Muito se tem falado no combate a corrupção em Moçambique e, é frequente ouvirmos que está na pauta do dia, mas “nem água vai, água vem”, ou seja, muito falamos e pouco fazemos. Por consequência, lamentavelmente, figuramos da lista dos países mais corruptos do mundo.
A corrupção é um problema sistémico e profundamente enraizado nas instituições públicas e privadas da sociedade moçambicana, por mais que custe admitir, vivemos em uma sociedade corrupta.
Em uma visão alargada da corrupção e sua genealogia envolve uma análise que vai para além da definição tradicional, que associa corrupção apenas à prática de suborno ou desvios de erário público. Essa abordagem mais ampla reconhece a corrupção como um fenômeno complexo, que perpassa diversas dimensões da sociedade.
Na definição tradicional, a corrupção é entendida como o uso indevido do poder público para o ganho privado. No entanto, uma abordagem mais ampla defende que a corrupção pode se subdividir em quatro pontos. Nomeadamente:
Quando falamos da genealogia da corrupção é importante reter que esse fenómeno é multifacetado e enraizado em várias dimensões da sociedade. Compreender suas origens e mecanismos é essencial para combatê-la e promover uma sociedade mais justa e transparente. A corrupção não é um fenómeno novo na sociedade, tanto que, já era tema de debate nas sociedades antigas, como a Grécia e Roma, onde filósofos como Platão e Aristóteles discutiam os riscos do desvio de poder e a degeneração das elites políticas. Em uma segunda fase, aquela que consideramos a Idade Média, a corrupção era associada à decadência moral.
O terceiro momento, caracterizou-se com o surgimento do Estado Moderno - a corrupção passou a ser vinculada à má gestão administrativa e ao enfraquecimento das instituições burocráticas. E porque a sociedade é dinâmica, não tardou para entrarmos na contemporaneidade, onde a corrupção é vista como um fenómeno global, influenciado pelas dinâmicas da globalização, pela financeirização da economia e pela fragilidade das democracias.
Estes dois prismas, que são a visão alargada da corrupção e sua genealogia permitem compreender que ela não é apenas uma falha moral ou administrativa, mas sim um fenômeno estrutural, histórico e cultural. Combatê-la requer uma abordagem multidimensional, que abrange reformas institucionais, transformação cultural e fortalecimento das práticas democráticas e de transparência.
Para combater a corrupção em sociedades onde ela é endêmica (como é o caso de Moçambique), seria opturno que o governo adoptasse um conjunto abrangente de reformas que inclua a promoção da transparência, o fortalecimento das instituições, a proteção dos denunciantes, a implementação de punições rigorosas para os envolvidos em práticas corruptas como forma de desencorajar esses actos, como forma de tirar da mente que o crime compensa e por fim e não menos importante a educação como peça fulcral nessa causa, onde teremos a ética e a integridade como alicerces para construção de uma sociedade mais integra, sob pena de ser uma luta inglória.
A longo prazo, a educação e a conscientização pública desde o ensino primario até o dia-a-dia das nossas actividades laborais são cruciais para combater a cultura da corrupção e promover uma sociedade mais justa e equitativa. Mas porque é importante trazer soluções imediatas para a resolução deste mal que aflige a nossa sociedade como um todo, quero crer que, trazer uma proposta em compliance tanto para o sector privado assim como público contribuiria significativamente para a prevenção, detecção e mitigação de práticas ilícitas, fortalecendo a integridade institucional e melhorando o ambiente econômico e social daí a necessidade do Governo começar a debater a necessidade de tornar em Lei a obrigatoriedade de todas organizações sejam elas publicas ou privadas adoptarem programas de compliance.
O compliance pode desempenhar um papel essencial no combate à corrupção em um país, pelo facto deste consistir em um conjunto de políticas, procedimentos e controlos internos que visam garantir que empresas e organizações cumpram a legislação aplicável, regulamentos internos e procedimentos éticos, promovendo a integridade e a transparência.
