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terça-feira, 16 fevereiro 2021 06:03

Pedir ou não ajuda

“A ajuda não é caridade” disse certa vez um ex-Primeiro-Ministro do Canadá  a propósito da ajuda (externa) concedida pelos países desenvolvidos aos menos desenvolvidos. Lembro-me da citação  sempre que ocorrem animosidades nas relações entre Moçambique-Tanzânia e Moçambique-África do Sul e na (provável) hesitação de Moçambique em pedir/receber a ajuda do exterior para combater o terrorismo.

 

Acontece que nas relações entre Moçambique e a Tanzânia e sempre que Moçambique toma uma medida  que não seja do agrado da Tanzânia, como foi a  da expulsão de garimpeiros tanzanianos ilegais, os tanzanianos lembram aos moçambicanos  de que estão a ser ingratos, isto tomando em conta a ajuda dada por eles na libertação de Moçambique. E Moçambique, já independente, e por ter ajudado o ANC,  hoje o partido no poder na África do Sul, na sua luta contra o Apartheid, aviva a memória dos sul-africanos sempre que eles, por exemplo, expulsam moçambicanos sob capa de ilegais. Assim, tanto a Tanzânia (em relação a Moçambique)  como Moçambique (em relação a África do Sul) reclamam benefícios ou privilégios eternos por terem sacrificado os respectivos países no quadro da (suposta) ajuda/solidariedade prestada.

 

Neste diapasão, o acto de pedir/aceitar a ajuda de outros acarreta implicações, e muitas vezes indesejáveis,  que se arrastam por tempo indeterminado. Talvez por isso, e para fechar, este seja um problema/dilema na demora da decisão e/ou efectivação  da ajuda do exterior no combate ao terrorismo em Moçambique.  Aliás, e decorrente da experiência das relações com a Tanzânia e a África do Sul bem como o facto de Moçambique ser um crónico  dependente da ajuda externa,  o alcance de que “A ajuda não é caridade” não é estranha ao país  e é, certamente, do pleno  (e doloroso)  domínio dos decisores da mártir Pérola do Índico.   

 

PS: Ainda sobre pedir ou não  ajuda,  cito um exemplo de um meu amigo. Este, em tempos e perante um problema pessoal bicudo, recusara a pronta ajuda de um seu primo, alegando de que era preferível  explorar ou esperar  por outras soluções, próprias ou de terceiros (e mais discretas), mesmo que isso acarretasse mais e maior sofrimento,  no lugar de ouvir  do tal  primo e pelo resto da sua vida e de gerações vindouras de que ele o ajudara. Estará ao alcance da Pérola do Índico semelhante e ousada decisão?

 

quinta-feira, 11 fevereiro 2021 10:05

Tripas do exame de Biologia

Todos pareciam estar hipnotizados, mas não; era apenas espuma de uma grande onda que invade alguns chefes e direcções do nosso sistema de ensino e administrativo - a desorganização.

 

Era Sábado, 06 de Janeiro, no lendário distrito de Ka-Lhamanculo, na cidade de Maputo; um "insólito" aconteceu em todas as escolas secundárias gerais, onde alunos da 12ª classe foram submetidos aos exames finais do ano passado, 2020. O que estava no tabuleiro do espanto era o exame da disciplina de biologia, marcado a nível nacional para as 10h30; nesse distrito a informação que se distribuía era a de que iniciava às 08h.

 

Naquele belo dia, os alunos chegaram cedo para combater o exame com a espingarda da caneta. Todos estavam ansiosos e motivados. Os alunos não esperavam que seriam bonificados ou trancados nas salas devido ao tempo de realização do exame que em todo país os outros cumpriram 120 minutos; e os alunos de Ka-Lhamanculo tiveram a super-benção de decifrar os ossos do exame de biologia em 240 minutos. Esse foi o drible encontrado para não abalar a incompetência dos dirigentes do sector a nível do distrito. 

 

Os alunos suportaram 04h30 de exames, sem água e nem um lanchinho devido a um erro estranho dos gestores da educação no distrito de Ka-Lhamanculo. Ninguém podia sair da sala para evitar um vulcão de fuga de respostas.  

 

O lapso dos gestores é um acto insólito que poderia ter causado um caos de propensões babilónicas e ressuscitar o velho fantasma que persegue o sector da educação - o vazamento de exames e as respectivas correcções. Trata-se de um negócio já oficial na praça: vender molhos de exames e respostas em canecas.

