A estatística não mente, mas em Moçambique há quem a use para manipular a distribuição regional da população em idade de votar nas eleições gerais (presidenciais e legislativas), provinciais e autárquicas. No recenseamento eleitoral que acaba de ser realizado, o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE) veio a público declarar que 80% da população da província de Gaza tem 18 e mais anos de idade (18+). Como explica este fenómeno? Simplesmente não explica. Do ponto de vista demográfico, social e estatístico, nada pode explicar que Gaza apareça subitamente com apenas 20% de adolescentes e crianças menores de 18. Os dados do Censo 2017 revelam uma tendência de redução, em vez de aumento, da idade mediana da população moçambicana, estimada em 16,6 anos em 2007.
Os últimos três censos populacionais apresentaram proporções médias nacionais da população de 18 e mais anos, variando entre 48% em 1997, 49% em 2007 e 45% em 2017). Esta tendência decrescente é consistente com a anterior, sobre a diminuição da idade mediana nacional, por causa do acelerado crescimento de nascimentos e crianças em idade não activa para votar.
De igual modo, se compararmos os dados provinciais, em momento algum Gaza aparece com percentagens tão elevadas como declara o STAE. Em 1997, a proporção de pessoas 18 e mais anos na Zambézia foi 48% e em Nampula 49%, precisamente idênticas à de Gaza (49). A recente contestação do Centro de Integridade Pública (CIP) dos alegados 80% de pessoas 18+ em Gaza justifica-se, mas não pelo motivo que explora. Seria surpreendente se o CIP ou qualquer investigador encontrassem algum estudo a mostrar que os pais da província de Gaza têm tido “... poucos filhos em relação aos da província da Zambézia”.
Não tem sentido procurar em qualquer fenómeno demográfico ou social resposta para uma percentagem que o STAE não justifica, nem se esforça para esclarecer. Pelo que parece, o STAE chegou aos alegados 80% de pessoas 18+, dividindo a estimativa que fez da população de Gaza neste grupo etário em 2019 (1,114,337 pessoas) pelo total da população provincial (1,422,460 pessoas) em 2017.
Estranha divisão, de um valor para 2019 por outro de 2017. Se não foi esse o cálculo, ao STAE se deve esta e outras dúvidas, visto que não disponibiliza os pressupostos usados nas estimativas que divulga. Este texto visa fundamentar e detalhar a revelação que recentemente fiz, sobre o número misterioso na população de Gaza. Uma revelação que surgiu por mero acaso, em resposta à solicitação da ADS Eleições 2019, para que interpretasse a declaração do STAE sobre os alegados 80% em Gaza e 40% na Zambézia (Francisco, 2019).
O assunto motivou-me a rever as projecções da população do Instituto Nacional de Estatística (INE), a fim de melhor apreciar as estimativas do STAE. O resultado desta breve pesquisa evidencia a subtileza e dimensão de possíveis malabarismos estatísticos, muito mais graves do que os analistas têm percebido, ao investigarem os dados contraditórios dos órgãos de administração eleitoral e em particular do STAE.
Contexto das Estimativas Eleitorais
A contestação dos recenseamentos e cadernos eleitorais que dele resultam tem sido recorrente, ao longo da década passada, sendo vista por certos analistas como enfraquecedor do processo eleitoral (Brito, 2011). Se os fundamentos da referida contestação podem ser diversos, um dos possíveis motivos tem sido surpreendentemente descorado. De uma maneira geral, os analistas têm depositado confiança nas estatísticas oficiais, nomeadamente os dados dos censos populacionais do INE usados como referência de comparação com os recenseamentos eleitorais. Na falta de melhor fonte, não é por causa das taxas de omissão dos censos do INE, em geral relativamente baixas, que se justifica questionar a sua cobertura e abrangência.
Não dispondo de registos civis e de um sistema de estatísticas vitais confiáveis, não temos alternativa. Por outro lado, o INE é das poucas entidades moçambicanas que elaboram dados estatísticos nacionais, com capacidade logística e apoio financeiro suficiente, para reunir competências técnicas adequadas, a fim de elaborar projecções da população, a nível global e desagregado por províncias, distritos e localidades. Neste contexto, não havendo evidências gritantes e motivos comprovados para duvidar da qualidade das estatísticas do INE, a sua base de dados tem servido de referência confiável para estimativas com vários fins, como é o caso dos dados eleitorais.