O nosso país enfrenta desafios éticos em diferentes domínios da sociedade. Estes desafios são transversais e heterogêneos, tocando em aspectos que vão desde corrupção e suborno, branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo, nepotismo, defraudação e gestão indevida erário público que levam com que a corrupção opere de maneira quase automática e institucionalizada. A corrupção é organizada e com diferentes actores, incluindo empresas, políticos e funcionários públicos, estão interligados em uma rede de corrupção que beneficia a todos os envolvidos, enquanto prejudica o país como um todo este fenómeno tem um impacto devastador na sociedade moçambicana pois afecta directamente os serviços essenciais, como saúde, educação, segurança e infraestrutura, sem contar que a corrupção afecta a confiança pública nas instituições e no sistema democrático.
A corrupção sistémica mina a confiança dos cidadãos nas instituições públicas, governos, polícia, e sistema judiciário. Quando um povo acredita que todos, desde os líderes políticos até os funcionários públicos de nível mais baixo, estão envolvidos em esquemas corruptos, a fé na justiça e na equidade é profundamente abalada, podendo-se concluir que a corrupção em Moçambique não é apenas um problema de indivíduos, mas um fenómeno estrutural que requer mudanças profundas para ser combatido.
Este paradigma reflete uma percepção compartilhada por muitos estudiosos da matéria em relação à corrupção e à fragilidade institucional. A ideia de que a corrupção se entranhou nas instituições e que, em consequência, tanto elas quanto as pessoas que as compõem se tornaram fracas, aponta para um ciclo vicioso. Quando se institucionaliza a mediocridade, a sociedade perde não apenas eficiência, mas também a capacidade de inovar, liderar e garantir a justiça e bem estar social.
Em sociedades corruptas, práticas como o pagamento de subornos, o nepotismo, clientelismo, comissões e o favorecimento são vistas como comuns ou até necessárias para obter serviços ou vantagens e isso podemos observar em diferentes escalões, desde o estudante que suborna ou corrompe o professor para ter o dito “way do exame”; do condutor que deixa “dinheiro de refresco” ao policia de transito; o paciente que “molha a mão” ao enfermeiro para poder ser atendido com urgência; até aos esquemas mais complexos dos nossos governantes e administradores das empresas. Quando dizemos que "somos todos parte disso", não significa necessariamente que todos somos liminarmente corruptos ou corruptores, mas que a corrupção está enraizada e impregnada em sistemas e comportamentos que, de alguma forma, muitos de nós compactuamos e perpetuamos.
O comportamento corrupto é muitas vezes aceite como "parte do jogo", e quem se recusa a participar pode ser marginalizado ou punido. Esta doença prejudica as nossas instituições estatais e não só estatais pois a corrupção desvia recursos que poderiam ser usados para o desenvolvimento econômico e social, aumentando a desigualdade e a pobreza. A corrupção se institucionaliza porque muitas vezes a sociedade como um todo (mesmo que indiretamente) a alimenta, seja por omissão, necessidade ou conivência. Superar esse ciclo exige uma transformação profunda, não só nas instituições, mas também na mentalidade coletiva.
Daí que o compliance é uma ferramenta fundamental para combater a corrupção, contribuindo para o desenvolvimento económico, social e institucional de um país. Sua implementação eficaz depende da vontade política, da adesão das empresas e da conscientização da sociedade sobre a importância da integridade e da ética nas relações públicas e privadas.
E, porque a corrupção em Moçambique, é um desafio que exige esforços coordenados entre o governo, a sociedade civil, o sector privado e instituições internacionais , somente por meio de reformas profundas e, de uma mudança cultural em relação à ética e à integridade será possível mitigar esse fenómeno que grassa a nossa sociedade e mina o nosso desenvolvimento. Atacando estes pontos, será meio caminho para garantir um futuro mais justo e próspero para a população e povo moçambicano.
