Sem alento…
Sem alento nem ânimo, frustrado, cabisbaixo e desesperançado é como fiquei desde há duas semanas, depois de acompanhar sucessivamente três momentos, todos eles estritamente relacionados com o sector de estradas do nosso país e particularmente com a Estrada Nacional no. 1 (vulgo EN1). Eu que tenho defendido, com “unhas e dentes”, uma Estrada Nacional no. 1 em boas condições, à altura das necessidades dos moçambicanos e da nossa economia; outrossim, que, se queremos um célere desenvolvimento, ponhamos as muitas estradas alternativas à EN1 em melhores condições. Isto é o grande anseio dos 31 milhões de moçambicanos. A soberania, prosperidade e desenvolvimento de que tanto falamos passa por termos estas infraestruturas estruturantes em dia.
Há duas semanas, a STV brindou-nos com uma grande reportagem sobre a nossa Estrada Nacional no. 1. Muitos parabéns para a nossa televisão privada e particularmente para a equipa que realizou a reportagem. Se fosse nos idos bons tempos e fosse eu membro do júri, esta reportagem ganhava um dos então Prêmios Anuais de Jornalismo. Tentou trazer a nossa estrada nacional a papel químico para os nossos pequenos écrans nas nossas salas.
Na mesma semana, esta mesma estação televisiva, numa das suas “Noites Informativas”, trouxe-nos um grande debate sobre a problemática das estradas no país com um painel de pessoas/instituições bastante abalizadas no assunto: ANE, Fundo de Estradas, Ministério e especialistas de grande quilate.
Já na quinta-feira da mesma semana, o chefe de Estado, então em visita de trabalho a Sofala, reuniu-se com membros da Associação Comercial da Beira. Uma das muitas reclamações dos empresários sofalenses foi justamente as péssimas condições da Estrada Nacional no. 1. Chegaram a pedir a remoção do que resta de asfalto…
A minha desolação decorre de ter visto, a olho nu, um pouco da nossa principal via, partes do troço Maputo até Pemba… conheço alguns, mas não toda a sua extensão. Com a reportagem, deu para vê-la como se estivesse in loco! Está muito mal a nossa via principal. Aquilo que devia ser o nosso grande orgulho é, lastimavelmente, um embaraço total!…
Do debate televisivo, todas as instituições deixaram bem claro que não temos dinheiro nem para manutenção e ou reabilitação, muito menos para a construção de novas estradas. Mas, o que mais me partiu a alma foi que nem sequer há perspectivas de tê-lo a médio prazo! Ninguém falou ali dos fundos que a REVIMO arrebata diariamente nas excessivas portagens espalhadas pelo país! E nós, moçambicanos, precisamos de saber como é que esta empresa, tida como uma das soluções, faz dos 100 milhões de meticais/mês e qual é a sua perspectiva no que nos preocupa, a manutenção das estradas.
O encontro da Beira serviu para eliminar a réstia de esperança que talvez ainda tivesse. Da intervenção do Governo, ficou cristalino que a nossa Estrada Nacional no. 1 não estará nas condições que todos desejamos, ansiamos e sonhamos nos próximos dois a cinco anos! Somente num futuro bem distante! Desolador.
Na semana passada, solicitou-se dinheiro à China e ao FMI para a reabilitação da EN1! Acho que a solução tem que ser sustentável. Já escrevi e repito: enquanto não tivermos uma ferrovia nacional, ou ligando as regiões, e cabotagem operacionais, vamos reabilitar mil vezes a nossa EN1 de cinco em cinco anos com um volumoso endividamento do país, mas não teremos uma estrada duradoura! A ferrovia e a cabotagem iam aliviar de certa forma a grande demanda que temos neste momento na estrada. Hoje, toda a mercadoria e todo o passageiro são transportados pela EN1 - não há estrada que possa aguentar a tanta, tanta e tanta tonelagem!
E então estou aqui, hoje e agora: bveve!, como se diz no Xi-Xangana! Estar bveve é estar profundamente frustrado, desmotivado, sem esperança, desolado, colapsado, sem solução para o assunto que nos aflige!
