Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI

Blog

sexta-feira, 29 setembro 2023 06:43

Salteadores do sepulcro

I

 

John Mac Gavin, director da mina de ouro de “Stanford Mine” na periferia de Joanesburgo estava transtornado com os resultados de produção dos últimos meses que não justificavam os investimentos por ele solicitados aos  em Londres e na cidade de Luxemburgo.

 

A mina já existia há mais de vinte anos e grande parte dos mineiros eram provenientes do país vizinho, Moçambique.

 

Desesperado, o director decidiu marcar uma reunião com os mineiros para explicar a grave situação que enfrentavam e que corriam riscos de perderem os seus empregos.

 

Carlos Mulungo, um experimentado mineiro moçambicano, trabalhava na Stanford Mine há mais de dez anos, saiu da sua terra natal, Manhiça, no sul de Moçambique na companhia de seu amigo de infância António Cossa para o eldorado em busca de melhores condições para si e suas famílias, aliás ele, era a quinta geração de mineiros da família.

 

António perdera a vida num incidente no interior da mina, não resistiu aos ferimentos causados pela queda de uma rocha na sua cabeça, o seu corpo foi transladado para sua terra natal, passaram-se seis meses desde do fatal incidente.

 

No final da tarde de uma sexta-feira decorreu uma reunião no pátio do escritório, estavam todos apreensivos sobre a decisão que a direcção tomaria, pois era sabido pelos mineiros que muitas minas que não geravam lucros acabam encerradas.

 

Estavam todos capturados pela fala do director, que se lamentava pelo rumo que a mina tomava, que certamente acabaria no descalabro.

 

Mas ele tinha interesse em salvaguardar o interesse de todos, dele inclusive, por isso pediu maior empenho na prospecção.

 

- Sei qual é o problema que acontece na mina. – manifestou inesperadamente Carlos.

 

Uma estupefectação colectiva apreendeu a atenção de todos, olharam-se num misto de admiração e desconfiança.

 

O pretenso salvador levantou-se, suspirou e pausadamente iniciou a sua fala:

 

- Temos que levar o espírito de António para casa, – afirmou convicto – Ele tem que voltar para a terra. – reafirmou sereno.

 

Depois de sua firme afirmação, um silêncio envolvente habitou o local, durou o tempo suficiente para a memória do falecido revisitar a mente dos presentes.

 

Mac Gavin largou um sorriso sarcástico influenciado pela erudição que herdara dos ensinamentos dos seus anos na Universidade de Oxford.

 

A visão místico-espiritual do mineiro não se compactuava com a sua percepção intelectual.

 

- Não me deixo corromper por atitudes pagãs. – afirmou o director seguro de si.

 

Formaram-se pequenas assembleias onde se debatia a proposta de Carlos para solucionar o problema que enfrentavam.

 

John Mac Gavin não tinha uma contraproposta convincente, por isso decidiu por um sufrágio para acalentar o mal-estar que se tinha gerado. O resultado do sufrágio foi apoio para execução do ritual para levar o espírito de António para sua terra natal.

 

24h após a realização  da votação e aceitação dos resultados, um mineiro da ala leste descobriu um filão de ouro.

 

O cepticismo do director foi suplantado pelo poder dos deuses.

 

Agora Carlos tinha por missão dar continuidade a cerimónia, precisava terminar o ritual na terra do falecido.

 

Todas as condições para efectuar a viagem foram criadas e ele partiu. No dia seguinte, chegou a Manhiça, não demorou, procurou os familiares do falecido para  efectuar-se a cerimónia de entrega do espírito.

 

Depois do intróito de apresentação dos espíritos dos antepassados da família do falecido, iniciaram o ritual com o “nyanga” a dirigir as cerimónias.

 

Inadvertidamente pelas cordas vocais do nyanga” fez-se ouvir:

 

- Obrigado por me trazeres a casa – afirmou António pelas cordas vocais do “nyanga”, mas ao som da sua voz.

 

Os desavisados alarmaram-se pelo “Kufemba” exercida pelo “nyanga”, o próprio curandeiro há muito que não era visitado por esse poder.

 

O possesso ainda confessou uma última vontade do espírito e depois cessou a sua mediunidade.