Por: Yuri Guiliche (Jurista, Especialista em Compliance para Prevenção da Corrupção)
Não seria caso para manchete de jornal, não fosse a suspeita generalizada nos últimos anos na opinião pública de que o actual Presidente, Filipe Nyusi, teria pretensões de se prolongar no poder. Nyusi está finalmente a conformar-se com a sua saída de cena. Há cerca de duas semanas, ele começou a “despedir-se” dos amigos. No seu inner circle, o Presidente anda a dizer que seu último dia na Presidência será 15 de Janeiro, quando passar o martelo ao novo incumbente saído das eleições de 09 de Outubro, cuja identidade ainda é desconhecida, pois o CC ainda não validou e nem proclamou os resultados anunciados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) que deram vitória ao candidato da Frelimo, Daniel Chapo.
Na passada quarta-feira, Filipe Nyusi manteve um encontro no seu gabinete com reitores de universidades públicas e privadas, alguns directores de institutos de educação e entidades afins. Estiveram também sete ministros do seu Governo, entre os quais o da Defesa e o do Interior.
A tónica do encontro centrou-se nas possibilidades reais de um verdadeiro diálogo político com a oposição no quadro da actual tensão pós-eleitoral. Os reitores também sugeriram ao Presidente que um diálogo com Venâncio Mondlane seria incontornável para se apaziguar a tensão.
De acordo com as nossas fontes, em resposta, Nyusi disse que dialogar, para ele, não era problema, tanto mais que no passado já o tinha feito. Mas ele não deixou claro se estava, de facto, disponível a ter esse encontro com VM7, virtualmente, como este teima em insistir.
E já quase no fim dessa reunião, o actual PR deu a informação que todo o mundo estava à espera de ouvir em Moçambique: ele vai entregar o martelo ao próximo incumbente justamente no dia que tiver de o fazer, de acordo com o calendário constitucional. Pela primeira vez, ele deixou claro, em ambiente extra-partidário, que vai mesmo deixar a presidência já, fazendo enterrar definitivamente os rumores sobre sua alegada apetência para um terceiro mandato.
Sob imensa pressão dentro da Frelimo
Na mesma reunião com os reitores na quarta-feira, Filipe Nyusi comunicou que vai também deixar a liderança da Frelimo no mesmo dia 15 de Janeiro. Esta declaração corrobora com relatos colhidos por este jornal, segundo os quais Nyusi tem dito aos amigos mais próximos que vai também deixar a presidência do partido no mesmo dia em que entregar o martelo de inquilino da Ponta Vermelha.
“Ele diz que, nesse dia, enviará ao partido sua carta de renúncia”, disse uma das nossas fontes. Esta pretensão tem uma explicação. Ela responde a uma pressão cada vez mais acérrima dentro do partido, estando agora a correr um abaixo-assinado visando a convocação de uma sessão extraordinária do Comité Central, que uma reunião recente da Comissão Política (há duas semanas) não convocou, alegando motivos de “segurança”.
O Comité Central extraordinário não convocado deveria promover a saída do actual Presidente (e a ascensão de Daniel Chapo, actual Secretário-Geral Interino), a indicação de um novo Secretário-Geral e de um novo Secretariado.
A “recusa” da Comissão Política (controlada por Nyusi) em convocar a referida sessão extraordinária caiu mal nas hostes mais “históricas” do partido, que apontam Nyusi como a "mãe" de todos os males que assolam Moçambique, incluindo a presente tensão eleitoral, que se alega ser fruto do excessivo “martelanço” com que Nyusi manipulou os resultados eleitorais. A reacção dessa corrente foi desafiar Nyusi com um "abaixo-assinado", para forçar uma cedência, obrigando a CP a convocar a sessão extraordinária do Comitê Central para já.
“Carta” apurou que esse “abaixo-assinado” foi despoletado há mais de uma semana pela célula partidária "8 de Março", onde fazem parte figuras sonantes como Joaquim Chissano, Graça Machel, Jacinto Veloso, Castigo Langa, José António Chichava, Alcinda de Abreu, entre outras. Consta que o documento está a ter uma adesão favorável. Os proponentes pretendem que o CC extraordinário se realize já em Dezembro, mesmo antes de o Conselho Constitucional proclamar os resultados do pleito de Outubro.
