Na semana passada, a organização CDD (Centro para Democracia e Desenvolvimento), liderada pelo activista Adriano Nuvunga, organizou uma "webinar" para discutir uma proposta de Lei da Acção Popular, a ser submetida à consideração dos deputados da Assembleia da República. O CDD juntou no evento algumas figuras de relevo dentro do espectro da sociedade civil moçambicana.
Mas, nas vésperas do evento, aconteceu uma coisa inusitada. Jornalistas e actores da sociedade civil foram desencorajados a participar desse evento. Por quem? Pelo ex-político e agora activista Ismael Mussá (que já pontificou na Renamo e no MDM). Porquê? Há poucos anos, Mussá criou uma Organização Não-Governamental, chamada Observatório da Cidadania.
Na semana passada, ele usou “fundos e mundos” para mostrar que o CDD lhe estava roubando a ideia, que a agenda da Acção Popular era exclusivamente dele e da sua organização. Com esta narrativa, ele tentou “sabotar” o evento do CDD. Não terá conseguido seus intentos, mas deixou no ar a penosa imagem de organizações de sociedade se digladiando por uma agenda que pertence ao povo.
É um facto que há pouco mais de um ano, o Observatório da Cidadania, juntamente com outras organizações, entregou na Assembleia da República uma proposta de Lei da Acção Popular, da iniciativa de um grupo de cidadãos. A iniciativa do Observatório deve ser elogiada, pois insuflou mais oxigênio numa demanda legislativa que serve à democracia e não a qualquer ONG em particular.
No entanto, a primeira tentativa de se fazer aprovar uma lei semelhante não pertence à organização de Ismael Mussá, muito menos ao CDD de Adriano Nuvunga. Eis os principais factos históricos.
Em 2001, o Dr. João Carlos Trindade, Juiz Jubilado do Tribunal Supremo, era o diretor do Centro de Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ). Ele, o Dr. Carlos Serra Júnior e outros colaboradores do Centro elaboraram a primeira proposta de Lei da Acção Popular, a pedido da própria Assembleia da República. O documento foi entregue em 2001 ao Secretariado da AR, que o guardou num canto poeirento.
Mas, em 2004, uma revisão pontual da Constituição da República (CRM) foi pretexto para se introduzir o princípio da Acção Popular na Lei Mãe. Esse princípio está lá. Como? O legislador nada mais fez do que escarrapachar “ipsis verbis” um artigo da lei proposta, mas arquivada. E o princípio permaneceu na CRM.
Quatro anos depois, uma nova tentativa de fazer passar a Lei da Ação Popular foi engendrada pela antiga Unidade Técnica de Reforma Legal (UTREL), sob a liderança do Dr. Abdul Carimo Issá. A UTREL fez uma revisão enriquecida da anterior proposta e entregou-a ao Ministério da Justiça para que o Governo se apropriasse dela e a submetesse à Assembleia da República.
Foi por volta de 2008. A proposta fazia parte de um pacote legislativo anti-corrupção (onde o CIP participou no aprofundamento da legislação anticorrupção), que incluía uma revisão da Lei de Combate à Corrupção, a reforma do quadro legal sobre o Habeas Corpus e a Lei da Probidade Pública.
O Governo, em 2008/2009, deixou passar a Probidade Pública e a reforma da Lei de Combate à Corrupção, mas arquivou a reforma do Habeas Corpus e a introdução da Acção Popular. Na semana passada, quando o CDD trouxe o assunto à baila, tratou-se de um novo fôlego nos esforços para que a acção popular fosse legislada. Esta lei é cada vez mais importante.
O actual quadro legal em Moçambique permite apenas que se litigue sobre conflitualidades de natureza individual, deixando de lado a litigação no quadro dos Direitos Difusos, através da acção popular e visando a proteção da sociedade em casos de violação nas áreas, por exemplo, dos direitos humanos, dos direitos do consumidor ou a protecção ambiental.
Ou seja, a Lei da Acção Popular é propriedade da democracia, do povo, e ninguém, nenhuma ONG em Moçambique deve reivindicar que é seu dono. Por outro lado, quanto mais organizações estiverem advogando no sentido da sua aprovação melhor. Viva a democracia! (Marcelo Mosse)