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BCI
terça-feira, 16 junho 2020 07:54

O Substituto doméstico

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Cofiou copiosamente toda a extensão do seu bigode que nas extremidades seguia em forma de espiral enquanto olhava taciturno para o céu luzidio de quinta-feira.

 

Meditabundo matava o tempo que lhe parecia inanimado principalmente agora longe do azafama do quotidiano de outrora, tudo por conta do inimigo invisível.

 

Sim, tinha saudades do tempo que laborava e no seu emprego dirigia uma turma de colegas que reconheciam a sua competência e autoridade.

 

Agora vivia a reclusão domiciliária por conta das autoridades governativas e carimbada pelo seu superior hierárquico que decidira que ele deveria ficar remetido no seu recanto para não ser atingido pela pandemia.

 

- Januário, Januário!  - chamava-o a mulher a partir da sala contígua.

 

Ele absorto na sua viagem não escutava, procurava se comunicar além galáxia, para não sucumbir ao convívio familiar forçado. Agora estava sob a direcção de sua esposa.

 

Leonor, quando percebeu que o marido não a escutava decidiu incumbir o filho mais novo de o chamar.

 

- Sim, sim! – atendeu Januário ao insistente chamamento do filho.

 

Apresentou-se perante a sua esposa que se deleitava confortavelmente na poltrona segurando o remoto controlo de televisão.

 

- Chamaste? – inquiriu olhando para Leonor que meio distraída trocava de canal optando agora por um de ginástica aeróbica.

 

- Tens que ir deitar o lixo – conferiu com autoridade passiva.

 

A empregada domestica, havia sido dispensada unilateralmente pela patroa pois representada um potencial risco de contrair o vírus por recorrer ao “chapa” nas suas deslocações.

 

Quando o conteúdo televisivo que assistia perdeu o interesse ela percebeu que o seu marido ainda não tinha saído para cumprir com a missão.

 

Voltou a gritar pelo seu nome, mas este continuou silencioso. Depois de uma demora prolongada Januário reapareceu.

 

- Já vou! - disse

 

Ela ainda com fitos no televisor não deu pela presença do marido, mas depois espreitou pelo canto do olho e encontrou-o prestes a partir.

 

- Chii vais aonde assim mesmo! – disse ela estupefacta com o visual do marido.

 

- Deitar lixo como mandaste! – conferiu convicto.

 

Januário trajava um terno azul  devidamente engomado e uma gravata vermelha, era a indumentária que mais confiava e o usava quando tinha as reuniões de alto gabarito.  Recuperou o seu traje favorito depois de mais de quarenta e cinco dias de internamente a propósito da nova ordem social, agora que o usava sentia-se outra vez dono de si.

 

Quando alcançou a principal rua que dava acesso ao destino uma brisa fina sacudiu seu rosto e ele despertou para lembranças de outrora, dos bons tempos. Atirou o saco e toda a sua depressão voou com os resíduos domésticos e aterrou no interior da lixeira.

 

Alisou as lapelas do seu paletó e reiniciou a marcha para parar logo de seguida, recuperou um charuto inacabado, tesourou a parte superior acendeu-o, deu uma longa chupada e quando a outra extremidade atingiu o rubro, largou e expeliu uma pequena fumaça aromática. 

 

Continuou sua caminhada sem muita pressa de voltar para casa, dava um e outro sorvo no seu charuto e a sensação de liberdade trazia-lhe felicidade. Adentrou para uma pastelaria e pediu um café, enquanto aguardava recuperou a sua liberdade de expressão e decidiu ligar.

 

- Querido como é bom ver-te e ouvir a tua voz depois destes dias todos! – gritou Elisa emocionada. – Estás lindo meu bem.

 

Evoluíram num paleio erótico protagonizado por Januário e a medida que a sua eloquência se adensava ela descobria as suas partes intimas seduzindo-o. 

 

Quando a vídeo reunião terminou sentiu-se um homem novo e cogitou:

 

“ A humanidade, com destaque para os cientistas e curandeiros deviam encontrar uma cura a curo prazo para o desconvidado vindo do ano 2019”

Sir Motors

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