É no quadro deste ambiente de hostilidade interna que Nyusi vai deixar a chefia da Frelimo. Mas, contrariando a pressão, ele tem vindo a afirmar que não quer sair antes de 15 de Janeiro, data oficial da sua saída da Ponta Vermelha.
Esta resistência esbarra com a percepção generalizada, segundo a qual, se Nyusi deixasse agora a liderança da Frelimo e também abdicasse da Presidência da República, a tensão pós-eleitoral no país reduziria bastante.
Qualquer que seja o cenário, um facto parece já certeza definitiva: Nyusi vai mesmo deixar a Ponta Vermelha em Janeiro, e qualquer narrativa sobre um alegado terceiro mandato só pode ser por défice de informação. Ele já está a fazer as malas...a questão mais intrincada que se coloca é: onde é que Florindos e companhia guardarão sua extensa frota de viaturas de luxo?
As incidências do PREC (Processo Revolucionário em Curso) venancista no país mostraram uma vez mais que Moçambique é uma nação multiétnica com um Estado falido. Falhado! O apelo venancista para paralisar a vida social e económica ao longo desta semana parece ter surtido efeito, assim como seu subproduto de vandalização contra a propriedade pública e privada.
O factor marcante das "manifs" não foi o respaldo pacifista que VM7 apregoa nas suas preces - nunca concretizado - mas a violência sem paralelo dos jovens arregimentados na revolta diante de uma predisposição policial a tiracolo, pronta para matar de forma desenfreada, suscitando mais violência.
No dia anterior ao início da etapa “todo o terreno” das "manifs", uma figura de relevo da elite castrense do Estado garantiu que a segurança pública estaria controlada. Foi um logro!
Na quarta-feira, um autocarro da firma Lalgy foi incendiado (ver texto nesta edição). Instalações do partido Frelimo em vários locais e um Tribunal foram destruídos por fogo posto. Um pouco por todo o lado, bens privados foram visados. A circulação foi interrompida em muitas estradas deste imenso país. O país ardia a olhos vistos e não havia bombeiro disponível. Era a imagem de um país descontrolado, sintomas de um Estado rebentado.
As elites da Frelimo acumularam tanta riqueza ao longo destes anos todos, corroendo o Estado por dentro, mas esqueceram-se de investir na sua própria protecção, na reprodução do regime. Eneas Comiche quase que ia sendo recebido com paus e pedras algures em Sofala; Shafee Sidat foi expulso da sua edilidade, Marracuene; edifícios da Frelimo foram vandalizados.
Houve violência por todo o lado e uma ausência cruel da violência legítima do Estado. E depois deste terror, é razoável concluir que o poder do Estado e da Frelimo esvaiu-se. O partido, esse, está moribundo. Sua ausência e a impotência do Governo são os indicadores críticos desse estado fúnebre. Filipe Nyusi está pregando o prego final no caixão do seu próprio partido.
Agora, qualquer que seja o desfecho deste quadro de violência pós-eleitoral, uma coisa é certa: a Frelimo “morreu”…
Vejam o subconsciente de aversão da adesão à narrativa da revolta contra o regime na população estudantil de Gaza! No bastião de Gaza, a Frelimo foi vexada, humilhada. Em Chibuto e no Chókwè, a juventude chamou por “Venâncio”. Aliás, foi assim em quase todo o país. A demolição da estátua de Alberto Chipande em Pemba foi outro indicador pujante de que, para as novas camadas juvenis, as elites da libertação anticolonial já não servem para nada. São bonecos descartáveis!
Isto significa que a revolta em curso está sedimentando na consciência de uma camada jovem de eleitores um profundo sentimento de rejeição anti-Frelimo, cujos líderes são agora conotados com as coisas feias como a ladroagem e a corrupção. Esta era uma realidade impensável há poucos anos. Quem augurava o tamanho vilipêndio anti-Frelimo algures numa praça de Chibuto?