Mas há uma luz que, bem pensada, pode ser a nossa salvação: os fundos provenientes da exploração dos nossos recursos naturais. O Fundo Soberano! O famoso fundo soberano devia ser para a construção de infraestruturas, como fazem os sul-africanos aqui bem perto! Vamos lá ver o que eles fazem e como fazem e concebemos o nosso. Não simpatizo nada com a ideia de se ir guardar a prazo o dinheiro das receitas dos recursos naturais num banco qualquer algures na Europa ou América, ou Ásia! O melhor investimento para o nosso futuro colectivo e dos nossos herdeiros é a construção de infraestruturas que propiciem simultaneamente o crescimento e o desenvolvimento económicos do nosso país! Uma economia mais robusta, pujante, saudável vai proporcionar um futuro mais risonho para as gerações vindouras!
A propósito, gostaria de ver o draft do tal Fundo Foberano que se tem discutido em surdina. Os moçambicanos têm que ver e contribuir. A discussão de um projecto tão estruturante quanto este não pode ser confinada no Banco de Moçambique, ou numa meia dúzia de indivíduos. Somos 31 milhões de moçambicanos e esta matéria diz-nos respeito.
ME Mabunda
Volvidos quatro meses do início das hostilidades na Ucrânia, o denominado exército medieval do Kremlin, que fora escorraçado das cercanias de Kiev, ocupa agora um quinto do seu território. No entanto, na praça Maidan ouvem-se ainda promessas de uma vitória retumbante na Primavera.
Acto engendrado por ex-consultores de Wall Street, colocados no leme das nações mais poderosas da Europa para reviver uma nova idade das trevas, o conflito ucraniano foi propiciado por mudanças profundas e fracturantes em todos os sectores da sociedade ocidental, como consequência directa da expansão do Paradigma 4.0, que já estava a eliminar, de forma massiva e desproporcional, empregos de baixa qualificação ou rotineiros nos países da OCDE, susceptíveis de serem substituídos por baratíssimas soluções de inteligência artificial.
E neste grande desafio, a República Popular da China era quem melhor se posicionava face aos seus concorrentes americanos e europeus. Não tardou por isso que as agendas políticas do chamado mundo civilizado judaico-cristão começassem a impor uma regulação do ciberespaço, blindando as oportunidades de mercado e soluções inovadoras aos perigosos competidores vindos de Leste. Estava assim lançado o pretexto para uma nova confrontação este-oeste.
Que teve como ponto de partida a cruzada mediática anti-Huawei, durante a qual, celebraram-se memorandos de entendimento entre a NATO e a União Europeia no domínio da segurança cibernética, enfiando no caixote de lixo da história as tenebrosas revelações feitas por Edward Snowden anos antes. E por iniciativa norte-americana, instituiu-se o Quinto Domínio da guerra na cimeira da NATO de Londres em 2019, para conter a ascensão do 5G chinês quando, providencialmente, um misterioso COVID-19 surgiu para retirar da opinião pública mundial a atenção para o que já estava planificado para acontecer.
A tragédia ucraniana era, portanto, há muito anunciada. Com os avisos que não faltaram de Moscovo, que foram ostensivamente ridicularizados nos fóruns internacionais, onde se evidenciou o papel hipócrita e subalterno da intelligentsia europeia na resolução da quezília.
Como se provou com os malogrados Acordos de Minsk e confirmado recentemente por declarações de Petro Poroshenko ou de Jens Stoltenberg, era preciso dar tempo à Ucrânia para que, com o apoio da NATO, expulsasse qualquer vestígio russo do seu território. O que nos induz hoje a estranha sensação de que a presença do errático Trump na Casa Branca foi o único factor que travou uma guerra aberta no Donbass.
Pelos vistos, será preciso esperar que os republicanos voltem aos comandos Washington em Novembro, para que o mundo volte a respirar com um pouco mais de alívio por algum tempo.
Tarefa que não se afigura fácil considerando que o eleitorado norte-americano vota essencialmente com o seu bolso ou ao sabor da doutrina do falso moralismo constitucional.