O Pecado Original do INE
Apesar da boa reputação do INE, imaginemos que os seus dados escondem um misterioso e grave erro, resultante de um descuido sem más intenções ou cometido propositadamente por motivos que dificilmente serão confessados? Antes de apontar o erro misterioso, para benefício do leitor que não está familiarizado com as projecções da população do INE, vale a pena esclarecer o seguinte: desde o Censo de 1997, o INE tem disponibilizado dois tipos de projecções anuais da população (nacional e provinciais) que em princípio são ou devem ser consistentes entre si.
Com base no Censo 1997, publicou projecções da população total (1997-2020) e projecções provinciais (1997-2010) (INE, 1999a, 1999b). Como previsível, o total da população moçambicana em 1997 é igual ao agregado dos totais provinciais (16,075,708 pessoas). Surpreendentemente, as projecções baseadas no Censo de 2007 não mostram a mesma consistência (INE, 2011, 2010).
Ao comparar o total nacional da agregação dos totais provinciais (ver INE, 2011) com o total das projecções anuais (urbana e rural) da publicação de 2010 encontramos uma diferença de 986,197 pessoas. Nesta última, com projecções globais para o período 2007-2040, a população de Moçambique em 2007 é 20,632,434 habitantes. Porém, na publicação de 2011, o Quadro 1 da população projectada por província e sexo segundo idade, apresenta um total de 21,618,631 habitantes em 2007. E onde se encontra este diferencial numérico? Única e exclusivamente na província de Gaza.
O total da população em 2007 de Gaza (usado pelo STAE) é 1,236,284 pessoas, mas o total no referido Quadro 1 é 2,222,481 pessoas. Todas as outras províncias, sem excepção, possuem valores coincidentes nas duas publicações. A partir dos 2,2 milhões em Gaza, que incluem os 986 mil fantasmas a mais, a população 18+ que resultou para 2007 foi 1,225,109 pessoas. Comparando este efectivo com a estimativa da população de Gaza usada oficialmente (1,236,284), a população 18+ em 2007 representaria 99% da população desta província. Um valor demasiado escandaloso, para lhe conferir alguma credibilidade. Até prova em contrário, as 986 mil pessoas a mais em Gaza fornecem a chave para entender a origem da alegação do STAE quanto aos 80% de pessoas 18+.
Muito provavelmente, os estatísticos do STAE optaram pelos 80% na esperança que não causasse surpresa e reacção. Por isso, tem sentido suspeitar que em vez de corrigir um erro aberrante, optou-se por uma percentagem aparentemente mais modesta, baseada na divisão estranha, acima referida.
À semelhança da diferença na população total de Moçambique, idêntica discrepância pode ser encontrada entre a projecção global e as projecções desagregadas por província da população 18+. Na publicação do INE de 2010, o total da população 18+ é 9,890,193 pessoas, mas nas projecções provinciais da publicação de 2011, o total é 10,505,726 pessoas. Neste caso, a diferença reduz para 615,533 pessoas, porque apenas abrange o grupo etário 18+. Impacto dos 986 mil Fantasmas Qual é a razão do número fantasma e misterioso que aparece inesperadamente em Gaza? De imediato, a única explicação sensata e justificável é ter sido introduzido, inadvertida ou intencionalmente.
Um erro, seja ele intencional ou não, mas um erro muito grave. Como escapou à atenção dos analistas, durante tanto tempo? Talvez porque a nível oficial e do consumo público, a estimativa da população total moçambicana em 2007, oficialmente referida é 20,6 milhões, em vez dos 21,7 milhões. Do mesmo modo, sempre que se menciona a população de Gaza, o valor usado para 2007 é 1,3 milhões e não os 2,2 milhões que incluem os 986 mil fantasmas a mais em Gaza. Mas convém não ser ingénuo. É improvável que o STAE não tenha reparado que algo de errado existia.