De modo que o factor X do venancismo é talvez o seu efeito positivo de fazer cair a máscara do medo, libertando as mentes da sociedade de cinco décadas de clausura na narrativa revolucionária frelimista, nas suas promessas nunca cumpridas de futuro melhor.
Por outro lado, quer se queira quer não, outro efeito positivo da luta de VM7 foi o de despoletar nas comunidades excluídas da grande mineração um élan de reivindicação mais audível e aguerrido dos seus direitos espezinhados por empresas estrangeiras que esburacam nossa terra, levam toda a riqueza e deixam nada, como se viu agora em Topuito nas minas de areias pesadas da irlandesa Kennmare - uma derradeira chamada de atenção à Mozambique Rubi Mining e a Vulcan, para não falar da Jindal, entre outras mineradoras.
A sociedade estava cooptada numa cantiga de fadas que proclamava a redistribuição da riqueza para todos, mas ela só chegava a uns poucos e, muitas vezes, por meios ínvios.
Esta “libertação” vai trazer consigo a punição da Frelimo nas urnas, certamente, a breve ou a médio trecho. O partido não tem como tapar o sol com a peneira. Sua única solução é nascer de novo. Como? Através da ruptura!
Ou seja, nem tudo na Frelimo é lixo. O Partido está cheio de boas pessoas com boas intenções, e muitas delas não tiveram qualquer espaço de afirmação desde a emergência da auto-estima estomacal do guebuzismo à autocracia corrupta do nyussismo.
O que fazer?
Os elementos dessa Frelimo-boa devem desde já abandonar esta máquina, corroída até ao tutano durante as últimas duas décadas e abraçar um novo projecto político. A actual máquina está cheia de vícios terríveis, que são difíceis ou mesmo impossíveis de extirpar. Ela é o epítome de todos os males. Desde a corrupção ao enriquecimento ilícito, com a captura do Estado por pano de fundo.
A Frelimo está moribunda, mas ainda pode renascer...fora desta Frelimo, deste legado perverso de Guebuza e Filipe Nyusi.
Vimos o quanto custou, ao longo da Historia, a ousadia de pensar diferente relativamente aos cânones e padrões oficiais. E então qual será o sentido de pensar diferente no Moçambique contemporâneo? Parece que qualquer resposta a esta pergunta implica uma compreensão do que seja “Moçambique contemporâneo”, isto é, o Moçambique do presente.
Como é que se caracteriza o Moçambique de hoje?
O período particular em que realizamos este evento, assinalando o dia mundial da Filosofia, parece caracterizar, de forma muito eloquente, o perfil social e politico do Moçambique contemporâneo. Este conflito eleitoral, em que estamos mergulhados, resume bem o perfil de um país em grave crise geral; de uma sociedade cujo corpo é atacado por um cancro violento; uma sociedade com as suas bases de sustentação abaladas, correndo, mesmo, o risco de, a qualquer momento, desabar!
E que causas estarão por detrás desta crise, cujo desfecho é ainda imprevisivel? Parece que podemos identificar as raizes, as causas desta crise, num sistema de governação absolutamente bloqueado; um sistma de governo inadequado para garantir, minimamente, o cumprimento das três principais funções clássicas do Estado: a segurança do povo; a aplicação da justiça de forma igual para todos, e a promoção do bem-estar económico, social e cultural de todos os cidadãos.
A seguranca do povo e do seu território está gravemente ameaçada, por um lado. Por outro, o povo sente a justiça formal, a justiça dos tribunais, cada dia mais distante de si, e mais gravemente, a justiça social, a justica distributiva, de acesso e beneficio da riqueza nacional, cada dia mais distante, e reduzido a mera quimera.
