“O voto em branco significa que o eleitor opta por não votar em nenhum candidato. Para fazer isso, ele aperta a tecla “branco” na urna electrónica e depois confirma. Na época da votação em papel, esse tipo de voto era contado quando o eleitor não preenchia a opção na cédula”
“Sou um cidadão moçambicano, não sou membro da Renamo, mas vejo na Renamo um actor relevante na política nacional, não somente porque está no parlamento, mas sobretudo pelo seu histórico. A Renamo tem e deve continuar a ter um papel preponderante na vida social, económica, política e cultural de Moçambique. O Acordo Geral de Paz de 1992 trouxe para a sociedade moçambicana um novo actor político, que conseguia equilibrar a balança política nacional, não pela retórica, mas pelo conhecimento real da nossa sociedade, por isso, presidente Ossufo Momade, face aos resultados eleitorais, ainda que provisórios, convoque um Congresso Extraordinário para reflectir sobre a vida do partido ou coloque seu lugar à disposição”.
AB
A presente carta aberta ao Presidente do Partido Renamo não pretende, de forma alguma, criar cisões internas no seio do partido. Ela é escrita por alguém que se considera patriota e, por isso, pretende ver Moçambique a trilhar por caminhos de Paz e Concórdia, caminhos da Democracia Multipartidária que a própria Renamo ajudou a criar, com a alteração da Constituição em 1990. Por isso, a passagem hipotética deste partido para um terceiro lugar, ainda que não aconteça, mostra que algo deve ser revisto internamente. A questão é: estará em condições Ossufo Momade de promover um debate interno franco e aberto com vista a essa mudança?
Desde já, é preciso ressalvar que a Renamo é criada logo a seguir a independência nacional. Existem muitos argumentos sobre a sua criação e motivações, contudo, vamos nos cingir naquilo que é publicamente sabido e recorrentemente escrito dentro e fora do país. Fazendo fé à documentação que encontrei sobre a sua criação, diz-se que a Renamo foi criada em Novembro de 1976, num dos Quarteis da Capital, por camaradas das Forças Populares de Libertação de Moçambique, insatisfeitos com a Direcção do Presidente Samora Moisés Machel. Isto consta do Primeiro Estatuto da Renamo publicado em Abril de 1979.
Quem cria e sustenta a RNM – Resistência Nacional Moçambicana e com que objectivos?
“O engajamento dos regimes racistas da África do Sul e da Rodésia na disputa sobre os destinos de Moçambique, criando e sustentando a Renamo, era parte da estratégia de inviabilizar um possível êxito das experiências de autogoverno negro, o que teria reflexos subjectivos e objectivos em toda a região. As acções de sabotagem contra o governo da Frelimo foram parte desta guerra de baixa intensidade que buscava manter o desgaste provocado pelo estado de conflito permanente. Não se tratava de vencer, mas de impedir o outro de governar”.
In: Juvenal de Carvalho Conceição Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Brasil
Como se sabe, a primeira liderança operacional foi de André Matade Matsangaissa. Consta ter sido militar das Forças de Luta de Libertação de Moçambique (por confirmar) que, com apoio dos colonos Portugueses, Rodésia do Sul de Ian Smith e do Regime do Apartheid de Peter Botha, organizou, treinou, equipou e definiu alvos em Moçambique. Os primeiros combates de Matsangaissa tiveram lugar na província central de Manica e sabe-se que a sua base central era na Serra da Gorongosa e denominava-se “Casa Banana”. Este primeiro Chefe e Comandante da Renamo viria a morrer em combate, a 17 de Outubro de 1979, na Gorongosa.
Para a sucessão no comando da Renamo, na altura, segundo literatura compulsada, pontificavam um militar de nome Charles e Dhlakama, tendo saído vitorioso Afonso Dhlakama, que teve apoio da ala externa, liderada pelo Regime do Apartheid. Este homem comandou a Renamo da Guerrilha de 1979 a 1992, altura em que, por força do Acordo Geral de Paz, assinado em Roma, Itália, a Renamo se torna num partido político. Lembre-se, o acordo foi assinado pelo Presidente Joaquim Alberto Chissano e o Líder da Renamo, Afonso Macacho Marceta Dhlakama, colocando fim aos 16 anos de guerra entre moçambicanos no território nacional.
