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segunda-feira, 16 agosto 2021 07:44

Depois de Mocímboa da Praia prevalecerá a primazia do gás sobre as pessoas?

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A recuperação de Mocímboa da Praia, sem dúvidas, marca uma nova fase na luta contra os insurgentes. No campo militar, a moral das Forças de Defesa e Segurança (FDS) e das tropas ruandesas está em alta e novas conquistas são esperadas. Na azáfama das conquistas, o Chefe de Estado Moçambicano pediu à Força em Estado de Alerta da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) que abra caminho à ajuda humanitária em Cabo Delgado. Do seu discurso pode escortinar-se a preocupação em ver reabertos os corredores logísticos por terra e pelo mar. Vale lembrar que o troço Pemba-Palma foi inicialmente preterido pela Anadarko como corredor logístico de suporte às suas operações em Afungi, passando a usar a via marítima e ponte aérea através de Mocímboa da Praia. A Total que adquiriu a concessão de gás à Anadarko, deu continuidade a mesma política e com o agravamento da insegurança, passou a usar a ponte aérea de Pemba para Mtwara na Tanzânia, e deste ponto para Palma.

 

Os corredores logísticos de suporte a indústria de gás tem sido o centro de atenções dos principais players, incluindo os grupos terroristas. Estes últimos, com um desdobramento adicional no controlo dos recursos naturais do interior, onde se verifica a ausência do Estado, para financiar suas operações. Vários estudos apontam para uma correlação entre a exploração ilegal dos recursos naturais (madeira, caça furtiva, minerais preciosos etc) e o financiamento a actividade terrorista. 

 

Não é minha intenção divagar no campo das operações militares e seus desdobramentos, até porque os dados para o efeito são escassos. No entanto, há que perceber que os grandes players externos, quer estatais e privados, têm clareza dos seus interesses no conflito de Cabo Delgado, quer sejam eles económicos, geopolíticos e até de prestígio e berganhas. Muitos destes interesses estão alinhados ao que chamaria da Primazia da Indústria de Gás, que não necessariamente se alinham ao Interesse Nacional. Há um risco, sempre presente, de confundir-se tais interesses com os interesses supremos da nação, resultando no embaciamento dos reais problemas que o país deve enfrentar, muitos dos quais na origem do surgimento do extremismo violento. 

 

A história da sociedade moçambicana é marcada por ciclos de conflitos intermitentes, saímos de um conflito para o outro, e as estruturas de organização social, produtiva e política absorvem novas formas de conflito. Mesmo partindo do pressuposto, assumido por várias correntes de pensamento, de que fanatismo islâmico é um elemento exógeno à nossa realidade, a verdade é que o mesmo se ancorou em bases sólidas endógenas (factores internos do conflito) que propiciaram a sua transformação em um fanatismo localizado. Aqui reside a importância estratégica da interpretação crítica e minuciosa da recuperação de Mocímboa da Praia e dos seus desdobramentos.

 

Se por um lado os players externos colocarão maior primazia para indústria do gás (no sentido negativo – retardar a retoma das operações em Afungi e reduzir a competitividade do país; ou positivo – retoma da exploração do gás e seus dividendos), caberá ao Estado Moçambicano discernir suas prioridades endógenas e contrabalançar tais interesses externos. A curto e médio prazos não é, e não deve ser a prioridade do país a retoma das operações da indústria do gás. Pelo contrário, a prioridade são as pessoas; são os milhares de deslocados internos em extrema necessidade de assistência humanitária; é a compreensão e resposta aos elementos endógenos incubadores do extremismo violento, sem dependência da indústria do gás. A ansiedade de colher dividendos da indústria de gás a curto e médio prazos, para fazer face a uma economia em frangalhos, deve ser substituída pela vontade e prontidão em responder aos elementos atrás mencionados sob pena de plantar as sementes dos novos ciclos e formas de conflito e violência.

 

A opção diplomática defendida por determinados sectores só será efectiva se de forma crítica e pragmática, transitar-se dos chavões políticos para responder aos problemas estruturais associados ao conflito. Há que responder as seguintes questões: i) A Desmaputização do emprego na indústria do gás em Cabo Delgado – em que jovens circunscritos ao espaço geográfico de Maputo (independentemente da sua origem étnica) devido ao acesso a informação, formação e redes de influência, dominam o marcado de emprego associado a indústria do gás em Cabo Delgado; ii) A ausência de um Estado doptado de políticas semi-providencialista e contextualizadas para comunidades marginalizadas de Cabo Delgado, Nampula e Zambézia; iii) O reconhecimento das desigualdades étnicas históricas e históricas elitistas no acesso aos meios de produção; iv) A identificação de formas inclusivas e progressistas para fazer face a informalidade que caracteriza a exploração dos recursos naturais pelo país; e v) A diversidade no acesso as diversas formas de poderes localizados. Estas e outras, são contradições históricas profundas e de longa duração que carecem de um devido reconhecimento e tratamento como uma agenda nacional.  

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