Do seio da sarça, Deus rugiu como o verdadeiro Rei dos Céus, abafando todos os sons da planície onde Moisés apascentava o rebanho do seu sogro, Jetro. Era manhã fria e não havia outros pastores por perto, pois toda aquela vastidão de terras pertencia a uma única pessoa, escolhida entre os demais para desfrutar de um manancial sem fim. Foi nesse lugar que a Voz esvaziou-se e troou como o último vulcão e chamou por aquele que seria, afinal, um servo apetrechado de aço filtrado em fogo, para romper as grades do mal.
Deus trovejou como os trovões que, nas montanhas de pedra, na função de megafones Divinos, entram em harmonia com a existência, e chamou pelo pastor solitário imbuído em pensamentos que só o Próprio Jehová podia sondá-los.
- Moisés!!!!!!!!!
O pastor entrou em pânico ao perceber que a Voz que lhe chamava vinha da sarça ardente, suspensa no espaço onde o rebanho tinha alimento em porções sem limites.
- Quem é você que me chama com essa Voz do fim do mundo?
- Sou eu, Deus dos Exércitos.
- O quê que você quer de mim?
- Quero que vás ao Egipto libertar os filhos de Israel, presos nas masmorras de Faraó.
- Mas porquê que tenho que ser eu a ir ao Egipto, libertar os Teus filhos das masmorras de Faraó.
Deus fez uma pausa, permitindo que se ouvisse na plenitude a música dos rios fartos que serpenteam em todo aquele maná oferecido a Jetro. Era a mesma música que Moisés ouvia todos os dias, mas que agora ressurge retumbante, silenciando todos os outros sons maravilhsos que encontram no cântico dos pássaros, a síntese da maravilha. Depois – ainda do seio da sarça - a Voz voltou e retorquiu: porquê que não tens que ser tu?
II
Lembro-me desta passagem bíblica, sempre que vejo - nas ruas da cidade de Inhambane – um homem que usa um cajado que mais parece um elemento de adorno, do que propriamente de suporte. Então, na minha imaginação, este indivíduo enigmático pode ser o próprio Moisés, encarnado numa outra pessoa, que é esta que vagueia sem direcção, aproveitando ao máximo – provavelmente – a paz que reside em toda a urbe.
Nunca o tinha abordado até ao dia em que perdi a capacidade de conter-me. Aproveitei o facto - numa manhã de céu nublado - de estarmos lado a lado, na varanda da loja do Matocolo, à espera que a chuva parasse. Não sabia como ele reagiria às minhas palavras, e nem podia saber, por muitos motivos, e um desses motivos é que, para além de nunca ter falado com ele, jamais o vi a conversar com quem quer fosse, apesar de ser uma pessoa bastante conhecida.
- O senhor é muito parecido com Moisés!
- Qual Moisés?
- Da bíblia!
Ele riu-se às gargalhadas, olhando-me profundamente. Acariciou - com as duas mãos - o cajado que será, se calhar, um imprecindível talismã da sua vida. Parecia estar a procura das palavras apropriadas para responder à minha ousadia, como no dia em que Deus fez uma pausa, deixando soar levemente a música dos abudantes rios do maná de Jetro, antes de dizer a Moisés: porquê que não tens que ser tu!
Mas quando parou de chover, o homem foi-se embora sem dizer nada, até perder-se na zona dos “Quatro candeeiros”, e não olhou uma única vez para trás!
A intervenção da Polícia da República de Moçambique (PRM) e das Forças de Defesa e Segurança (FDS), baseada na violência e brutalidade policial para repelir e impedir o exercício do direito à manifestação, não se mostra criteriosa nem pacifista, nos termos da lei, contrariando o desiderato constitucional da garantia da ordem e segurança pública e do respeito pelos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos que deve ser apanágio tanto das FDS como da PRM.
Neste período de conflito pós-eleitoral, a PRM e as FDS, com certa aceitação das instituições da justiça e outros órgãos de soberania e de gestão e controlo da Polícia, tendem a normalizar actos de execuções sumárias, detenções arbitrárias, agressão física, baleamentos, tortura e outros maus tratos que consubstanciam violação dos direitos humanos, com alegação da defesa da soberania, da reposição da ordem e tranquilidade públicas e da repressão à manifestação violenta ou tumultos.