 

Ninguém percebeu o erro (what?). Nem as estruturas máximas do distrito, assim como as estruturas pedagógicas e administrativas. Nenhum chefe lembrou-se de que a hora oficial para a realização dos exames, a nível nacional, era 10h30 e não 08h.

 

Recuemos para o dia em que o filme da desorganização foi filmado; os alunos chegaram aos seus júris e foram distribuídos os exames e começou o processo de examinar os futuros doutores. Eram 09h quando uma equipa da inspecção foi alertada que no Ka-Lhamanculo, os anciãos de alguns rapazes tinham hipnotizado todos dirigentes e que o exame estava a ser realizado. “Mas como, sim?”, tiraram as línguas para fora os inspectores.  

 

“Quem marcou o exame a esta hora?, será que vocês não receberam o calendário nacional?”, foi a direcção distrital da educação que marcou... E qual é a solução?. Não deixem nenhum aluno sair da sala até às 12h30. Assim evitamos o pior!

Preparar bem as crianças de agora implica, de maneira lógica, em ter uma sociedade melhor no futuro. É pensar o porquê actualmente, diante de grandes índices de violência, tantos menores de idade estão nessas estatísticas. É pensar que essa criança, esperança do futuro, vê-se numa encruzilhada vital tão cedo: trabalha forçado, atravessa frequentemente a rua ou morre.

 

Segundo dados da OTI, Moçambique tem mais de 780 mil crianças trabalhando com idade entre 08 e 17 anos. Segundo esses dados, 56,63% nada recebem por seu trabalho. Eis o roubo do direito de ser criança.

 

Retiram-lhe, de maneira violenta, esse direito tão essencial comprometendo os factores biológicos, psicológicos, intelectuais e morais, numa fase de extrema importância da vida. Ao invés de carrinhos, bonecas, brinquedos. Pais, que talvez quisessem educar, precisam ensinar o trabalho. Note bem a diferença entre educar e ensinar. Falta dinheiro para comprar comida, roupa, bonecas, carrinhos. Alguns, talvez munidos de sua educação mais privilegiada, hão de pensar que não configura motivo para a delinquência o facto de trabalhar desde cedo, afinal o trabalho é dignificante. O trabalho é digno quando é exercido de forma digna. Não existe dignidade sem educação de qualidade e, não há dignidade em crianças de 10 anos trabalhando em meios insalubres, perigosos, em jornadas diárias superiores a 12 horas. Não há filhos de médicos, advogados, empresários trabalhando assim. Portanto, se fosse digno, todos desde a infância assim trabalhariam.

 

O que se vive nos mercados das cidades moçambicanas, em destaque para o Mercado Grossista do Waresta e Mercado Central, ambos na Cidade de Nampula, é de tirar lagrimas. As crianças são submetidas ao extremo da sua capacidade, elas madrugam nos mercados para vender sacos plásticos e carregar produtos dos clientes em troca de 5,00MT. Ai Meu Deus! Quando vai parar isso!

 

Crianças devem ser crianças. Esse tipo de trabalho não pode nem deve ser alternativa aos menores de idade porque marginaliza, tira deles um direito essencial de maneira tão violenta quanto àqueles que com uma faca roubam dez meticais. Por isso, lutemos todos por uma sociedade onde a criança e os seus direitos são amplamente respeitas, uma sociedade justa, de compaixão, amor ao próximo, respeito mutuo e igualdade social. Cuidem-nos como crianças do presente e adultos do futuro.

 

Legalmente as crianças hoje têm garantido o direito a um nome e nacionalidade, à saúde e à educação. Dentre os direitos da criança estabelecidos na nas leis e normas, destaco o brincar como uma necessidade da criança, um jeito gostoso de aprender e se divertir.

 

Pesquisas têm revelado que as brincadeiras ao ar livre, em parques e praças públicas deixam as crianças mais felizes. No entanto, as crianças estão cada vez mais distantes do sol, da grama, das pedras, da areia, da água, da natureza...

 

Para os pais, já não é mais possível deixá-las brincando na rua com os vizinhos. O trânsito e a tecnologia tiraram esta oportunidade. Em alguns quintais não se preveu a necessidade e o direito dos pequenos de brincar. Diante desta necessidade, eles brincam só confinados numa sala da casa, com tecnologias e nada de brinquedos essenciais e amigos de verdade, não virtuais.

