Director: Marcelo Mosse

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segunda-feira, 16 setembro 2019 08:02

Maximizar o acordo de paz

Bayano Valy

O país testemunhou recentemente a assinatura de mais um acordo de paz entre o governo e a Renamo, numa cerimónia com toda a pompa e circunstância. Não era para menos: alguns chefes de estado africanos (antigos e actuais) estiveram presentes, altos dignatários, membros do clergo, entre outros.

 

Os textos das declarações dos principais assinantes e compromisso com a paz soavam como se escritos pelo mesmo grupo de conselheiros. Enfim... ironicamente ninguém parece ter notado que mais ao norte da Praça da Paz, há uma insurgência cujas dispersão geográfica e frequência crescem a olhos vivos. E a tinta ainda nem havia secado do papel quando um grupo dissidente da Renamo, um dos signatários, distanciou-se do acordo, ameaçando voltar às matas.

 

segunda-feira, 16 setembro 2019 06:45

O Futebol Sou Eu

Nos idos e revolucionários anos oitenta e bem antes de eu ouvir falar da figura de agente de jogadores (de futebol) conheci um na escola primária de nome Artur Roubão. O sobrenome sobrevinha das suas exímias qualidades de subtracção de bens alheios. Ele era o mais velho da turma e fazia valer o posto a quem ousasse contrariá-lo ou que o troçasse por uma “gafe” fora ou na aula. Algumas vezes o professor condicionava a saída da turma à uma resposta correcta do Artur Roubão. Debalde. E sempre que chamado a responder olhava de esguelha à caça de quem se atrevesse a zombar das suas debilidades.
 
 
O Artur Roubão era praticamente o “dono” da equipe de futebol de uma das turmas da segunda classe formada por um quinteto (Nando, Messias, Abdul, Abreu e Nicolau) que impunha respeito nos jogos inter-turmas. Um outro colega (Nené) era o responsável pela torcida feminina e assessor desportivo das funções de dirigente do Artur Roubão. Na confusão infantil das escaramuças diárias quer as dos jogos, quer as do fecho das aulas o quinteto e todo o corpo técnico e logístico estavam sob protecção do também treinador, o temido Artur Roubão. 
 
 
A sua costela de agente de jogadores adveio do facto de ter reprovado e o quinteto transitado de classe o que implicava que os últimos jogariam pela nova turma da terceira classe. Mas assim não foi porque o Artur Roubão alegara que detinha os direitos dos jogadores do quinteto. E estes continuaram a jogar na equipe da segunda classe. Fora e mais o agenciamento de jogadores o Artur Roubão ainda actuava como federação (organização dos jogos) e tribunal desportivo. Nas repreensões de justiceiro recorria à pancada e, no limite, erradicava o visado da prática desportiva no recinto escolar e espaços adjacentes. 
 
 
Assim aconteceu até ao dia em que o Artur Roubão rescindiu unilateralmente a sua ligação com a escola e automaticamente o contracto colectivo que o vinculava ao quinteto. De certeza que nos tempos que correm o Artur Roubão seria um respeitado Agente-FIFA e de alto gabarito internacional. 
 
 
A única vez em que a turma (turno da tarde) esteve de castigo e o Artur Roubão não teve nada a ver foi numa sexta-feira. Esse dia a pena (cárcere privado) durou até a hora do jantar e foi sustada graças a intervenção dos pais. O famoso e sonoro “ADEUS SENHOR PROFESSOR E ATÉ NA SEGUNDA SE DEUS QUISER” foi o dito crime que levara o professor a encarcerar a turma de petizes. Estes não sabiam que por essa altura histórica o todo-poderoso (DEUS) estava suspenso/banido da terra da Pérola do Índico. 
 
