A escola estava agitada. Todos estavam ansiosos com a chegada do orador da palestra. Um General "nacionalista" e bastante referenciado em vários manuais da história oficial do país. Estávamos no ano de 2008, na altura, era estudante da Escola Secundária e Pré-universitária 25 de Setembro, na cidade de Quelimane, província da Zambézia. Uma acrópole grega, sediada a meia distância do núcleo das margens do rio dos Bons Sinais.
Todos queriam conhecer o General sobre o qual só líamos nos livros, revistas e jornais. Ouvíamos suas intervenções nas rádios e assistimos certas vezes suas aparições pela televisão. O cartaz estava fixado e tinha como tema da palestra: Serviço Militar Obrigatório e patriotismo. Naquele dia, o pavilhão desportivo da escola estava lotado e a juventude queria ouvir e ver por perto sobre os valores do patriotismo vindos de quem um dia abandonou os vícios da mocidade para se dedicar à longa luta pela independência de Moçambique.
A palestra começou. Embora o espaço estivesse lotado, todos ficaram calmos e atentos. Afinal, estávamos diante do General Alberto Chipande. Uma lenda viva nos amuletos oficiais sobre a nossa história. A intervenção do General decorria e calmamente explicava as vantagens de fazer parte do Serviço Militar Obrigatório (SMO) e o que o acto representava. Na palestra, o General deixou patente que todos nós tínhamos a obrigatoriedade de fazer parte do processo e que não existiam diferenças por lá (…) foi neste momento que uma pulga pousou na minha orelha e começou a incomodar-me.
Terminada a explanação do General Chipande, abriu-se o pavilhão para a sessão de perguntas e respostas. Eis que, depois de alguns colegas proferirem os seus "discursos sofistas" e de muitos conceitos elogiando o General, o que não era o centro do encontro, levantei o braço e pedi a palavra.
Num tom inocente e contextualizando os factos, sobre o que acompanhava noutros circuitos de informação e de opinião, sobre a matéria da palestra, questiono o General: Porque é que os filhos de pessoas com um status social e influência política como do General não cumpriam o SMO? E o que diferenciava estes moçambicanos acima mencionados de nós, os filhos dos pobres e sem qualquer influência política, económica e social?
Terminada a minha intervenção, seguiu-se um momento de palmas e gritos (é isso – diziam os jovens presentes no pavilhão e eufóricos!). Devolvida a palavra ao palestrante, eis que começou um discurso de que casos de género não existiam e que na República de Moçambique todos éramos iguais e não existiam protegidos perante a Lei, fôssemos filhos de qualquer individualidade, tínhamos de nos inscrever para fazer parte daquele dever patriótico. Com as questões e as respostas, esperava-se que viessem exemplos concretos dos filhos de grandes individualidades que haviam passado por lá, mas nada disso aconteceu!
No final da palestra, fui solicitado por alguns coronéis e directores que acompanhavam o General e procuraram saber quem eu era e quais eram as minhas origens. No dia pediram para que não colocasse questões de género em eventos como aqueles e que estava a agitar a juventude com as minhas perguntas – fiquei calmo e reparando nos olhos de quem falava – em seguida, calei-me e segui os meus colegas!
Sucede que, minutos depois da comitiva sair, fui solicitado no Gabinete do Director da Escola. Pensando que era para ser elogiado, eis que começa um processo inquisitório por parte da então pedagógica da escola, procurando saber, porque eu havia feito aquilo e quem teria encomendado aquelas perguntas. Fiquei perplexo e intrinsecamente ia indagando – eu sou estudante da 11ª classe de letras e, para além disso, leio e acompanho os debates públicos e opiniões diversas, e mesmo estando em Quelimane, isto não deveria constituir motivo de limitação para pensar Moçambique.
A Directora-pedagógica e o colectivo de docentes delegados para o inquisitório ficaram falando cerca de 30 minutos, ameaçando e aconselhando para que não voltasse a fazer o que havia feito. Após aquele exercício, passaram-me a palavra e eis que questionei: qual era a finalidade da educação ou do processo de ensino-aprendizagem que os professores levam a cabo na escola? Ninguém respondeu e, diante deles, eu disse: pensei que a escola fosse um espaço de desenvolvimento humano, de transformação intelectual e da nossa forma de pensar – entre eles, o pensamento crítico da nossa realidade social e política.