 

II

 

Dois petizes, Mário o mais velho e Benedito órfãos de pais haviam abandonado a escola para se dedicar ao serviço de tratadores de campa, para que com os ganhos adquiridos ajudarem as suas mães e irmãos.

 

Honravam contratos verbais que tinham com os seus clientes de cuidar de campas dos familiares e amigos destes.

 

Um recente túmulo devidamente ornamentado que desconheciam os seus representantes chamou-lhes atenção.

 

Um reflexo luminoso advindo de um dos objectos que ficavam na sepultura chamou atenção de Mário, movido pela curiosidade convocou o companheiro para darem uma vista de olhos.

 

O que descobriram encheu os seus quatro olhos e aguçou-lhes a ganância, retiraram os 1000 rands que estavam depositados numa chávena, Mário como o mais velho, por ter descoberto ficou com a maior fasquia e o restante para o colega.

 

Empolgados com a sua aquisição rumaram apressadamente para a loja do “monhé” na sede da vila da Manhiça para procederem o câmbio para a moeda nacional. Ali mesmo fizeram as primeiras compras, arroz, açúcar, sabão entre outros produtos.

 

Cada um foi recebido nas suas casas como benfeitor, Mário foi quem mais compras fez, e na noite desse mesmo dia preparou-se um banquete.

 

Mário apareceu para o festim junto da sua família todo bem aprumado, usava tudo novo, uma camisa colorida, calças de caqui e sapatilhas que havia comprado na loja mais concorrida da vila.

 

O frenesim inicial extinguiu-se quando o patrocinador da banga se retirou para o seu quarto movido pelo embriaguez e cansaço. Logo que se descalçou atirou-se para a cama, não demorou para começar a ressonar, sua mãe e irmão ainda riram quando o ouviram.

 

Cântico dos xiricos que debicavam restos de comida do festim da noite passada, anunciavam  a manhã que acabava de nascer.

 

Quando os raios solares adentravam pela janela, dona Ana, mãe de Mário, a muito custo despertou, saiu para varrer o quintal, os xiricos agora, num número considerável cantavam e debicavam a comida.

 

Fez-se silêncio, os pássaros  calaram-se, o som do vento leve que sacudia a ramagem das árvores também cessou, instantes depois o mesmo gemido sofrido voltou a fazer-se ouvir.

 

O instinto materno de dona Ana fez com que ela corresse para o quarto de seu filho Mário, encontrou o corpo desmedido ocupando toda a extensão da cama, as roupas romperam-se, banhas de carne extravasavam a borda da cama. O corpo franzino estava completamente inchado.

 

Ela soltou um grito, depois lágrimas banharam-lhe o rosto, soluçava enquanto chorava. De repente pela boca do moribundo saiam larvas, não se aguentou, vomitou, vomitou incessantemente.

 

O filho mais novo ouviu os gritos da mãe e correu para acudir, quando deparou com os factos pôs-se logo a vomitar.

 

O inchaço de Mário incrementava-se rapidamente enquanto sua mãe e irmão continuavam a vomitar enchendo o chão de uma amalgama malcheiroso. 

 

Pum, um estrondo fez-se ouvir, a barriga do moribundo abriu-se e as entranhas ficaram expostas, os intestinos mergulharam no vómito.

 

Dona Ana e o filho empreenderam uma correria desenfreada pelas ruas da vila, ora gritavam ora choravam. 

 

A loja do “monhé” foi fustigada por uma praga de ratos e quase todos os produtos ficaram contaminados, sem dinheiro para um novo investimento acabou arruinado.

 

Benedito o comparsa de Mário amalucou.

 

Os residentes da vila e arredores sussurravam sobre o acontecimento e temiam despertar a ira do espírito de António.

 

A vila ficou submersa num temor colectivo, as manhãs dominicais não eram mais preenchidas pelas visitas ao cemitério, os vivos coibiram-se de tal missão. Os mortos sentiram-se mais abandonados.

 

Os funerais eram realizados sob os auspícios de um curandeiro destacado para esse fim.

quinta-feira, 28 setembro 2023 08:56

Cadeira 38, Saravá!

Há dias, e poucos, estive numa casa de pasto para um encontro com o Marutissa, meu primo. Fui o primeiro a chegar. A ele, que vinha a caminho, respondi de que estava na “cadeira 38”. “Ok” foi a resposta. 

