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sexta-feira, 27 setembro 2019 08:09

Vampiros do asfalto

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O inverno no planalto de Chimoio confere uma brisa fria mesmo ao meio dia, por isso muitos citadinos andavam já armados para se protegerem do abaixamento da temperatura que se ia agudizando a medida que o tempo passava.

 

Consegui uma boleia que me levou até a terminal interprovincial de autocarros. Não andei dez metros quando um angariador de passageiros abordou-me, questionando se ia viajar para Beira, quando anui ele logo encaminhou-me para um autocarro que supostamente estava prestes a partir.

 

Antes de embarcar averiguei o preço da passagem que concordei, protestando somente pelo preço que cobravam pela bagagem que não achei nada justo, para cada trouxa cobravam o mínimo de cem meticais, assim o passageiro pagava quase a metade da passagem por pessoa no trajecto Chimoio-Beira.

 

A minha contestação não foi assimilada, logo tive que submeter-me. Embarquei, tomei o lugar que me indicaram, o pequeno autocarro que parecia ter uma lotação de quarenta passageiros estava quase lotado, as bagagens ficavam na parte traseira do interior e a que lá não cabia ficava no corredor, quando os assentos laterais ficaram ocupados, os gestores do machimbombo abriam então os diminutos assentos do corredor que quase descansavam por cima da trouxa dos viajantes.

 

O angariador a cada vez que trazia um passageiro e o acomodava largava uma suposta piada:

 

- Não vale comer sua sardinha com mandioca, sem servir ao seu colega senão o seu vizinho vai-lhe desejar mal.- ai gargalhava ele mesmo.

 

Percebia-se que tentava amainar a impaciência dos viajantes que estavam aborrecidos pela demora e largavam suas justas reclamações.

 

Por fim o machimbombo arrancou.

 

- Até que enfim. – desabafou um dos passageiros.

 

A atapetada via permitia que o veículo deslisasse ganhando velocidade, algumas janelas abertas permitia-nos desfrutar de uma frescura que aliviava o cansaço que nos consumiu durante longas horas de espera. Ainda pela janela divisava moitas verdejantes que constituíam a bela paisagem resguardado por um sol luzidio conferindo uma coloração espetacular ao céu.

 

Trinta minutos depois da partida e com toda a animação que desfrutávamos eis que me apercebo da desaceleração empreendida pelo motorista, esquivo os corpos que obstruíam a minha linha de visão e procuro descobrir pelo vidro para-brisas o empecilho que causava o afrouxamento.

 

Intrometeu-se na via um sujeito que pelo traje era um agente da polícia de trânsito, o pequeno machimbombo parou por completo e o motorista fintou os passageiros e as bagagens para poder desembarcar levando consigo uma pequena pasta plástica do formato a4 que com certeza possuía no seu interior os documentos do veículo. Levou perto de cinco minutos e voltou a tomar o seu lugar e então reembarcamos.

 

As conversas voltaram a animar a viajem, escutava uma e outra mas a paisagem que se oferecia confiscava o meu ser e a minha atenção.

 

A única variante rácica no autocarro era um jovem asiático, talvez de origem paquistanesa, comerciante com certeza, este debatia com o seu colega de assento sobre a religião onde dizia com convicção que para a sua religião Jesus não era filho de Deus mas sim um simples profeta. Este debate captou minha atenção.

 

Um infante chorou e a progenitora calou-lhe pousando o seio na sua boquinha, voltamos a ouvir o som do motor e cada um voltou a embarcar em suas divagações. Já não ouvia o debate, não sei se era pelo som potenciado pelo machimbombo ou se já tinha cessado.

 

Uma nova desaceleração, não levei muito tempo para conferir um chui de trânsito que quase perdia a sua presa por distração, mas foi a tempo de precipitar-se para o meio da estrada e sinalizar triunfante a paragem do veículo. O mesmo procedimento foi executado pelo conformado motorista.

 

Foram somados mais cinco interregnos por conta dos agentes da autoridade de trânsito e cada um tinha o cunho de subtração empreendida pelos demónios de azul e branco que sugavam a receita do transportador.

 

Um refrão de descontentamento soava pela voz dos passageiros cada vez que a nossa viajem era interrompida pelas autoridades de trânsito.

 

Uma pequena insurreição estava prestes a iniciar e se não aconteceu foi porque não surgiu um potencial líder.

 

Continuamos a viajem agastados pela atitude oportunista dos agentes de trânsito que nos atrasavam a cada paragem autorizada pela sua ganancia.

 

- São uns verdadeiros sanguessugas uniformizadas e autorizados pelo estado. – quase gritou um passageiro – pronto estava encontrado o potencial líder. 

 

- Barriga alimentada pelo dinheiro do povo – conferiu outro – pronto o adjunto também estava encontrado. Faltaria talvez a eleição por voto directo.

 

Alcançamos finalmente município de Dondo e o pequeno autocarro continuou rolando com uma velocidade média e só reduzia quando a placa de limite de velocidade para dentro de localidade mostrava 60km/h.

 

Solicitações de paragem foram encomendadas amiúde e descia um e outro passageiro.

 

Adentramos para a área de jurisdição do distrito da Beira.

 

- Cobradura¹ paragem Inhamissua - anunciou humildemente o cidadão asiático.

 

Gargalhamos todos, até o pequeno infante soltou momentaneamente o seio da mãe e mostrou uma careta alegre.

 

cobradura- corruptela do português paquistanês para dizer cobrador

Sir Motors

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