Ora, Ossufo Momade não entrou para a Renamo por livre e espontânea vontade. Terá sido sequestrado por homens da RNM e, em seguida, forçado a integrar a Renamo, para o que terá sido confiado o comando de Manica e Sofala na Guerrilha. Ossufo Momade desempenhou alguns cargos de relevo antes da morte de Afonso Dhlakama, como seja Secretário-geral da Renamo entre 2007 a 2013, Chefe de Defesa e Segurança da Renamo. Entretanto, com a morte de Afonso Dhlakama, a 03 de Maio de 2018, Ossufo Momade torna-se Presidente Interino da Renamo e, em 2019, Presidente eleito no Congresso.
Sucede que Ossufo Momade não foi feliz na sucessão a Afonso Dhlakama, quer interinamente, quer depois do Congresso. O resultado disso foi o surgimento da Junta Militar da Renamo.
A Junta Militar da RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana), conhecida pela sigla JMR, é um grupo militar desintegrado do maior partido da oposição de Moçambique, a RENAMO. O grupo foi criado durante o mês de Junho de 2019, no decurso do processo de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração dos homens armados da RENAMO, na sociedade. É presidido pelo Tenente-General Mariano Nhongo, eleito no dia 19 de Agosto de 2019 numa conferência nacional extraordinária de três dias, em Piro, nas imediações da Serra da Gorongosa, Sofala, Moçambique. in Wilkipedia.
Mas não só, militares de relevo, no tempo da liderança de Afonso Dhlakama, que não concordaram com os métodos de Ossufo Momade, foram de alguma forma colocados na “prateleira” e ou forçados à desmobilização sem eira nem beira, como sói dizer-se. Isto por um lado, e, por outro, a ala política, que tornou a Renamo um partido relevante no debate dos assuntos nacionais, foi colocada igualmente de lado e, no seu lugar, surgiram novos actores políticos. Infelizmente, esses actores não conseguiram ocupar, de forma efectiva, o lugar dos anteriores políticos e a Renamo foi se deteriorando.
Nas eleições de 09 de Outubro de 2024, por razões não públicas, Ossufo Momade não se fez presente na abertura da campanha eleitoral. Não sei se se tratava de uma imitação a Afonso Dhlakama, nas últimas eleições em que participou, mas é preciso ter em conta que Dhlakama era o tipo de animal político dos raros!
Ossufo Momade não conseguiu aglutinar diferentes sensibilidades internas e a cisão foi confirmada no Congresso da Renamo e na forma como o mesmo foi convocado. O número de aspirantes a Presidente da Renamo era a expressão de diferenças internas insanáveis e, depois da eleição, Ossufo Momade não teve arte bastante para juntar as alas internas em torno de um objectivo comum.
Para finalizar, realçar que, com esta Carta Aberta, dirigida a si Senhor Presidente da Renamo, General Ossufo Momade, pretendo convida-lo a duas coisas”:
1) A convocar um congresso extraordinário, respeitando as etapas estatutárias, para debater, de forma franca e aberta, a vida interna da Renamo, de forma a aproximar as partes desavindas. Isto é fundamental, não somente para a vida da Renamo, mas para o país;
2) Caso contrário, coloque seu lugar à disposição!
Adelino Buque
O caso do Banco Austral teve agora um “volte face” na justiça, com a pronúncia de três arguidos, que sentar-se-ão no banco dos réus dentro em breve. A decisão do Tribunal Superior de Recurso de Maputo, que revoga um despacho de não pronúncia exarado em 2009 pelo juiz Cinco Reis, é tomada quase 15 anos depois do recurso do Ministério Público e do assistente contra aquele despacho.
Quinze anos depois? Afinal, o que andam a fazer os juízes do TSR? Este caso devia ter a devida celeridade, tratando-se de um caso que teve contornos de delapidação dos cofres do Estado, que foi obrigado a recapitalizar o banco para privatizá-lo novamente, da última vez para o ABSA.
Quinze anos, e um dos arguidos atingiu a velhice da vida, anda doente. Com 84 anos de idade, a justiça ainda acredita que ele pode pagar pelo alegado crime cometido em 2001, esquecendo-se que o direito do homem a que se faça justiça em tempo útil e razoável é um dos princípios fundamentais de um Estado de Direito.
Este arrastamento do caso sugere nuances de denegação da justiça ou, o que é pior, de justiça tardia.
