tanta volta. Hoje… já não anima nada! Ser dirigente hoje… é um grande pesadelo. Pouquíssimos são aqueles que são dirigentes porque exemplos sociais verdadeiros, sérios e competentes, como no passado. São-no devido às suas costas que são… “quentes”! São sempre afilhados de alguém. Sua conduta social é bastante duvidosa, desconhecida e seu comportamento ético e moral muito problemático.
No passado, para um dirigente ser exonerado, havia razões concretas e eram publicamente apontadas. Hoje, tal como raramente se sabe porquê alguém é nomeado, é quase impossível saber-se porquê alguém é exonerado. Só se acorda não dirigente e prontos!
Ser chefe hoje já não anima!
Sábado passado, 4 de Dezembro, foi um dia muito especial para a nossa família. No Instituto Superior Politécnico de Gaza (ISPG), dois membros, no caso, sobrinhos, foram graduados após conquistarem o grau académico de licenciatura. Um, em engenharia hidráulica, agrícola e água rural; e a outra, menina, em contabilidade e auditoria. Alegria total, não é comum dois membros da mesma família serem graduados no mesmo dia! Aleluia!
A cerimónia teve lugar na localidade de Lionde, a cerca de 10 quilómetros da Vila Autárquica de Chókwè, e foi orientada pelo Secretário de Estado (SE) da Província de Gaza. Eu que sempre pensei que o ISPG ficasse dentro ou arredores de Chókwè… onde estudei e me formei como homem e comecei a minha carreira jornalística!
Decorreu das 9 horas até cerca das 12:30 horas. Foi bonita, muito bem organizada; discursos bem escritos, assertivos, comoventes. Distanciamento social… nem tanto! A intervenção do SE foi uma autêntica aula de sapiência não para os graduados ali presentes, mas para todos nós convidados. Fundamentalmente, desafiou os quadros que terminaram a formação para serem criativos, não ficarem à espera de emprego. Com as formações que tendes, engenharia agrícola, hidráulica, florestal, zootécnica, aquacultura, processamento de alimentos, economia agrária, agroecologia, contabilidade e auditoria e recursos humanos, vocês são uma potencial empresa. Associando-se, vocês constituem uma empresa e põem em prática todos os saberes que adquiriram aqui - apontou o Secretário de Estado. Recordou que Gaza é uma província com muito forte potencial agropecuário e que oportunidades de aplicação dos conhecimentos obtidos são muitas. Mas este não é o objecto desta crónica.
Para acompanhar os miúdos, sexta-feira, 3, cerca das 13 horas, lá nos fizemos (eu, minha esposa e filhos) a Xai-Xai, capital gazense onde habitam. O plano era pernoitar na capital provincial e, logo pela manhã de sábado, rumarmos ao antigo “celeiro da nação” para estarmos na cerimônia até uma hora antes. Assim pensado, assim executado. Às 5:20, lá nos pusemos na estrada. O local de onde partimos situa-se entre a cidade de Xai-Xai e a localidade de Chongoene, no meio entre os dois pontos.
Quando já na estrada e vendo que eu, que ia a conduzir, estava a tomar o sentido Xai-Xai-Macia, a menina interpela: “Tio, é melhor irmos via Chibuto!” Fiquei confuso, mas ela logo cuidou de clarificar. O troço Macia-Chókwè está péssimo… vamos levar muito tempo; ou vamos vias Xai-Xai-3 de Fevereiro-Chilembene-Lionde… ou Chibuto-Guijá-Chókwè… - explicou ela, enquanto eu paralisara o carro e afastara-o para a berma, à espera da direcção a tomar.
E a decisão foi ali rapidamente tomada: seguiríamos via Chibuto. Fariamos Xai-Xai/Chongoene-Chibuto-Guijá, depois para Chókwè. Em termos de distâncias concretas em quilômetros, iríamos fazer cerca de 140 quilômetros, contra os cerca de 112 que faríamos se saíssemos directamente de Xai-Xai para Lionde… Afinal nem é Chókwè, como o disse, o Instituto Superior Politecnico de Gaza não se localiza na vila de Chókwè, mas em Lionde, a cerca de dez quilômetros. Ou seja, mais uns 30 quilômetros a ida e outros tantos ao regresso… tudo para contornar um troço de cerca de 60 quilómetros, que custam justamente 60 milhões de dólares para reabilitar!...
Então, lá nos fizemos nós à estrada. De facto, o percurso está em boas condições. Xai-Xai até Chibuto, boa estrada, anda-se muito bem; de Chibuto a Guijá e depois Chókwè, também boa estrada! Agora, de Chókwè a Lionde, cerca de 10 quilômetros, como ficou dito, a estrada não está em condições e vai piorando até Macia… justamente o troço que pretendíamos evitar.
Lá fomos nós à nossa cerimónia de graduação, que, como referido, correu muito bem apesar do muito calor de 37 graus centígrados que se fazia sentir! Às 12:20, já estava a terminar e, depois de algumas fotografias, pegamos a estrada de regresso a Xai-Xai. Ainda deu para passar ver o novíssimo aeroporto!
