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terça-feira, 14 dezembro 2021 18:05

Quando ser chefe já não anima

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Nascemos e crescemos - eu e meu irmão mais velho, entretanto, infelizmente já não entre nós - num ambiente relativamente privilegiado, comparativamente, diferente do de uma criança normal na nossa zona, a Circunscrição de Mutxuquete. Se estou correcto (não sou familiar à terminologia colonial), a Circunscrição de Mutxuquete partia de Mutxuquete, berma direita da estrada Chongoene Xai-Xai- Chibuto, paragem a seguir a Jantigwe (Jantigue, na grafia portuguesa), até quase a Aldeia das Laranjeiras, já em Manjacaze. Éramos os filhos do professor Eugénio. Olhados e tratados com muita consideração e respeito. Só perdemos esses mimos todos quando saímos de casa do papá para continuar estudos noutras escolas; aí sim, é onde soubemos o que era a dura infância de uma criança nas zonas rurais.

 

Esse tratamento privilegiado decorria do estatuto do professor, no caso, o professor Eugénio. O professor, em geral, tinha um papel e estatuto sociais de muito prestígio e consideração. Estou a falar do período anterior à proclamação da independência nacional. O professor disputava de alguma forma autoridade com o régulo; ele era, naquela zona, uma espécie de representante do Padre/Missão, neste caso, da Missão de Malehice. Celebrava missas nos domingos em que o Padre não se fazia à escola, casamentos religiosos na zona, era convidado de honra em eventos, festas e outras cerimônias, incluindo nas de recepção dos madjonidjonis (aqueles nossos irmãos que trabalham nas minas sul-africanas)! Aliás, estes sempre traziam qualquer coisa para o senhor professor: cobertor, sobretudo/casacão, calçado, toalha, sabonetes… sempre tinham qualquer coisa para presentear ao professor, até aparelho de rádio. O professor tinha tratamento privilegiado nas cantinas, podia fazer vales, aliás, os cantineiros quase sempre obrigavam meu pai a fazer vales.

 

Como se tratou de um período de transição, do período antes para o período pós-independência, neste último, o professor foi perdendo o seu estatuto e papel social até onde estamos hoje. Respeito e consideração social foram-se esfumando sorrateiramente. Hoje, o professor é aquele que conhecemos… com uma imagem bastante degradada, fragilizada e menosprezada. É, hoje, na nossa sociedade, um zé qualquer! Tristemente.

 

Depois da proclamação da nossa independência, houve também valorização de outras classes. Houve degradação social de certas profissões, sim, como a de professor; mas houve outras que ficaram célebres! Ser ‘dirigente político', por exemplo, era algo diametralmente diferente do que é ser dirigente hoje. Um dirigente tinha muito prestígio, muita consideração… aquela mesmo de um professor no período anterior à independência; a sociedade respeitava-o. De um dirigente político tinha-se uma imagem e consideração bastante grande. Sempre apetecia ver um dirigente, seja administrador, director provincial, governador, director nacional, ministro, etc.

 

Talvez mais por causa da idade menor ou a diminuta formação e maturidade na altura, víamos no dirigente sempre e sempre uma pessoa especial, com qualidades fora do comum. Não era qualquer um que ascendia à posição de dirigente. Foi o momento em que a moral e ética pública eram valores supremos para se ser dirigente. Não bastava a militância, tinha que ter conduta exemplar. Dirigentes houve que foram descartados por aquilo que se chamava corrupção sexual, ou material, ou ainda por alcoolismo. Os valores morais desempenhavam um papel importante para a nomeação de alguém. Muito por causa disto, ser dirigente era algo apetecível, o dirigente granjeava respeito, consideração e prestígio. Ser dirigente animava…

 

Mas depois, a coisa deu tanta volta. Hoje… já não anima nada! Ser dirigente hoje… é um grande pesadelo. Pouquíssimos são aqueles que são dirigentes porque exemplos sociais verdadeiros, sérios e competentes, como no passado. São-no devido às suas costas que são… “quentes”! São sempre afilhados de alguém. Sua conduta social é bastante duvidosa, desconhecida e seu comportamento ético e moral muito problemático.

 

No passado, para um dirigente ser exonerado, havia razões concretas e eram publicamente apontadas. Hoje, tal como raramente se sabe porquê alguém é nomeado, é quase impossível saber-se porquê alguém é exonerado. Só se acorda não dirigente e prontos!

 

Ser chefe hoje já não anima!

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