 

Este sábado, 23 de Setembro de 2023, ainda pela manhã, recebo uma chamada da empresa de transporte que me informa o cancelamento da reserva da cadeira 38, sugerindo como alternativas a 36 ou a 40, caso quisesse ficar em lugar próximo. Optei pela cadeira 40. O telefonema termina com a informação de que eu seria “logo logo” contactado para alguns detalhes que ainda careciam de confirmação.

 

Por conta do fim-de-semana longo programara que o passaria na terra natal, Inhambane. Enquanto esperava pelo retorno da chamada veio-me à memória de que era a primeira vez, em 22 anos, que não viajaria na cadeira 38. À boleia da lembrança, também a da razão do hábito de viajar na cadeira 38.

 

“Lamentamos informar de que a partida do autocarro foi reprogramada para o próximo dia 26 de Setembro pelas 11H30”. O prometido telefonema que me comunicava a amarga notícia, acrescentando que me assegurava que era a única alteração. Resumindo: não viajaria na cadeira 38.  

 

Porque a ida à “Terra da Boa Gente” era mais do que passar um fim-de-semana longo, prontamente anui. Na verdade a mente já havia iniciado uma outra viajem, a da lembrança da razão de sempre viajar na cadeira 38.   

 

Natal de 1969. Dois irmãos viajam de Inhambane à então Lourenço Marques, hoje Maputo, ou no trajecto inverso. O mais velho (Lázaro) ia sentado na cadeira 37. O mais novo (Abel) ia ao lado do motorista. O mais velho, uma hora depois da partida, e de forma insistente, sinalizava com o indicador para que o mais novo chegasse a ele.

 

“O que será que o mano Lázaro quer?”. Interrogava-se o mais novo à medida das chamadas. A insistência fora tal que acabou por aproximar. “Sempre que viajares de autocarro sente na cadeira 37 ou 38. É mais seguro em caso de acidente ou de qualquer emergência”.

 

Soube desta recomendação nas exéquias fúnebres de quem ia sentado na cadeira 37. Desde então, passam 22 anos, que estar numa “Cadeira 38” é o mesmo que dizer que estou bem instalado, em lugar seguro e que se recomenda. Daí o “OK” do primo Marutissa, por sinal o caçula de quem era recomendado a escolher o lugar seguro para viajar.

 

Esta terça-feira, dia 26 de Setembro, chego a terminal na hora prevista. Não era o ambiente normal de uma terminal de transportes e estava com áurea de proximidade e aconchego. Nos semblantes dos presentes, embora não se vislumbrassem sinais de que fossem viajar, a sensação de que viajavam e a de celebração da despedia de alguém que partia pela primeira vez para o estrangeiro. 

 

Perto das 09H00 entro no autocarro carregado de curiosidade sobre quem estaria sentado na cadeira 38. A “térrea-moça” confere o assento no meu bilhete e a caminho da cadeira 40, na 37 estava o seu eterno ocupante. Estranhamente que desta vez não disse “Tenha a bondade”, enquanto indica a cadeira 38. A razão: na cadeira 38 já estava ocupada pelo seu companheiro de viajem do natal de 69: o seu irmão Abel.  

 

“Estimados, a vossa atenção. Vamos iniciar a viajem e o ponto de partida será o regresso ao passado com a duração de 99 anos, prevendo que a chegada seja no dia 16 de Setembro de 1924”. Era a “térrea-moça” que em seguida pediu que se fizesse silêncio.

 

No silêncio da viajem ao passado foram passados em revista, na forma e no conteúdo, a nobreza das 99 primaveras do ocupante da cadeira 38, Abel Lopes Menete.

 

Dia 16 de Setembro de 1924. Chegada a Jangamo, Inhambane, marcada pela alegria contagiante do regresso de quem deixara a terra natal, 15 anos depois do seu nascimento, rumo a então Lourenço Marques, a terra prometida.

 

10H30. A “térrea-moça” anuncia a partida e de que se farão duas paragens antes do destino. A primeira no Bairro 700, a saudosa morada térrea do ocupante da cadeira 38, e a segunda no cemitério da Texlom. E daqui a decolagem da viagem final até ao reino dos céus. E assim aconteceu por volta do meio-dia.   