Já alguém escreveu: “justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes e, assim, as lesa no património, honra e liberdade. Os juízes tardinheiros são culpados, que a lassidão comum vai tolerando. Mas sua culpa tresdobra com a terrível agravante de que o lesado não tem meio de reagir ao delinquente poderoso, em cujas mãos jaz a sorte do litígio pendente.”
Se é para embarcamos na justiça tardia, então que ela seja feita em toda a extensão do caso. Não basta fazê-la apenas no caso do assassinato, para responsabilizar apenas os autores do homicídio. É também preciso responsabilizar os autores da gestão danosa do banco.
Para quem não sabe. O caso Banco Austral tem duas vertentes. A vertente do assassinato e a vertente da gestão danosa. As duas têm uma relação intrínseca, de vasos comunicantes.
A gestão danosa foi a principal causa do assassinato. Logo após o assassinato de Siba Siba Macuácua, o Estado começou a investigar apenas este crime. Sobre o assassinato, o Ministério Público acusou alguns indivíduos em 2009, mas o Tribunal da cidade de Maputo rejeitou as acusações, soltando os suspeitos que haviam sido detidos (Parente Júnior, entre outros, nomeadamente dois guardas do antigo banco que se suspeita tenham sido os autores materiais do crime).
O Ministério Público (MP) recorreu ao Tribunal Supremo, havendo ainda a esperança/possibilidade do Tribunal Supremo dar razão ao MP e vir a pronunciar os acusados. O recurso foi aceite, agora pelo TSR.
Parte dos antigos administradores, nomeadamente Octávio Muthemba e Jamu Hassan, haviam sido constituídos arguidos como autores morais, mas o Ministério Público se absteve de acusar, também por alegada falta de indícios. Espera-se que, se o Supremo der razão aos argumentos do Ministério Público e o caso for a julgamento, possa haver clareza em relação à identidade dos autores morais.
A investigação da gestão ruinosa do Banco Austral nunca foi preocupação de primeira hora por parte das autoridades. As investigações sobre a gestão danosa só começaram depois da pressão dos doadores e da sociedade civil, tendo culminado com a realização de uma auditoria forense, por uma firma estrangeira. A realização da auditoria, sob pressão dos doadores, enquadrou-se, como se sabe, no contexto dessa recapitalização que teve como pano de fundo a cobertura dos prejuízos acumulados do Banco Austral – na ordem dos 400 milhões de USD – e no qual foram envolvidos dinheiros dos contribuintes moçambicanos e estrangeiros, nomeadamente daqueles países que prestam o apoio directo ao Orçamento do Estado. A auditoria forense encontrou sinais evidentes de gestão danosa.
A Procuradoria Geral da República (PGR) sempre disse que estava a investigar a gestão ruinosa, mas nunca revelou em que direcção as investigações seguiam. Aparentemente, só no ano passado é que foi instaurado um processo (53/A/PRC/2009) contra antigos administradores e gestores do Banco Austral, entre os quais Octávio Muthemba e Jamu Hassan. Em Abril de 2009, o Ministério Público decidiu abster-se de acusar os antigos gestores alegadamente envolvidos na gestão danosa. O argumento é de que a lei aplicável começou a ter efeitos posteriormente aos actos de gestão danosa.
Aparentemente, e em contraste com o que aconteceu no caso Cambaza (Aeroportos), o Ministério Público parece não ter feito muito esforço para ir rebuscar leis anteriores à Lei 15/99. No caso Cambaza, quando se viu que a Lei Anti-Corrupção (Lei 6/2004) era ineficaz para condenar os arguidos, o Ministério Público e o Tribunal recorreram à Lei 1/79 (Lei sobre Desvio de Fundos), uma lei elaborada num contexto de repressão estatal.
Temos indicação de que outras leis podiam ser usadas para se ir avante com a responsabilização criminal da gestão danosa, no mesmo espírito que se usou a Lei de Desvio de Fundos no caso dos Aeroportos. Uma delas é a Lei de Defesa da Economia (Lei 5/82, de 9 de Junho, posteriormente alterada pela Lei 9/87, de 19 de Setembro), que criminaliza actos de gestão danosa, negligência, violação de regras de gestão, abuso de cargo ou função, fraude, pagamento de remunerações indevidas, etc., quando estes actos atentem contra o bem-estar do povo. Não consta que esta lei tivesse sido usada exaustivamente para responsabilizar os gestores em causa.
