O antigo Presidente Joaquim Chissano disse hoje que a Frelimo deve analisar o escândalo das “dívidas ocultas” com clareza e profundidade, considerando que o partido no poder em Moçambique desde a independência tem de purificar as suas fileiras. “Uma maior clareza para que se perceba o que se passou é necessário para que isso não volte a acontecer. É preciso que haja clareza para criarmos instrumentos para purificação das fileiras do nosso partido”, disse o antigo chefe de Estado, numa entrevista à emissora pública Rádio Moçambique.
Para Joaquim Chissano, que também foi presidente da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), o partido no poder deve estar ciente de que a oposição vai fazer uso desta “fragilidade”, que resultou de dívidas ocultadas contraídas pelo Governo. “O partido tem de ser íntegro. Este é um trabalho que precisa de ser persistente e no partido é necessário que trabalhemos neste aspecto com profundidade”, frisou o antigo chefe de Estado.
A devolução aos cofres do Estado do dinheiro que foi apoderado ilegalmente é apontado como fundamental pelo antigo chefe de Estado moçambicano, que apela à paciência dos moçambicanos, na medida em que “estes processos são complexos”.
“Se há crimes cometidos e que mereçam punição, que as pessoas sejam punidas. Não é porque um grupo de pessoas está no crime que o país deve desfalecer. Devemos continuar a construir o nosso país, mesmo depois disto”, afirmou Chissano.
O antigo Presidente entende que o caso das “dívidas ocultas” deve ser analisado por todos, como forma de evitar que no futuro o país volte a “cometer os mesmos erros”.
“É verdade que os americanos nestes processos são sempre guiados pelos seus próprios interesses, mas esta capacidade vem de uma experiência dentro do próprio país. Também eles estão a estudar estes fenómenos. Então, Moçambique deve fazer o mesmo”, concluiu o antigo chefe de Estado, acrescentando que acredita que as instituições de Justiça dos dois países vão saber julgar com discernimento.
Em causa estão os novos detalhes da investigação que está a ser realizada pela Justiça norte-americana sobre o processo, e que levou à detenção, no dia 29 de Dezembro, na África do Sul, do antigo ministro moçambicano das Finanças Manuel Chang, de outros três antigos banqueiros do Credit Suisse, em Londres, e de um intermediário libanês da Privinvest, no aeroporto de Nova Iorque. (Lusa)
A procuradora Elivera Dreyer sabia que estava sob pressão esta quarta-feira, uma vez que no dia anterior os advogados de Manuel Chang haviam demolido todos os seus argumentos que sustentavam a manutenção do ex-Ministro das Finanças na cadeia. A defesa considerou (e argumentou que) a detenção do seu constituinte era ilegal, uma vez que fora emanada a partir de pressupostos ilegais. E que, em face disso, a história da extradição para os Estados Unidos não tinha pés nem cabeça, dado que as autoridades americanas não haviam, até ao momento, ajuntado ao processo qualquer documento que sustentasse essa pretensão.
A defesa pedia, pura e simplesmente, à juíza Sagra Stroyern a libertação imediata e incondicional do seu constituinte. Portanto era apenas esse o assunto que se estava a discutir na sessão desta quarta-feira. O problema da extradição do antigo “boss dos dinheiros” nunca esteve em debate – como apareceu em muitos canais “apressados”. Ora, sabendo que teria de dar o seu máximo para provar que Chang deve continuar detido, Dreyer fez-se muito cedo ao tribunal, esta quarta-feira. Vimo-la chegar, arrastando uma mala de rodas, que quase de certeza transportava uma pilha de documentos. Ela, aliás, prometera que os traria e os apresentaria…
Foram, pois, esses documentos que, uma vez apresentados, convenceram à juíza que o Ministério Público da África do Sul está(va) coberto de razão: que Manuel Chang deve (e vai) continuar detido durante os 60 dias em que o tribunal aguarda pelos documentos oficiais das autoridades americanas que requerem a sua extradição. Mas esse será outro processo – frise-se.
Avisando desde logo que não iria ler todo o texto do mandado de prisão, a procuradora afirmou que o mesmo foi exarado pelo Ministério da Justiça da RAS, fundamentado no Art. 13, Secção B, da Constituição aprovada a 26 de Setembro de 1991. Esse artigo torna claro que a Interpol tem legitimidade para pedir a detenção de qualquer indivíduo acusado dos crimes da mesma natureza dos que o antigo Ministro das Finanças é acusado, enquanto aguarda a extradição. Na sequência, a procuradora Dreyer referiu-se também ao 4º parágrafo da Sec. 1, do Art. 41 da Constituição para dar corpo à legitimidade da extradição – num período de 60 dias, ou seja, período durante o qual toda a documentação relevante para o efeito deve ser enviada pelas autoridades americanas à justiça sul-africana. E neste caso, esse período conta a partir de 29 de Dezembro, data da detenção (considerada legal) de Manuel Chang.