Sem respostas do colectivo inquisitório, deixaram-me sair do gabinete e do lado exterior, alguns colegas aguardavam e abraçaram-me, elogiaram-me e revelaram que toda a escola estava comigo, porque era assim como muitos estudantes deveriam ser.
Entretanto, a pedagógica e alguns docentes haviam me marcado e sempre que pudessem faziam questão de lembrar-me que estavam de olho e, caso não estudasse, as coisas seriam muito difíceis. Aquele facto fez-me estudar a dobrar e, mesmo com o roubo de notas, acabei dispensando várias disciplinas e aprovado nos exames de algumas que havia feito. No entanto, não foi fácil enfrentar os efeitos colaterais por "encarar" o temível General!!!
O gajo levanta-se as 4 e tal e vê se está tudo em ordem. Txuno-me, encosto a porta para não acordar a baby e ligo para o motorista para saber onde lhe pegar. Encontro-me com o motorista e a primeira coisa que faço é varrer as cascas de amendoim no bus. Eu não entendo esses passageiros todos dias gritamos “não queremos amendoim”.
E começamos com a primeira volta a mais sensível e maningue nice. Esquivamos a polícia e os buracos da cidade. Os passageiros não devem atrasar, porque isso pode nos prejudicar na receita. O atraso do passageiro é nosso atraso. Na primeira volta as magras é são mais nices, não ocupam muito espaço e afinam-se com facilidade. Há aqueles passageiros que não aguentam descer sem ter me chamo de zero. Sempre criando stresses. Se não é o passageiro que tira nota grande na paragem, um 1000, é o motorista que me insulta porque não fechei bem a porta, ora porque fiz um toque no meio da estrada.
Todos me insultam. E na terceira volta a baby começa a mandar bipes, porque quer saber qual é a ideia na house. Envio para ela o pouco que afinei e ela fica relaxada. Não temos time de almoçar, time de sentar e comer algo, comemos em movimento; um ovo no Benfica, uma coca no Jardim, uma maça no Fajardo e uma dose no museu. E as cenas correm. O importante é ganhar o dia.
Os passageiros insultam-me sempre, esquecem-se que eu também sei insultar; brow, eu tenho insultos pesados. Quando batem um cell no chapa todos olham para mim. Se não é minha mãe que me educou mal, é o meu pai que criou um marginal, mas eu não entendo onde entram os meus pais aqui no chapa. Faço esforço para levar esses tipos ao job e eles fazem de tudo para me tirar o job. São chefes, mas não sobem táxi.
Sabe, o cobrador é um cão de rua; sempre deve acertar ser atirado pedras; costumo dizer uma coisa: aos passageiros dou troco e razão; é a melhor maneira de não criar stress. Eu desde que cresci aprendi que pessoa viva não cheira mal, mas eu já fui dito que cheiro mal. É um beat que já me acostumei.
Ao meio-dia a cena acalma-se, jobamos sem pressa e preparamo-nos para ouvir os insultos dos chefes que saem às 17h. Saem stressados e descarregam tudo em mim. A partir das 17h é hora de ponta, pois todos enfiam-me as suas pontas.
Edjow, deixa de puxar papo comigo para depois não pagar. Peço mola, Doutor.
A efectiva garantia pelo respeito e protecção dos direitos humanos, da ordem e segurança pública, bem como da cultura de paz na República de Moçambique depende, não só de um quadro constitucional fundado no Estado de Direito Democrático e de justiça social, baseado no respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, conforme determinam os artigos 1 e 3 da Constituição da República, mas grandemente da adopção de uma política pública criminal abrangente e eficaz que sirva de instrumento orientador tanto para a feitura das leis de combate ao crime, garantia da ordem e tranquilidade públicas, como para a capacitação institucional de toda a estrutura funcional da administração da justiça. Dúvidas não restam de que o Estado moçambicano carece ainda de uma política criminal devidamente concebida e que responda aos problemas aqui levantados ainda que resumidamente.
