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sexta-feira, 03 maio 2024 11:00

Os Principais Desafios do Jornalismo em Moçambique diante da Crise Ambiental, escreve Ericino de Salema

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  1. Dois Pontos Prévios

 

O evento que nos concentra aqui hoje tem como mote a celebração da Liberdade de Imprensa, sendo hoje, 3 de Maio, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Esta é, na verdade, uma efeméride que tem como berço o continente africano, em geral, e a África Austral, em particular.

 

Com efeito, foi no contexto da Conferência sobre a Promoção de uma Imprensa Independente e Pluralística em Africa, realizado de 29 de Abril a 3 de Maio de 1991, em Windhoek, na Namíbia, sob a égide da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), que foi aprovada, mais concretamente no último dia desse evento, a Windhoek Declaration for the Development of a Free, Independent and Pluralistic Press, ou, simplesmente, a Windhoek Declaration ou Declaração de Windhoek, que é um quadro de princípios sobre a liberdade de imprensa. 

 

Já em Dezembro de 1993, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas proclamou o 3 de Maio como o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, dando, dessa forma, corpo à proposta nesse sentido feita pelos participantes da Conferência de Windhoek, a que fizemos menção há pouco.

 

Mas será que a África e os africanos têm honrado da melhor forma o facto de serem, em grande medida, o berço das celebrações planetárias da Liberdade de Imprensa? Bem, esse seria um tema para uma outra Conferência de Windhoek!

 

Antes mesmo da realização da Conferência de Windhoek, Moçambique aprovou, em 1990, a sua primeira Constituição Democrática, cujo artigo 74 se ocupava da temática Liberdade de Imprensa, quase nos mesmos termos do artigo 48 da Constituição de 2004, a que está em vigor neste momento.

 

É sempre bom recordar, sobretudo aos mais novos, que a Liberdade de Imprensa não foi servida de bandeja em Moçambique. Houve quem lutasse por ela, com destaque para os autores do Abaixo-Assinado forjado na casa de Kok Nam, no primeiro trimestre de 1989, que denunciava a improcedência de uma Constituição da República que se pretendia democrática, mas sem a consignação da Liberdade de Expressão, da Liberdade de Imprensa e do Direito à Informação no seu catálogo de direitos fundamentais.

 

Foi pelo impacto desse Abaixo-Assinado, em plena era de partido único, que o então Presidente da República, Joaquim Chissano, se dirigiu à sede da Organização Nacional de Jornalistas (ONJ), hoje Sindicato Nacional de Jornalistas (SNJ), para conversar com os profissionais da comunicação social em torno da sua preocupação. Ao cabo de várias horas de discussão, contam-nos os mais velhos, o tema foi acolhido como sendo merecedor de dignidade constitucional.

 

  1. O Jornalismo e a Crise Ambiental

 

Sob o lema “Uma Imprensa para o Planeta: Jornalismo diante da Crise Ambiental”, o mundo celebra hoje, pela trigésima vez, o 3 de Maio enquanto Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Trata-se de um lema que nos recorda da urgência da protecção da vida na terra, no que o jornalismo tem, certamente, um papel de destaque.

 

Moçambique elege como alguns dos seus objectivos fundamentais, conforme a norma do artigo 11 da Constituição da República, a promoção do desenvolvimento equilibrado, económico, social e regional do país (alínea d) e a edificação de uma sociedade de justiça social e a criação do bem-estar material, espiritual e de qualidade de vida dos cidadãos (alínea c). O meio ambiente é, para a efectivação destes dois objectivos fundamentais, uma variável incontornável.  

 

Pediu-se-nos que falássemos d’Os Principais Desafios do Jornalismo em Moçambique diante da Crise Ambiental Global, o que é, naturalmente, inspirado pelo lema global das celebrações do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.

 

Moçambique está, na verdade, numa crise ambiental jamais experimentada, situação que, longe de ser vista apenas na perspectiva escatológica, pode ser, igualmente, encarada como uma oportunidade única para nos reinventarmos e tirarmos o maior proveito da nossa localização e condição.