Esta lei (9/87) foi apenas usada para se abrir um processo autónomo contra os gestores malaios do Banco Austral, nomeadamente Koonjambum Mugathan, Marcus Young e Leong Yit Ket, que representavam o accionista SBB (um banco da Malásia). Mas não foi usada para responsabilizar os administradores moçambicanos, alegadamente porque eles não participavam da gestão diária do banco.
O caso Banco Austral é um caso político sério que envolveu a delapidação dos cofres do Estado (cerca de 400 milhões de USD). O saneamento do banco, para poder ser privatizado definitivamente, foi à custa de dinheiros dos contribuintes nacionais e estrangeiros (através do dinheiro da ajuda externa). Por outro lado, a gestão danosa foi o principal motivo do assassinato de Siba Siba Macuácua. O comportamento do Ministério Público neste caso sempre foi dúbio e aparentemente denotando estar a agir sob instruções do poder político.
Por isso é que, mesmo tendo sido chamado a atenção para o facto, o Ministério Público nada fez para viabilizar a responsabilização civil dos antigos administradores do banco. Em 2001, na altura em que o Banco de Moçambique interveio no “Austral”, o Ministério Público, como defensor dos interesses do Estado (e sendo o Estado sócio do Banco Austral e sendo o accionamento da responsabilidade civil uma competência dos sócios) devia ter usado o Decreto-Lei 49381, de 1969, para accionar um processo de responsabilização civil. Hoje, passados todos estes anos, esta acção de responsabilidade civil já prescreveu.
A justiça moçambicana está perante um desafio enorme de credibilidade. Para vencer esse desafio, o MP deve esgotar todas as possibilidades de accionar a responsabilização criminal da gestão danosa sem receios de qualquer insucesso. O Banco Austral (e o assassinato de Siba Siba) deviam ser investigados em todas as suas vertentes.
Boa tarde a todos
Sinto-me bastante honrado em estar aqui neste lugar que hoje nos acolhe, e dar-vos as boas vindas. Na verdade estamos todos em igualdade de circunstância, não exactamente para um almoço de confraternização, mas para uma viagem no tempo, em busca de algo que nos faça ressurgir como geração, ou como testemunhas da geração constituída por uma panóplia de homens e mulheres nascidos para brilhar, cada um com a sua luz, porém do mesmo maná. E eles luziram enquanto vagueavam por aqui, como manhambanas típicos de uma cidade que se recusa a mudar, para além dos seus limites demarcados pela pacatez.
Estamos aqui para uma conversa espontânea, sem alinhamento. Sem compromisso. Se calhar com o propósito de homenagear pessoas que se tornaram personagens vivas, e sentir os cheiros guardados na memória e recordarmo-nos de lugares como por exemplo, Bángwè, onde jogávamos a bola em liberdade, com muita amizade, sem almejar absolutamente nada para além da alegria de viver.
Bángwè tornou-se um centro de festas futebolísticas inolvidáveis, com jogadores que mostravam, ainda imberbes, ser talhados para grandes estádios, mas como a vida não é linear, pode ser que não tenham tido a sorte de receber os aplausos do reconheciomento. E da admiração. Noutras terras. Mas foram ovacionados aqui.
Não vou mencioná-los a todos, seria impossível, mas há dois que terão desfraldado de forma particular, a sua evolução no Bángwè: Nando Guihoto e Chumbo Lipato, para quem peço uma salva de palmas. Aliás há quem dizia que os mortos não morrem, então esta ovação é para estas duas vedetas que vão viver dentro de nós de forma indelével.
Pode ser que estejamos a fazer isso, a exaltar aqueles que fazem parte da tecelagem da nossa cidade, e não precisamos de ir às tumbas onde não há vida para render a nossa homenagem a eles. Então, Fernando Guipatwane não morreu. Repito o que alguém dizia: os mortos não morrem! Fernando Guipatwane era um actor alegre, predisposto a uma gargalhada estranha, porém doce. Vinda de de dentro de um homem que não tinha espaço para feridas dentro de si. Ele, certamente, vai nos ouvir a recordá-lo neste espaço que ficará assinalado na nossa caminhada colectiva: então, uma salva de palmas para Fernando Guipatwane!
A jornalista e escritora portuguesa, Agustina Bessa Luís já dizia: a história é uma ficção controlada! E nós aqui, ao evocarmos essas figuras, se calhar estamos entre a história e a ficção. Digo isso porque Matangalane Boby era ao mesmo tempo ficção e realidade.
