Numa daquelas situações em que sem esperar ligam-te e dizem que teus cheques estão prontos, podes vir levantar e tu ficas muito empolgado e começas a fazer as contas de algum material que dá para ajeitar/comprar, do fim-de-semana e de mais alguma coisa… foi como fiquei quinta-feira da outra semana, quando cerca das 11 e tal me ligaram a partir de uma instituição onde colaboro. Já não dava para ir levantar os tais cheques naquele mesmo dia, estava apertado com o trabalho. Agradeci e passei o resto do dia e dormi a assobiar!
Dia seguinte, até cheguei mais cedo no job, o que espantou alguns colegas, despachei o que tinha a fazer e… zás… pelas 11 e tal disparei para o sítio e lá peguei os tais cheques. Ambos os cheques não totalizavam um valor tão alto assim, mas dava para alguma coisa. Não fiz mais nada, fui a correr para o banco, por acaso, o meu banco, os cheques eram de lá. Eu, que contava que em menos de uma hora estaria de volta ao serviço com a massa bem no bolso!...
Chegou a minha vez, estendi-lhe os dois chequinhos juntamente com o meu BI e fiquei a olhar para ela, a senhorita da caixa. Teclou, teclou… parou de teclar, voltou a teclar e… pousou um pouco. E voltou a teclar. Depois olhou para mim e perguntou:
Respondi que no caso preferia ter cash, tinha algumas despesas para dar azo. É que, redarguiu ela, “assim tem que esperar pela autorização. O sistema não está a reconhecer automaticamente as assinaturas e assim pedi autorização ao domicílio da conta e… não estão a responder, parece que ninguém está on-line…”
Primeira contrariedade. Eu que desde ontem estava a esfregar as mãos e dormi a assobiar… engoli em seco. Optei por voltar ao serviço e, mais tarde, voltaria para recolher o cash. Simpática a senhorita, ainda solicitou o meu número para que, logo que houvesse autorização, me chamar. Fiquei animado. Estávamos nas 12 horas e picos. Fui para o serviço, trabalhei com os olhos e ouvidos no celular.
14:30!… nada! Fiz-me de novo ao balcão. A senhorita não estava, mas estava a colega, também simpática. Perguntou ao que vinha, contei e ela logo respondeu: “Ainda não temos autorização… aconselho o Sr. a depositar na sua conta!” Insisti que queria em dinheiro e a resposta foi a mesma… “tem que esperar, então!” Segunda contrariedade.
Estávamos em sexta-feira e eu pretendia aproveitar o sábado para resolver alguns problemas… nada. Não me chamaram mais naquele dia e nem na segunda-feira, até que às 11 e tal voltei àquele balcão e, já encontrei a primeira moça! Reconhecendo-me, disparou logo: “Ainda não deram autorização da sede dessa conta… aconselho-o a ir até eles lá; nós não podemos pagar sem essa autorização…” Terceira contrariedade.
Tive que ir ao domicílio da conta dessa instituição e, chegada a vez de ser atendido, expliquei o assunto. Houve teclados, mais teclados e mais teclados e até veio uma das chefes e ficaram as duas a teclar e, cerca de cinco minutos depois, vi na cara das duas um “ufff”… “já autorizaram…” E pagaram. Tudo o que queria fazer ao longo do fim-de-semana, nada!
É isto o que é o dia-a-dia dos moçambicanos! As tecnologias de informação e de comunicação não vieram para facilitar nada! Com as novas tecnologias, era suposto que o reconhecimento de assinaturas não fosse mais “bico de obras”! Continuamos como se estivéssemos nos meados do século passado. Vezes sem conta, depois de aturarmos uma grande fila, quando chega a nossa vez, é-nos dito que “não há sistema”! Tenho ouvido que mesmo nos locais onde contribuintes querem pagar impostos há muitos problemas do… sistema! "Não há sistema, volta depois ou amanhã…" E nesse ‘depois’ ou 'amanhã' há também problemas do sistema!