A marca das desigualdades sociais aprofunda-se a cada dia, com o contínuo aumento do fosso entre um grupo que acumula riqueza de forma ostensiva e por vezes, até escandalosa, e a vasta maioria, que se afunda na mais abjecta miséria. Num texto que publica na sua conta do Facebook, no dia 17 de Novembro corrente, o sociólogo Elisio Macamo faz uma caracterização deste grupo privilegiado, dando-lhe a designação, muito sugestiva, de ““elite do atraso “... uma classe política que vive do acesso aos recursos do estado para a sua própria reprodução – governo e oposição”.
Dias antes, falando no programa “Grande Entrevista” da STV, outro respeitado académico moçambicano, o pedagogo Brazão Mazula, tinha caracterizado este grupo como “alta burguesia que se serve do partido para se enriquecer. (Este grupo) não produz nada e não cria empresas nem empregos; é um grupo que vive longe do povo; está lá (no Partido) por status; para ganhar imunidade...”
É este o Moçambique contemporâneo em que assenta a presente crise eleitoral. E este contexto é sustentado por um discurso oficial que explora até à exaustão a legitimidade histórica, resultante da luta pela libertação da terra do jugo colonial, feito heróico de todo o povo moçambicano, entretanto privatizado por essa minoria predadora, e transformado em sua “muralha da China” com um fim claro: a manutenção do status quo do monopolio geral do poder, em todas as suas acepções.
E em que pode consistir um pensar diferente daquele instrumental à manutenção deste status quo?
Esse pensar diferente vai consistir em abordar, de forma tão honesta e franca quanto possível, as razões da crise profunda em que a sociedade moçambicana mergulhou. Vai consistir em inquirir sobre a qualidade das políticas públicas aprovadas e a consistência da sua implementação. Pensar diferente vai consistir em negar a existencia de Homens, Mulheres, leis ou regulamentos que sejam sagrados, portanto revestidos de intocabilidade bíblica, mesmo que comprovadamente hostis ao bem-estar geral e à vida harmoniosa na sociedade.
Pensar diferente no contexto contemporâneo de Moçambique pode consistir em advogar por um sistema de governo mais representativo dos cidadãos e dos seus legítimos interesses; por um sistema de governo mais adequado a uma distribuição mais equitativa do poder e dos recursos da Nação. Um sistema de governo com instituições menos vulneráveis à captura pelo crime organizado; instituições públicas protegidas de manipulações a favor de agendas e interesses privados, fora da lei e prejudiciais ao Bem Comum. Um pensar diferente apontando para um Estado de direito democrático, que promova a cidadania e politicas ousadamente concebidas para mitigar as desigualdades de género e as assimetrias regionais.
Mas, no presente contexto, este pensar diferente não pode ser expresso livremente, sem consequências. Para todo o pensar diferente; para todo o pensar susceptivel de provocar tremor aos paradigmas oficiais, de questionar de forma fundada o status quo, para esse tipo de pensamento, há-de sempre haver a correspondente.... “santa inquisição”, com o seu séquito de arautos, a que o povo chama de “lambe-botas”. E esta Santa Inquisição” não precisa de ser legal, ou institucionalizada.
Esta “santa inquisição” cobra o custo da “ousadia” de pensar diferente. E o preço pode tomar mútiplas formas, como: a marginalização; a pura ostracização no local de trabalho; o bloqueio ao acesso a oportunidades públicas, como ascensão a cargos públicos;a promoções na carreira; ao acesso a concursos de obras públicas ou de prestação de serviços, entre outras. Tudo como forma de pressão para a desistência ou “rendição” daquele que ousar pensar diferente. E o lema é claro e simples: “doa a quem doer”!
No limite, o pensar diferente no Moçambique contemporâneo pode incluir a quebra das próprias pernas, fracturadas à paulada na berma de uma estrada. Ou mesmo o risco de ser crivado de balas, no escuro da noite, senão mesmo em plena luz do dia.