O slogan ou a ideia do combate ao crime, em suas várias dimensões e actualmente com destaque para a chamada criminalidade organizada, sempre constituiu um dos apanágios teóricos da agenda pública nacional de governação, entanto que uma prioridade. Porém, com uma prática quase que insignificante ao ponto de permitir cada vez mais espaço para o recrudescimento da criminalidade, com a fácil introdução de novas formas e/ou tipos de conduta criminal que são praticados ou concebidos a partir dos próprios agentes ou funcionários públicos, cuja função primordial se traduz no combate ao crime, senão vejamos:
Há várias evidências assustadoras de que a Polícia da República de Moçambique - PRM e as Forças de Defesa e Segurança (FDS) - enxergam o cidadão e o Estado como uma fonte para o saque e enriquecimento ilícito. Um facto digno de realce da conduta criminal das FDS, na sua vertente de Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE), é que hoje, em certa medida grave, estão em julgamento no famigerado processo das dívidas ocultas e têm sido conotadas como autores de vários crimes em Cabo Delgado, incluindo no desaparecimento de jornalistas e violação da liberdade de imprensa. Ora, esta conduta institucionalmente criminal é extensível à Polícia Municipal (PM), ao Serviço Nacional Penitenciário (SERNAP), a Autoridade Tributária que faz vista grossa ao sistema de fiscalização, sobretudo no tráfego fronteiriço com vista a alimentar o contrabando de diversa ordem.
Por sua vez, a Assembleia da República de Moçambique (AR) adopta e aprova leis criminais que não reflectem a realidade do crime em Moçambique sem qualquer orientação consistente e clara de uma política criminal para o efeito. Foi assim que se aprovou por duas vezes, em 2014 e 2019, o Código Penal desestruturado e confuso, bem como um Código de Processo Penal aprovado através da Lei n.º 25/2019, de 26 de Dezembro, o qual se revela deveras incompreensível e de difícil aplicação.
Igualmente, a AR provou a Lei de Prevenção e Combate às Uniões Prematuras, a lei contra a violência doméstica, legislação contra a corrupção, o branqueamento de capitais e conexos como é o caso da Lei sobre as vítimas, denunciantes, testemunhas, declarantes ou peritos em processo penal que são, em boa verdade, problemáticas e que não combatem a problemática da conduta criminal de forma eficaz, provavelmente por falta de uma política criminal com os devidos preceitos orientadores.
No mesmo sentido, as reformas das instituições relevantes para o combate ao crime são feitas de forma atabalhoada, com métodos duvidosos e com fraca participação pública das entidades ou pessoas com a devida experiência nas áreas em causa. Foi nestes termos que se transformou a Polícia de Investigação Criminal (PIC) para o Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC), de forma dissimulada, de tal maneira que o modus operandi da PIC e do SERNIC é o mesmo, senão pior agora. Curiosamente, o Gabinete Central de Combate à Corrupção é testemunha da tendência crescente da corrupção em Moçambique e, infelizmente, não da sua significativa redução como resultado das suas actividades.
Hoje, a questão dos raptos é o pão de cada dia dos moçambicanos e são praticados até pelos agentes da PRM, com destaque para o SERNIC. Mais do que isso, é que foram instituídos, pelo menos do ponto de vista prático, grupos operacionais, dos quais um se designa “Esquadrões da Morte” e que integram agentes da PRM, tanto é que os polícias do Grupo de Operações Especiais (GOE), da Força de Intervenção Rápida (FIR), unidade antimotim da PRM, já foram flagrados em actos de execução sumária, entanto que “Esquadrões da Morte.”
Os critérios de recrutamento ou de selecção dos agentes da PRM são críticos e há muito que se denuncia a prática da corrupção para o ingresso na PRM. Esta corporação está de tal maneira descredibilizada que quem quer ser agente da PRM é aquele que quase não encontrou outra forma de sobrevivência e que vivia da má conduta. Com muita preocupação da sociedade, as vagas na PRM são vistas como uma licença legal para a prática do crime com recurso aos símbolos e instrumentos do Estado.
Um outro exemplo traduz-se na excessiva impunidade pela prática de crimes, o que está praticamente institucionalizado e não se vislumbra um mecanismo orientador claro, prático e eficaz para acabar com a impunidade que alimenta cada vez mais a criminalidade, sobretudo a grande corrupção que envolve os dirigentes do Estado ao mais alto nível.
Portanto, para garantir a protecção pelos direitos humanos, a lei e ordem, a salvaguarda da segurança de pessoas e bens, a cultura de paz, a tranquilidade pública, o respeito pelo Estado de Direito Democrático e a observância estrita dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, é preciso colocar o dedo na ferida no sentido de adoptar e implementar uma política pública criminal profundamente moderna, séria, transversal e interdisciplinar focada no respeito pela dignidade humana e defesa da soberania do Estado.
