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terça-feira, 19 novembro 2019 07:12

A velha frigideira

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O chilreio matinal conferia uma musicalidade animadora, por vezes os sons graves impunham-se sobre os agudos e a musicalidade ganhava outra dinâmica.

 

Depois vinha um som específico, o pau de pilão moendo o feijão nhemba no alguidar de barro, uma mulher sentada num antigo ralador movimentava no sentido horário o pau com ambas as mãos pela força proporcionada pelos músculos retesados.

 

Apesar de consumida pelos dias ainda revigorava e continuava a laborar para o sustento da família.

 

Seguidamente sucedia um pequeno interregno na moedura e ela esmagava dentes de alho na massa e continuava com a moedura, nova paragem para introduzir agora folhas de salsa e a massa ia ganhando consistência.

 

- Bom dia, ainda? – questionou um potencial comensal.

 

- Bom dia, daqui a pouco – conferiu a mulher que confecionava o manjar.

 

Quando terminou de preparar a massa, levantou-se e dirigiu-se para o fogão, deu um sopro no carvão e depois de uma fumaça, fagulhas multiplicaram-se e uma brasa nasceu.

 

O número de futuros comensais aumentava e aguardavam expectantes que a fritura se realizasse, a fumaça evolava e mesclava-se com o odor dos seus corpos. Estavam todos de olhos fitos na frigideira onde o alimento mergulhado no óleo rebolava imparável.

 

Depois a senhora capturava os acepipes com uma colher e guardava numa bacia de plástico.

 

Então o primeiro cliente pediu:

 

- Dez badjias e um pão. - sua voz ressoou mansinho, condicionado pela fome matinal que lhe regulava a mente.

 

- Com ou sem piripiri? – questionou a vendedeira.

 

- Com!

 

A requisição foi atendida e o cliente cortou o pão cassete e introduziu as dez badjias, e logo deu uma mordedura precipitada, mastigou o suficiente para degustar as saborosas badjias da dona Ana, depois da segunda mordedura esboçou um sorriso e na terceira o alimento já não existia.

 

- São as melhores badjias de Maputo, aliás de Moçambique, sabem do mundo disse por fim! – E largou um sorriso que lhe encheu a cara.

 

Os muitos clientes que aguardavam a sua vez de serem atendidos não lhe deram atenção, aguardavam a sua vez de calar a fome que cantava nas suas barrigas.

 

Operadoras do mesmo sector tomaram conhecimento da qualidade do produto confecionado pela dona Ana, sentiram-se ameaçadas principalmente pela subtração diária da sua clientela.

 

Os fregueses existiam de todo tipo desde estudantes, trabalhadores, peões e automobilistas que vezes sem conta chegavam em busca de badjias.

 

Um desses dias estacionou um carro com chapa de inscrição do corpo diplomático norte-americano acreditado em Maputo, desembarcam dois indivíduos; o motorista e uma cidadã norte americana, ela se aproximou do posto de venda, os outros fregueses se afastaram com admiração para deixa-la passar, olhavam estupefactos para a mulher loira de cabelos cumpridos que não demorou a alcançar a vendedeira.

 

Fez a sua solicitação de badjias, os demais clientes ficaram orgulhosos do produto de dona Ana consumidas até por cidadãos estrangeiros. Esta procura internacional carimbou a fama dos serviços da senhora. A aquisição dos acepipes da dona Ana pela americana catapultou as vendas e conflito com as outras vendedeiras de badjias da zona.

 

Produzia e vendia todos os dias expecto aos domingos com qualidade invariável, os clientes sempre fieis visitavam o seu local de venda que funcionava no quintal de sua casa.

 

Um mês de concorrência fez com que as outras fornecedoras de badjias decidissem convocar uma assembleia para debater a nova ameaça que representava dona Ana. Dentre várias decisões ficou unanime que todas deviam provar o pastel para assim ficarem a saber porque que os clientes preferiam as badjias de dona Ana e prescindiam as delas.

 

Quando se reencontraram todas as cinco vendedeiras da oposição afirmaram convictas que realmente as badjias eram muito, mas muito apetitosas. Mais uma vez uma estratégia foi traçada pela enfrentar a concorrência das badjias de dona Ana.

 

O aumento da procura fazia com que dona Ana não respondesse atempadamente as solicitações, alguns clientes já reclamavam pela demora na resposta. Não demorou muito para ela encontrar uma solução, foi quando contratou uma moça para ajuda-la.

 

Chamava-se Zulmira e era muito dedicada, o tempo de resposta diminui, pois as tarefas ficaram divididas.

 

Infelizmente a moça que a coadjuvava só laborou durante uma semana e desapareceu e ai senhora teve que recobrar seus esforços para satisfazer a procura. Trabalhava em três turnos, logo pela manhã, ao meio dia e no princípio da tarde.

 

A terceira assembleia geral da oposição foi convocada para uma tarde de sexta-feira. Logo depois de aberta a sessão a presidente da mesa solicitou a presença de alguém.

 

- Conte-nos Zulmira como ela prepara as badjias?

 

A moça abriu um bloco de notas e passou a relatar os passos seguidos pela dona Ana para o preparo do gostoso acepipe. Todas as mulheres iam atentamente tomando nota.

 

Na manhã seguinte as donas do grémio da oposição passaram a seguir a receita de dona Ana, mas mesmo assim nos dias que se seguiram os clientes continuavam fiéis as badjias de dona Ana.

 

O prejuízo que muitas acarretavam fez com que algumas senhoras mudassem de zona para perpetuar o seu negócio.  Mas as mais intransigentes continuaram em busca de solução para competir.

 

Durante o terceiro turno a procura minguava, aparecia um e outro cliente, dona Ana aproveitava esse tempo para efectuar as tarefas domésticas, ficava dividida entre o negócio e os cuidados caseiros. Assim ela afastou-se minimamente do local onde fritava o último lote de badjias da tarde para cuidar da sua neta.

 

Quando regressou olhou para o fogão e simplesmente não viu a frigideira, limpou os olhos com as costas das mãos, reabriu e nada, a velha frigideira não existia. Ela não podia crer que tinham surripiado a sua velha frigideira.

 

Inquiriu tristemente entre um e outro que aparecia, mas simplesmente ninguém sabia da velha frigideira.

Sir Motors

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