Não é preciso muita atenção para perceber que um número fantasma estava a inflacionar a população de Gaza, ao ponto de fazer com que o total da população 18+ ficasse idêntico (99%) à população total da província. Para se obter um efectivo de 1,2 milhões em 2007 seria preciso que a população de Gaza tivesse crescido entre 1997 e 2007 a uma taxa média anual de 7,1%. É improvável que alguém no STAE, com o mínimo de sensibilidade estatística, não tenha reparado na inconsistência numérica aqui revelada. Uma vez desvendado o segredo dos alegados 80% de pessoas 18+ anos em Gaza, fica claro que o mistério é muito mais simples e fácil de explicar do que parecia. Todavia, enquanto esse fantasma numérico não for removido das estatísticas que estamos a usar ele poderá continuar a deturpar nossas análises, opções e acções políticas e operacionais. (...)
Conclusão e Comentário Final
A revelação apresentada e fundamentada neste texto pode motivar diversas interpretações: técnicas, políticas e morais ou éticas. Não há espaço para as discutir aqui, nem era esse o propósito desta reflexão. Também não procurarei especular ou antecipar, como fez o CIP, se Filipe Nyusi vai ou não ganhar mais 370 mil votos.
Esta ou outras hipóteses não irão depender apenas da forte base manipulativa proporcionada pelas estatísticas do INE ao STAE. Não menos importante, a maior ou menor capacidade de o candidato presidencial da Frelimo captar votos vai depender de outras formas de manipulação, a vários níveis, como seja, na contagem, verificação, controle e aprovação dos resultados finais. Sobre os dados estatísticos, limito-me a adiantar que o exemplo aqui apresentado ilustra bem como um “pequeno” erro pode provocar inúmeros equívocos e especulações.
Em devido tempo veremos como é que o STAE, habituado que está a provocar dúvidas e desconfianças, por motivos alheios à qualidade dos dados estatísticos, irá lidar com as implicações da revelação do segredo dos alegados 80% em Gaza. Quanto ao INE, infelizmente, também não sai nada bem neste retrato. Se bem que o grave erro aqui demonstrado não seja suficiente para pôr em causa a boa reputação que o INE conquistou, em nada o beneficia a situação ridícula em se colocou.
O mínimo que espero que faça, para se redimir do erro, é que o corrija, porque os dados da evolução estatística continuarão a fazer parte das análises dos utilizadores dos produtos do INE. E depois deste precedente, vamos esperar pelas novas projecções nacionais e provinciais com base no Censo 2017. Considerando a experiência eleitoral de Moçambique, no passado, cada vez mais o importante não é quem vota, mas quem conta e controla o resultado final. Não me surpreenderei se Filipe Nyusi conseguir o que os militantes da Frelimo mais ambicionam a todo o custo: uma vitória retumbante! Principalmente em Gaza, não tenhamos dúvidas; tudo está encaminhado para que em Outubro próximo, Nyusi e Frelimo consigam essa vitória retumbante.
*Artigo extraído da publicação IDEIAS, do IESE, da autoria do Prof. António Francisco. O título é da responsabilidade da “Carta”
O anúncio formal de um dos maiores investimentos de sempre em Moçambique está agendado para terça-feira pelo consórcio de exploração de gás natural liderado pela petrolífera norte-americana Anadarko. O plano de desenvolvimento da Área 1 da Bacia do Rovuma, em Cabo Delgado, a província mais a norte de Moçambique, está avaliado em 25 mil milhões de dólares - o dobro do Produto Interno Bruto (PIB) do país, ou seja, a riqueza que o país produz a cada ano.
A cerimónia de decisão final de investimento está marcada para terça-feira e esta é só metade da prosperidade prometida, porque um plano de dimensão semelhante já foi aprovado pelo Governo para outro consórcio, que vai explorar a Área 4, na mesma bacia, e cujo anúncio final pode acontecer até final do ano.
Os projetos de gás natural devem entrar em produção dentro de aproximadamente cinco anos e colocar a economia do país a crescer mais de 10% ao ano, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI) e outras entidades.
Para lá chegar, a Área 1 vai investir 25 mil milhões de dólares que vão ser utilizados para furar o fundo do mar, sugar o gás natural através de 40 quilómetros de tubagens para uma nova fábrica em que vai transformado em líquido, na península de Afungi, distrito de Palma.