João Nhampossa
Advogado e Defensor dos Direitos Humanos
Sei que sou desdenhado em todo o lado mas isso não me importa. Sei também que o meu desfiladeiro alagado de cactos não tem volta, porém ressurjo em cada golpe. Sou um lagarto com escarpas permeáveis, incapazes de me defenderem dos ventos infaustos que me fustigam a alma abandonada na noite de bréu. Cheguei ao ponto em que já não sinto nada, a não ser as espigas de aço que me ardem em todo o dentro dos meus sentimentos profundos.
Ainda ontem vi uma das minhas antigas mulheres a mudar de direcção para não passar perto de mim quando me divisou de longe, então percebi o nível em que estou. Na verdade sei da minha abominação, que já não me dói. Tenho as malas aviadas, cheias de memórias. São elas que me acompanham em forma de músia, em cujo refrão ribomba esse verso cataclítico que diz assim, quando estiveres a atravessar o inferno, não pára de andar. E eu não páro de beber.
Abdiquei das ilusões, recuso-me a sofrer. É por isso que estou em contacto permanente com a morte, na minha esperança cheia de demora. Não temo nada, nem a guilhotina que vai descer em vibração ao encontro da minha carne. Eu sei que depois destas farpas todas que me cercam, triunfarão as harpas. Para gáudio do blues.
Os meus amigos zarparam. Todos. Fugiram do cheiro que exalo das minhas palavras incongruentes. Têm vergonha de mim, por isso ao lhes ser perguntado se me conhecem, respondem que nunca ouviram falar desse indivíduo que sou eu. Virei-me para um deles, num dia de chuva em que, por coincidência estávamos os dois abrigados num alpendre da cidade, e perguntei assim, vocè não me conhece, irmão? Ele disse que não, não me conhece.
Depois de beber quero falar. Cai sobre mim a necessidade irresistível de repetir histórias fascinantes do passado. Quero cantar em surdina as músicas dos meus ídolos, mas ninguém me ouve, e isso aumenta as minhas feridas que não páram de sangrar por dentro. O pior é que já não me permitem a entrada nos bares, nem nos esconderijos imundos onde se bebe aguardente de cana em copos jamais lavados.
Então, toda esta rejeição significa que os meus convivas são os arautos do próprio diabo, o Lúcifer. São eles que me vão acompanhando com todo o rancor à câmara de cianeto, e eu não posso fazer nada, as minhas forças esvairam-se na bebida. Transformaram-me em desperdício. O meu relógio deixou de marcar as horas que sempre foram cruciais para a renovação do amor. Agora é indiferente que seja manhã ou tarde ou noite, vivo abandonado no escuro, sem mais dúvida alguma de que serei executado no próximo pricipício. Mas enquanto a morte não chega, deixa-me beber.
Quando o COVID-19 chegou ao mundo e as inúmeras restrições e lockdowns emergiram, escrevi sobre ser uma óptima oportunidade para África se reorganizar e se reestruturar para que quando as coisas “voltassem ao normal”, África pudesse estar mais preparada e independente.
Para além do que escrevi na altura, imaginava que com as restrições ao acesso aos serviços de qualidade do primeiro mundo, principalmente a saúde, ficaria claro para os dirigentes africanos que estamos todos no mesmo barco, pelo menos enquanto os lockdowns existissem, e que dever-se-ia trabalhar na providência de serviços e infra-estruturas de qualidade para todos, forçando a melhoria da capacidade produtiva africana. Mas porque sabemos sempre arranjar formas para benefícios de uma minoria, ainda em lockdowns, jatos privados serviam de meio de ligação com esses lugares mais organizados para os nossos líderes serem bem tratados, e doutro lado aqui em nossa terra, empresas faliam, o povo no desemprego, estávamos incapazes de controlar o vírus porque não tínhamos testes suficientes, nem condições de serviços de saúde para atender a demanda causada pelo vírus.
Enquanto isso, o primeiro mundo repensou (não sei se bem, mas repensou), novas formas de tratamento do ecossistema natural surgiram, COP 26 é um grande exemplo desse repensar (não irei fazer nenhuma análise critica sobre o mesmo neste artigo), novas formas de produção, de trabalho e tratamento dos trabalhadores também surgiram, cada vez mais o famoso “work-life balance” torna-se uma realidade e África a reboque tenta implementar tais soluções impostas pelos outros mas que podem não funcionar devidamente por aqui porque a estrutura não está preparada para receber essas soluções.