 

Neste quadro, iremos nos ater a três aspectos, nomeadamente (2.1) a partilha de bacias hidrográficas regionais, (2.2) a importância cada vez mais crescente dos mangais e (2.3) a responsabilidade do sector empresarial, que podem ser vistos tanto como problemas bem assim como oportunidades, dependendo do framing que se lhes pretenda atribuir. Terminaremos com notas, em jeito de provocação, sobre o que os media podem assumir como agenda. 

 

      2.1. Bacias Hidrográficas

 

Como é de conhecimento geral, Moçambique partilha nove das 15 bacias hidrográficas regionais, estando a jusante.

 

Vivemos, como país – que até tem, na agricultura, a base para o desenvolvimento, qual política com dignidade constitucional – um eterno dilema: quando não chove na nossa região (Moçambique incluso, obviamente) por tempo considerável, a seca se abate sobre nós; quando chove em demasia, os rios transbordam, gerando inundações.

 

Será necessariamente mau partilhar 60% das bacias hidrográficas regionais ou isso deveria ser por nós tido como uma bênção? Teremos políticas e estratégias de gestão pública idóneas o suficiente para a capitalização dessa bênção, ou para a mitigação dos efeitos adversos, se acharmos ser uma maldição estar numa situação tal?

 

Não são poucas, sobretudo no Grande Maputo – esta região que, se fosse um país, seria um país de crescimento médio, ou seja, com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) acima de 0.5, segundo as Nações Unidas – as famílias que dependem em demasia da vizinha África do Sul em termos de hortícolas, quando Moçambique tem três vezes mais água, além de milhões de terra arável que não está a ser devidamente explorada, quando estamos a pouco mais de um ano da celebração dos 50 anos da Independência Nacional.

 

Com o crónico desaproveitamento que fazemos, como país, dos recursos hídricos de que dispomos, geram-se, amiúde, problemas ambientais evitáveis, com enormes danos para a economia. Há semanas ouvimos, na Assembleia da República, o Ministro das Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos a fazer menção a um plano para a construção de barragens e diques de protecção em várias bacias hidrográficas (seus afluentes inclusos) do país, o que esperamos seja, finalmente, o ponto de viragem.

        

      2.2. A Importância dos Mangais

 

Os mangais enquanto florestas únicas, altamente produtivas e complexas, que se desenvolvem em zonas de transição entre o ambiente terrestre e marinho, nas zonas tropicais e subtropicais, são de extrema importância para os seres vivos e para a natureza, por providenciarem uma série de serviços ecossistémicos, de entre os quais se destacam o berçário para a reprodução de várias espécies marinhas, protecção costeira contra ventos fortes e ciclones, estabilização de solos contra a erosão, biofiltração de poluentes, valor cultural e sequestro de carbono, com o que se contribui para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas (Biofund: 2021).

 

Assistimos, nos últimos dois meses, a uma grande crise existencial nas cidades de Maputo e Matola, na sequência das intensas chuvas que se abateram sobre estas urbes. Foi notório, nestes dois municípios, como a destruição do mangal está a causar sérios problemas às famílias, às pessoas, tornando a vida praticamente impossível.

 

Aos olhos das competentes autoridades, ou, em muitos casos, com o patrocínio destas, áreas que era suposto servirem de protecção costeira contra ventos fortes e ciclones, bem como de estabilização de solos contra a erosão, acolhem, actualmente, vivendas e condomínios de luxo, embora seja certo que, pelos crimes ambientais que vão sendo cometidos, a qualidade de vida será, por lá, um eterno grande ausente.

 

Há dias, o Conselho de Ministros aprovou um mecanismo de apoio financeiro aos municípios que foram recentemente fustigados pelas sobreditas chuvas intensas, onde se incluem os de Maputo e Matola. A questão é: bastará investir em motobombas para o escoamento das águas das chuvas que se encontram estagnadas por o seu caminho natural ter sido destruído pelo Homem, sem que a raiz do problema seja atacada?