Ao lado desta fábrica vai ser construído um cais para navios cargueiros especiais poderem ser atestados com gás natural liquefeito (GNL), que vai ser vendido sobretudo para mercados asiáticos (China, Japão, Índia, Tailândia e Indonésia), mas também europeus, através da Eletricidade de França, Shell ou a britânica Cêntrica.
Haverá ainda uma parcela mais pequena que vai ficar no país e que será canalizada para produção de eletricidade, transformação em combustíveis líquidos e adubos, em Moçambique.
Tudo deve estar pronto lá para 2024: o plano da Área 1 prevê inicialmente duas linhas de liquefação de gás com capacidade total de produção de 12,88 milhões de toneladas por ano (medição para a qual se usa a sigla mtpa), sendo que o empreendimento pode crescer até oito linhas.
A ambição justifica-se com o tamanho da descoberta feita desde 2010 na Área 1 e que ascende a 75 "triliões de pés cúbicos" (tcf, sigla inglesa) de depósitos de gás, enterrados debaixo do mar - um número gigante: 75 seguido de doze zeros, sendo que na vizinha Área 4 o valor chegará a 85 tcf.
Dito de outra forma, se houvesse uma lotaria de gás natural, Moçambique tinha ficado com a sorte grande e a terminação.
A Anadarko considera as jazidas da sua Área 1 equivalentes ao dobro do gás e petróleo que há para explorar na área britânica do Mar do Norte e classifica a bacia do Rovuma como a próxima grande zona de exploração de hidrocarbonetos do mundo.
Além da Anadarko, que lidera o consórcio com 26,5%, o grupo que explora a Área 1 é constituído pela japonesa Mitsui (20%) e a petrolífera estatal moçambicana ENH (15%), cabendo participações menores à a indiana ONGC (10%) e à sua participada Beas (10%), à Bharat Petro Resources (10%), e à tailandesa PTTEP (8,5%).
A Anadarko deve ceder a liderança do consórcio à francesa Total até final do ano, depois de ser comprada (processo ainda em curso) por outra petrolífera dos EUA, a Occidental, que por sua vez celebrou um acordo para venda dos ativos em África.
O consórcio da Área 1 avança desde há ano e meio com diversas obras de preparação em Cabo Delgado.
Os trabalhos incluem uma nova aldeia onde vão ser realojadas comunidades que vivem no local de implantação da fábrica, novas estradas e uma pista de aviação para servir a futura cidade do gás de Palma, destinada a centenas de novos trabalhadores que vão operar o megaprojeto.
Os trabalhos de engenharia e construção envolvem dezenas de empresas, algumas das quais portuguesas, e todas têm estado sob pressão devido aos ataques armados de grupos criminosos em Cabo Delgado.
Um motorista moçambicano ao serviço da firma lusa Gabriel Couto foi assassinado em fevereiro no primeiro ataque a atingir trabalhadores do empreendimento - e após o qual já houve feridos noutros incidentes.
A petrolífera Anadarko tem referido que, apesar de haver funcionários atingidos, não há sinais de que os agressores visem o investimento, garantindo ao mesmo tempo que as medidas de segurança estão a acompanhar o evoluir das ameaças. (Lusa)
As Nações Unidas (ONU) estão a preparar um Plano de Acção para ajudar as crianças que têm sido recrutadas por grupos terroristas. A informação foi avançada por Alexandra Martins, Directora do Programa Mundial sobre a violência contra crianças (UNODC), em entrevista à ONU News, em Nova Iorque, nos Estados Unidos da América (EUA).
De acordo com Alexandra Martins, a prevenção, reabilitação e integração constituem as áreas fundamentais que irão constar no Plano de Acção e da Estratégia a ser adoptada nos próximos anos, pela organização.
Esta medida surge numa altura em que o número de países que enfrentam as incursões de grupos extremistas cresce em todo o mundo.
Refira-se que a medida visa proteger as crianças de todo o mundo que têm sido recrutadas por grupos terroristas, como o Al Shabab, Boko Haram, Al-Qaeda, Estado Islâmico, entre outros que actuam em países como Nigéria, Somália, Mali, Líbia, Síria, Iraque, Sri Lanka, entre outros.
O Estado Islâmico reivindicou, recentemente, ter uma célula no país, concretamente na província de Cabo Delgado, onde desde 05 de Outubro de 2017, enfrenta ataques militares, protagonizados por um grupo até então não identificado.