 

Por algum motivo fiquei em terra na primeira paragem. Esta madrugada de chuva, e que abençoara a viajem, soube dela de que a viagem correra bem e que o ocupante da cadeira 38 fora recebido com uma honrosa e estrondosa salva de palmas durante 38 segundos. No final, a saudação: Cadeira 38, Saravá!

 

Em jeito de homenagem a Abel Lopes Menete (16/09/1924 – 23/09/2023)

 

quinta-feira, 28 setembro 2023 08:52

Devú: o último lobo

Já dissemos isso mais do que uma vez, na tentativa de não perder de vista a história de uma cidade que se tornou incapaz de preservar os ritos, e os mitos. É isso mesmo: Inhambane está caminhando de degeneração em degeneração em vários ângulos da sua existência, até o silêncio está sob ameaça, com os decibéis a triunfarem em todo o lado sem que as autoridades actuem. Mas, mesmo com essas dores todas, e ainda perante o êxodo e  os fragmentos, há aqueles que permanecem para serem eles a fechar a porta. Um deles é o Devú.

 

Devú parece ser o último símbolo da comunidade hindú na cidade de Inhambane. Hevendo outros, provavelmente terão menor expressão numa situação em que quase todas as lojas destes asiáticos, ou descendentes deles, estão fechadas, sem qualquer sinal de que haverá reabertura das mesmas nos próximos tempos. Muitos indianos daqui zarparam em busca de outros ventos, se calhar porque a sorte lhes virou as costas numa terra omde tinham o domínio total do comércio. Ficavam à porta e o dinheiro ia lá ter.

 

Agora o negócio tem outras mãos e outros donos, de entre eles muitos moçambicanos que constroem lojas e bancas nos bairros residenciais, facilitando as deslocações dos consumidores à cidade. Os próprios alfaiates indianos, que eram a maior recomendação –quase única – levantaram as âncoras e içaram as velas antes que o vento parasse em definitivo de soprar.

 

Mas Devú ficou, como um marinheiro abandonado num barco ora robusto, porém agora navega na costa sem capacidade de ir ao ao alto mar, o casco está por demais fragilizado. Ele também tem as mãos comprometidas, tremem ao se lembrar que os remos caíram na água, matando completamente o sonho de alcançar algum porto próximo ou distante.

 

Seja como for, Devú não deixa de ser uma pessoa amável. Mantem o abraço afável aos seus trabalhadores que estão alí, na loja, por detrás do balcão, com muito pouco para vender, quase nada. Já não é a loja comercial que move um homem que se tornou personagem pelas suas características peculiares, mas a história que essa loja emana. Abandoná-la seria igual a abandonar-se a si próprio  e desvalorizar tudo o que os seus pais fizerm. É por isso que se mantém à espera de um comboio que ele sabe muito bem que não vai chegar.

 

Parece - quando espreita pela porta cá para fora onde os jovens passam ignorando-o –conformado com a negligência da memória de todos nós. E alí mesmo em frente à sua loja, tem a casa de Tsungu Thsoni, e os jovens nem sequer conhecem esse nome, nunca ouviram falar de Tsungu Thsoni, nem de Devú, e Devú faz parte da nossa história, mesmo que ele não reivindique nada.

 

E assim a nossa cidade vai-se diluindo na perca de elementos do passado, que serão importantes para escrever sobre os acontecimentos da cidade. Então os nossos livros, sem as páginas como Devú, podem não estar completos. Ou seja, o arco-íris só é arco-iris com todas as cores. 

terça-feira, 26 setembro 2023 17:06

Beira: 20 anos depois e sem Daviz! Como será?

“Fico com a percepção de que a Frelimo, através da cabeça-de-lista, Stela Pinto, poderá recuperar a cidade da Beira, 20 anos depois. Recorde que Albano Carige não foi o eleito dos munícipes da Beira em 2018 e o meu amigo Carvalho, cabeça-de-lista da Renamo nestas eleições, há menos de dois anos, era do MDM. Isto, na minha opinião, poderá criar muitos indecisos que preferirão endossar o seu voto à Frelimo, para além de que este partido, pelo seu estado de homogeneidade, manterá o seu tradicional eleitorado. Relativamente a Nampula, tenho sérias dúvidas do sucesso do MDM, pois a Frelimo, os amigos de Amurane e Vahanle me parecem em “pedra e cal”.