Por isso, a iminente recessão económica causada pelas políticas dos democratas pode-se transformar numa espada de dois gumes para os republicanos com a provável desqualificação de Trump por causa dos fait-divers do Capitólio e do Aborto, ou o retorno positivo do maior endividamento europeu de longo-prazo desde o Plano Marshall de 1948-51.
Eis porque o comediante de Kiev insiste energicamente numa vitória de Primavera. Quão importante seria para o seu principal credor e associados europeus um acordo de Paz em condições favoráveis, antes das eleições intercalares dos EUA ou do pior inverno europeu do sec. XXI. O que torna as ondas de choque do conflito mais perigosas e imprevisíveis para o resto do mundo, pois a sua escalada obriga ao emprego de armamento mais sofisticado em mãos de governos politicamente irresponsáveis. É que a Leste, há algo novo. Uma nova frente foi aberta em Kaliningrado.
Isolado desde meados de Junho por terra e ar, a este altamente militarizado enclave russo somente resta a via marítima para manter a sua economia em funcionamento. Este singular acto hostil da pequena Lituânia contra a poderosa Rússia teve a solidariedade imediata da Polónia, país que há muito contesta a hegemonia de Moscovo e de Berlim na região.
Simultaneamente, a NATO anunciou que a força de reacção rápida no flanco leste europeu seria elevada de 40 para 300 mil homens. E a resposta já é de se esperar. Mais mísseis estratégicos e equipamento militar sofisticado russo vai ser fornecido à Bielorrússia, levando a uma provável nuclearização da região do Báltico, algo que os então pacifistas Finlândia e Suécia nunca imaginariam ver a acontecer no seu quintal.
Mas o ponto fundamental do conflito no Leste europeu é o que sucederá no pós-guerra. Porque a perspectiva inicial do mundo ocidental de reviver o cenário bipolar da Guerra Fria falhou rotundamente. O mundo actual mostra o seu carácter cada vez mais multipolar, com a Europa cada vez atrelada ao objectivo primário de Washington de resolver o problema chinês enfraquecendo a Rússia. O que não obviará o desejo britânico de recriar uma nova EFTA na Europa do Leste, para servir de muleta a um Brexit feito por cima do joelho.
E o aclamado estado social europeu, do pleno emprego e dos direitos adquiridos se extinguirá em breve sem as matérias-primas e a mão-de-obra baratas da Rússia e da China.
Mais ainda, por se ter revelado uma extensão de um bloco militar expansionista como a NATO, a União Europeia colhe agora consequências nefastas nas suas relações bilaterais com aliados tradicionais como a Índia, Arábia Saudita, Turquia e Israel.
A Índia serve-se do momento actual para refinar o crude russo a preço de banana, para depois repassá-lo à sedenta Europa ao valor de mercado. A Turquia faz o mesmo em relação ao gás natural e aos cereais. E a Arábia Saudita mostra que a vingança é um prato que se serve frio. Algo que o sr. Biden jamais esquecerá, quando tiver de negociar novamente o preço do crude com a OPEP.
E Israel vive mergulhado num dilema existencial, ao sonhar com os proventos do gás natural de alto mar que espera fornecer a Bruxelas saqueado aos palestinos e libaneses.
Preso por uma neutralidade forçada, o Estado Judeu tem de apartar simultaneamente os interesses dos EUA e da Rússia. Telavive sabe que uma aproximação à posição pró-russa lhe retira do clube dos meninos mimados do ocidente. Mas uma posição deliberadamente pró-ocidental pode culminar com Moscovo a armar Teerão com um arsenal similar ao Bielorrusso.
Mas é sobretudo a credibilidade do euro, que viu as suas reservas a diminuírem drasticamente no sistema financeiro dos BRICS, que foi posta em causa. Desde o início da bateria de sanções draconianas contra Moscovo, muitas das economias emergentes passaram a apostar no ouro e nas transacções financeiras bilaterais em moeda nacional. Esquema que agrada a Argentina e o Irão que já submeteram o pedido de adesão aquele bloco.