Mas não ficamos somente aqui, com o problema do sistema. Mandamos um e-mail para alguém - seja nosso amigo, colega, chefe, ou não sei mais quem -, aquele e-mail não é visto até telefonarmos para a pessoa e perguntar se viu o e-mail ou não! E, muitas vezes, responde que “não vi”, ou “ainda não vi”… Hoje por hoje, mandamos uma mensagem em WhatsApp ou SMS para alguém… ainda temos que telefonar para perguntar se (ainda) não viu a mensagem que mandamos… cumulo dos cumulos, envia um convite por estas vias a alguém e não obténs reacção nenhuma, muito menos resposta!...
Dá a ideia de que as TIC’s não são para nós. Conosco não funcionam.
Compatriotas, tal como a máquina a vapor, a mecânica e a eléctrica, as tecnologias de informação e de comunicação vieram para ficar. Compete-nos a nós embarcarmos ou não e ficarmos para trás para todo o sempre. Não consigo compreender como é que nestas alturas há compatriotas estudados e a assumir estatutos sociais que não querem saber das TIC’s! Dos e-mails, dos whatsapps, dos internets banking e de mil e uma plataformas que só facilitam a nossa vida!
A opção é nossa. Ou abraçamos verdadeiramente as novas tecnologias e delas tiramos proveito, ou ficamos como alguns meus colegas que se recusaram a abandonar a máquina de dactilografar para passarem a usar o computador… e ficaram no tempo para sempre!
ME Mabunda
“Tudo indica que o Partido libertador, o MPLA, sairá vencedor nestas eleições, a se confirmarem as sondagens aqui reproduzidas. Resta felicitar os vencedores e que os vencidos considerem uma etapa menos boa, que melhores dias virão. A Democracia veio para ficar em Angola, de cinco em cinco anos, realizar-se-ão eleições. Parabéns ao MPLA e parabéns à UNITA, por terem realizado uma campanha eleitoral exemplar”.
AB
“O que resulta da análise que fazemos das sondagens é que a previsibilidade normal aponta para uma vitória do MPLA numa percentagem que oscila entre os 54% e os 61% e um substancial reforço da UNITA para 40%, havendo uma diminuição acentuada dos outros partidos, aquilo a que se chama em Ciência Política uma bipolarização.
Note-se, contudo, que atendendo à percentagem de Não Respondentes, estes números não são fixos e definitivos. São uma fotografia em dado momento, mas tudo pode mudar”.
In CEDESA – Centro de Estudos Angolanos
Provável quadro de resultados
“Em relação às quatro restantes, procedemos a uma distribuição gaussiana eliminando os extremos e mantendo a distribuição padrão - de Agosto de 2022 normal. Nesta medida não consideraremos a sondagem POBBrasil que dá uma vitória extrema ao MPLA, como a Mudei que dá uma vitória extrema à UNITA.”
In CEDESA – Centro de Estudos Angolanos.
Há um consenso em relação às eleições Angolanas de 24 de Agosto de 2022, consenso em relação às sondagens de que:
Bom, como escreve o CEDESA, são sondagens de opinião que podem mudar na prática, no caso de os que dizem se abster decidirem votar, os indecisos se posicionarem, mas existe uma sondagem que não entra na apreciação do CEDESA, que é da Euresia. As sondagens desta instituição também dão vitória ao MPLA com margem mínima, o que obrigaria o Governo a cingir-se em assuntos de natureza macroeconómica, para diminuir o custo de vida em Angola, desemprego, diminuir a inflação galopante entre outros.
Ou seja, a vitória do MPLA será por margem mínima e, por via disso, o Presidente João Lourenço, no lugar de passar os cinco anos de Governação a “folhear” dossiers de pessoas, terá de tratar de Governar Angola, o que é um bom sinal. Quanto à UNITA, espero que aperfeiçoe mais a sua actuação política, a sua intervenção com relação aos assuntos que preocupam os cidadãos angolanos, pois um dia poderá tomar o poder.