Para Alexandra Martins, “a prevenção não é somente investir em medidas duras que vão, por exemplo, reduzir a idade da inimputabilidade criminal ou medidas que vão encarcerar essas crianças”.
“A prevenção significa dar outras oportunidades para que essas crianças não sejam vítimas desses grupos terroristas, sendo assim, as áreas de prevenção incluem o sistema de justiça penal e o seu reforço e, ainda, a capacidade desse sistema deve ser para punir quem recruta crianças."
Num outro desenvolvimento, a Directora do Programa da UNODC adiantou que o Plano de Acção vai dar prioridade à reabilitação e reintegração destas crianças nas suas comunidades. Alexandra Martins explica que é necessário perceber que estas crianças devem ser vistas como vítimas de instrumentalização. Diz ainda tratar-se de uma realidade antiga e mais comum do que se possa pensar.
Alexandra Martins afirmou ainda: “o fenómeno da vitimização das crianças é gravíssimo e, face a isso, elas são vítimas da instrumentalização de grupos criminais, que nós chamamos de grupos armados. Podem ser os grupos de crime organizado da América Latina ou podem ser também traficantes de seres humanos”, explicou.
Para Martins, o mundo está num momento histórico e a atenção da comunidade internacional está em relação a grupos de crime organizado que são denominados de terroristas. “Então, existe uma atenção imensa da comunidade internacional em relação a isso, mas eu acho que é importante ressaltar que o fenómeno não é novo”, destacou.
A terceira área de acção da UNODC será de garantir que as crianças possam assumir um papel fundamental na comunidade e para que possam desenvolver o seu potencial no máximo. Até porque, tal como explica Alexandra Martins, só assim poderão ser devidamente reintegradas.
“O nosso trabalho mostra-nos que existe a possibilidade de reabilitar e de reintegrar qualquer criança que foi envolvida, tanto com grupos terroristas, como com grupos criminosos ou grupos armados. O que é necessário é que esse trabalho de reabilitação seja feito com seriedade. Existe um âmbito individual, ou seja, é importante que existam planos de acção individualizados para aquela criança e que respondam às necessidades e ao contexto daquele indivíduo", afirmou Alexandra Martins.
Apesar da ausência de dados sobre o número de crianças que poderá estar nesta situação, Alexandra Martins garante que, pela natureza transnacional do terrorismo, esta é uma realidade mundial.
Contudo, a Alexandra Martins disse que o fenómeno do terrorismo afecta todas as regiões do mundo e que se poderá agravar caso se adoptem abordagens punitivas e não reabilitativas. (Omardine Omar)
Foram dissipadas as dúvidas. Vive-se, de facto, um clima de “cortar à faca” no seio do maior partido da oposição no país, a Renamo. A confirmação da “desordem e insubordinação”, que se vive naquela organização político-partidária, veio do porta-voz do partido, José Manteigas, em conferência de imprensa havida, esta quinta-feira (13), em Maputo, um dia depois de Mariano Nhongo, Major-General e estratega do falecido presidente do partido, Afonso Dhlakama, ter dito de “viva voz” que a ala militar não mais devia obediência ao actual Presidente do Partido, Ossufo Momade, e que nos dias 10 a 15 Julho escolheria o novo timoneiro.
Como era de esperar, José Manteigas começou por distanciar-se dos últimos acontecimentos, afirmando que se tratava de “encenação caluniosa e grosseira, que visa afectar e desacreditar o carisma, o sentido de responsabilidade, o trabalho abnegado e aceitação massiva pelos moçambicanos dos ideais da Renamo”.
De seguida, em jeito de contra-ataque, José Manteigas considerou desertores os que apareceram publicamente, esta quarta-feira, numa clara alusão a Mariano Nhongo, a ameaçar matar o presidente do partido, caso este não renunciasse ao cargo, e que Ossufo Momade tinha sim o controlo e total apoio de toda a ala militar.
“A pessoa que foi vista ontem desertou das forças da Renamo, talvez é isso que os moçambicanos não sabem. Portanto, não está na base da Gorongosa e, de forma unilateral, fez aquele pronunciamento”, disse José Manteigas, confirmando o clima de tensão que se vive no seio da “Perdiz”.
