“Ainda hoje, muitos não sabem que foi um livro que deu origem ao acontecimento que mudou o País em 1974 e que bastou ao mais prestigiado General Português de então apenas uma frase-choque para derrubar em poucos dias o Regime (a vitória exclusivamente militar é inviável). Essa declaração do General António de Spínola, no seu livro (Portugal e o Futuro), sobre a guerra no Ultramar, arrasou por completo a credibilidade do Governo de Marcelo Caetano e provocou um autêntico terramoto no País”
Mas coloca-se a questão: esse livro foi muito lido? Se teve algum impacto na sociedade Portuguesa?
A resposta a essa pergunta é dada por Leonidio Paulo Ferreira, do Diário do Noticias de Portugal, Lisboa.
“Sim, muito lido e com grande impacto. Spínola não era um oposicionista nesta altura. Era uma figura do regime, que tinha comandado as forças armadas na Guiné e que ocupava o cargo de Vice-Chefe do Estado Maior das Forças Armadas. Por isso, o livro representou a admissão por parte de uma figura militar cimeira de que Portugal não conseguiria vencer as guerras militarmente e de que o futuro teria de passar necessariamente por uma solução política. É certo que Spínola não é a primeira pessoa a dizê-lo, mas isto dito e publicado, repito, por uma figura de destaque, funcionou como uma verdadeira pedrada no charco e teve grande acolhimento em meios políticos e militares, em círculos diplomáticos e empresariais, na sociedade em geral.”
In Leonídio Paulo Ferreira, Diário do Noticias
Em Moçambique e de uma forma geral, fala-se muito pouco sobre as reais causas do 25 de Abril de 1974, provavelmente, para não ofuscar a Luta de Libertação Nacional, desencadeada pela FRELIMO – Frente de Libertação de Moçambique, contudo, julgo eu que o não aprofundamento das causas do 25 de Abril de 1974, simplesmente, nos empobrece como nação, porque ficamos com um saber amputado.
Na recente passagem por Portugal, como é meu hábito, percorri algumas Livrarias de Lisboa, à procura de Literatura sobre o 25 de Abril. Recebi muitas recomendações, de amigos e até de alguns convivas de ocasião, mas em nenhum momento me falaram do Livro do General António de Spínola, com o título “Portugal e o Futuro”, lançado no dia 22 de Fevereiro de 1974. Também ninguém me falou da obra do João Ceu e Silva, com o título “O General que começou o 25 de Abril, dois meses antes dos capitães”, cuja 1ª edição aconteceu em Fevereiro de 2024.
Segundo o autor do Livro “O General que começou o 25 de Abril dois meses antes dos Capitães” João Ceu e Silva, com destaque no primeiro parágrafo desta reflexão, efectivamente, são muito poucas pessoas que relacionam o 25 de Abril de 1974, com a obra do General António de Spínola, com o título “Portugal e o Futuro” mesmo em Portugal, mas o mais relevante nesse livro é o reconhecimento do General António de Spínola de que “a vitória, exclusivamente militar, é inviável”. Portanto, isto, dito por um militar do nível do General, naturalmente, provoca um grande impacto na sociedade no geral e nos militares de baixa patência, por isso caberia aos capitães a materialização de um Golpe de Estado que deita abaixo o Estado Novo de Marcelo Caetano.
Se o Livro com o título “Portugal e o Futuro” teve um impacto tremendo no seio da sociedade Portuguesa, quer me parecer que as “Províncias Ultramarinas” se mantiveram indiferentes às correntes de então. Só assim se pode justificar a reacção dos portugueses residentes em Moçambique, em relação aos Acordos de Lusaka, assinados entre Portugal e a FRELIMO – Frente de Libertação de Moçambique.
Nos acordos de Lusaka, resultado das reuniões de 05 a 07 de Setembro de 1974, o Governo Português fez-se representar pelas seguintes figuras que assinaram o documento: Ernesto Augusto Melo Antunes (Ministro sem Pasta), Mário Soares, (Ministro dos Negócios Estrangeiros), António de Almeida Santos (Ministro de Coordenação Interterritorial), Victor M. Trigueira Crespos (Conselheiro do Estado), Antero Sobral (Secretário do Trabalho e Segurança Social do Governo da Província de Moçambique) Nuno Alexandre Lousada (Tenente Coronel de Infantaria), Vasco Fernando Leote de Almeida e Costa (Capitão Tenente da Armada) e Luís António de Moura Casanova Ferreira (Major de Infantaria). Por parte de Moçambique, rubricou Samora Moisés Machel, na qualidade de Presidente da FRELIMO – Frente de Libertação de Moçambique.
No texto do acordo, saliento os dois primeiros pontos que são:
“1- O Estado Português, tendo reconhecido o direito do Povo de Moçambique à Independência, aceita por acordo com a Frente de Libertação de Moçambique a transferência progressiva dos poderes que detém sobre o território nos termos a seguir enunciados.
- A Independência completa de Moçambique será solenemente proclamada em 25 de Junho de 1975, dia do aniversário da fundação da Frente de Libertação de Moçambique.” Fim da citação.
As reacções de grupos radicais não se fizeram esperar, no entanto, contra a reacção dos colonos radicais de Lourenço Marques, houve uma reacção à altura de pretos pro-Frelimo, residentes na Cidade de Lourenço Marques (poucos) e muitos outros nos arredores da Cidade, com destaque para o popular Bairro da Mafalala. Aqui veja o que encontrei na internet sobre o assunto:
“Alguns membros do grupo Galo eram militantes clandestinos da FRELIMO desde a criação do movimento nacionalista em 1962. Outros eram soldados no Exército colonial português, alguns na reserva e outros ainda em serviço. Mas a grande maioria parece ter aderido a partir das várias células de esclarecimento e mobilização postas a funcionar pelos grupos pró‑FRELIMO logo após o 25 de Abril. A posição anti‑FRELIMO do sector colonial mais radical, integrando grupos extremistas e paramilitares, bem como do movimento Frente Independente de Convergência Ocidental – FICO (todos integrantes do MML), também teve um efeito na popularidade da FRELIMO entre a população africana de Lourenço Marques e arredores. Tudo leva a crer que a euforia da liberdade, a esperança do fim do regime colonial, a confrontação aberta entre os grupos contra e pró‑FRELIMO tenham reavivado a memória das humilhações coloniais entre a população africana de Lourenço Marques. É neste quadro que se pode situar a grande onda de violência que os africanos levaram a cabo entre 7 e 10 de Setembro e, mais tarde, a 21 de Outubro, em resposta à ainda mais brutal actuação dos grupos coloniais extremistas paramilitares. Mas a violência do 7 de Setembro foi, em geral, um efeito “natural” do fim de um regime colonial que sempre assentou na violência. Como sublinhou Frantz Fanon, a descolonização é sempre um fenómeno violento (2004: 35)”.
In Revista Críticas de Ciências Sociais nº 106 de 2015, Galo amanheceu em Lourenço Marques.
Por tudo isto, penso que vale a pena aprofundarmos o nosso conhecimento sobre o 25 de Abril de 1974 em Portugal. Na teoria, éramos mesmo País, simplesmente, nós estávamos no Ultramar. Os acontecimentos em Portugal, naturalmente, afectam-nos, como nos afectou o 25 de Abril de 1974 de forma positiva. O reconhecimento deste facto não coloca em causa o mérito da Luta de Libertação Nacional, antes pelo contrário, valoriza a nossa luta. Nós, africanos falantes do português, somos a causa do 25 de Abril, devemo-nos orgulhar disso.
Adelino Buque