Ora, não obstante os apelos desde o dia 21 de Outubro de 2024, esta semana, as FDS e a PRM brindaram a sociedade com mais um show inédito severamente suis generis de barbaridade e violência contra os direitos humanos até com recurso a atropelamento intencional por viatura BTR, à alta velocidade, contra cidadãos indefesos. Mais assustador e preocupante ainda, é que, por via de um problemático e inconsequente comunicado de imprensa, as Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) praticamente assumiram a conduta violenta e brutal como seu modus operandi e sua marca de actuação nas situações de manifestações ou similares, senão vejamos:
Estranha e curiosamente, desde o dia 21 que o Governo e as instituições de justiça, com destaque para a PGR, não tomam medidas concretas para a protecção dos direitos humanos no contexto das manifestações populares e para a responsabilização das FDS e PRM, senão pautarem por uma conduta que alimenta a violência e brutalidade policial contra os cidadãos e impunidade dos violadores.
Outrossim, para além da violência policial, nota-se nas manifestações populares outro tipo de suspensão ou limitação arbitrária dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos perpetrados por civis manifestantes, os alegados vândalos, que até cobram taxa de circulação aos automobilistas, uma espécie de taxa de portagens desordenada e ilegal, para além da violação de escolha, de liberdade política, perante olhar impávido das autoridades policiais que também são submetidas à mesma desordem sob ameaças de vida e violação de integridade física.
É o estabelecimento do poder do povo baseado na anarquia com base na lei da selva, de sobrevivência do mais forte e que revela, mais do que ausência de governo, ausência do poder estadual. O Estado está carente de força equilibrada para a ordem pública e protecção dos direitos humanos. O Estado está à margem das suas funções e finalidades.
A Constituição da República de Moçambique (CRM) fundada no Estado de Direito Democrático e de justiça social, baseado no respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, conforme determinam os artigos 1 e 3 da Constituição da República, estabelece regras próprias de garantias e limitações dos direitos humanos.
Nos termos do n.º 2 do artigo 56 da CRM, “o exercício dos direitos e liberdades pode ser limitado em razão da salvaguarda de outros direitos ou interesses protegidos pela Constituição.” São exemplos disso, a salvaguarda da ordem e tranquilidade públicas, em caso de tumultos ou manifestações populares violentas. Mais do que isso, é que “a lei só pode limitar os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição.” É o que dispõe o n.º 3 do artigo 56 da CRM.
Em casos de declaração do estado de sítio ou de emergência, o que não é o caso da situação actual de conflito pós-eleitoral, é lícito e constitucional limitar ou suspender determinados direitos humanos, como a liberdade de reunião e manifestação, mas nunca limitar ou suspender os direitos à vida e à integridade pessoal, conforme se depreende da interpretação conjugada dos artigos 290, 294 e 295, todos da CRM.
Portanto, do acima demonstrado, claro está que, do ponto de vista prático, o Ministério da Defesa, o Ministério do Interior e o Comando-Geral da PRM suspenderam, arbitrariamente, os direitos, as liberdades e as garantias fundamentais dos cidadãos, com destaque para o direito à vida, à integridade pessoal e à liberdade de manifestação, perante inércia das instituições de justiça, do Comandante-Chefe das Forças de Defesa e Segurança e do Garante da CRM. O povo tomou o poder sem critérios aceitáveis de gestão do mesmo.
*Human Rights Lawyer/Advogado e Defensor dos Direitos Humanos e
Jurisconsulto em Litigância de Interesse Público
A tensão pós-eleitoral em Moçambique trouxe pela primeira vez à ribalta um novo fenómeno político: a badernocracia. Trata-se do poder nas ruas e não necessariamente do povo no poder.
Em Moçambique, a democracia representativa vai nua. A tensão eleitoral desembocou numa crise profunda do Estado, mostrando a falência das suas estruturas, incluindo um tremendo vazio do aparato castrense. O Presidente Filipe Nyusi parece não governar. Seu Comandante-Geral da Polícia, Bernardino Rafael, faz e desfaz, diz e desdiz, passeando-se por aí, incólume, mas cada vez mais ausente. E não lhe acontece nada. Dali não sai, dali ninguém lhe tira!
Todos os dias, a polícia sob seu comando exibe sua musculatura atroz contra os indefesos. Atropelam “txopelas” e atiram indescritivelmente contra os jovens rebolos, matando a sangue frio. Não é uma polícia formada para proteger, mas para obedecer às ordens sinistras de um regime autocrata.