 

Nas escolas infantis encontramos pátios cimentados, brinquedos inadequados à faixa etária das crianças e, logo, embargados pelos órgãos competentes. Pensem numa creche em que as crianças “olham” para o escorregador, o balanço, o gira-gira e não podem brincar. Elas existem. Pensem no período escolar de uma criança de cinco, seis, sete anos de idade, onde não há nem espaço (área verde), tempo para brincar. Eles existem.

 

Nos espaços públicos encontramos praças abandonadas, sujas, brinquedos quebrados. Imaginem uma praça, um domingo de sol, crianças ávidas para correr, pular, dançar, movimentar-se ou simplesmente olhar as plantinhas, passarinhos, sentir o vento... As crianças “olham” para os destroços do que um dia foi um brinquedo, desistem de brincar ou então arriscam-se. Elas existem. Falta segurança, água potável, banheiros públicos, dignidade para exercer o direito de brincar.

 

As crianças são o que existe de mais precioso e precisam da atenção dos mais velhos para viver dignamente esta fase da vida que chamam de infância. Como estão olhando para nós crianças nos demais dias do ano? Infelizmente, os nossos pais, professores, governantes etc. - não estão conseguindo prover à nós criança o direito de brincar e ser feliz.

 

Zinaida João Faque, aluna da 10a Classe na Escola Secundaria de Napipine em Nampula, activista social, membro do Parlamento Infantil da cidade de Nampula, pesquisadora social nas áreas dos direitos e deveres das crianças. Nascida aos 11 de Dezembro de 2005, na cidade de Nampula.

quarta-feira, 10 fevereiro 2021 06:59

'Chopstik in the building'!

Acompanhei, pela imprensa, que os nossos arquicunhados e vizinhos aqui ao lado foram à Índia comprar vacinas da AstraZeneca para se imunizarem contra à Covid-19. Pagaram para cada dose 5.25 dólares, mais que o dobro do preço dessa mesma vacina vendida aos países europeus. Pagaram o produto e levaram-no para casa. Chegados lá pensaram em testar a eficácia da vacina contra a nova estirpe do vírus que os assola. Foi, então, que descobriram que a sua eficácia não passa dos 10 por cento. Ou seja, é uma porcaria. Em suma, compraram gato por lebre. Uma granda burla. Assim, a vacina está no museu nacional das burlas.
 
Aí eu disse, mas este filme é me muito familiar! Sei lá... é bem parecido com aquele negócio de barcos da EMATUM! Trocando 'AstraZeneca' por 'Privinvest', vai dar no mesmo! Parece o mesmo filme, mas dublado em inglês! Isso de adquirir um produto a preço especulativo, testar depois de chegar à casa e concluir que é uma m*rda é uma cena daqui de casa!
 
Fiquei dhuuuuu... a matutar. A coincidência mais estranha nessa ficção toda é que Chopstik vive lá na África do Sul há quase três anos. Epah, não é tipo é confusão, ou tipo estou a insinuar alguma coisa, ou tipo quero influenciar alguém. Nada! Só estou aqui... sei lá né... a pensar, a raciocinar.
 
É caso para pensar mesmo! Sei lá né... será que quando fizerem uma busca e apreensão nas celas do 'nigga' não vão encontrar uns rascunhos de algum esquema? Não vão encontrar uns rabiscos de umas lições de algumas aulas que ele andou a dar? Não vão descobrir um flash com 'slaides' de 'Pawa-Point'? Não tem um 'data-show' em baixo da cama? Os colegas de cela não vão confirmar que ele fazia 'coching' com 'laives'? Sei lá... não é implicância, mas xeeeee é muita coincidência, bradas! 
 
Parece brincadeira, mas isso cheira a Chopstik: especialista em criação de museus de burla. Deixou-nos aqui um museu de lanchas que não servem nem para pescar magumba, e deve estar a implantar um outro de vacinas de saliva de morcego para malta Ramaphosa.
 
Mas não deixam o homem bazar à Nova Iorque porquê mesmo?! Com um pouco de azar, vamos descobrir que o gajo é o treinador principal da seleção 'A' de gatunos da vizinhança. Como diria a Dama do Bling, 'yaaa, nigga, it is Chopstik in the building'!
 
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segunda-feira, 08 fevereiro 2021 09:06

New Man: um suplente muito estranho

Na lista dos convocados do mister Iskandar Safa para o derby de Londres os gatunos estão bem alistados na capa. Estão lá malta Chopstik, Leão, Rosário, Isaltina, Bruno, HoS e Ndambi. O craque Nhangumele não podia faltar. O suplente continua o mesmo: New Man. 
 