Fica, aqui, a lição. A sociedade vive o dia-a-dia do seu país, acompanha as realizações dos Governantes e espera por um momento certo para sancionar, o MPLA, da posição Parlamentar que ocupa hoje, para uma situação em que poderá estar e, a agravar a situação, sem muitos Partidos de Oposição no Parlamento. Ou seja, Bipolarizado, MPLA e a UNITA, não será fácil para o Partido libertador, Partido do Agostinho Neto, José Eduardo dos Santos, mas esta pode ser a realidade política do pós-eleições de 24 de Agosto de 2022.
Sendo certo que o MPLA irá vencer estas eleições, com ou sem a margem mínima, resta desejar os parabéns antecipados ao Partido de João Lourenço, a UNITA, que aceite os resultados a serem anunciados pela CNE de Angola e se conforme, mantendo viva a sua chama política no território, porque qualquer forma de contestação pode trazer mais problemas do que soluções para Angola.
Adelino Buque
“...ela estava entre as estrelas mais brilhantes deste país, no sentido próprio da palavra.”“...ela estava entre as estrelas mais brilhantes deste país, no sentido próprio da palavra.”
Nelson Mandela
Naquele infausto dia 17 de Agosto de 1982, há precisamente 40 anos, quando ouvi, na rádio, a notícia do brutal assassinato de Ruth First, por intermédio de uma carta-bomba, eu não passava de um adolescente de 15 anos. Vivíamos, é certo, tempos vertiginosos e empolgantes, ulteriores a uma emancipação política recente. Eram tempos de engajamento, tempos de exacerbamentos ideológicos, tempos disjuntivos, sem dúvida, entre a revolução e os seus acérrimos defensores e aqueles que eram os inimigos figadais da mesma, ou que estavam nos seus antípodas. Mesmo sendo um jovem adolescente, tinha a noção do que estava a acontecer no território movediço da política em Moçambique e da África Austral, então em ebulição, numa encarniçada e violenta disputa.
Os virulentos ataques da então Rodésia do Sul (actual Zimbabwe, independente em 1980) e os da África do Sul do apartheid, quotidianamente demonizados na imprensa, estavam na origem de mossas visíveis no tecido social e económico. Para além disso, os indícios da guerra de agressão eram já ineludíveis. O nosso apoio sem tréguas às lutas pela libertação do Zimbabwe e pelo fim do apartheid na África do Sul traduziu-se numa impiedosa agressão, cuja devastação tem efeitos ainda hoje. Os nossos dias, nos quais tudo escasseava, de bichas para tudo e de uma miséria material e social inelutáveis, eram já o testemunho do desastre. Tínhamos, afinal, consignado o nosso presente e o nosso futuro a esta causa. Teríamos nós a noção do que estávamos a penhorar? Ou estávamos cegos imbuídos pelo arroubo do proselitismo que nos movia?
Quando o infortúnio atingiu Ruth First, eu já estivera em comícios na Praça da Independência, vira Samora Machel de mãos dadas com Oliver Tambo, ouvira as suas diatribes contra o regime vigente na África do Sul, marchara a favor da libertação de Nelson Mandela, abominava visceralmente o regime do apartheid, tinha devotado muito antes a mesma bílis em relação a Ian Smith. Era já, de algum modo, um jovem politizado. Não estava imune à propaganda e à ideologia dominantes. Antes pelo contrário. Os meus versos daquela noite foram de ira, ódio, fúria, repulsa. Não os tenho mais, perderam-se, mas guardei a lembrança do facto de terem desencadeado, em mim, naquele momento de cólera, o escritor que se iria revelar com tempo. Ali, naquele acontecimento plangente, estava inscrito, de algum modo, o meu destino literário e o nome sacrificado de Ruth First ficaria assim ligado à minha mitologia pessoal.