Concluindo: pensar diferente no Moçambique contemporâneo, não sendo proibido por lei, ele não é, contudo, totalmente gratuito. Sobretudo considerando uma sociedade em permanentes crises e todas mal resolvidas ou, simplesmente, escondidas como poeira debaixo do tapete: aquele que tiver a ousadia de levantar este tapete... deve contar com o risco de lá estar à sua espera um escorpião, pronto para o atacar com o seu venenoso ferrão. Pela sua ousadia!
(Excerto de uma comunicação feita no ambito do dia mundial da Filosofia, assinalado no dia 21 de Novembro de 2024).
Nos primórdios do século em curso, um grupo de cidadãos, representando os mais variados sectores da sociedade, elaboraram, de forma independente, apartidária e profissional, um documento, que mereceu a aprovação parlamentar por consenso, com o propósito de os governados, governantes, profissionais, diversas organizações da sociedade civil e, em suma, de toda a Nação e dos parceiros de cooperação que servisse de referência ou guião para o desenvolvimento de Moçambique até ao ano de 2025.
Segundo este documento, que foi intitulado de Agenda 2025, o seu principal objectivo era o de estabelecer novos caminhos para impulsionar o desenvolvimento de Moçambique cujos resultados, no ano 2025, os 50 anos da independência do País, os moçambicanos, em Paz, Harmonia e Solidariedade, celebrariam (ou não) em contínuo progresso económico e social.
No documento foram definidos quatros cenários possíveis, que dependendo do que seria o desempenho do país, um deles seria alcançado. Os quatro cenários previstos foram denominados de i) Cabrito, ii) Caranguejo, iii) Cágado e iv) Abelha, ambos a traduziram o conhecimento popular sobre o comportamento destes animais. Segundo a Agenda 2025:
i) O Cenário do Cabrito compreende “o aumento da corrupção, da intolerância, da exclusão social e do eventual retorno da guerra”, consubstanciado na deterioração das condições que envolvem a variável determinante Paz, Estabilidade Política e Social. Historicamente, a exclusão social sistemática a que os moçambicanos foram votados durante o regime colonial provocou uma revolta colectiva que, facilmente, se transformou na luta armada para a Independência de Moçambique.
ii) O Cenário do Caranguejo caracteriza-se por zigue-zagues, em que cada actor anda tão depressa para a frente como retrocede, provocando crises cíclicas, seguidas de momentos de recuperação lenta e ténue devido à desestruturação causada pelas crises, cujas alterações afectam significativamente na variável determinante Democracia e Participação. Historicamente, em Moçambique a tendência para a contínua falta de diálogo construtivo na vida social e política do País contribui para este cenário.
iii) O Cenário do Cágado, e tal como acontece com o cágado que chega longe mas vai muito devagar e age sozinho, o país pode chegar longe mas devagar e haverá grandes assimetrias e desigualdades. Neste cenário, impera a primazia de interesses individuais ou de grupo sobre os interesses colectivos, embora ocorra uma melhoria significativa da variável determinante Competitividade e Transformação Tecnológica e tudo que a ela diga respeito, independentemente da qualidade de vida da maioria dos cidadãos.
iv) O Cenário da Abelha, que faz jus a própria abelha que é trabalhadora, forte, persistente e empreendedora, caracteriza-se pela inclusão, a unidade, a tolerância, o máximo uso das capacidades de cada actor, a harmonia e o crescimento consistente. Um cenário em que se verifica um crescimento significativo nas variáveis do Capital Humano e do Capital Social decorrente do desempenho positivo das variáveis determinantes Paz e Estabilidade Social, Democracia e Participação e Competitividade e Transformação Tecnológica.
Exposto, em linhas gerais, os cenários da Agenda 2025, e tendo em conta que se está a escassos dias do ano de 2025, fica a pergunta: Habemus Cabrito, Caranguejo, Cágado ou Abelha?
PS: consta que na terra de origem do actual Presidente da República, o significado ou tradução do seu apelido é Abelha. Caso para dizer que incentivos, até de fórum sociológico e antropológico, não faltaram para que o país, em 2025, celebrasse em apoteose o cenário desejável: o Cenário Abelha!