Em suma, nas chamadas economias emergentes, o rationale dois pesos, duas medidas do chamado mundo civilizado para congelar bens russos e bielorrussos foi suficientemente claro para alertá-los para os cuidados que devem passar a ter com as suas economias no relacionamento com os países da OCDE.
A confiança nas grandes instituições financeiras criada pela globalização foi quebrada, abrindo a porta ao revivalismo do Movimento dos Não-Alinhados, onde agora reside uma neutralidade diplomática, aspecto muito discutível, sobretudo em países cujo orçamento do estado depende de programas do FMI e do Banco Mundial.
Com o H.R.7311 – Countering Malign Russian Activities in Africa Act do Congresso dos EUA na forja é uma questão de tempo para ver se as boas vontades de África em relação à paz na Ucrânia não se alinham com quem servir mais almoços grátis.
Mas tudo se coaduna para que a cimeira do G-20 a realizar em Novembro, na Indonésia, possa ser o primeiro acto simbólico da comunidade internacional para encerrar a orgia dos loucos que tomou conta do Leste Europeu. Até lá, a pobre Ucrânia continuará a ser carne para canhão, para o gáudio dos fabricantes mundiais de armamento e dos amigos da onça com quem se tem enfiado na cama.
Ricardo Santos
Sentou-se ao meu lado – no “chapa” – com os braços apertando os livros sobre o peito, faz um frio de enregelar. Olhei para ela e a sensação que me ficou era de estar a ver um passarinho sem o aquecimento das asas da mãe. Saudou-me educadamente com um “bom dia” perturbador, no sentido de que a voz era profunda demais para uma criança. Lembro-me que tremi um pouco, sobretudo quando – olhando para mim – perguntou-me, como está? Era a primeira pessoa que me cumprimentava naquele dia, ainda por cima uma petiz que vai à escola com os livros apertados ao peito por braços frágeis, então isso é uma benção que me é dada, não tenho a menor dúvida.
- Eu estou bem, e tu, como é que estás?
- Eu também estou bem, obrigada.
Ambos apanhamos o pequeno autocarro em Nhapossa (Inhambane), bairro que apesar de estar em franco crescimento, está mais do que desordenado. Eu vou à cidade dar azo à minha liberdade de quase vadio, e a minha companheira de viagem vai à busca do saber, e amanhã – quem sabe – será um candelabro. Até porque, por aquilo que demonstra, tem dois fundamentos essenciais para se chegar ao topo, a educação e a humildade. Esses são os pilares da sabedoria.
Os vidros do “chapa” estão embaciados, as temperaturas do ambiente são muito baixas por estes dias. Eu estou bem agasalhado, mas a menina não está, é por isso que não tira os braços do peito e os cotovelos por sobre os joelhos, que se batem constantemente entre si, aliás todo o corpo dela treme um pouco e isso dói-me o coração. Então senti que devia fazer qualquer coisa por um anjo incapaz de se proteger devidamente.
- Como é que te chamas?
- Chamo-me Sengue
- Quem te deu esse nome tão lindo?
- É o meu pai.
- O teu pai é maluco
A menina sorriu quando lhe disse que o pai era maluco. Depois disso ficamos cerca de cinco minutos sem dizer nada um para o outro, enquanto escutávamos o silêncio que se ouvia no interior do “chapa” em marcha moderada, mas o silêncio dela é que se ouvia mais dentro de mim. Fiquei assustado. Se calhar ela não percebeu o sentido do maluco que eu outorgava ao seu progenitor. Posso a ter magoado, e se for assim, então vou sofrer por muito tempo, provavelmente toda a vida. Não se magoa a uma criança.
- Menina, desculpa, não quis magoar-te
- O senhor não me magoou, percebo perfeitamente o que quer dizer com o maluco que chama ao meu pai, eu já lhe disse isso muitas vezes. Digo-o sempre, sobretudo quando ele bebe um copo e canta coisas que me põem maluca, também.
- Obrigado.