O Estado faliu! A sua autoridade está esvaziada. Ninguém impõe ordens. E a economia funciona ao ritmo das convocatórias venancistas, que descambam grosso modo na barricada da via pública, como se vê agora o comércio internacional estar refém do desacato em Ressano Garcia.
O Poder está nas ruas. Venâncio convoca para que os funcionários sigam ao trabalho deixando seus carros em casa, tentando impregnar algum pacifismo nas mentes que dão o seu peito às balas nas ruas. Ninguém acata. E surgem jovens e crianças barricando estradas com pneus, troncos e blocos de cimento, uns jogando a bola, outros cobrando perversas taxas de circulação e “mamanas” confeccionando alimentos.
É o poder nas ruas. “Este país é nosso”, cantam o slogan mais audível do venancismo, que comanda a revolta de fora do país, evitando uma alegada tentativa de assassinato e uma posterior trama persecutória engendrada sumariamente pela Procuradoria Geral da República.
A par dos tentáculos da judicialização de uma tensão política que ainda vai no adro, temos também um Governo completamente ausente, mergulhado num silêncio cúmplice com os desmandos em curso. Parece que o Governo se demitiu. E dentro do executivo não há voz de comando. Consta que poucos são os ministros que se dão ao luxo de ir trabalhar.
Depois do falhanço da saga golpista de 7 de Novembro, esperava-se que o Governo abrisse linhas verdes contra o vandalismo, permitindo a Polícia intervir cirurgicamente para repor a ordem pública e proteger a economia. Mas o Executivo cruzou os braços. E quem governa?
São os que barricam os carros nas ruas, que nem sequer seguem a cartilha de VM7, que nunca soube capitalizar a predisposição das classes mais urbanizadas, que abraçaram o panelaço, pacificamente, e agora saem para as ruas de Maputo entoando o “hossi katekisa Africa”, em pleno meio dia, a plenos pulmões, numa expressão de denúncia do seu cansaço com o "status quo", o que representaria, por si só, o aumento da legitimidade do venancismo e, em proporção inversa, a consumação da perda de legitimidade do regime de Filipe Nyusi.
E VM7 manteve sua predisposição de sabotar a economia, seguindo a cartilha de Gene Sharp (The Politics of Non Violence). Quando podia muito bem implementar as tácticas da não-violência, da resistência inspirada em Gandhi ou Martin Luther King, Venâncio persistiu numa narrativa de paralisação da vida económica e social cujo subproduto é esta badernocracia que se instalou um pouco por todo o país.
Na verdade, a maior parte dos seus apelos não tem surtido os efeitos que ele deseja, nomeadamente: prometeu 45 dias consecutivos de manifestações, uma marcha de 4 milhões de moçambicanos para a capital, o fecho de todas as fronteiras e portos, que os automobilistas parassem suas viaturas nas ruas de Maputo, entre outras coisas.
Nada disto aconteceu...e o que restou é esta predisposição para as barricadas, para a desordem pública, a arruaça e a destruição da propriedade pública e privada. E a sociedade a reboque da badernocracia, com a Frelimo também completamente ausente. Moçambique vive seus piores dias desde a transição democrática. Não é o povo no poder, como clamam as vozes desta luta por mudança de regime. É o poder nas ruas...da desordem.
PS.1: O termo “baderneiro" - donde resulta a noção de badernocracia - é utilizado para descrever uma pessoa que se envolve em actos de desordem, tumulto e violência, geralmente em espaços públicos. Essa palavra deriva do verbo "badernar", que significa provocar tumulto ou confusão. O baderneiro é conhecido por seu comportamento desrespeitoso e irresponsável, que pode causar danos tanto sociais quanto económicos. Em geral, ele busca chamar a atenção para si mesmo, muitas vezes de forma negativa, através de actos de vandalismo, agressões físicas, depredação de propriedades públicas ou privadas, entre outros.
PS.2: No contexto baderneiro em que estamos mergulhados, com a Frelimo ausente e o Governo encolhido dentro da sua carapuça, o Primeiro Ministro Adriano Maleiane manteve um encontro recente, de carácter restrito, com alguns "spin doctors" do regime, comentadores afectos, editores da “mídia” pública, entre outras figuras escolhidas a dedo. Maleiane pretendia ouvir ideias sobre o que é que o Governo devia fazer em face da actual crise pós-eleitoral.
