No dia da sua investidura, a 15 de Janeiro, o PR Daniel Chapo disse o seguinte: “Temos todos de cuidar melhor do que é nosso! Vamos mapear e renegociar todas as concessões e parcerias público-privadas (PPP), para assegurar que tragam mais benefícios para o Estado e para o povo. Essas renegociações também vão tornar os processos mais acessíveis e menos custosos para o sector privado e os cidadãos, porque acreditamos que o desenvolvimento deve ser justo, inclusivo e equilibrado”.
O governo podia começar por renegociar a concessão da grafite de Balama, maior reserva mundial do minério, que foi concessionada à australiana Twigg Exploration and Mining Limitada ("Twigg"), uma subsidiária da Syrah Resources Limitada, em 2017, num quadro de segredo governamental, o que não tinha acontecido com a concessão das Minas de Carvão de Moatize à Vale, em 2004, em que foi público e notório que mineradora brasileira teve de pagar ao Governo um prémio de 122 milhões de USD.
A Syrah detém uma Licença de Prospecção de 106 km2 (10.600 hectares) no Distrito de Balama e uma Licença de Mineração para o Projecto de Grafite de Balama, que está actualmente a ser desenvolvido numa área de 30 km2 (3.000 hectares), a aproximadamente 7 km da vila de Balama. O pedido de licença de exploração mineira foi concedido por um período de 23,5 anos, com opção de prorrogação do prazo por mais 25 anos. A fábrica opera 365 dias por ano, mas neste momento encontra-se interrompida sob "force majeure" devido aos tumultos pós-eleitorais e reivindicações laborais dos trabalhadores.
Mas quanto é que o Estado arrecadou com esta concessão? Onde está o dinheiro? Quem a negociou? E porque é que o Governo em 2019 não empurrou a Syrah para um modelo diferente de exploração, nomeadamente transformando a matéria-prima localmente em Cabo Delgado, oferecendo trabalho aos jovens? A implantação do projecto da Mina de Grafite de Balama foi concluída no fim de 2017 e as operações iniciaram no começo de 2018. Mas a Syrah nunca discutiu publicamente a possibilidade de o projecto dar mais emprego aos jovens marginalizados de Moçambique. Pelo contrário, em Outubro de 2022, a Syrah anunciou que investiria 220 milhões de USD para criar 221 empregos nos EUA, relacionados com a grafite de Balama.
Para além deste investimento, os EUA estão a dar ao projecto Vidalia uma doação de 220 milhões de dólares, e 102 milhões de dólares e grandes reduções fiscais, além de pagarem 6% da sua folha de pagamentos. O dinheiro é uma oferta do Departamento de Energia dos EUA (DoE) da Administração Biden e o objectivo era fazer expandir a sua actividade em Vidalia, Louisiana, EUA, que usa grafite da mina de Balama, Cabo Delgado.
A abordagem de Biden era completamente hostil a quaisquer possibilidades de a grafite de Balama servir para dar emprego aos moçambicanos. Pelo contrário, dizia o DoE: "Empregar localmente, treinar no trabalho e progredir numa estrutura de competências atrairá e manterá uma força de trabalho comprometida. A estratégia comunitária da Syrah inclui parcerias com mais de 150 fornecedores locais para priorizar investimentos e gastos locais". Mas nos Estados Unidos. (https://www.energy.gov/sites/default/files/2022-10/DOE BIL Bateria FOA-2678 Fichas informativas seleccionadas - 1_2.pdf)
E porque é que essa fábrica de Vidalia, que produz material de ânodo activo (AAM) para baterias de íon de lítio usados nos carros eléctricos não foi construída em Cabo Delgado?
Em 2022, o jornalista e investigador Joe Hanlon fez essa pergunta a uma especialista em baterias, células de combustível e supercapacitores da School of Design Engineering, do Imperial College, de Londres. "A grafite para baterias requer algum processamento, principalmente para obter o tamanho e a pureza correctos das partículas, mas, em princípio, pode ser processada em qualquer lugar com a infra-estrutura certa. A chave, como sempre, é a economia e a vontade política", respondeu ela.
O anterior Governo de Filipe Nyusi nunca esteve interessado nessa perspectiva de "local empowerment". Nunca houve vontade política para que a exploração da nossa grafite tivesse uma maior dose de conteúdo local. Nem de Nyusi nem da própria Syrah.
Aliás, no mesmo mês de Fevereiro de 2024, quando os trabalhadores de Vidalia, Louisiana, EUA, começaram a produzir ânodos para baterias de lítio para automóveis eléctricos, utilizando grafite de Balama, a Syrah fechou um acordo para produzir ânodos idênticos em Teesside Freeport, no nordeste de Inglaterra. Ambos projectos são subsidiados pelo governo anfitrião. O Freeport tem generosas isenções fiscais e alfandegárias.
Tal como escreveu Hanlon em tempo oportuno, para além destes acordos, o único processamento de grafite era feito na China, e os EUA estavam ansiosos por processar em casa. As baterias estão a ser vendidas à Tesla (de Elon Mask) e à Ford. Mas para além de subsidiar a produção de baterias, em Maio e Junho, os EUA e a UE impuseram tarifas elevadas sobre as baterias e os automóveis eléctricos chineses, para penalizar a China por construir uma liderança tão grande na tecnologia das baterias e dos veículos eléctricos. Mas nenhum destes países quer criar estes empregos essenciais em Moçambique”.
Ele acrescentava: “Fazer ânodos não é complicado e todo o projecto poderia ter sido feito em Moçambique, com bons empregos e formação. De facto, tal como todo o projecto da fábrica de Vidalia está a ser copiado em Teesside, também poderia ter sido copiado em Montepuez ou Nacala”.
A Mina de Grafite de Balama foi iniciada em 2016 e concluída no fim de 2017. O programa de prospecção de pesquisa resultou na definição de reservas estimadas em 114 milhões de toneladas. O investimento total no projecto foi de 314 milhões de dólares e a produção projectada é de 165 mil toneladas de grafite por ano. De 2018 a 2021, a mina de Balama produziu 340 mil toneladas de grafite, o que resultou em impostos de produção de pouco mais de 4,3 mil milhões de meticais.
A produção foi quase toda para a exportação, na medida em que Moçambique não tem indústria para processar grafite, sendo que o que é retido no País é considerado de material descartável por não apresentar a qualidade desejada pelos compradores. Ou seja, como a própria Syrah descreve no seu site, trata-se de "uma mineração simples, de baixa profundidade e a céu aberto". Portanto, os bons empregos industriais são nos EUA e no Reino Unido, e Moçambique só tem empregos na mineração e nos buracos no solo.
É contra esta abordagem de buracos no solo que o novo Governo deve começar a posicionar-se. E ainda bem que Elon Musk, por via da Tesla, é um dos principais interessados na nossa grafite. O governo americano não podia financiar uma réplica da fábrica de Vidalia num lugar de Moçambique e formar quadros locais? A força da nossa grafite não nos dá um poder de barganha nessa negociação em sede da diplomacia económica, a qual vai para além da habitual retórica governamental?
Se a promessa de Chapo relativa à negociação de concessões é para levar a sério, então isso deve começar de algum lado. Podemos abordar, em primeiro plano, a grafite de Balama. Depois pensaremos como tratar com a Montepuez Rubi Mining... uma a uma. (M.M.)