Uma pessoa que se senta no encosto dos bancos de bentão que existiam na ponte cais de Inhambane, sem se importar com o perigo que isso representa, só pode ser actor de um filme de ficção. E Matangalane fez isso numa das suas façanhas. Deixou-se embalar pela briza, o sono tomou com conta dele, e caíu na água em maré cheia. A sorte dele, é que estava por perto o Adério França, nadador puro, que não pestanejou duas vezes. Mergulhou e salvou Matangalane Boby, já com água por demais engolida.
Mas, por ironia, Matangalane ainda dizia: Nhi digue, nhi digue... FidA PUTA (Deixe-me, deixe-me, filho da p..
Não importa de onde ele vem, se daqui ou de outras terras e outros mares. O que nós sabemos é que Matangalane Boby é património da nossa cidade. Um homem com olhar de felino, pronto a apedrejar-te se o provocasses. E a dor que deviamos sentir todos neste momento, é que depois morreu sem amparo, como quem não tem a quem chorar. E ninguém chorou no dia do seu funeral. E hoje estamos aqui para homenagea-lo. Por isso, vai uma salva de palmas para Matangalane Boby!
Pois é, a cidade de Inhambane tem um estendal sagrado de figuras relevantes em todas as áreas. E as consagrações não existem somente para os políticos e as elites. Os viventes da periferia também merecem que nos lembremos deles, como nos lembramos agora de Bernabé e de Bernardo Wonane e de Helena Maluca, Laura Maluca, Chura Boy, Abdul Nha Mbafa, Micaela, Hamad Guikolomane, Guibochane! Viventes das bermas da vida em todos os momentos de sol e de chuva e de frio e de calor. Mas são esses que fazem a sétima nota da escala diátónica da nossa urbe, então merecem uma salva de palmas! Assim como vai uma ovação para estrondosa para Otto Glória (o nosso Otto Glória e Guegué.
Senhoras e senhoras, eu sei que a lista das nossas estrelas é interminável, e não pretendemos ser exaustivos, e nesse aspecto estamos todos de acordo, não é verdade? O importante é que estamos aqui, de forma desinteressada para celebrar a vida, e a vida, em memória, daqueles que orbitam no cosmos da luz definitiva. Então, ocorre-me formar uma selecção de ouro composta por, Lóngwè, Babarriba, Berehemo Guifototo, Manwelito do Inhambane 70, Daniel Mosse, Tsungu Maciel, Tsungu Abílio, Guihoto, Tsungu Max, Manuel da Luz, Nuno Gobo, Siya Libendzi, Bata, Tsungu Thsoni, Guimesseryane, Madobolo, Naniá, Dogologo, Vangyane, Tsotsi, TAP, Tsungu Arouca, e demais estrelas.
Não evocaremos os nomes de todos os nossos ídolos, obviamente! Há informações que a memória vai protelando, fechando a hipófeses, então ficamos limitados. Mas o própósito do nosso encontro aqui está claro: confraternizarmos e içarmos as bandeiras daqueles que viverão para sempre na nossa história colectiva. Os mortos não morrem!
* Texto de apresentação no almoço de confraternizaão dos manhambanas, havido no dia 5 de Outubro corrente na cidade de Inhambane
AS MÃOS DE DEUS
Para a Mayisha Imara
Mr. Abdullah Ibrahim acena-me
no saguão do aeroporto de Joanesburgo
como se eu fosse um velho conhecido
do District Six na Cidade do Cabo.
Ou se o acaso nos tivesse interposto
numa dessas cidades do seu exílio
com aquele inexpugnável piano
desde que os verdugos do apartheid
fizeram-no proscrito da África do Sul.
Digo à minha filha Mayisha
que estamos diante de um soberbo pianista de jazz
e viro-me para o velho Mestre:
- Mr. Ibrahim
sou moçambicano
e antigo admirador seu.
O pretérito Dollar Brand anui
com aquele seu olhar translúcido
melancólico
e, curvado ao peso dos anos,
inclina-se em generosa mesura
e cumprimentamo-nos de punho cerrado
como comparsas de uma mesma progênie.
Mayisha faz-nos uma fotografia
e Mr. Ibrahim enlaça-me
num benevolente amplexo.