Sempre esteve claro que o mundo não parou porque os Africanos foram afectados pelo Covid-19 mas porque o ocidente tinha sido afectado. As economias por lá já estão em recuperação, África não foi vacinada o suficiente por incapacidade técnica e financeira para produzir ou comprar vacinas, por isso, e principalmente pelos motivos não declarados, o mundo vai isolar África (ou se preferirem África Austral). E dependendo das acções que forem tomadas pelos africanos, continuar com o modis operandi que já nos habituamos pode ser caótico para uma economia que passou por tanto nestes últimos tempos e que quase não tem reservas para se aguentar sem o resto dos continentes.
Em ciência, em economia, evita-se falar de Deus (o arquitecto do universo, a força por trás de tudo ou outro conforme quiserem chamar) sob o risco de sermos descredibilizados. Entretanto, trago aqui a sua presença por ser através dela que a maioria das pessoas se sente na “obrigação” de serem justas, de serem éticas e de fazerem o certo e principalmente por se acreditar que não se vai contra a vontade de Deus.
Ora, andamos em corridas desmedidas atrás de riqueza e poder, e, por conseguinte, a natureza sofre por ser demasiadas intervenções sobre ela e os efeitos são os que se vêm com as mudanças climáticas; sofrem também os humanos que já não têm direito a descanso porque o trabalho já não tem hora nem lugar; a preocupação pelo outro e pelo bem comum torna-se raridade... Se olharmos pela lógica divina, com o Covid-19, Deus deu ao mundo uma oportunidade de se repensar e reorganizar para cuidar melhor deste mundo e dos seus, e enquanto estavámos em lockdowns, os ecossistemas naturais restauraram-se e provaram que a actual presença humana é nociva a sua sobrevivência.
O primeiro mundo já pensou e adoptou novas estratégias de funcionamento com base na experiência do covid-19 e provou mais uma vez que o que eles pensam não é com objectivo de termos um mundo justo e igual para todos, e por isso África vai ser isolada. Se voltarmos para lógica divina, vamos ser também isolados porque não estamos a fazer o que devemos.
Será que já paramos para analisar que neste período (Covid-19, Instabilidade em Cabo Delgado, insegurança alimentar e conflito armado na Nigéria, a instabilidade na Etiópia, etc.) mais a nossa falta de organização, quantos cidadãos ficaram sem emprego, quantas famílias ficaram sem sustento, o nível de inflação, aumento do custo de vida, empresas falidas, desinvestimentos, desunião, egocentrismo, etc? O que isto significa para nós a médio e longo prazo?
Deixa-me dizer que, neste período nem tudo foi desgraça, o país (Moçambique) introduziu a prestação de serviços públicos por via de canais digitais; com a utilização do digital e da internet ficamos mais próximos de todo o mundo; a utilização de forças tarefas e providencia de informação continua sobre o estado da nação foi experimentado. O potencial económico resultante da riqueza turística, mineral, de produção agrícola, demográfica, entre outros permanece aqui (Moçambique e África). E com mais esta chance que o primeiro mundo nos dá (que eu prefiro pensar que é Deus, e não eles) de enquanto estivermos isolados, repensarmos e organizar todo esse potencial que temos, gerar empregos, melhorar a qualidade dos serviços, a produtividade, nos tornarmos autossustentáveis, independentes, unidos e justos, devemos fazer agora e não noutro tempo, porque depois pode ser tarde, fazer um lockdown para pensarmos e cuidarmos da nossa tão querida África – e porquê não de todo o universo.
Só para terminar, escrevi este texto porque gostaria de ver os jovens africanos, principalmente os moçambicanos, a entenderem que somos cada vez mais chamados a contribuir para a nossa liberdade. Parem por um momento esses posts de #ricariatodahora #avidaéumalife #estamosemfestas #riquezade1000pessoasestouacarregarsozinh@ e x, y e z e vamos buscar estratégias de transformação do nosso continente, do nosso país, e quiçá do mundo, e do nosso ser enquanto humanos.
Se não quiserem fazer por nós, e pelos vossos filhos, pelo menos façam pelo amor que têm por Deus para que a sua vontade de ver a sua bela criação próspera seja feita.
#africapleasestandup
A semana passada teve o condão de os moçambicanos e o mundo em geral verem uma ilustre personalidade sentada no banco dos réus… ainda que não como réu propriamente, mas como declarante - o que, aos olhos do zé-povinho, é igual! De facto, em termos semânticos, a diferença é igual: em ambas as circunstâncias, trata-se de julgamento; tanto aquele que se senta no banco como réu, como o que se senta como declarante, ambos são impiedosamente interrogados pelo mesmo juiz na busca do esclarecimento da verdade material sobre determinada ilegalidade.