Mas eu queria fazer qualquer coisa por alguém que abre as cortinas do meu dia, assim da forma tão amorosa e tão linda e tão desinteressada, então perguntei, não tens uma camisola mais grossa que esta? Ela disse que não, “esta é a única que tenho”. Pedi o número do celular do pai e ela deu-me sem hesitação, na mesma altura em que se preparava para descer e dirigir-se à escola. O chapa parou e ela desceu, fazendo-me um “tchau” com a mão leve e um sorriso cândido.
* Flores, em bitonga
Escrever é uma das mais belas e nobres formas de expressão de ideias e sentimentos. Assim como os músicos o fazem cantando e tocando, os artistas o fazem dançando, pintando e usando outras formas de manifestação folclórica, eu o faço com a minha escrita. Quando escrevo, me permito experimentar momentos de abstração, de reflexão, de crítica. Me permito também viajar para lugares (des) conhecidos, lugares de um mundo as vezes real e outras vezes imaginário – mundo este que um dia sonhei mudar.
Na altura em que celebramos mais um aniversario da conquista da tão almejada independência, parei para pensar no meu país; país que me viu nascer e crescer. Parei para escrever sobre o passado, o presente, e futuro deste belo Moçambique. Sobre os sonhos que sonhamos e não realizamos enquanto nação.
(In) dependência vista de uma forma geral como o culminar de um longo processo de luta pela conquista da autodeterminação, das liberdades e do direito de sermos uma nação e um país no verdadeiro sentido. Processo este que a história consagrou como um momento em que os moçambicanos decidiram colocar fim a um longo período de dominação e subjugação colonial, e que já pesava as costas de quem sentiu na pele os horrores do colonialismo, dos maus tratos, humilhação e desumanização perpetrada pelas mãos do colono durante largas décadas. Os moçambicanos tomaram o poder e abriram uma nova página na sua ainda incipiente história.
O mítico estádio da Machava, encheu-se de alma para vivenciar um dos momentos mais marcantes da história de Moçambique – A proclamação da independência nacional. Um momento em que milhões de moçambicanos inauguraram uma nova fase. Fase esta que se adivinhava difícil e perniciosa, mas que os filhos da terra saberiam gerir.
A ideia de independência pressupunha um manancial de ideias e teorias que aos poucos foram se esbarrando com a dura realidade. A ideia de liberdade, progresso, desenvolvimento, segurança, soberania, sedimentação da democracia, construção das bases para a prosperidade da nação eram basilares para a construção de um estado-nação. Todavia, muitas dessas ideias não foram devidamente cozinhadas, e não tiveram o desfecho desejado. Na ressaca do inverno de Junho 1975 a atmosfera era essa – de muita esperança, de muita expectativa e de uma sagacidade jamais vista.
Com a conquista da independência, emergiram novos problemas - alguns típicos de nações recém-independentes e livres; e de algum modo previsíveis em maior ou menor escala; outros foram resultado da natureza humana avida em ter poder, e da ganância de alguns governantes, muitos deles inexperientes e ciosos em sentar-se ao lado do famoso banquete.
O despreparo, a ganância e a permeabilidade às investidas do neocolonialismo, semearam paulatinamente o divisionismo, a desconfiança e a traição entre as mesmas pessoas que outrora uniram-se para libertar o país. As constantes incursões das potencias imperialistas, a famosa mão externa disfarçada de ajuda, foram se cristalizando na sua mais antiga e bem-sucedida fórmula do divide et impera (dividir para reinar).
Os nossos libertadores, os nossos heróis e os nossos referenciais de luta e verticalidade foram se transfigurando ao sabor do vento, e alguns deles viraram, nossos opressores. Nasceram elites negras, que se esqueceram dos ideais da revolução e se preocuparam em vestir a máscara de ovelha em corpo de lobo. Os nossos libertadores, tornaram-se obcecados pelo poder e pela posição de destaque no banquete pós-independência. Recriamos e personificamos a aquilo aque Frantz Fanon designou de “Pele Negra e Mascaras Brancas”, onde pretos oprimem outros pretos e se acham legítimos eleitos para o fazer em virtude do tempo emprestado durante a mocidade e juventude para que fossemos hoje o país livre que somos. Será que somos?