Heloise Ruth First, filha de judeus oriundos do Mar Báltico, entre a Lituânia e a Estônia, no Leste europeu, nascera, em Joanesburgo, a 4 de Maio de 1925. O pai era um dos membros fundadores do Partido Comunista Sul-africano. As causas que ela iria abraçar e o seu aguerrido carácter parecem advir da ascendência. A estirpe da lutadora tem uma origem indissimulável. Na Universidade de Witwatersrand, que frequentou entre 1942 a 1946, foi contemporânea do futuro marido e companheiro de vida e de luta - Joe Slovo -, bem como de Nelson Mandela. Estudou ciências sociais que lhe garantiram os instrumentos para o combate intelectual e político. Estava do lado dos oprimidos, dos vexados pela História, dos amofinados pelo regime – os violentados, os aviltados, os molestados, os injustiçados. Sempre esteve. A sua vocação, por assim dizer, era o jornalismo, era a denúncia, era a contestação, era a rebeldia. Apoiou a luta dos mineiros em 1946, esteve na campanha da resistência pacífica dos indianos em 1950, ou nos protestos contra o banimento do Partido Comunista nos anos 50. Esteve sempre do lado certo da História.
Casa-se com Joe Slovo em 1949. A casa de ambos converter-se-ia numa célula política, lugar importante para a conspiração, para reuniões e debates, naqueles duros anos 50. Ela é já então uma activista intrépida. O legendário fotógrafo Peter Magubane, que tem a provecta idade dos 90 anos, tem uma fotografia de Nelson Mandela confabulando com Ruth First nos tempos em que ambos combatiam o apartheid. É uma belíssima imagem desses tempos acirrados e fascinantes da História - testemunho e testamento da História. First e Slovo são brancos e combatem a supremacia racial e incivil instalada no seu país.
Ruth é presa, tal como Nelson Mandela, no processo e, depois, Julgamento por Traição (1956-1961). No entanto, as acusações do regime foram retiradas e todos os réus absolvidos. Aquando da declaração do estado de emergência, na sequência do massacre de Sharpeville e da dura repressão, foge do país, contudo retorna a Joanesburgo seis meses depois. Torna-se editora do “New Age”. Importa citar a sua passagem pelo “The Guardian” e pelo “Fighting Talk”, igualmente. Aliás, seria novamente detida, em 1963, por conta do seu activismo e dos artigos que escrevia. Esteve na solitária 117 dias e redigiu um testemunho dessa experiência. Foi, indubitavelmente, a primeira branca a experimentar essas agruras.
Nelson Mandela e muitos dos seus companheiros, na sequência da “Operação Mayibuye”, são presos. As anotações de Mandela sobre a guerrilha e os seus diários da sua célebre viagem de 1962 (ilegal para o regime) eram incriminatórios. Walter Sisulu, Dennis Goldberg, Govan Mbeki, Ahmed Kathrada, Raymond Mhaba, ou Andrew Mlangeni estão entre os réus. Estavam todos arrolados no célebre Julgamento de Rivonia. Oliver Tambo, Joe Slovo e Ruth First também foram envolvidos.
Joe Slovo exilara-se no Reino Unido. Quando Ruth ganha o direito à liberdade, ela e as três filhas, juntam-se-lhe. Nas décadas 60 e 70, a viver na Grã-Bretanha, é uma activista anti-apartheid destemida e escreve uma série de livros audazes e tem uma brilhante carreira acadêmica. A sua história em Moçambique está umbilicalmente ligada ao Centro de Estudos Africanos, onde desempenhará o papel de directora de pesquisa, coadjuvando Aquino de Bragança, seu director, pela mão de quem viera. Ao abandonar o Reino Unido juntava-se a uma geografia que lhe devolvia a proximidade com o seu país e a sua luta. À época, Slovo vivia em Angola. Posteriormente, estabelece-se em Maputo. A fronteira era importante para a luta e para as actividades do Umhkonto we Sizwe.
Quando chega a Moçambique, em meados dos anos 70, Ruth First é uma intelectual afirmadíssima e autora de uma importante obra. O Centro de Estudos Africanos, inspirado no remoto CEA criado em Lisboa por Mário Pinto de Andrade e seus companheiros nacionalistas africanos, que funcionou inicialmente em casa da Tia Andreza, tia da santomense Alda do Espírito Santo, é uma experiência, de laboratório social, reproduzida não só em Moçambique. Na Guine Bissau, o próprio Mário de Andrade será propulsor de um dos CEA mais activos e formará importantes investigadores e intelectuais, entre os quais está o proeminente Carlos Lopes, uma das mentes cintilantes de África hoje, que é dessa fornalha.