A reacção da defesa, em face desta nova realidade, foi insistir na libertação do seu cliente, só que desta feita, com um novo argumento: mediante o pagamento de uma caução…
Daí em diante, as discussões foram em torno da “Escala” em que se deve determinar o valor da caução. A acusação defendeu que, para crimes desta dimensão, a eventual caução se enquadra na “Escala 5”, enquanto que a parte proponente – a defesa – insistia que a caução deve situar-se numa Escala abaixo da 5, (o que, mesmo não se sendo expert na matéria, dá para perceber que se trata de pagar um valor menor para a soltura de Chang)…
E neste “rame-rame” das Escalas se andou, até à conclusão da sessão por volta das 15h15. E como a juíza não tinha matéria para decidir sobre esta questão em particular marcou nova sessão para hoje, quinta-feira, à mesma hora, em Kempton Park… Outrossim, foi a solicitação feita para que a juíza autorizasse que Manuel Chang tivesse direito a uma cela privada, em vez da cela comum onde fora “hospedado” (na prisão de Modderbee, em Benoni, para onde tinha sido transferido no dia anterior) – o que foi aceite pela juíza e confirmado por um funcionário judicial.
Muitos “momentos mortos...pouco “jogo jogado”
Para um dia em que se esperava fosse “o de todas as decisões”, esta quarta-feira foi tudo menos “frenética”. Houve excessivas paragens na audição. Em linguagem desportiva dir-se-ia que houve muitos recursos ao… “vídeo-árbitro”. Ambas partes trouxeram montes de documentos novos, e iam pedindo para a juíza para “estudar alguns pontos específicos dos mesmos” para melhor perceber este ou aquele argumento, facto que a obrigava a interromper a sessão para ir fazê-lo. O tal recurso ao “vídeo-árbitro”.
Só para se ter uma ideia: as portas do tribunal abriram às 09h30, a juíza entrou na sala10 minutos depois e Chang logo a seguir. Efectivamente, a audiência teve início às 09h45, mas foi interrompida às 10h15 – isto porque enquanto a procuradora mencionava um artigo (5) para sustentar parte da sua acusação, a defesa garantia que a interpretação correcta deveria emanar do Art. 4… E por vias das dúvidas, Stroyern interrompeu a sessão para ir ler os dois…
Recomeçou-se às 10h37, mas uma hora depois novamente a juíza decidiu que a sessão deveria ser interrompida, também pela discrepância na interpretação de artigos. Ou seja, ela recolheu ao seu gabinete – para consultar o “vídeo-árbitro” – e só retomou quando eram 12h02. Quando todos pensavam que era ali que seria emanada a decisão final, eis que depois de mais uma breve discussão entre acusação e defesa (naquilo que para a “plateia” seriam as alegações finais das partes), a juíza volta a interromper o “jogo”. Eram 12h35. Porém desta feita ela avisou que os trabalhos só retomariam às 14h00…
Foi justamente nesse reatamento que a Sagra Stroyern determinou que Manuel Chang deveria continuar detido. Porém, recusou-se a decidir sobre a questão da caução interposta pela defesa do ex-ministro – marcando nova sessão para hoje –, mas autorizou a sua transferência para a tal cela privada. A novela continua hoje continua.(Homero Lobo, em Kempton Park)
O processo judicial contra a antiga Ministra do Trabalho e actual embaixadora de Moçambique em Angola, Helena Taipo, vai ser remetido ao tribunal, dentro de poucos dias, para ser acusado por um procurador, após se marcará uma data para o seu julgamento. “Carta de Moçambique” soube que, neste momento, decorre um trabalho de identificação do património que Taipo terá adquirido com dinheiro adquirido ilicitamente enquanto Ministra do Trabalho, entre os quais apartamentos da cidade de Maputo. Taipo é a arguida principal num caso de corrupção que resultou na apropriação fraudulenta de cerca de 100 milhões de Mts (1.662.074,89 USD) retirados do Instituto Nacional de Segurança Social (INSS).
Segundo o Ministério Público, no processo estão arrolados cinco arguidos, sendo que Helena Taipo é apontada como tendo beneficiado de grande parte do dinheiro sacado dos cofres do INSS ao longo do ano de 2014, quando a visada exercia o cargo de Ministra do Trabalho. O INSS é uma instituição tutelada pelo Ministério do Trabalho e Segurança Social. Uma investigação levada a cabo pelo Ministério Público e pela Inspecção-Geral de Finanças indicia que Taipo terá recebido dinheiro ilicitamente, por via de transferências bancárias feitas por empresas que celebravam contratos com o INSS. (Carta)
O ex-Ministro das Finanças, Manuel Chang, vai também responder num processo de corrupção relacionado com a construção do Aeroporto Internacional de Nacala, pela empreiteira brasileira Odebrecht. Chang é um dos principais arguidos do processo. O outro é o antigo Ministro dos Transportes e Comunicações, Paulo Zucula. Os dois terão recebido altas somas em dinheiro por seu envolvimento alegadamente corrupto na entrada da Odebrecht em Moçambique.
