O desporto, cuja história apontava para ser um dos maiores patrimónios históricos do país, vem sofrendo face ao estatuto de menoridade a que foi relegado. Da Independência para os tempos em que vivemos, cometeram-se grandes males. Hoje, com o realismo e empenho de alguns, estamos numa fase dos pequenos remédios.
As leituras dos “rankings” internacionais, não mentem. Mas vive-se agora na tentativa de “acertar o passo” com África e o Mundo, o que poderá ser um tónico para encorajar a juventude a tirar proveito do “tónico” ímpar para a saúde, que é a prática desportiva!
NÚMEROS NÃO MENTEM
A invasão do cimento e dos “dumba-nengues”, à vista de todos, foram os primeiros “culpados” do abulicismo da juventude. O cimento tomou conta dos espaços onde se improvisavam os campos e o mercado informal fez o resto. Nem as varandas escaparam à voracidade de construir em tudo quanto é sítio, nas zonas urbanas.
Exemplificando: no Maputo, havia o Clube Central, movimentando o futebol na II Divisão. Dele já não reza a história. O mesmo com o Alto Maé, que possuía uma sede no bairro que lhe deu o nome.
E o que é feito do Atlético Nacional, Ferroviário das Mahotas, Belenenses, Beira-Mar, Rodoviário, Vasco da Gama, Aeroporto, Caju Industrial, Metal Box, Alumínios, Atlético Mahometano, S. José, Nova Aliança, Gazense, Águia D´Ouro, Inhambanense, Nacional Africano, João Albasini, IMA, Texlom, Zixaxa e tantos outros, dependentes das quotas e empenho dos sócios? Resiste ainda o Munhuanense Azar, autêntico “avis-rara”!
E se tivermos em conta que estes clubes movimentavam juvenis, juniores e reservas, facilmente se pode calcular as razões pelas quais o campo de recrutamento se reduziu drasticamente, obrigando a recorrer-se aos países vizinhos, de onde vêm, muitas vezes, jogadores caros e de qualidade duvidosa.
Outro “pecado”: no pós-Independência, o Estado decretou um “não” às transferências dos nossos atletas para outras latitudes. Craques de craveira passaram ao lado de grandes carreiras, deixando de motivar as novas gerações. Mais um erro histórico que acabou por ser corrigido, depois de (re)conhecido.
E AGORA?
Para quem como eu viveu, sentiu e sente, de alma e coração um tempo em que os “Geny(os) Catamos apareciam todas as épocas, custa engolir e acreditar que do reduzidíssimo parque desportivo que nos restou, o do Desportivo de Maputo, venha a ser mais um em vias de desaparecimento, para aumentar o sufoco que o cimento provoca na capital do país!
Repare-se que o Governo foi o líder da invasão dos terrenos dos desportistas, com o impensável exemplo de construir até a Secretaria do Desporto, num espaço que anteriormente era o Ginásio de Maputo! Ao lado, metro a metro, o circuito António Repinga vai reduzindo, reduzindo, reduzindo!
E já que estamos a falar de prioridades, não podemos deixar de referir que nos poucos campos e recintos desportivos que sobraram, por questões financeiras ou orientações políticas, as prioridades apontam para a ocupação em cerimónias religiosas e políticas, ou espectáculos desportivos.
Foram grandes males!
Os pequenos e curtos remédios?
Os recintos modernos, apenas dirigidos ao desporto do Black Bulls, ENH e União Desportiva do Songo, mais o programa do elenco de Feizal Sidat em investir na formação, bloqueando e recuperando os espaços destinados ao futebol.
Pessoalmente, gostaria de apresentar uma proposta: “qui-tal” (como dizia o SE), destruirmos os prédios que “roubaram” espaços ao desporto, para os devolver aos legítimos donos?
Hoje, a nossa campeoníssima faz anos. A Lurdes Mutola é uma das grandes personalidades ímpares da Pérola do Indico. O seu trabalho fê-la conquistar um lugar na história do desporto do planeta terra. Ela tem um lugar na glória. Em condições normais, numa sociedade sedenta de referências e verdadeiros símbolos, ela merece uma estátua similar a de Eusébio da Silva Ferreira. Já é tempo de se colocar, pelo menos, um busto dela (pode ser de gesso, o mais barato) no Parque dos Continuadores na Cidade de Maputo. Com esse mínimo gesto de reconhecimento público ganharia a capital, o País e o mundo.
Os Estados Unidos da América investem forte no basquetebol. O bio-tipo dos seus cidadãos, a tradição da bola-ao-cesto, enraizada nos bairros e escolas, garantem-lhes superioridade no Mundo da modalidade. Em África, um bom exemplo é o da Etiópia, que graças à altitude, clima e hábitos centenários, domina as provas de meio-fundo e fundo. Situações análogas permitem ao Japão brilhar no ténis de mesa, Austrália no râguebi, Rússia nos saltos e lançamentos.
O futebol, actualmente, não entra na lista das opções, uma vez que o pontapé-na-bola já “contagiou” o mundo inteiro. Por exemplo: a qualificação a um CAN, mexe mais com os moçambicanos, do que um quarto lugar no Mundial de hóquei em patins!
Estamos a falar de competição, pois desporto de lazer para distrair e melhorar a saúde, está inteiramente ao critério de cada grupo ou cidadão.
Refira-se que o talento dos moçambicanos no desporto, não veio com a declaração da Independência. Antes, éramos o primeiro mercado dos grandes clubes da então metrópole, em várias modalidades. Nomes como Eusébio, Coluna, Matateu, Hilário e muitos outros, figuram nos anais da FIFA, como dos melhores futebolistas mundiais de sempre. Mas não nos ficávamos por aí. No atletismo, tínhamos José Magalhães, que chegou a ser o maior velocista hibérico (Portugal e Espanha), mais os campeões mundiais de hóquei em patins, estrelas lusas em basquetebol e noutras modalidades.
TALENTOS DIVINOS
NÃO NOS DEVEM DISTRAIR
Dos principais erros no pós-Independência, claramente se destacam três: venda da maioria dos recintos desportivos, ocupação dos espaços livres pelos “dumba-nengues” e proibição dos craques poderem demonstrar as suas qualidades além-fronteiras.
Importa salientar que o surgimento de “talentos-divinos”, de geração espontânea como Mutola, Reinildo ou as meninas do boxe, devem ser acarinhados. Porém, isso não nos deve distrair daquele que deverá ser o foco principal: a definição das apostas pelo Estado, no que toca ao investimento nas modalidades prioritárias.
Pois a realidade é esta: se os mais ricos definem apostas e prioridades, após estudos científicos e concretos de algumas realidades atrás citadas, porque é que nós não apontamos – após estudos realistas – em desportos e actividades que nos permitam ser campeões regularmente, ao invés de estarmos à espera dos “talentos-divinos”, que aparecem por geração espontânea?