Quem esteve lá, deu-me conta de duas intervenções que marcaram a conversa por razões distintas. Uma cáustica e que deixou o PM boquiaberto. Patrício José, antigo Vice-Ministro da Defesa, perguntou: afinal quem está com o Governo? Os professores, não; os médicos, não, os enfermeiros, não; e por aí além.
Outra intervenção, notável pelo seu carácter sinistro, foi a do comentador Dércio Alfazema, que deixou a organização holandesa IMD onde trabalhou no espectro das ONGs Moçambicanas e se alistou na franja dos fazedores de opinião que defendem o regime de forma canina, criticando sistematicamente a oposição e a sociedade civil. Alfazema disse mais ou menos assim, em jeito de sugestão para se pôr cobro à crise: “Talvez o ideal fosse mesmo 'visitar' a casa do Venâncio Mondlane”.
A sala gelou! Não era para somenos! É que desde que o regime de Nyusi ascendeu ao poder, o termo “visitar” é sinónimo dos actos mais abomináveis usados contra opositores. Por exemplo, Elvino Dias e Paulo Guambe foram “visitados” pelo regime, tendo sido física e politicamente eliminados. (MM)
Na primeira metade da década de 2000, um antigo Governador do Banco de Moçambique, Parakash Ratilal, disse uma vez, numa palestra sobre o impacto da adesão de Moçambique como membro das Instituições de Bretton Woods (IBWs), O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), em 1984, que um dos ganhos do país ao aderir a estas instituições foi a estruturação e rigor burocrático que passou a ter na gestão da coisa pública, sobretudo das finanças públicas.
Chamado pela plateia a exemplificar, Ratilal fez referência ao processo de prestação de contas com estas instituições que se materializava(m) através da realização periódica de reuniões e da elaboração de documentação dentro do quadro referencial previamente acordado e religiosamente submetida dentro do prazo.
Nas visitas ou missões anuais do FMI ao país nota-se essa lógica. E como simples exemplo é a informação que se partilha para o conhecimento público. Religiosamente o público fica a saber através de um comunicado de imprensa que se realizará uma visita ou missão do FMI de avaliação, a sua duração, objetivos e agenda, entre outra informação pertinente. No final da visita um novo comunicado público a debruçar sobre os resultados e passos seguintes.
Em rigor, e dentro desta previsibilidade, a partir do comunicado inicial o leitor decide ou não acompanhar o decurso da missão e/ou esperar pelos resultados e respectivos passos seguintes a serem partilhados no comunicado de imprensa final.
Foi dentro desta lógica de governação e fazendo fé nas palavras de Parakash Ratilal sobre os ganhos de Moçambique por ter aderido às IBWs que estive expectante em relação ao recente e fracassado encontro entre os candidatos presidenciais com o Presidente da República e por este organizado no contexto da tensão pós-eleitoral.
Mas, e mais uma vez, será que se está diante de mais um fracasso do Banco Mundial e FMI em Moçambique?
PS. A propósito do título (Agenda): numa certa coligação ou fórum da sociedade civil em que participei dei-me conta que em certas reuniões compareciam “dinossauros” que no grosso das reuniões não se faziam presente ou mandavam pessoal júnior. Curioso, um dia pergunto a um dos “dinossauros” sobre o que determinava que viesse a uma reunião. A “Agenda” foi a pronta resposta.
Vi hoje com muito agrado uma petição do causídico e activista social Custódio Duma, dirigida à Procuradoria-Geral da República, a exigir uma investigação séria e independente da violência policial, que tem estado a acontecer um pouco por toda a cidade e Província de Maputo, por causa das manifestações convocadas por Venâncio Mondlane, candidato presidencial suportado pelo Partido PODEMOS. No artigo, Custódio Duma faz o apelo na qualidade de primeiro Presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos de Moçambique.
Escreve Duma que o atropelamento brutal, violento e covarde de uma manifestante, na quarta-feira, em plena Avenida Eduardo Mondlane, no centro da capital do país, por um blindado das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM), foi o “pico” de uma “onda crescente de violência”, perpetrada por agentes das Forças de Defesa e Segurança (FDS).