As provas indiciárias que sustentarão a acusação foram fornecidas pela própria Odebrecht, que se dispôs a abrir o esquema, sob a garantia de que a justiça moçambicana nada faria contra seus colaboradores, uma vez que a construtora já tinha chegado a um acordo de leniência com as autoridades brasileiras e americanas, através do qual teve de pagar avultadas multas para voltar a receber os contratos.
“Carta” ainda não conseguiu os detalhes sobre como é que Chang e Zucula envolveram-se no processo. Mas há indicações de que ambos terão embolsado vários milhões ilicitamente. A Odebrecht forneceu todas as evidências dos pagamentos efectuados. O Aeroporto de Nacala foi construído com base num crédito do BNDS, do Brasil, de 125 milhões de USD, contraídos na vigência do regime de Lula da Silva. A obra foi inaugurada em Dezembro de 2014, mas nunca levantou voo. Com capacidade para 500 mil passageiros por ano, recebe menos de 20 mil. (Carta)
Já não há dúvidas. A suspeita está confirmada. O Eng. Teófilo Nhangumele está em maus lençóis. Ele é o terceiro acusado pela justiça americana, juntamente com Manuel Chang e António Carlos Rosário. Há dias, Teófilo disse à “Carta” que estava de consciência tranquila. Mas não é bem assim. “Carta” sabe também que ele é um dos arguidos no processo sobre as dívidas ocultas, aberto pela Procuradoria-Geral da República (PGR). A justiça americana encontrou contas bancárias, nos Emirados Árabes Unidos, em nome de Nhangumele, para as quais foram canalizados depósitos ordenados pela Privinvest.
Em Moçambique investigadores encontraram evidências de ligação de seus sinais de riqueza com o dinheiro do calote. Parte desse fundo tinha sido guardado na conta da mãe de uma das suas filhas. Nos últimos dois anos, Teófilo andava a exibir nas redes sociais sinais de abastança. Sua captura é iminente, apesar de gozar de protecção constitucional.
A Lei mãe impede a extradição de moçambicanos. Então, a não ser que esse preceito seja violado, ele ficará em liberdade até que uma medida de coação relacionada com o processo interno seja decretada. Mas a intenção da justiça americana é que Teófilo e Rosário sejam extraditados. No caso de Rosário, que também é um dos 18 arguidos, a extradição fica mais complicada. Ele é agente do SISE e só pode ser detido em flagrante delito. (Carta)
Visivelmente abatido, a mancar, mas ainda assim, tentando esboçar um sorriso “amarelo”, Manuel Chang irrompeu sala adentro escoltado por quatro militares grandalhões, armados até aos dentes. Estávamos na sala de audiências D, do Kempton Park Magistrate Court. O ex-Ministro e sua “escolta” apareceram de súbito vindos de um túnel cujas escadas dão exactamente para o local onde se sentam os arguidos – ou seja, diante dos magistrados. Eram precisamente 10H45.
Chang vinha vestido de negro, e… não estava algemado. Detalhe: ficamos mais tarde a saber que aquele túnel liga directamente a sala de audiências às celas da prisão onde Chang se encontra detido há mais de uma semana, que ficam num edifício contíguo ao do tribunal. Na altura em que foi trazido à “arena” já tudo estava a postos. Presentes estavam, além da juíza Sagra Subroyer, da Procuradora Elivera Dryer, e da equipa de advogados de defesa chefiada por Stian Krausse, uma assistência maioritariamente composta por jornalistas (até aí sem os respectivos “cameramen” e fotojornalistas). Também o pessoal afecto à Embaixada de Moçambique na RAS se fez presente em peso. E um representante da nossa Procuradoria-Geral da República. No entanto, entre os “voyeurs” que marcaram presença na sessão, contavam-se 4 pessoas posicionadas num canto – sobre quem, à boca pequena, se comentava serem “os americanos”.
Permissão para filmar
As primeiras declarações da Procuradora Dryer tiveram a ver com um pedido, à juíza, para que fosse permitida a captação de imagens, quer por parte das televisões, quer dos fotojornalistas. Nem os advogados de defesa, nem o próprio Manuel Chang – quando questionado – se opuseram. Aliás, tal como aconteceu ao longo das cerca de duas horas da sessão de hoje, Manuel Chang nunca esboçou qualquer reacção mais “vincada”. O máximo que fez foi aquiescer, com a cabeça, uma ou duas vezes, quando (raramente) foi questionado.
Manteve, isso sim, a tentativa de esboçar um sorriso sempre que encarava a plateia. Debalde – aquilo mais parecia um esgar… Volvidas as duas horas, em que a procuradora e o advogado de defesa esgrimiram os seus argumentos, e após a juíza marcar uma nova audiência para o dia de amanhã, Chang foi levado pelos mesmos policiais “latagões” para o túnel de onde emergira, e recolhido aos calabouços... Amanhã, lá estará ele novamente, à mesma hora e no mesmo “court D”, para ouvir o que a juíza tem a dizer sobre o seu futuro. (Homero Lobo, em Kempton Park)