E porque tudo quanto se diz está longe de constituir a verdade dos factos, isto no que respeita ao assassinato do brigadeiro Josefa e mais outros dois generais, Manteigas desafiou os “desertores” a apresentarem as provas do que vêm propalando.
Nisto, Manteigas disse que cabia a Nhongo e seus apaniguados apresentar os corpos das pessoas que diz terem sido executadas, o local onde as mesmas, eventualmente, terão sindo sepultadas, bem como as evidências das perseguições que dizem estarem a ser levadas a cabo por Ossufo Momade, como forma de legitimar a tese que defende.
“Porque cabe ao acusador o ónus da prova, exigimos a esses inimigos da paz e da concórdia social que provem aos moçambicanos até que ponto corresponde a verdade o que têm estado a propalar”, disparou Manteigas.
Importa recordar que, na passada quarta-feira, Mariano Nhongo assegurou que, no próximo mês de Julho, os comandos vão reunir-se para escolher o novo presidente do partido e será a esta figura que prestarão vassalagem e com ela caminharão no processo que culminará com o Desarmamento, Desmobilização e Reintegração da ala militar do partido.
Aliás, Nhongo disse, igualmente, que com Ossufo Momade na liderança os comandos não entregariam as armas e que caso este se recusasse a abandonar o mais alto posto do partido o matariam, isto porque ele executou e tem estado a executar os homens leais ao falecido líder Afonso Dhlakama. (I.B)
A União Europeia espera que as ameaças feitas por guerrilheiros da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) ao presidente do seu próprio partido não prejudiquem o processo de paz, referiu hoje o embaixador no país.
"Espero que não comprometam o processo de paz estas últimas notícias que temos seguido com bastante preocupação", afirmou Sanchez-Benedito Gaspar, em Chimoio, centro de Moçambique, onde hoje e sexta-feira decorrem encontros de diálogo político entre diplomatas europeus e o Governo moçambicano.
O diplomata considerou crucial o nível de envolvimento e compromisso do presidente moçambicano, Filipe Nyusi, e do líder da Renamo, Ossufo Momade, e acredita que o processo de pacificação do país está bem dirigido.
"Pode haver pessoas com interesse para fazer fracassar isso, mas acho que o país é forte", precisou o representante da UE.
Sanchez-Benedito Gaspar afirmou continuar otimista no diálogo para a paz entre o Governo e a Renamo.
"Estamos a avançar com muito otimismo", disse.
O diplomata referiu que a UE tem apoiado com todos os meios à disposição o processo de normalidade democrática de Moçambique e que espera que o Governo e a Renamo alcancem "avanços concretos nas etapas anunciadas", para assinatura de um acordo definitivo de paz até agosto.
Na quarta-feira, guerrilheiros da Renamo exigiram - através de uma declaração à imprensa - a demissão de Ossufo Momade e ameaçaram-no de morte, caso não acate a exigência de renúncia, acusando-o de estar a destruir o partido.
A Renamo respondeu hoje através do seu porta-voz, José Manteigas, referindo que Momade mantém o comando do braço armado da organização e classificando como "desertor" o oficial que proferiu as ameaças. (Lusa)
Encontrar um novo Presidente para o Conselho Constitucional (CC) pode ser a coisa mais fácil do mundo. Mas encontrar um nome que prestigie a instituição vai ser uma “batata quente” para o Presidente Filipe Nyusi, que deverá provar, com a escolha, se está disposto a seguir a cartilha “guebuzista” de nomeação de comissários políticos ou vai inverter essa tendência, indicando alguém com perfil comprovado de competência em matérias de direito constitucional e disposto a devolver o respaldo de independência que caracterizou os primeiros anos do CC sob a batuta de Rui Baltazar. Será que Nyusi irá buscar esse nome dentro da casa (do CC) ou vai “pescar” no largo espectro da sociedade?
“Carta” esteve a recolher um vasto leque de percepções sobre a questão da sucessão no CC, originada pela renúncia, semana passada, do anterior Presidente Hermenegildo Gamito. Uma das soluções imediatas de Nyusi é ir buscar alguém mesmo dentro do CC. Mas aí a escolha deveria recair para os mais velhos juízes da casa. E a escolha natural apontaria para o juiz João Guenha, um dos mais competentes em matéria de fiscalização da constitucionalidade.