A pobreza, a guerra, as desigualdades, a corrupção, a deficiente cobertura da rede sanitária, educacional e nutricional são alguns dos elementos que devem ser reflectidos por todos e por cada um de nós, ao celebramos a conquista da independência. O maior presente que podemos oferecer aos moçambicanos é pensar o país de forma integrada e holística. É atacar aquilo que julgamos ser nefasto ao nosso desenvolvimento como país . É oferecer, não discursos vazios e populista, mas programas concretos, inclusivos e conferir mais dignidade para o nosso povo. E isso só se consegue se recuperarmos a mística que nos guiou até ao mítico momento em que gritamos na Machava que somos um país independente.
Nesta curta reflexão, o meu pedido carrega a dor e frustração do nacionalista que muito lutou por este país, mas que parece agora vencido pelo cansaço. Um nacionalista que se frustrara com o estágio do seu país amado – por sinal esse é Moçambique. Carrega também o desejo inconfesso de um grupo comprometido com os ideais da revolução, mas que se sentiu traído e abandonado no tempo, no espaço e pior ainda, na consciência patriótica de um amanhã em que o sol de Junho brilharia pelos quatro pontos cardinais do país; a mensagem do homem novo que nunca chegou a ser visto senão no próprio projecto. Carrega por fim, ainda que sem mandato, uma juventude que vê mutilada e adiada a possibilidade de participar de forma activa no desenvolvimento do país 47 anos após a sua independência.
A fórmula “Umuntu Ngumuntu Ngabantu”, que significa nós somos e nos tormanos mais pessoas quando reconhecemos e valorizamos a existência do outro faz-se cada vez mais actual no momento em que caminhamos para o jubileu da independência em 2030. Esta fórmula da alteridade é um convite transgeracional para todas as forças construtivas e ciosas em edificar um Moçambique livre da pobreza, da guerra e das desigualdades sociais - um lugar onde todas as crianças possam sonhar, acreditar e tornar os seus sonhos uma realidade viva e vivificadora. Onde todos moçambicanos e todas moçambicanas possam viver o verdadeiro significado, enxergar o brilho e, sentir o calor do Sol de Junho.
Não se esqueçam de voltar. Não se esqueçam do vosso país. Não nos deixem perder a esperança; não permitam que as nossas crianças cresçam sem sonhos. O Homem Novo ainda tem espaço e nós estamos dispostos a refundar a nossa ideia de moçambicanidade – este é um convite a ilustração.
Por: Hélio Guiliche (Filósofo)
Recentemente, a Assembleia da República aprovou a Proposta de Revisão da Lei n.º 14/2013, de 12 de Agosto, atinente à Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo, elaborada e submetida à apreciação da AR pelo Conselho de Ministros.
A realidade e os relatórios de monitoria da implementação da Lei n.º 14/2013, de 12 de Agosto, atinente à Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo, incluindo o Relatório de Avaliação Nacional dos Riscos de Branqueamento de Capitais e de Financiamento ao Terrorismo e o Relatório da Avaliação Mútua de Moçambique sobre Medidas de Combate ao Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo, demonstram que há um problema profundo concernente à implementação da lei em questão, bem como tendência crescente de espaço fértil para a prática de actos de branqueamento de capitais, num contexto de fraca responsabilização e prevalência da impunidade.
A Proposta da Revisão da Lei n.º 14/2013, de 12 de Agosto, aqui em análise, prevê expressamente a responsabilização e sanções das instituições financeiras e das entidades não financeiras pelas violações das normas previstas na mesma Proposta de Revisão, as quais são aplicadas pelas autoridades de supervisão competentes que detectem violações das obrigações previstas no mesmo diploma legal, uma vez em vigor.
Conforme o artigo 54 da referida aprovada Proposta de Revisão pela Assembleia da República, a supervisão das instituições financeiras e das entidades não financeiras no âmbito da prevenção e combate ao branqueamento de capitais, financiamento do terrorismo e financiamento da proliferação de armas de destruição em massa é exercida pelas seguintes autoridades:
Os deveres das supra mencionadas autoridades de supervisão estão previstos, essencialmente, nos artigos 55 e 56 da mesma Proposta de Revisão. No entanto, esta Proposta da Revisão é omissa relativamente à responsabilização ou sanções pela violação dos deveres ou fraca implementação da lei em questão por parte das autoridades de supervisão.