 

Em Quelimane, tanto a Frelimo quanto o MDM me parece fazerem pouco para ganharem aquela Autarquia e Manuel de Araújo poderá, na minha opinião, manter-se, tal como se manteve Daviz na Beira. São apenas reflexões e, caso levem a peito e trabalharem sobre os pontos fracos e evidenciar os fortes, naturalmente, a tendência poderá mudar”.

 

AB

 

A campanha eleitoral, rumo às VI eleições autárquicas de 11 de Outubro de 2023, teve início às 0:00 horas de hoje, 26 de Setembro de 2023, um dia depois da comemoração do dia das Forças de Defesa de Moçambique, simbolizando o início da Luta Armada de Libertação de Moçambique. Diria mesmo que, para os partidos políticos, a data veio a calhar, pois, tiveram à disposição os seus quadros para os trabalhos preparatórios.

 

Segundo escreve o Jornal electrónico “Carta de Moçambique”, tudo indica que o epicentro da campanha será a cidade da Beira, Província de Sofala, com os principais líderes políticos a usar aquele palco para a abertura de campanha eleitoral, o que torna a cidade da Beira um espaço privilegiado para a análise política. Se estamos recordados, a cidade da Beira está nas mãos da oposição há, sensivelmente, 20 anos, primeiro com a Renamo através do Edil Daviz Simango que, na altura, derrotou Lourenço Bulha, da Frelimo.

 

No pleito seguinte, voltou a ganhar o candidato Daviz Simango, afastando, pela Frelimo, Jaime Neto, desta vez, pelo Partido MDM, resultante da cisão com o partido Renamo. Recorde-se que nesse ano Daviz Simango derrotou, de forma copiosa, a Renamo, cujo candidato foi o homem das cancelas no Save. Lembram-se dele? Em 2018, Daviz Simango voltou a carimbar mais uma vitória e, pela Frelimo, concorreu Domingas Maita, uma senhora que, em pouco tempo, se popularizou naquela Urbe. Infelizmente, não é concorrente de 2023, pois a Frelimo optou por outra mulher, Stela Pinto Novo, diga-se, bem conhecida na cidade da Beira.

 

Albano Carige, actual Edil da Beira, o é fruto da nova modalidade de eleições, através do cabeça-de-lista, porque o titular, Daviz Simango, perdeu a vida em Fevereiro de 2021, pelo que subiu a pessoa imediatamente a seguir. Contudo, parece-me um candidato a levar a sério, mas não haja dúvida que os motivos que levaram à eleição de Daviz na Beira não cobrem Albano Carige, a saber, Daviz é filho de um líder de primeira fila na Frelimo, Uria Simango, foi negado por Afonso Dhlakama, numa altura em que a sua popularidade era muito alta e, por conseguinte, a Renamo perdeu a cidade da Beira.

 

No caso da Beira, com a devida ressalva, comparo com a saída de Pio Matos de Quelimane que, depois disso, a Frelimo nunca mais ganhou a Cidade e, curiosamente, o actual Edil de Quelimane tanto esteve no MDM como na Renamo, permanecendo, neste momento, na Renamo. É por este partido que governa aquela cidade, mas Beira tem a particularidade de ser considerada a segunda cidade de Moçambique, com um corredor importante para os países do interior que não possuem costa, dois dados interessantes que tornam a Beira epicentro político nas eleições de 11 de Outubro.

 

A Frelimo pode recuperar a cidade da Beira nas VI eleições Autárquicas!

 

O partido Frelimo pode recuperar a cidade da Beira, nas VI eleições Autárquicas e digo os porquês deste raciocínio: Primeiro, é preciso notar que estas eleições se realizam sem o filho querido daquela Urbe, o saudoso Daviz Simango. Albano Carige não é Simango e tão pouco se pode considerar carismático, tanto quanto foi o seu antecessor, por isso é uma oportunidade política para a Frelimo “Assaltar” a Cidade da Beira. Segundo, o candidato do partido Renamo, como cabeça-de-lista, é co-fundador do MDM e eu diria mesmo que é fundador do MDM em termos morais e, por razões não muito claras, abandonou o MDM retornando para a Renamo. Este partido recebe-o e coloca-o como cabeça-de-lista para estas eleições. Ora, isto pode dividir opiniões, do ponto de vista dos munícipes.