 
Desses áureos tempos da revolução socialista não tenho memória oficial de um agente de jogadores ao estilo capitalista como existe e pululam actualmente. Contudo, fica a indelével memória do Modus Operandi do multifacetado Artur Roubão que era bem ao estilo da época e à luz do não menos famoso monarca francês, Luís XIV: O ESTADO SOU EU!
segunda-feira, 16 setembro 2019 06:44

É exagero... Agora querem matar a tia Inês!?

Hoje, esta madrugada, recebi uma mensagem do Manuel de Araújo, cabeça de lista da RENAMO para Governador da província da Zambézia, dizendo que incendiaram a casa da sua mãe, no bairro de Coalane, em Quelimane. Não acreditei. Mas também, Mano Mané não é de brincar com esse tipo de coisas. Então, querem matar a tia Inês, a minha eterna professora!

 

Eu costumo dizer que estamos a insistir em chamar de democracia a uma ditadura no seu estado mais avançado. Na verdade, uma ditadura eleita. Um sistema em que, em cada cinco anos, você sai de casa e vai à urna para "escolher" o seu próprio assassino. Para piorar, há quem insiste em dizer que estamos em paz.

 

Hoje, a tia Inês está a pagar o preço de ser mãe de um cidadão que acredita na mudança. De ser mãe de um jovem que as pessoas acreditam que ele é a solução. O preço de ter transmitido ao seu filho o seu carisma. A boa educação. A humildade. O bom carácter.

 

Querem matar a tia Inês por ser a mãe do mensageiro. Aquele mensageiro que carrega e se identifica com a mensagem do povo. O seu povo. Um povo que ele está disposto a dar o peito às balas. Aquele mensageiro que deixa qualquer tirano sem sono. A propósito do sono: está cada vez mais claro que Mano Mané tira sono de um certo grupo de "Indivíduos".

 

Mas é assim: mesmo que matem a nossa professora, este "muana-mutxuabo" - puto humilde e carismático - não deixará de ser o mensageiro de todos "ana-atxuabo". Nada vai mudar isso. E não pensem que isso é política. Não! Manuel de Araújo já era amado antes mesmo de ser político. As pessoas já o admiravam. Prova disso está aí. O puto é estrela onde quer que vá e com qualquer partido. Um fenómeno que devia ser estudado.

 

Sobre a mãe do Mano Mané, não tenho tinta suficiente para falar dela. Quem conhece a sua trajectória de vida e do seu falecido marido sabe do que falo. Estes senhores são heróis não só dos seus filhos, mas de muitos jovens. A professora Inês é minha heroína também. E quero desde já desejar-lhe longa vida de muita saúde e alegria. Viva para curtir o seus filhos, netos e bisnetos! Apenas tema a Deus. É somente Ele que guarda os nossos destinos.

 

Para vocês que pensam que tudo começa e termina na política, desejo-vos uma longa curta vida. Que tudo não corra como desejam! Que o diabo continue vos abençoando com muita burrice!

 

- Co'licença! 

quinta-feira, 12 setembro 2019 06:09

Acho que preciso de uma catequese eleitoral

Confesso que não estou a perceber nada desta campanha eleitoral em curso. Não estou a perceber a estratégia que está sendo usada pelos partidos e candidatos. Só vejo pessoas andando de um lado para o outro com muito barulho à mistura sem nada de substancial.

 

Tenho que admitir que o meu nível de ignorância sobre campanha eleitoral está cada vez mais a subir. Não entendo como é que uma caravana ou um show de Mista-Bau e sua mulher e amigos, por exemplo, podem me convencer a votar no manifesto de um certo partido. Ainda não encontrei a relação entre o quadradinho da Liloca e o futuro do país.

 

Não estou a dizer que os modelos de propaganda eleitoral adoptados pelos partidos políticos e candidatos não sejam funcionais. Nada disso! Só estou a dizer que eu é que sou um gajo confuso. Por exemplo, não percebo como é que numa campanha porta-a-porta é possível convencer um eleitor em 5 minutos de conversa. O que é que de tão mágico se fala nesses minutinhos que fazem um gajo mudar de ideia?