O apelo do Advogado Custódio Duma reflecte muito bem o desejo de boa parte da sociedade moçambicana, de que a Polícia actue dentro dos limites da lei e com a devida proporcionalidade. De facto, os casos de cidadãos baleados com arma de fogo, como resultado destas manifestações, começam a assumir contornos alarmantes. Nisto, estamos juntos.
Entretanto, não é sobre isto que quero falar.
Na mesma quarta-feira, primeiro dia da terceira etapa, da quarta fase das manifestações convocadas pelo candidato Venâncio Mondlane, circulou um vídeo em que uma cidadã é obrigada, sob ameaça dos manifestantes, a parar a sua viatura, estacionar e ir tomar café, porque eles tinham ordens do “PRESIDENTE”, segundo as quais, ninguém deveria circular. Outro vídeo que me deixou chocado é de duas jovens mulheres, membros da Polícia da República de Moçambique, cercadas por uma dezena de jovens, obrigadas, intimidadas e coagidas a segurar cartazes com dizeres a favor do candidato Venâncio Mondlane, enquanto caminhavam. Uma situação humilhante e degradante.
Pelas redes sociais, circulam inúmeros vídeos de crianças e adolescentes que colocam barricadas nas estradas, para impedir a livre circulação dos cidadãos. No meio de tudo isto, estas acções são acompanhadas de uma dose muito grande de violência psicológica sobre aqueles que ousam desafiar as decisões do “Presidente”. Sem falar, claro, nas acções de vandalismo contra lojas, estabelecimentos públicos e, mais recentemente, ataques a postos policiais, que resultam na posse de armas nas mãos de civis.
No meio deste processo, os cidadãos de Maputo e Matola estão entregues à sua sorte, até que alguém ponha fim a este espectáculo degradante da nossa sociedade.
Se para os casos de violência policial, os nossos activistas de plantão, incluindo a Ordem dos Advogados de Moçambique, são céleres a emitir comunicados de condenação e a pedir investigações sérias, no caso da violação dos direitos civis dos cidadãos, por parte dos apoiantes de Venâncio Mondlane, o silêncio é confrangedor, assustador e até cúmplice. Não sei se por medo de perderem popularidade, já que é mais fácil “bater” no Estado, ou, se é porque realmente a defesa dos direitos dos cidadãos de Maputo e Matola não lhes interessa. Em todo este processo de manifestações, assistimos de forma clara à presença de crianças e adolescentes, que são usadas para atirar pedras, proferir insultos, queimar pneus, vandalizar lojas, sem que ninguém diga uma única palavra. Onde estão as organizações da sociedade civil.
Não conheço muito bem o Dr. Custódio Duma. Tive oportunidade de conversar com ele apenas uma vez, na casa de um amigo em comum e fiquei com a sensação de estar diante de um homem decente, cumpridor da lei, amante de Moçambique e, acima de tudo, de um acérrimo defensor dos Direitos Humanos, aliás, a sua carta à PGR demonstra muito bem isso.
É por isso que lhe escrevo, para pedir-lhe que seja igualmente defensor dos milhares de moçambicanos que, nas Cidades de Maputo e Matola, estão privados de exercer os seus mais básicos e elementares direitos, incluindo o direito de ir e vir. Muitos concidadãos são forçados a parar e aderir às manifestações de forma involuntária, muitos são obrigados, sob coacção, a cantar ou a executar um determinado acto a favor do candidato Venâncio Mondlane, para poderem seguir viagem ou evitar ter as suas viaturas vandalizadas, ou ainda, simplesmente ao direito de terem uma opinião contrária à dos manifestantes.
Como pode ver meu caro Duma, estamos neste momento sujeitos à vontade dos manifestantes e da sua liderança, sem observância de nenhuma salvaguarda legal, que nos garanta o direito de seguir as nossas vidas de forma normal. O medo e o pânico a que os cidadãos da Cidade de Maputo e Matola estão sujeitos colocam em causa os seus direitos, deveres e liberdades fundamentais. Este não é o tipo de Estado de Direito Democrático que queremos construir.
Nas suas próprias palavras, quero dizer ao Caro Duma: “Não agir diante destas situações seria negligenciar o nosso compromisso com os princípios fundamentais consagrados na Constituição da República e nos tratados internacionais dos quais Moçambique é signatário. Este é um momento decisivo para reafirmar o nosso compromisso como nação de proteger os direitos fundamentais de todos os moçambicanos”.
“Vamos fazer diferente, para obter resultados diferentes”.
Victor Nhatitima