 

Esta divisão de opiniões tenderá a colocar a Renamo e o MDM numa posição de partilha de eleitores, em que a Frelimo tenderá a manter o seu eleitorado tradicional, irá captar novos eleitores e beneficiar-se-á dos indecisos entre a Renamo e MDM. Bom, isto não é trigo limpo, pois, a Frelimo vai ter de suar muito para conseguir a vitória, mas é possível e trata-se de uma oportunidade rara que a Frelimo tem para reconquistar aquela cidade.

 

Relativamente à cidade de Nampula, parece-me que os correligionários de Amurane estão a sentir-se cada vez mais órfãos do seu patrono e, nas condições em que a Frelimo realizou as suas internas, com a renúncia do actual Governador de Nampula, Manuel Rodrigues, parece-me difícil para a Frelimo ganhar a cidade. Acredito que o fenómeno Lil Wayne poderá ajudar, mas não o suficiente para lograr vitória, por isso fica-se na dúvida.

 

Já na cidade de Quelimane, desde que a Frelimo optou por outro candidato em detrimento do popular Pio Matos, parece-me impossível a recuperação daquela urbe. Manuel de Araújo é um fenómeno por estudar em termos políticos. Muitos reclamam sua ausência na Cidade, mas, quando aparece publicamente, abafa tudo quanto se disse dele, ou seja, nem o MDM, nem a Frelimo, me parecem com “argumentos” bastantes para convencer o eleitorado Quelimanense de que o actual Edil deve ir descansar. Bem, estas são minhas reflexões, espero, sinceramente, estar equivocado e irei recuperar esta reflexão depois das eleições e proclamação dos resultados eleitorais de 11 de Outubro. Abraço!

 

Adelino Buque

“A ausência do cabeça-de-lista da Frelimo nos debates com outros candidatos pode ser a estratégia que a Frelimo encontrou para não promover candidatos por outros partidos. Só o facto de Razaque Manhique ser o Primeiro Secretário da Frelimo na Cidade de Maputo confere-lhe um capital político que os outros candidatos não possuem e não terão, se calhar, pelo resto da sua militância política, ou seja, estar ao lado de uma pessoa como Manhique consubstancia a promoção de quem o acompanha. Não será este motivo bastante para se recusar a promover candidatos sem qualquer capital político!? Fica a interrogação”.

 

AB

 

Razaque Manhique é, actualmente, Primeiro Secretário do Partido Frelimo, o Partido que governa Moçambique desde 1975, ano da independência nacional, a esta parte e governa, igualmente, a Cidade de Maputo. Segundo escreve o Jornal electrónico “Carta de Moçambique”, Razaque Manhique faltou a dois debates sobre eleições autárquicas de 11 de Outubro de 2023. O primeiro foi a convite da Plataforma Jovens Líderes de Moçambique e o segundo convite foi do Grupo SOICO, um grupo de mídia líder de audiência em Televisão em Moçambique (minha percepção)!

 

Em parágrafo segundo, “Carta de Moçambique” escreve: “segundo seus adversários, a ausência de Razaque Manhique, neste tipo de debate, revela a fraqueza do candidato, pelo que entendem não haver condições para que os eleitores votem em concorrentes que se furtam deste tipo de eventos”. Ora, parece-me demasiada presunção desses candidatos acharem que, pelo facto de não ter participado de dois debates, é motivo bastante para que os eleitores não votem nele.

 

Aliás, esta reflexão é mesmo produto deste parágrafo, parágrafo terceiro. Primeiro, deve-se dizer claramente que o convite não obriga, o convite é diferente da convocatória, em que o convocado deve apresentar-se no local previamente definido, sem o que poderá incorrer em penalizações diversas, dependendo da instituição que o convoca, ou seja, se alguém me convida, deve esperar que eu aceite ou negue o convite, dependendo da minha prévia disposição. Mas não consta, das obrigações dos cabeças-de-lista, qualquer debate televisivo, logo, não podem ser peremptórios em concluir que Razaque Manhique não pode ser votado.