 

As florestas de mangal – a de Moçambique, com 300 mil hectares e nove espécies distintas, é a 13ª maior do mundo e a 3ª maior de África – são, também, uma plataforma de meios de vida, ainda que cada vez mais em grande pressão, por conta, por um lado, de causas naturais e, igualmente, humanas. Só acções coordenadas e urgentes de protecção de restauração de ecossistemas costeiros e marinhos podem contribuir para que os milhões de pessoas que vivem em zonas tais possam continuar a usar sustentavelmente o mangal enquanto recurso não imune às mudanças climáticas e aos malefícios do ser humano.

 

      2.3. Responsabilidade do Sector Empresarial

 

Em O Poder Transformacional do ESG – Como Alinhar Lucro e Propósito, Paula Barraca refere ser comum ouvirmos falar em capitalismo consciente, frisando que, ainda que esse tema seja muito importante, aborda somente uma das perspectivas que devem ser consideradas quando se fala das organizações no tocante ao tema Ambiente, Sociedade e Governação: o capital.

 

É, pois, importante que as empresas, elas próprias, sejam públicas ou privadas, tenham políticas ambientais que demonstrem o seu compromisso com a sustentabilidade, não só dos seus negócios, como dos recursos que exploram e da própria vida em sociedade.

 

Na verdade, cresce o número de empresas, sobretudo multinacionais listadas em bolsas de valores ou multinacionais e nacionais interessadas em aceder ao financiamento verde, que possuem já Políticas de ESG (Environment, Society and Governance – Ambiente, Sociedade e Governação), mas ainda não sujeitas a um escrutínio independente.

 

  1. Os Media em Moçambique e as Questões Ambientais

 

Ainda que o quadro legal e institucional seja tendencialmente melhor hoje que no passado, com a existência, actualmente, de diplomas legais como a Lei do Direito à Informação e de entidades como o Provedor de Justiça, as questões ambientais ainda não são, a nosso ver, um tema de eleição para os media moçambicanos.

 

Quase todas as abordagens que são feitas pelos media tem que ver com o seguimento, por parte destes, de uma agenda que lhes é estranha, vendo-se eles envolvidos apenas como ‘convidados’. Na verdade, nem é mau o jornalista aceitar convites lícitos e decentes, mas ele nunca deve perder de vista que é a voz dos que não têm voz.

 

Aliás, é assim em todas as áreas. Somos, enquanto comunidade (refiro-me à comunidade jornalística) habitualmente movidos pelas agendas dos outros, quando o poder de agenda setting mora em nós e não nos outros.

 

De resto, até o nosso vocabulário é habitualmente “enriquecido” pelos outros, quando a função educadora é ou deveria ser um dos apanágios dos media. Alguma consubstanciação a isto:

 

  • De onde emergiu, no nosso seio, a expressão ‘manobra dilatória’, que hoje até a usamos exageradamente e muitas vezes fora do contexto? Da Assembleia da República.
  • Como entrou, no nosso léxico, a expressão ‘tentativa frustrada’, que, tecnicamente, encerra, inclusive, uma confusão? Da Polícia da República de Moçambique.
  • Qual é a origem do mau hábito de chamarmos a tudo de desafio, mesmo não o sendo, nem de longe? Dos políticos, onde se destaca um que viu, há anos, uma entrevista sua a um jornal doméstico com o seguinte título: “O nosso maior desafio este ano é participar no congresso do partido”.

 

Mas achamos que os problemas ambientais podem constituir uma oportunidade para o estabelecimento de um jornalismo mais investigativo, mais indagador, menos submisso e nunca neutro em face da violação de direitos humanos como o direito à dignidade.

 

Como diria Paulo Freire, nas suas Cartas à Cristina, Liberdade de imprensa não é silenciosidade de imprensa. Só é livre a imprensa que não mente, que não retorce, que não calunia, que não omite, que respeita o pensamento dos entrevistados em lugar de dizer que eles disseram A tendo dito M.

 

Poderíamos terminar com uma lista de story ideas, tendo, por exemplo, como temáticas as três áreas a que nos debruçamos acima – Bacias Hidrográficas, Importância dos Mangais e Responsabilidade do Sector Empresarial –, mas não o faremos, para não corrermos o risco de sermos vistos como estando a tentar condicionar a liberdade de imprensa…

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