Assim, podemos murmurar que vimos, sim, um gigante sentado no banco dos réus!
Recuando no tempo, temos é memória de Sebastião Mabote e Manuel Antônio sentarem no banco dos réus, acusados de tentativa de golpe de estado; Almerino Manhenje, acusado de uso à margem das leis dos fundos do erário público; mais adiante, recentemente, tivemos o ex-ministro Paulo Zucula. Esperamos proximamente ver… a ex-ministra do Trabalho. É pouca coisa para 46 anos de independência de uma nação. Muito insignificante para tamanhos desmandos, violações, barbaridades, ilegalidades, desacatos, actos de corrupção, e outros nomes que tais. Se efectivamente fôssemos por um estado em que governa a lei e quem age à sua margem é rigorosamente responsabilizado, muitas ilustres personalidades já teriam passado pelo banco dos réus, seja como réus de facto, mas também como declarantes ou testemunhas.
Mas tudo bem. Esta semana, tivemos o ilustre ex-governador do nosso banco central. De todo o seu exercício de passear a sua classe, eloquência, magistralidade, academice, solenidade - tudo temperado com aquele seu adocicado sotaque bitonga -, ficou que o Banco de Moçambique autorizou as dívidas odiosas em nome da soberania, em nome de garantir a sobrevivência do estado moçambicano. Este é o entendimento geral das declarações do ex-boss da autoridade financeira suprema, largamente reflectida, ou vertida (segundo os juristas), em muitas páginas de jornais.
Colocação problemática esta que o juiz não deixou passar. Retorquiu ele que "então para vocês a soberania precede a lei?” (citação de memória), ao que o nobre declarante redarguiu que “estava em causa a existência, segurança e sobrevivência do estado; não queríamos estar numa situação de não aprovar as garantias e acordarmos amanhã sem o estado moçambicano…" (também citação de memória).
Viajemos juntos com o Gove, afinal ele não nos está a viajar? Então a lei moçambicana, qualquer que seja ela, área, sector ou natureza, não tem em conta a soberania nacional? É concebível, racional, que uma lei moçambicana, ainda que seja sobre o aborto, por exemplo, nao tenha como mote a salvaguarda dos interesses do nosso estado, a nossa soberania? Particularmente, as nossas leis financeiras não destacam a questão da soberania? Não visam preservar e defender a soberania do nosso estado? Uma coisa serão as nossas leis financeiras e outra serão as outras leis que visariam preservar a soberania e a existência do estado? É isso? Há essa destrinça? De que falamos, afinal, quando sempre evocamos interesse nacional? As nossas leis não são pelo interesse e instituto nacionais?
Se é isso, então cabe entender que o proponente das tais leis financeiras não é moçambicano, muito menos patriota; ou que o legislador que delas se apropriou e emanou não é moçambicano! Será racional entender que o Banco de Moçambique possa propor uma lei que não tenha em mente a soberania nacional? O interesse nacional? Que a Assembleia da República emane uma lei que não salvaguarde a soberania nacional? Que o chefe de estado promulgue uma lei que não salvaguarde a soberania nacional? É isto que Ernesto Gove quis que enxerguemos?
Mas mais, soberania, afinal, o que é? Não é tudo o que é nossa pertença, incluindo as leis que regram sobre o nosso estado? Então, que lei financeira é essa que não previu questões inerentes à defesa da nossa soberania?
Depois, quem é que proclama que a soberania do estado está em perigo? Quem e aonde? Estando em perigo, como gritam os réus - e Ernesto Gove também fez coro -, a soberania do estado, não é o chefe desse estado que, em fórum próprio, alerta, proclama e indica as medidas que devem ser tomadas e por quem para se fazer face a esse perigo de estado? É alguém andar de gabinete em gabinete com papéis na mão a recolher assinaturas, coagindo, ameaçando e intimidando?
Mas esta já não é responsabilidade apenas do Gove, é do chefe do governo! Este devia, depois de se aperceber, informar-se devidamente e recolher e consolidar as ideias sobre uma eventual ameaça à soberania do estado, convocar os órgãos próprios, incluindo o governo do Banco de Moçambique, e lhes instruir sobre o que devem ou não devem fazer, as medidas a tomar para salvaguardar a soberania.
Isto é que devia ser. Mas, entendemos, Gove quis safar a sua pele! Vamos ouvir o que a bateria de ministros que vem aí vai dizer-nos. Esperamos que não nos façam de matrecos, como o ex-governador nos fez!