 

Uma capulana e uma camisete estampadas com aquele sorriso administrativo do futuro presidente. Uma dose frango com batatas fritas e uma Coca-Cola. Uma bandeira e um cartaz do partido. Uma música e um nhecula-nhecula. Um campeonato de futebol com alcunha do candidato e um showmício. Um festival de promessas e sonhos mal sonhados. A cada promessa, um monte aplausos. 

 

No "feici", uma foto e uma legenda trivial. Um post e um comentário militante. Num mural, um apelo de voto a favor de um certo candidato porque o antigo líder do partido desse candidato - já falecido - tem filhos bonitos, e uma foto do Billal - o Obama. Noutro, jovens embrulhados em mantos de cetim encarnado e uma etiqueta da infalibilidade da certeza do seu voto. 

 

Não! Assim comigo não vai dar! Provavelmente eu esteja a precisar mesmo de uma campanha eleitoral só para mim. Talvez um comité central acampado no meu quintal durante 45 dias explicando cada vírgula do seu manifesto eleitoral. Uma catequese eleitoral. Sei lá, mas assim como está não vai pegar! 

 

- Co'licença!

quarta-feira, 11 setembro 2019 13:44

Mendigos à solta

Um dos sinais citadinos de que a “sexta chegou” é o movimento de pessoas - na sua maioria da terceira idade - pelas lojas da cidade em busca de doações, vulgo esmola. Há uns anos e numa dessas sextas fui interpelado por uma “cota-mendiga” que já era uma familiar de vista e de tantas sextas anteriores. Um dos “doadores” dela era um estabelecimento nas proximidades do meu domicílio na altura.  Nesse dia e de tanto calor eu estava sentado no degrau que dá acesso ao portão de casa à sombra de uma acácia (que deus a tenha) danificada por “manuelinos” (os que bebem num bar e de nome próximo). Falando nestes e pelos danos ambientais só favorável a uma “taxa-acácia” no preço de cada unidade de álcool. O valor seria usado na reposição de árvores pela cidade. Acredito que Maputo voltaria a ser a cidade das acácias.  

 

Voltando ao que contava: a velha aproximou e cumprimentou-me de forma amável e sorridente. Em seguida pediu uma garrafa de água gelada para levar. Perante o meu semblante de dúvida a cota estrategicamente reforçou o sorriso. Não resisti e num ápice respondi ao pedido. Depois de sorver o primeiro gole da água agradeceu e seguiu com a rotina.   

 

Por algum motivo fiquei algum tempo sem botar a vista nela. Até que numa outra sexta de intenso calor sucede o mesmo cenário que contei acima. Tentei fingir que não lhe tinha visto. Mas já era tarde. Desta vez e para a minha surpresa a cota não me pediu uma garrafa de água. Apenas pediu um singelo abraço de amizade. Depois do fraterno abraço a cota pergunta olhos nos olhos: “lembras de mim? “Respondi que sim acenando a cabeça. Nesse instante reparei que ela lacrimejava.  Enquanto ela limpava o rosto – denunciando certo constrangimento por estar aos prantos - voltou a agradecer a garrafa de água que lhe havia oferecido da última vez em que nos avistamos. “Deus lhe abençoe, meu filho”. Assim despediu a cota, deixando-me sem chão. 

      

Por estes dias tenho recordado deste episódio. Razões não faltam: tenho visto tanto mendigo à solta na rua. É uma azáfama diária de mendigos-extraordinários de todas as cores, idades e extracto social. Não são tão diferentes dos habituais das sextas-feiras, os mendigos- ordinários. O que lhes diferencia é o tamanho e implicações do pedido. Os mendigos-ordinários suplicam por uma fatia de pão para aguentarem a sexta-feira. Os mendigos-extraordinários imploram para que o pão seja de borla durante cinco anos.