Chegado ali, não houve o mais pequeno obstáculo; foi-nos permitido ver e fotografar! É uma obra. Perguntámos à funcionária aeroportuária que saiu da cancela para nos atender sobre o plano de voos… só sorriu!
A semana passada teve o condão de os moçambicanos e o mundo em geral verem uma ilustre personalidade sentada no banco dos réus… ainda que não como réu propriamente, mas como declarante - o que, aos olhos do zé-povinho, é igual! De facto, em termos semânticos, a diferença é igual: em ambas as circunstâncias, trata-se de julgamento; tanto aquele que se senta no banco como réu, como o que se senta como declarante, ambos são impiedosamente interrogados pelo mesmo juiz na busca do esclarecimento da verdade material sobre determinada ilegalidade.
Assim, podemos murmurar que vimos, sim, um gigante sentado no banco dos réus!
Recuando no tempo, temos é memória de Sebastião Mabote e Manuel Antônio sentarem no banco dos réus, acusados de tentativa de golpe de estado; Almerino Manhenje, acusado de uso à margem das leis dos fundos do erário público; mais adiante, recentemente, tivemos o ex-ministro Paulo Zucula. Esperamos proximamente ver… a ex-ministra do Trabalho. É pouca coisa para 46 anos de independência de uma nação. Muito insignificante para tamanhos desmandos, violações, barbaridades, ilegalidades, desacatos, actos de corrupção, e outros nomes que tais. Se efectivamente fôssemos por um estado em que governa a lei e quem age à sua margem é rigorosamente responsabilizado, muitas ilustres personalidades já teriam passado pelo banco dos réus, seja como réus de facto, mas também como declarantes ou testemunhas.
Mas tudo bem. Esta semana, tivemos o ilustre ex-governador do nosso banco central. De todo o seu exercício de passear a sua classe, eloquência, magistralidade, academice, solenidade - tudo temperado com aquele seu adocicado sotaque bitonga -, ficou que o Banco de Moçambique autorizou as dívidas odiosas em nome da soberania, em nome de garantir a sobrevivência do estado moçambicano. Este é o entendimento geral das declarações do ex-boss da autoridade financeira suprema, largamente reflectida, ou vertida (segundo os juristas), em muitas páginas de jornais.
Colocação problemática esta que o juiz não deixou passar. Retorquiu ele que "então para vocês a soberania precede a lei?” (citação de memória), ao que o nobre declarante redarguiu que “estava em causa a existência, segurança e sobrevivência do estado; não queríamos estar numa situação de não aprovar as garantias e acordarmos amanhã sem o estado moçambicano…" (também citação de memória).
Viajemos juntos com o Gove, afinal ele não nos está a viajar? Então a lei moçambicana, qualquer que seja ela, área, sector ou natureza, não tem em conta a soberania nacional? É concebível, racional, que uma lei moçambicana, ainda que seja sobre o aborto, por exemplo, nao tenha como mote a salvaguarda dos interesses do nosso estado, a nossa soberania? Particularmente, as nossas leis financeiras não destacam a questão da soberania? Não visam preservar e defender a soberania do nosso estado? Uma coisa serão as nossas leis financeiras e outra serão as outras leis que visariam preservar a soberania e a existência do estado? É isso? Há essa destrinça? De que falamos, afinal, quando sempre evocamos interesse nacional? As nossas leis não são pelo interesse e instituto nacionais?
Se é isso, então cabe entender que o proponente das tais leis financeiras não é moçambicano, muito menos patriota; ou que o legislador que delas se apropriou e emanou não é moçambicano! Será racional entender que o Banco de Moçambique possa propor uma lei que não tenha em mente a soberania nacional? O interesse nacional? Que a Assembleia da República emane uma lei que não salvaguarde a soberania nacional? Que o chefe de estado promulgue uma lei que não salvaguarde a soberania nacional? É isto que Ernesto Gove quis que enxerguemos?
Mas mais, soberania, afinal, o que é? Não é tudo o que é nossa pertença, incluindo as leis que regram sobre o nosso estado? Então, que lei financeira é essa que não previu questões inerentes à defesa da nossa soberania?
Depois, quem é que proclama que a soberania do estado está em perigo? Quem e aonde? Estando em perigo, como gritam os réus - e Ernesto Gove também fez coro -, a soberania do estado, não é o chefe desse estado que, em fórum próprio, alerta, proclama e indica as medidas que devem ser tomadas e por quem para se fazer face a esse perigo de estado? É alguém andar de gabinete em gabinete com papéis na mão a recolher assinaturas, coagindo, ameaçando e intimidando?
Mas esta já não é responsabilidade apenas do Gove, é do chefe do governo! Este devia, depois de se aperceber, informar-se devidamente e recolher e consolidar as ideias sobre uma eventual ameaça à soberania do estado, convocar os órgãos próprios, incluindo o governo do Banco de Moçambique, e lhes instruir sobre o que devem ou não devem fazer, as medidas a tomar para salvaguardar a soberania.
Isto é que devia ser. Mas, entendemos, Gove quis safar a sua pele! Vamos ouvir o que a bateria de ministros que vem aí vai dizer-nos. Esperamos que não nos façam de matrecos, como o ex-governador nos fez!