Por falar em New Man, começo a ficar preocupado com o facto dele estar sempre no banco de suplentes. Você só ouve na imprensa que New Man foi citado em Brooklyn ou em Londres, mas, depois disso, nada. Você nunca mais vai ouvir o nome dele em campo. O relato começa e termina sem você ouvir o nome dele. Você nunca vai ouvir que New Man fez cruzamento ou que sofreu falta na grande área. 
 
O New Man parece um eterno suplente da seleção. O que se passa com o New Man, afinal?! Nunca entra no jogo. Um suplente muito estranho. Se não é bom, é convocado porquê, então?! Só para roer banco?! Estão a matrecar o homem. Assim a carreira dele não vai a frente. Numa seleção onde até a Isaltina joga, como é que o New Man não entra pelo nos minutos de compensação?! 
 
Doutora Bia, ponha esse homem a jogar, se faz favor! Deixe que o homem atropele e seja atropelado! Deixe que o homem se defenda sozinho! Deixe o homem encarar o juiz (o árbitro neste caso) feici-tu-feici. Deixe o homem fazer a sua carreira de gatuno na paz do Senhor Jesus Cristo! Não adianta ter um craque que nunca joga. Que implicância!
 
É muito estranho o que estão a fazer com o New Man. A não ser que digam que é mesmo a nossa 'arma secreta'. Que digam que só vai entrar no minuto noventa, quando estivermos a perder em cheio, para fazer a reviravolta. Que digam que é um super craque. Um astro. Um fenómeno. Que digam algo, mas esta forma de 'bancar' cria estranheza. 
 
Doutora, chame o homem! Está aí o Iskandar dando mais uma oportunidade. Ao menos entrar desta vez só para vermos como o New Man joga. Queremos ver quantos toques na bola ele consegue dar. 
 
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segunda-feira, 08 fevereiro 2021 06:27

Nhinguitimo, o vento dos novos tempos

O conto “Nhinguitimo” faz parte da primeira obra literária de Luís Bernardo Honwana, Nós Matamos o Cão Tinhoso, publicado, pela primeira vez, em 1964. Edições subsequentes aconteceram aqui e no mundo. Esta integra o cânone curricular de ensino da língua portuguesa, nas escolas secundárias moçambicanas. Tem sido referência obrigatória para diferentes gerações do pós-independência.

 

Nhinguitimo ou vento sul, na língua ronga, são ventos que antecipam a chegada do Verão. Ocorrem entre os meses de Agosto e Setembro. Velozes e poeirentos, eles simulam um falso Outono, desconforto generalizado e inúmeras alergias. Necessários, porém, indesejados.

 

Os ventos representam o ar em movimento, resultante das variações da pressão atmosférica entre as diferentes regiões de maior pressão, para as de menor pressão. Como qualquer fenómeno da natureza, os povos sempre encontram justificações e analogias para explicar o seu surgimento. Assim, estes ventos têm sido sujeitos à interpretação popular, bem como a mitos e crenças. 

 

Nos dias que correm, e considerando a propagação da COVID 19, Nhinguitimo pode ser, analogamente, comparado à propagação do coronavírus. Aliás, Sara Jona Laisse, no livro “Entre margens” considera que o coronavírus pode bem ser comparado aos vários cães tinhosos que semeiam luto e desgraça. 

 

Licínio Azevedo, conceituado realizador nacional, dos mais galardoados que a indústria cinematográfica nacional, alguma vez, conheceu, decidiu adoptar este conto para filme. Uma curta metragem de um clássico moçambicano que, faz tempo, era merecedor de um filme. Vários filmes. O filme será rodado este semestre, 2021. Uma produção em tempos pandémicos.

 

O personagem principal é Alexandre Vírgula Oito Massinga. Jovem nativo que trabalhava como empregado dos agricultores comerciais brancos.  Vive cultivando, tal como seus concidadãos, as machambas dos seus patrões. Mas, ele tem, também, a sua própria. Reduzidas proporções, com milho como substrato, porém, assegurava uma safra segura e razoável para o sustento familiar.

 

Esta prática tipificava as relações do campesinato no período colonial. Estas pequenas machambas serviam para o auto-sustento, mas, igualmente, para que os agregados familiares pagassem os tributos. Tal como acontecia com as machambas dos outros trabalhadores agrícolas locais, a machamba de Vírgula Oito estava excluída das extensas áreas demarcadas pelos colonos portugueses.