 

Desde 1994 - ano das primeiras eleições multipartidárias em Moçambique – que é sempre assim de cinco em cinco anos. E no próximo dia 15 de Outubro corrente será o mesmo: ficar na bicha para escolheres a quem vais pagar o mata-bicho durante cinco anos. Em 2024 eles voltarão e o refrão será o pão de sempre. Por estas alturas eleitorais tenho saudades da nobreza da “cota- mendiga”.   

terça-feira, 10 setembro 2019 13:42

Lindela: saudade e ansiedade

Aqui a Estrada Nacional Número Um (EN1), bifurca. Estende um ramal que nos leva ao sossego inultrapassável da cidade de Inhambane. Continuando, porém, na sua longitude, a escoar o  caudaloso e ininterrupto tráfego comadado pelos camiões de grande tonelagem, que vão, aos poucos e poucos, danificando a base que suporta o asfalto.

 

Estou sentado na varanda da antinga estalagem de Lindela, respirando o ar que sai de dentro do edifícício cheirando a bafio. Sinal claro de que aquilo que já foi o local de acohimento para os passantes exaustos, hoje é um mamarracho. Não há sinal a indicar-nos vida pelo menos nos próximos tempos, já que o azimute mudou para o Santo António, um restaurante-pensão que tomou conta da história local.

 

Percorri trinta e dois quilómetros da cidade onde moro para ver um amigo que vai a Malema. Ele vai passar por aqui daqui a pouco, vindo de Maputo, e nesse momento a ansiedade de revê-lo vai esmorrecer no profundo abraço que vai-se materializar entre nós. Há muito que não nos vemos. E enquanto ele não chega, estou neste lugar sentado tendo como cadeira um bidon de plástico, de vinte e cinco litros, usado antes para acondicionar óleo alimentar.

 

São dez horas. O meu amigo volta a ligar e diz com entusiasmo, estou a passar Inharrime, brada! Inharrime é aqui perto. São vinte minutos de carro, mas como o homem que vai ao volante inspira-se no brasileiro Emerson Fittiplad, que venceu o Campeonato Mundial da Formula 1 e o Indianapolis, quinhentas e duas vezes cada, pode chegar antes de cinco minutos. Com ele tudo é possível.

 

Tenho medo de auriculares. Usei abusivamente os auscultadores, em som alto, quando era locutor da Rádio Moçambique, e o resultado é que rebentaram-me o ouvido do lado esquerdo. Agora priorizo o som da natureza. A música dos pássaros. Do vento. A sinfonia das chuvas e trovoadas. É por isso que estou aqui a mercê de todos os sons. Dos camiões  que passam e descarregam o estrangulador...... brrrrrrrrrrrrrrrrrrooooooooooooooooooo!

 

Nem parece que estou aqui sozinho. Há uma companhia intensa. Calorosa. Todos que vão passando perto, saúdam-me vocalizando um bondia, ou acenando com a mão, ou ainda meneando a cabeça, e eu retribuo com rigozijo. Esqueço-me que estou sentado por sobre um bidon de plástico, de 25 litros, oco por dentro. Sem nada. A sensação que me habita o interior é leve. Quanto mais não fosse, estou a espera do meu brada.

 

Dez minutos depois da chamada feita em Inharrime, vejo um espampanante Crysler 300 deslizando suavemente na estrada, e logo a seguir saíndo para estacionar, um pouco afastado do local onde estou. É ele!

 

Nunca imaginei que viesse numa viatura tão fora do comum, mas com o meu brada, como já o disse, tudo é possível. Levantei-me e fui ao seu encontro a correr, como uma criança. Ele também, quando me viu, saíu do carro e veio na minha direcção, como uma criança solta, que vai saltar para o peito da mãe ou para os braços do pai.

 

Apertamo-nos. Unimo-nos. Juntamo-nos. E ficamos sem palavras.

 

Perguntei-lhei o que ia fazer em Malema.

 

- Vou ver minha mãe, vamos juntos, brada.