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sexta-feira, 08 fevereiro 2019 08:17

A minha fé

Escrito por

 

 

Tomás Vieira Mário

 

O dicionário Universal da Língua Portuguesa, da Moçambique Editora, define fé como “crença religiosa; crença, convicção em alguém ou alguma coisa; convicção…

 

Com efeito, na maioria das vezes, a ideia de fé convoca-nos para a crença religiosa. Não sendo estudioso de teologia, o meu sonho de infância, de um dia me tornar bispo (sim, bispo!) motivou-me, nalgum período da minha vida, a obter alguns conhecimentos básicos sobre a religião. Pelo menos para algumas divagações em torno de determinadas significações que dão corpo a fé, enquanto crença religiosa.

 

Aprendi, por exemplo, que a base de todas as religiões é a crença na existência de uma outra vida, para além desta, que vivemos na terra. E, a partir da crença nessa vida no “além”, emerge a ideia de um ser superior, que ai impera; é o Deus. Assim, fé é uma virtude daqueles que aceitam como verdade absoluta os princípios difundidos por sua religião. Ter fé em Deus – um só! - e acreditar na sua existência e na sua onisciência.

 

Para as religiões judaico-cristãs e islâmica, tratar-se-á do Deus que se anunciou ao Abrão, o patriarca, aquele a quem tanto o Judaísmo como o Cristianismo e o Islão referem como seu Pai. Assim, o fiel deve crer, em pelo menos, duas proposições: existe a vida eterna e Deus.

 

Fora do mundo religioso, “fé" surge também em algumas expressões populares e  no mundo jurídico. Por exemplo, “fazer fé” significa acreditar em alguém ou em algum acto; ter esperança; “fazer fé em juízo” significa um dado ou prova aceites como verdadeiros ou legítimos em sede de foro judicial.

 

Ao longo de milénios, as diferentes religiões foram cimentando ideias, princípios em proposições em cuja crença deve sustentar-se a vida dos fiéis. As épicas batalhas dos Hebreus em busca da Terra Prometida, sob a liderança de Moises, só podem ser imaginadas, consentidas e sustentadas pela fé em Deus, que lhes prometera tal terra, desde os tempos do patriarca fundador, Abrão.

 

Com base na fé, homens e mulheres de extraordinária qualidade emergiram ao longo da Historia da Humanidade, quer como líderes espirituais ou destemidos guerreiros, lideres de movimentos de massas, reis ou ambos. Moisés, Salomão, Jesus Cristo, o Profeta Maomé…Martin Luther King, Madre Teresa de Calcutá… Como é que estas extraordinárias criaturas humanas lograram arrastar atrás de si, e muito para além do seu tempo, multidões e nações, pelo mundo fora? Não foi incutindo fé nas pessoas? Convencê-las e persuadi-las a seguir uma certa missão ou objectivo?

 

Ora vejamos: com o seu bastão, não dividira Moises o mar vermelho em dois pedaços, permitindo passagem ao seu povo, ante a estupefação do Rei dos Egípcios? E Jesus Cristo: não vencera ele a morte, ressuscitando ao terceiro dia da sua morte? E o Profeta Maomé? Não recebera ele a mensagem de Deus, nos montes Sinai, através do Anjo São Gabriel? E a Maria, mãe de Jesus: não concebera ela sem pecado?

 

O verdadeiro crente deve tomar conhecimento destes “factos”, proposições ou princípios, e acreditar profundamente neles, sem os questionar; sem pretender prova da sua ocorrência; sem os debater. E deve estar disponível para os divulgar e defender, incluindo com o próprio sangue, se necessário for. Assim estas crenças são designadas por dogmas. O dicionário acima citado descreve dogma como “ponto fundamental e indiscutível de uma crença religiosa; proposição apresentada e aceite como incontestável e indiscutível”.

 

Porém, todas estas complexíssimas construções metafisicas, enunciadas em lendas, parábolas e crónicas literalizadas, aliás escritas com muita beleza, não são senão criação da mente humana, ao longo de seculos revisitada, reformulada e aprimorada, quantas vezes com derramamento de muito sangue! Não tivemos aí a Santa Inquisição? Não tivemos aí as Cruzadas? Não temos aí diferentes cruzadas violentíssimas, associadas ao Islamismo: a Jihad, o Al Qaeda, o Estado Islâmico…? Não temos aí as tempestuosas igrejas evangélicas, hoje em dia com tendência para controlar o poder político de muitas nações? Tudo na base ou a pretexto da fé!

 

Na vida real, de acordo com o nosso próprio contexto, temos, todos, desenvolvido nossa fé em determinados “factos”, “ideias” ou proposições, cristalizadas em pessoas que, de uma forma ou outra, tenham marcado as nossas vidas. Podemos criar tais crenças com as nossas mentes fertilizadas por circunstâncias ou experiências diversas, de natureza particularmente extraordinária. Podem ser nossos pais. Ou um professor (geralmente do ensino primário). Um carismático líder religioso. Ou um líder político.

 

Em consequência de um volume de certezas que fomos criando, dentro de nós, sobre as virtudes que apreendemos (ou que nos foram vigorosa e intensamente apregoadas ao longo de um tempo significativo) das ideias e da conduta desta pessoa, criamos fé nela. Portanto  dogmas em torno dele ou dela. E com estes dogmas nos protegemos de dúvidas, de perguntas, de incertezas. As nossas crenças são a única verdade!

 

Assim, não tenho qualquer dúvida – nem me vou surpreender - se um dia, for provado, em juízo, que um alto dirigente do nosso Estado, em funções ou não, participou e beneficiou pessoalmente, das odiosas dívidas ilegais. Muitos moçambicanos, gente de boa-fé, não vão acreditar! Vão, até ao fim dos seus dias, dizer que tal decisão judicial terá sido fabricada, na base de calúnias e conluios de gente sem autoestima, mancomunada com mão externa!

 

Temo que eu próprio venha a ser um deles.

 

Pois só assim poderei encontrar algum alívio à insuportável dor de ter sido traído, tão vilmente, na minha fé!

Sir Motors

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