 

Vírgula Oito via a possibilidade de sua pequena plantação obter uma colheita satisfatória. Ele se guiava pelo provérbio que dizia “o que faz andar o barco não é a vela enfunada, mas o vento invisível”. O seu vento ele enxergava, com certeza que nenhum Nhinguitimo prejudicaria sua colheita.

 

Essa certeza derivava do facto de sua pequena machamba estar localizada do lado oposto do rio, que dividia a machamba do seu patrão. Esta localização era beneficiada pelas árvores que faziam a pequena barreira de segurança e protegeriam a sua área. Assim, o Nhinguitimo somente, atingia as plantações dos brancos.

 

A narrativa de Luís Bernardo Honwana que integrou o “African Writers Series”, nos anos 60, é marcada pela consciencialização da exploração, pela revolta e, também, por algum comodismo e medo. O norte de Moçambique já vivia a luta armada de libertação nacional que atiçava a consciência de sectores importantes da sociedade.

 

Alexandre Vírgula Oito vislumbrava, não apenas essa boa colheita, mas, o sonho de, um dia, se transformar em patrão, adquirindo alfaias agrícolas, aumentando as áreas de cultivo e, enfim, perspectivando seu casamento e a melhoria das suas condições de vida.

 

Sucedeu, porém, que a sua pequena propriedade passou a ser cobiçada pelo seu patrão. Não tardou e Vírgula Oito foi expulso das suas terras, com toda a sua família. Desfaziam-se, assim, seus sonhos e as inflacionadas intenções de prosperidades. Esta anexação gerou um certo borbulhando. Os bares fizeram, deste assunto, a conversa do momento. Um dos bares servia de ponto de encontro para os homens da vila, os brancos.

 

Até o administrador ficou ao corrente das desavenças. Solicitou justificação aos seus conterrâneos. Os argumentos não se fizeram esperar. Doía o coração dos brancos ver terras tão férteis sendo desperdiçadas pelos negros. Com as verdades manipuladas e as pretensões desfeitas, a clarividência do Administrador antevia período conturbado. O seu sexto sentido era infalível.

 

Os brancos se respaldavam no argumento da capacidade e suas incomparáveis habilidades para produzir e administrar terras. Aos negros competia trabalhar como empregados dos brancos. Aquelas terras confiscadas estavam desperdiçadas e improdutivas. Eles dariam um novo destino.

 

Luís Bernardo Honwana é pródigo, nesta narrativa, em rever expressões de pretensões das suas gentes, os momentos conturbados e os sinais de injustiça. Alias, este conto representava já uma fase efectiva da literatura que romperia com essa visão cultural eurocêntrica. O autor se esforçou para redefinir o “ser moçambicano” denunciando a segregação e exploração pela qual passam os nativos.

 

Vírgula Oito, nosso personagem, em função das reclamações, foi rotulado de louco e subversivo. Recusava a exploração e a humilhação a que havia sido submetido. Não aceitou ser um mero objecto manipulado. Porém, ele não logrou estruturar essa revolta colectiva. Assumiu o ónus para si próprio. Seus companheiros defendiam que nada poderia ser feito, os brancos continuariam roubando as terras e, ninguém, poderia dizer nem fazer nada.

 

Vírgula Oito, banhado de ódio, propalou a sua revolta. Incitava seus amigos à revolta. A passividade conduziria a todos à pobreza. Ele mesmo, até então passivo, mudara de postura ante as exploração e humilhação sofridas. Da raiva e revolta, Vírgula Oito consome o crime. No calor das discussões com seus companheiros, ele mata um deles.

 

O seu patrão entra, novamente, em cena. Faz um apelo inusitado aos restantes agricultores nativos. Pede que eliminem Vírgula Oito, antes que ele os matasse a todos. Vai mais longe e pede, inclusivamente, que se peguem em armas, para abater o criminoso, antes que todos fossem mortos. Se isso não acontecesse, algo de mais grave, aconteceria a vila.

 

“Nhinguitimo”, denunciou a exploração que serviu de estímulo à revolução. Mas o Nhinguitimo continua um vento presente. Não dá tréguas. Somos assolados por muitos ventos e cães tinhosos. Covid-19 e a instabilidade devastam esta paz tão duramente conquistada. Licínio Azevedo quer retomar ao Nhinguitimo de outros tempos.