Faço-lhe uma vênia compungido
levo adiante a minha filha pela mão
enquanto o velho pianista se extravia
no azafamado átrio do aeroporto.
Explico à Mayisha
que aquele belo homem
de cabelo grisalho
alto
hierático
é um pródigo músico da Cidade do Cabo
que ela traz por domicílio.
Falo-lhe de Mannenberg
e a luta pela liberdade.
Conto-lhe a história do District Six.
Não me ocorre aludir ao pungente sax tenor
de Basil Coetzee também proscrito.
Ou citar o sopro metropolitano de Kippie Moeketsi.
Falo-lhe de Duke Ellington, pianista.
John Coltrane, saxofonista. Ornette Coleman, também saxofonista.
Todos eles cúmplices de Dollar Brand.
Ou o velho Thelonious no seu trôpego piano.
Ela sabe da minha insânia por Sibongile Khumalo
o meu desvario por Hugh Masekela ou Sipho Gumede.
Falo-lhe destes músicos intrépidos.
Não me atardo no jazz sul-africano.
Poderia falar do precoce Moses Molelekwa
ou do vetusto Jonas Gwangwa.
Retorno ao meu velho amigo
Adolph Johannes Brand
Dollar Brand
Abdullah Ibrahim
e ponho-me a pensar
na mandiga dos seus dedos
ubérrimos
sobre um piano melancólico
quando ele
compassivo prestidigitador
toca com as mãos de Deus.
Nelson Saúte
Joanesburgo, 29/06/2016
Óscar Monteiro, jurista, histórico membro do partido Frelimo, e ῎Caçador de Elefantes Brancos῎, veio a terreiro afirmar que era já tempo de o Estado ser emancipado. O pronunciamento foi no quadro do debate sobre o comando constitucional que veda ao Presidente da Republica (PR) o exercício de quaisquer funções privadas.
Para Óscar Monteiro é altura para o cumprimento imediato quer a montante, conformando o partido com a constituição, quer a jusante, imperando a obrigação constitucional.
Em debate semelhante sobre a acumulação dos dois cargos, quando foi da sucessão do ex-presidente Armando Guebuza, prevaleceram argumentos estatutários e a prática da Frelimo que obrigaram Guebuza a renunciar o cargo de presidente do partido e o então novo e actual PR, Filipe Nyusi, a assumir também, cumulativamente, a presidência do partido.
Decorridos dez anos, o apelo é para que Nyusi e Daniel Chapo, o actual candidato da Frelimo, este em caso de vitória nas eleições do dia 9 de Outubro, não devem acumular as funções. Por outras palavras, Nyusi deve imediatamente deixar a presidência do partido e Chapo, uma vez PR, não deve assumir a presidência do partido.
Este enredo aviva-me um meu comentário de há duas décadas em vésperas de eleições. Na altura defendi que a prioridade central do Governo que saísse das eleições devia ser a de ῎Organizar o Estado῎. Na réplica, um dos interlocutores disse de que antes a prioridade deveria ser a de ῎Organizar as pessoas῎, tendo até citado algumas personalidades da vida política nacional que seriam os primeiros da fila.
Hoje, e do pronunciamento de Óscar Monteiro, concluo que a sua tese de ῎Emancipação do Estado῎ passa pelas duas abordagens acima, ou seja: a ῎Emancipação do Estado῎ requer que se liberte antes as mentes para depois organizar o Estado. Talvez por aqui esteja o segredo para os próximo 50 anos de independência, e que justifica uma campanha de emancipação de mentes tendo como ponto de partida os militantes do partido do batuque e da maçaroca.
PS: Veio também a terreiro o sociólogo Elísio Macamo a defender que não via nenhuma ilegalidade/incompatibilidade entre os cargos por entender que o comando constitucional não especifica as funções privadas vedadas ao PR/Chefe de Estado. Diz este comando que ῎o Presidente da República não pode, salvo nos casos expressamente previstos na Constituição, exercer qualquer outra função pública e, em caso algum, desempenhar quaisquer funções privadas῎. Se atendermos que o PR não pode ῎desempenhar quaisquer funções privadas῎, e por isso vedá-lo a presidência do seu partido, leva-me a concluir que o impedimento deve também abarcar outras funções privadas como, por exemplo, as de Chefe de Família. Se não, não vejo nenhum impedimento, salvo melhor entendimento, para que o argumento de Elísio Macamo proceda.