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Mantchiyani S. Machel

Mantchiyani S. Machel

terça-feira, 21 maio 2024 08:16

"Same, Same… O Mesmo mas Diferente"

 

 

O termo "same same but different" é frequentemente utilizado de uma forma anedótica ou lúdica na compra de bens na Ásia, especialmente nos mercados informais ou paralelos, onde uma variedade de itens são diferentes, mas têm subtis similaridades. Essa frase adiciona charme e humor à experiência de compra, reconhecendo as semelhanças enquanto enfatiza a singularidade de cada item vendido. No nosso contexto, à medida que iniciamos uma nova jornada com os novos candidatos, destacando entusiasticamente seus estilos diferentes e comparando-os ao incumbente, as esperanças da nossa nação se renovam no candidato que vencer as eleições.

 

Esse ciclo político assemelha-se ao conceito de ouroboros (serpente que come a sua própria cauda num círculo que representa um retorno ou a evolução) ilustra o complexo jogo entre mudança e continuidade em transições políticas. Ele reconhece a natureza transformadora das mudanças de liderança enquanto considera aspectos duradouros da governação que transcendem líderes individuais ou administrações. O símbolo convida à reflexão sobre a natureza cíclica da política e a busca perpétua por renovação e evolução dentro do cenário político.

 

No entanto, no nosso actual cenário político, o status quo existente e a estrutura de governação de concentração de poder nas mãos de poucos indivíduos, cria uma situação onde as eleições resultam num  vencedor que leva tudo, como amplamente reconhecido. Isso leva-nos a indagar se estamos diante de um novo amanhecer ou a testemunhar mais uma vez variações que nos sãos familiares. Até que ponto um indivíduo pode mudar um sistema? Devemos navegar por essa complexidade com clareza ou desconstruir estas questões.

 

Este período de grande descontentamento é sentido em diversos sectores da nossa nação, desde trabalhadores civis (médicos, enfermeiros, polícias, professores, militares, etc.) até juízes e desempregados. Existe um sentimento de desespero e urgência no ar, como se a paciência estivesse prestes a atingir o limite. Será que teremos o mesmo de sempre na nova governação, daí o "same, same" no título deste artigo, ou pode uma mudança radical ocorrer simplesmente mudando a liderança principal enquanto continuamos com todos os outros elementos?

 

Se o partido político actualmente no poder permanecer, deve reflectir, e já vai atrasado dez a quinze anos, sobre a sustentabilidade de um resultado em que o vencedor leva tudo. Perder o poder pode levar à transferência de todas as cartas para a oposição. Que garantias o partido terá contra injustiças cometidas contra eles no meio de um ressentimento de anos que vem fervilhando com o sabor de uma revolta popular? E principalmente porque a forma de estar, os standards, já estão estabelecidos.

 

No meu texto de 2016 "O Plano B" indago, caso a oposição chegue ao poder, se serão os polícias corruptos que continuaram a proteger, o judiciário comprometido que mudou de lealdade, ou a constituição que é emendada a cada ciclo?  Como se garante uma transição pacífica nos correntes termos? O partido no poder deve criar condições para estar também na oposição de forma confortável. De modo a não criar dificuldades que possam um dia se virar contra ele. Para que a lei seja a sua protecção e a protecção de todos.

 

É também premente abordar as questões que estão no cerne do descontentamento social em diversos sectores da sociedade que sinalizam uma necessidade urgente de mudanças significativas. Talvez o principal dilema seja o próprio partido que ninguém sabe se é peixe ou carne e que parece não ir para além de uma agenda que garanta resultados eleitorais.  Aquilo que muita gente já coloca como falência ideológica do partido. Num mundo em que os países e os partidos estão cada vez mais nacionalistas, e pro-dependência interna. Nós estamos cada fez mais dependentes de fora e menos nacionalistas. É difícil identificar, a essência do pensamento político do dia. Igualmente, devido a esse vácuo e para quem está de fora, parece que o partido tem cada fez menos aliados ideológicos nem mesmo os que representavam um casamento entre ideologia e história. 

 

Neste aspeto, até a Renamo tem o seu campo político mais nítido ao identificar-se como um partido de centro-direita e assim expande as suas amizades.  O novo fenômeno que se sente por fora são as crescentes alianças de indivíduos com outros indivíduos/estados/partidos em vez de se desenvolver esses laços como organização. Talvez seja porque nem os outros partidos estrangeiros estão a reconhecer a abordagem ideológica do partido no poder.

 

A nossa democracia se resume apenas ao período eleitoral, seguido por uma continuação da anormal normalidade caracterizada por mecanismos insuficientes para responsabilizar os líderes, levando à corrupção, abuso do poder e desrespeito à lei. De que forma o parlamento exerce o seu papel fiscalizador e de defesa dos interesses do povo, quando a disciplina partidária é a componente fundamental da governação?    

 

As pessoas podem tolerar tendências autoritárias se as questões essenciais forem resolvidas (por exemplo, na China), considerando a estabilidade e uma refeição na mesa como o preço para ceder liberdades. No entanto, o problema fundamental que enfrentamos é que temos menos liberdade e com ganhos econômicos marginais. O Estado não cumpre com o seu contrato social, criando assim pontos de pressão e de descontentamento.  Existe toda uma geração que de forma crescente se vem posicionando em lugares chaves que não são tolerantes com o "same same." Assim, é essencial aprender com as últimas eleições autárquicas e as posições dos juízes, dos funcionários públicos que já não têm o mesmo nível de compromisso do pós-independência, indicando uma mudança colossal nas expectativas.

 

Os desafios e oportunidades de nosso tempo são indiscutivelmente distintos, mas ressoam com aspirações e ansiedades humanas antigas, pontuadas por necessidades urgentes. Por outro lado, parece haver um novo sonho entre os jovens qualificados, que não mais aspiram a um futuro no país, mas buscam aliviar sua situação mudando-se para outros horizontes.

 

Quem quer que vença terá de reconstruir o sentimento patriótico e um ponto de partida seria iniciar um processo de mudança efectiva do sistema. Eventualmente as pessoas, os membros se ajustarão.

 

Minha esperança é que se estabeleça um mandato para reconstruir a confiança, abordar questões estruturais e atender às necessidades essenciais da nossa sociedade. Tirar ilações que orientem o caminho a seguir, enfatizando a responsabilidade, responsividade e um compromisso genuíno com o bem-estar de todos os cidadãos.