Cofiou copiosamente toda a extensão do seu bigode que nas extremidades seguia em forma de espiral enquanto olhava taciturno para o céu luzidio de quinta-feira.
Meditabundo matava o tempo que lhe parecia inanimado principalmente agora longe do azafama do quotidiano de outrora, tudo por conta do inimigo invisível.
Sim, tinha saudades do tempo que laborava e no seu emprego dirigia uma turma de colegas que reconheciam a sua competência e autoridade.
Agora vivia a reclusão domiciliária por conta das autoridades governativas e carimbada pelo seu superior hierárquico que decidira que ele deveria ficar remetido no seu recanto para não ser atingido pela pandemia.
- Januário, Januário! - chamava-o a mulher a partir da sala contígua.
Ele absorto na sua viagem não escutava, procurava se comunicar além galáxia, para não sucumbir ao convívio familiar forçado. Agora estava sob a direcção de sua esposa.
Leonor, quando percebeu que o marido não a escutava decidiu incumbir o filho mais novo de o chamar.
- Sim, sim! – atendeu Januário ao insistente chamamento do filho.
Apresentou-se perante a sua esposa que se deleitava confortavelmente na poltrona segurando o remoto controlo de televisão.
- Chamaste? – inquiriu olhando para Leonor que meio distraída trocava de canal optando agora por um de ginástica aeróbica.
- Tens que ir deitar o lixo – conferiu com autoridade passiva.
A empregada domestica, havia sido dispensada unilateralmente pela patroa pois representada um potencial risco de contrair o vírus por recorrer ao “chapa” nas suas deslocações.
Quando o conteúdo televisivo que assistia perdeu o interesse ela percebeu que o seu marido ainda não tinha saído para cumprir com a missão.
Voltou a gritar pelo seu nome, mas este continuou silencioso. Depois de uma demora prolongada Januário reapareceu.
- Já vou! - disse
Ela ainda com fitos no televisor não deu pela presença do marido, mas depois espreitou pelo canto do olho e encontrou-o prestes a partir.
- Chii vais aonde assim mesmo! – disse ela estupefacta com o visual do marido.
- Deitar lixo como mandaste! – conferiu convicto.
Januário trajava um terno azul devidamente engomado e uma gravata vermelha, era a indumentária que mais confiava e o usava quando tinha as reuniões de alto gabarito. Recuperou o seu traje favorito depois de mais de quarenta e cinco dias de internamente a propósito da nova ordem social, agora que o usava sentia-se outra vez dono de si.
Quando alcançou a principal rua que dava acesso ao destino uma brisa fina sacudiu seu rosto e ele despertou para lembranças de outrora, dos bons tempos. Atirou o saco e toda a sua depressão voou com os resíduos domésticos e aterrou no interior da lixeira.
Alisou as lapelas do seu paletó e reiniciou a marcha para parar logo de seguida, recuperou um charuto inacabado, tesourou a parte superior acendeu-o, deu uma longa chupada e quando a outra extremidade atingiu o rubro, largou e expeliu uma pequena fumaça aromática.
Continuou sua caminhada sem muita pressa de voltar para casa, dava um e outro sorvo no seu charuto e a sensação de liberdade trazia-lhe felicidade. Adentrou para uma pastelaria e pediu um café, enquanto aguardava recuperou a sua liberdade de expressão e decidiu ligar.
- Querido como é bom ver-te e ouvir a tua voz depois destes dias todos! – gritou Elisa emocionada. – Estás lindo meu bem.
Evoluíram num paleio erótico protagonizado por Januário e a medida que a sua eloquência se adensava ela descobria as suas partes intimas seduzindo-o.
Quando a vídeo reunião terminou sentiu-se um homem novo e cogitou:
“ A humanidade, com destaque para os cientistas e curandeiros deviam encontrar uma cura a curo prazo para o desconvidado vindo do ano 2019”