 

Mais ainda, dos cabeças-de-lista que concorrem à Cidade de Maputo, salvo melhor opinião, nenhum deles tem um cargo político próximo ao de Razaque Manhique. Como escrevo acima, ele é Primeiro Secretário do Partido Frelimo para a Cidade de Maputo e cabeça-de-lista para as eleições Autárquicas de 11 de Outubro. Logo, a sua exposição deve merecer abundantes análises e, por via disso, merecer aprovação ou não. Não creio que a ausência de Razaque Manhique seja fruto da sua livre e espontânea vontade, acredito que terá sido aconselhado a não se expor antes do momento consagrado para o efeito e quem assim decide terá, certamente, motivos ponderados.

 

Por outro lado, Razaque Manhique é um cidadão público, sobejamente conhecido pelos Munícipes de Maputo, não somente pelas suas funções de hoje. Devo recordar que, antes de ser o Primeiro Secretário da Frelimo para a Cidade de Maputo, foi membro da Assembleia Municipal e vice-Presidente deste órgão, por isso Razaque Manhique não precisa dessa exposição para se fazer conhecer. Dito de outra forma, Manhique não precisa desses debates para se fazer conhecer, tão pouco divulgar as linhas do seu pensamento, que é, no fundo, o pensamento do Partido Frelimo, Partido pelo qual assume a candidatura.

 

Eu comentei sobre o debate desta semana e, nos meus comentários, não falei da ausência de Razaque Manhique, pura e simplesmente, porque no debate as suas ideias não foram colocadas, exactamente, porque esteve ausente. Ora, não se pode debater ideias que não foram expostas, mas, mais do que isso, existem, não haja dúvidas, candidatos que, por estarem ao lado de Razaque Manhique, podem se sentir honrados e a sua visibilidade aumentar, porque não lhes dar esse prazer!

 

Adelino Buque

Uma vez li Saramago e, fiquei apaixonado pela subtilidade, realeza e profundidade da sua escrita.

 

Num dos seus escritos, escreveu: “Não se pode enxergar a ilha se não saímos da ilha. Não nos vemos se não saímos de nós”.

 

De forma analógica olhei para o nosso país, o belo e vasto Moçambique e baptizei-lhe de Ilha. Decerto, não me refiro a primeira capital do país (a majestosa e imponente Ilha de Moçambique), mas ao lugar que está entre os quatro pontos cardinais sobejamente conhecidos – O Rovuma, a Maputo, o Zumbo e o Índico.

 

Tenho estado a observar com certa minucia algumas tendências e alguns dos pronunciamentos e análises de alguns dos nossos antigos estadistas, governantes, gestores e servidores públicos sobre o estágio actual da nossa governação – sobre a ideia de governação no nosso país. Devo confessar que algumas das análises são de uma visão globalizante e de um alcance espantoso – primeiro pela coerência apresentada, e segundo pelo escalonamento lógico e alinhamento de ideias. Faz-se jus a máxima de Saramago, segundo a qual “não nos vemos se não saímos de nós”.   

 

Muitos dos que hoje fazem estas belíssimas e apaixonantes análises sobre o nosso status como país, e como deveríamos caminhar enquanto nação que ambiciona abraçar o trilho desenvolvimentista, sair da linha pobreza e que quer afirmar-se como actor relevante na região e no mundo, foram titulares de pastas e cargos de tamanha relevância em algum período do seu percurso profissional.

 

Durante sua passagem pelos meandros formais do poder, ao abono da verdade devo aqui reconhecer, que muita coisa boa foi feita e muita coisa ficou por se fazer. Quer fosse pelo contexto inóspito e adverso, quer fosse pela falta de preparo adequado e experiência, que mais tarde abriram portas para interferência e ingerência externa. A institucionalização da prática da corrupção activa - um mal que grassa e empobrece o nosso país a cada ciclo governativo também pode ser apontado como uma fragilidade na governação dentro da ilha.

 

Da conquista da independência, passando pelo período da restruturação económica e, chegando aos dias de hoje, o país passou por vários ciclos de governação; Momentos estes caracterizados por vários processos complexos e desafiantes que obrigaram a uma engenharia governativa que envolveu riscos, muita critica e poucos aplausos. Foram na verdade processos típicos de um país em construção e em busca de uma orientação governativa que pudesse responder aos anseios do povo.