Mas Guenha está impossibilitado: desde há cinco anos que, praticamente, está sem trabalhar, depois de ter sido acometido por dois acidentes de saúde. Dos mais velhos, restariam os juízes Manuel Franque, escolha política da Renamo na primeira leva de juízes que formaram o Conselho, Lúcia Ribeiro (que entrou na casa por indicação da Frelimo).
Franque tem tido um comportamento misto ao longo dos anos. No início pendia para uma postura mais em consonância com os ditames que recebia da Renamo, mas, nos últimos anos, tem sido mais moderado, mas dificilmente Nyusi ofereceria o lugar à oposição. Franque é, hoje, a terceira pessoa na hierarquia do CC, depois de Lúcia Ribeiro, uma jurista que chegou ao posto pela mão de Verónica Macamo, a actual Presidente da Assembleia da República, de quem é grande amiga e confidente.
É provável que Verónica Macamo tente fazer o seu “forcing” dentro do partido Frelimo para que a escolha recaia em Lúcia Ribeiro. Mas quem conhece esta juíza e já trabalhou com ela crê que só uma coisa levaria o Presidente Nyusi a optar por Ribeiro: ela é a juíza mais disponível a garantir o expediente da Frelimo dentro do CC. Fora isso, suas competências em matéria de direito constitucional são limitadas (e desde os tempos de Rui Baltazar que isso foi notado).
Ela sente-se melhor a trabalhar em matérias eleitorais (validação de resultados, sobretudo). Ciente das suas limitações, Lúcia Ribeiro, desde que chegou ao Conselho Constitucional, tem se dedicado a colaborar mais na parte administrativa e protocolar do órgão. Em suma, se for para devolver o prestígio do Conselho, ela não é certamente a pessoa mais indicada.
De dentro do CC, “Carta” recebeu indicações de que Lúcia Ribeiro foi instrumental para arrumar o acórdão que validou a falcatrua eleitoral de Marromeu, dando a vitória fraudulenta à Frelimo. Em ano de ferrenha disputa eleitoral, Nyusi pode cair na tentação de garantir que o CC actue em conformidade com os objectivos políticos da Frelimo e, para isso, vai certamente apontar Lúcia Ribeiro.
Mas isso seria ir contra o imperativo da credibilização do órgão. Nas últimas eleições autárquicas, o CC mostrou-se como um comissariado da Frelimo. E no recente acórdão sobre a Ematum, seus juízes uniram-se na exacerbação das competências do órgão, atraindo para si uma série de comentários jocosos sobre o trabalho do Conselho.
Entre os juízes mais novos do CC (juízes Saize e Cintura) não se vê ainda nenhum com arcaboiço suficiente para assumir a liderança. E o que resta, Ozias Pondja (um homem de mão de Armando Guebuza), que já foi juiz-Presidente do Tribunal Supremo, não é necessariamente um poço de integridade e credibilidade. Então, a solução seria Nyusi tentar alguém fora do CC. Mas quem? Eis o dilema. Teria de ser alguém com competência técnica e capaz de imprimir a independência almejada. Há, diga-se, em Moçambique, pouca gente com bagagem bem firmada nas matérias afins.
Uma das pessoas que se tem dedicado com afinco ao direito constitucional (certamente que parece uma heresia pensar no seu nome) é o jurista e deputado Edson Macuácuà. Sua competência em matérias constitucionais tem crescido a olhos vistos. O problema é que ele se expôs demasiado como militante da Frelimo e uma sua indicação configuraria uma tragédia. De modo que o leque de opções do Presidente Nyusi é limitado.
Mas se Nyusi quiser mesmo optar por olhar para dentro do CC terá de fazer um exame minucioso para encontrar alguém sobre quem não pesam alegações de esbanjamento de dinheiros públicos. Há demasiadas alegações sobre uso indevido de bens e viagens sem motivo aparente, fazendo recordar a farra do usufruto que levou à queda, há poucos anos, do então Presidente do órgão Luís Mondlane, que teve de regressar ao Tribunal Supremo, donde era oriundo. (Marcelo Mosse)