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quarta-feira, 15 julho 2020 06:52

Vender gonazololo para entrevistas de emprego

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Tudo começou na semana passada quando recebi uma chamada de um número estranho. Eram por aí 6 horas da manhã.

 

- Alô!

 

- Alô! Bom dia doutor Juma! (Estranhei! Ninguém me trata com essas mordomias académicas. Era uma voz femininamente lírica, com sotaque afinado, timbre de single malt 'Glenfiddich' seco. Animava ouvir). 

 

- Bom dia! Olha, minha senhora, esse 'doutor' não é necessário. Na verdade, nunca me tratam assim. Não estou acostumado. Fico impotente. Não sei como reagir. (Fui afável. Falava e sorria para exibir boa educação).

 

- (Sorriu...) Desculpa o incómodo, doutor! Eu sou 'Fulana'. Vivo em Pemba. Quem me deu o seu número foi a 'Beltrana', amiga de 'Sicrano'. Então, vi umas vagas de emprego na empresa 'Xis' (uma empresa do ramo do gás), então, perguntei se alguém conhecia alguém lá e a minha amiga 'Beltrana' ligou ao 'Sicrano' que lhe enviou o seu e ela me passou e disse que o podia contactar por este número.

 

- Okey! Agora já entendo o 'doutor'. Faz sentido. A senhora falhou no número. A senhora queria ligar para o doutor Juma M****e (aprendi com Eme-Pesa) da empresa 'Xis'. Eu conheço essa pessoa, mas não sou eu. Quem me dera! O 'Sicrano' que deu o número a sua amiga se enganou. Acho que tem os dois Jumas no celular e se enganou ao dar o número a sua amiga. Infelizmente, não sou eu! Queria poder ajudá-la. 

 

- Opahhh! Desculpa! 

 

- Sem stress!

 

- Desculpa mesmo! Obrigada!

 

Fim de conversa.

 

Fim de conversa e início do meu martírio. Já lá vai uma semana que recebo em média 3 chamas por dia confundindo-me com o doutor Juma. Todos os dias. Todos mesmo. Maior parte, mulheres. No princípio, eu até me divertia. Sei-lá... fazia charme. Acho que elas também se encantavam com o meu sotaque chuabo-macua misturado com 'Impala' de milho e cannabis revoada. Ficávamos numa cavaqueirazinha por uns minutinhos. Mas, hoje, ando exausto com essas chamadas. O meu número está em transmissão comunitária num autêntico efeito dominó. Ontem foram diagnosticadas 4 chamadas positivas só a tarde. Um homem de Maputo e três mulheres, de Lichinga, de Pemba, e uma que desconheço a origem (essa então não lhe dei 'taime', lhe despachei logo).

 

Estou a sofrer há uma semana. Já tenho medo de atender números desconhecidos. Agora, já não sou mais educado com elas, nem afino mais o português. Falo como 'manharinga' mesmo... de Bajone. A partir de amanhã vou começar a insultar. Não aguento mais! Rezo para que esse recrutamento termine logo. 

 

Mas, em todo o caso, só queria partilhar um pouco convosco a relação entre o gonazololo, o 'Gillette' e as vagas de emprego. Se eu que sou o falso doutor Juma me ligam todos os dias, imagina o verdadeiro então! Se o doutor Juma sozinho recebe tantas chamadas, imagina os outros doutores da tal empresa! Vou-te contar! O jogo está muito agressivo, pessoal. Nos meus tempos de juventude, quando víamos vagas, corríamos para internet-café actualizar o 'Cê-Vê' e enviar, enquanto os responsáveis do 'Ere-Aga' iam preparando as perguntas para os candidatos na entrevista, e a seleção acontecia numa mesa. Hoje, tudo mudou: os candidatos correm a farmácia para comprar raspadores de virilha, enquanto os do 'Ere-Aga' vão ingerindo doses do elixir libidinoso, e o recrutamento é peito-a-peito. Esta é a verdade nua e crua: vender gonazololo em Cabo Delgado para entrevistas de emprego. Definitivamente, uma verdade mais nua do que crua. 

 

De resto,  tirando a calamidade da insurgência, Cabo Delgado pode vir a ser o maior mercado de viagras e "Gillettes" do mundo. Nuno Rogeiro tem aqui uma soberba oportunidade de escrever 'O Cabo do Gonazololo'. Para um bom empreendedor, meia palavra basta! O mercado é promissor.

 

- Co'licença!

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