Nessa sequência, a questão de fundo que se coloca é: O que acontece ou que responsabilização para as autoridades de supervisão quando não cumprem com os seus deveres? Que responsabilização e/ou sanções para as autoridades de supervisão quando permitem por qualquer forma a prática de actos de branqueamento de capitais, financiamento ao terrorismo e crimes conexos ou precedentes como é o caso da corrupção?
A previsão de acções de responsabilização das autoridades de supervisão é importante para o sucesso dos objectivos pretendidos com a legislação sobre a Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo. Aliás, a determinação de normas sobre deveres das autoridades de supervisão sem as correspondentes sanções enfraquece a própria função de supervisão, tratando-se de uma espécie de “norma morta.”
A fraca implementação da Lei n.º 14/2013, de 12 de Agosto, atinente à Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo ainda em vigor está também ligada ao fraco exercício dos poderes de supervisão sobre a instituições financeiras e entidades não financeira no âmbito da mesma lei. Daí que não se percebe a razão pela qual a aprovada Proposta de Revisão desta lei ignorou fortificar as regras para a garantia do efectivo cumprimento rigoroso dos deveres das autoridades de supervisão.
Portanto, enquanto não houver mecanismos claros que forçam a implementação da lei atinente à Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo e que eliminam os espaços de manobras para as autoridades de supervisão não levar a cabo as suas obrigações, os objectivos pretendidos com esta legislação não serão alcançados.
Por: João Nhampossa
Human Rights Lawyer
Advogado e Defensor dos Direitos Humanos
Os meus amigos disseram-me isso, que sou uma mulher elegida. Ainda disseram mais, que a dança que sou, é um feitiço, então por onde eu passar, a própria terra vai dançar sob os meus pés, não só porque sou uma dança, mas porque dentro de mim há uma música repetida pelos pássaros voando no Cosmos, o que me torna o centro da vida, pois, segundo eles – os meus amigos – a vida será mais brilhante com a dança. Que sou.
Mas a culpa de todo este remexer que se cria por onde passo, é do meu pai, que olhou para mim no berço da maternidade e disse assim, a minha filha chama-se Niketche, e este será o erro mais belo dele, todos querem estar à minha volta, dançando a música que retumba dentro de mim, fazendo-me, ao mesmo tempo, uma música e uma dança. Sou o apogeo da vida, graças ao meu pai, e a sua loucura.
Quando vou ao mercado, ou quando caminho pelas ruas da cidade, ou ainda pelos becos do meu bairro e de outros conglomerados desta pequena terra, todos interrompem temporariamente os seus afazeres e começam a dançar. Homens e mulheres, crianças e velhos. Há muitos que nem sequer me vêem ao passar, mas ao verem os outros a dançar, dançam também, seguindo o ritmo produzido pelo meu nome e pelo meu corpo. Leve e profundo, segundo se diz.
Na verdade sou um feitiço. Se não fosse, não haveria este terramoto todo por onde passo em silêncio, sentido no meu interior as inexplicáveis vibrações dos meus antepassados. Até porque o meu próprio pai não sabe explicar a mutação do ritmo da vida das pessoas por onde passo, apesar de ter sido ele que olhou para mim no berço da maternidade e disse, a minha filha chama-se Niketche.
No dia em que eu via pela primeira vez a luz, embrulhada em confortáveis mantinhas, todas as parturientes dançaram, as parteiras também, e os visitantes e todos aqueles que estavam naquele momento. Meu pai chegou e começou a dançar também, uma dança que ele nunca tinha dançado antes e nem conhecia. Ele viu-me a dançar nos braços da minha mãe, como uma dança que se dança a si própria, e tudo isto só podia ser o resultado de uma premonição da qual não se apercebeu. Então, logo determinou, a minha filha chama-se Niketche.