 

O país experimentou também as investidas das potencias coloniais mascaradas de ajuda externa e de pacotes de incentivo para a recuperação e as imposições vários actores da arena internacional.

 

Por aqui, encontramos talvez um possível tubo de escape para justificar algumas das decisões tomadas e erros que se cometeram nas últimas décadas de governação. Muitas dessas decisões parecem ter grande influência no actual estágio e andamento da máquina estatal hoje e condicionam as reformas que tanto almejamos.

 

O processo de substituição da máquina colonial pela máquina nacional, foi desafiante e acarretou seus custos. Entre erros e acertos, muita coisa ficou como lição aprendida, ou pelo menos deveria ter ficado para que não se repetissem certas coisas.

 

Estas mudanças transformacionais e estruturais não foram apanágio apenas de Moçambique. Outros países que alcançaram as suas independências na primavera dos anos 1960 um pouco por todo continente, e conquistaram o pretenso direito à autodeterminação estiveram expostos a eventos idênticos.

 

Entre o que foi feito, o que deveria ser feito e o que ficou por fazer, ficamos quase sempre pelas entrelinhas daquilo que poderia ter sido melhor. Ficamos também   pelo argumento de falta mais tempo para concluir o que se iniciou. Isto porque as vezes  perdemos de vista o tempo do mandato que nos foi dado e, com isto protelamos, esquecendo que há um horizonte temporal para nossas realizações.

 

O que se fala hoje é paradoxalmente oposto ao que se fez ontem – Até aqui, não parece haver alarme pois, os erros fazem parte de todo e qualquer percurso e, em matéria de governação é preciso sempre decidir – umas vezes acertamos e outras vezes erramos – importante mesmo é aprender com o passado e exercitar a saída da ilha para apreciá-la melhor.

 

A ideia de governação pressupõe antes de tudo a assunção de um compromisso tácito e responsabilidade. Enquanto que a prática governativa pressupõe antes de tudo liberdade, conhecimento, informação, recursos e capacidade decisão.

 

E entre a ideia e a prática encontro um ponto de interferência que muitas vezes desemboca em um erro que nos penaliza grandemente: a ausência de um plano globalizante que transcende a dimensão pessoal de governação. Parece não haver uma continuidade dos planos traçados e, a cada ciclo governativo temos uma nova ideia do país que queremos (des) construir.

 

Resgatando a velha máxima do Presidente Samora Machel, “O dever de cada um de nós é dar tudo ao povo, sermos os últimos quando se trata de benefícios, primeiros quando se trata de sacrifícios, Isso é que é servir o povo”. É preciso perceber que não somos eternos e os cargos também não o são – as pessoas vão e as instituições ficam. É preciso amar o país antes de tudo e, criar as bases para que as gerações vindouras possam ter melhores condições de nutrição, saúde, educação e mais esperança de vida.

 

Hoje, alguns dos antigos dirigentes, depois de abandonarem o tacho real (a Ilha da Governação) permitiram-se observá-la de fora e entender a sua dimensão, seus problemas e até prescrever soluções; Soluções estas que aquando da estadia na ilha não estavam visíveis. Em governação, às vezes, ou talvez sempre é importante ser povo e sentir o que o povo sente.

 

Quando dentro da ilha poucos viram sem sombras o que se passava nela. Uma vez fora da ilha quase todos recuperaram a visão, a lucidez, e veem os problemas e os defeitos de quem governa a ilha – as coisas tornam-se mais obvias e visíveis.

 

Será a ilha um monstro difícil de entender? Ou nós, enquanto dirigentes da ilha não dedicamos atenção para entendê-la e garantir que a nossa saída dela não deve alterar o seu funcionamento?

 

A reflexão que convido para se fazer é sobre a temporalidade e actualidade do nosso ser ilhéu. É também sobre a ausência de um plano continuo para que se possa governar e gerir a coisa pública de forma mais assertiva e menos danosa. É sobre saber pensar um Moçambique próspero, progressista e desenvolvido para os próximos 50 anos como fizeram países como a China, Ruanda, Malásia, Singapura, Emirados Árabes Unidos, Noruega e outros mais.

 

Não nos vemos se não saímos de nós!!!

 

Pág. 46 de 310