Em Moçambique, o CEA tem um papel decisivo no estudo e na problematização social do novo país. Uma abrangente pesquisa colectiva de campo, por si dirigida, entre 1977 e 1979, sobre a situação do trabalhador migrante moçambicano de origem camponesa, nas minas sul-africanas, é um dos trabalhos pioneiros no campo da economia política ou da sociologia económica em Moçambique, ou, se quisermos, das ciências sociais moçambicanas, e um dos vibrantes legados de Ruth First. Seriam estes camponeses migrantes, expostos à indústria do Rand, fautores da industrialização na nova realidade social e política de Moçambique?
Ruth era uma militante engajada na luta anti-apartheid, mas nem por isso deixava de ser uma cientista social de grande gabarito intelectual e com um aparato metodológico inatacável. As suas causas não lhe tolhiam a racionalidade. Sendo uma socióloga marxista, por assim dizer, mesmo quando a realidade social desmentia a ideologia ou aquilo que se pretendia politicamente, não pervertia os números. Os seus trabalhos estavam alicerçados em dados estatísticos e em evidências empíricas sólidas. Não os torcia a favor da política.
Gillian Slovo, a sua filha do meio, é uma escritora reputada no Reino Unido. É autora, entre muitas obras, de “Every Secret Thing”, um relato biográfico onde retrata, com evidente e comovente candura, a sua mãe, os seus pais - melhor dizendo -, as suas lutas e as suas heranças políticas. É um poderoso testemunho. Por outro lado, Rob Davies, que chegou a Moçambique em 1979, jovem branco activista anti-apartheid, integrou a equipa do CEA, trabalhou com Ruth, faz o testemunho disso no seu mais recente livro “Towards a New Deal – a political economy of the times of my life”. São as suas memórias depois de servir os governos do ANC ao longo de duas décadas. Ele relata os tempos de Moçambique e da revolução e dos sonhos que então acalentavam naqueles anos. Chegou a estar na mira de Craig Williamson, o carrasco de First.
Williamson é uma figura tenebrosa. Está na origem de assassinatos e atentados em vários países, de Angola ao Reino Unido, passando por Moçambique, visando activistas e combatentes anti-apartheid. Seria, no entanto, beneficiário de uma amnistia da Comissão da Verdade e Reconciliação, o que exasperou as filhas de Ruth First e Joe Slovo, que intentaram, inclusive, a postergação da mesma. Paradoxos da nova África do Sul.
No dia em que a mataram, no Centro dos Estudos Africanos, que tem um memorial com o seu nome e o de Aquino de Bragança, Ruth estava na companhia de Aquino, que ficou ferido, bem como do seu camarada Pallo Jordan e da investigadora americana Bridget O´Lauglin. As imagens deste atentado são pungentes. Depõem sobre um tempo que tendemos a esquecer e que foi distinto na história entre os nossos países. No ano anterior, Matola tinha sido atacada, resultando na morte de activistas sul-africanos e de moçambicanos inocentes. O que quitávamos deste esforço era a destruição da nossa economia e a morte dos nossos concidadãos. Dois anos depois, em 1984, Samora Machel e Pieter Botha intentam um Acordo de Nkomati. O ANC viu-se atraiçoado. Ainda hoje vivemos contrafeitos desse pacto e as nossas relações continuam irresolutas.
A distância destes 40 anos não vejo referida, entre nós, a sublime figura de Ruth First. É a nossa congénita amnésia? Não fosse o seu vulto de intelectual, ou o seu combate intrépido contra o regime de segregação racial, a sua marcante passagem pelo CEA, em Moçambique, num tempo e numa circunstância em que as ciências sociais procuravam ser o laboratório da revolução em curso, ela mereceria de nós, no mínimo, um preito, um tributo, um reconhecimento. Para além da desmemória e do descaso, somos desagradecidos e deslembrados. Há uma história de sangue que nos une à África do Sul, contudo somos incapazes de a nobilitar. Dos dois lados da fronteira. O Acordo de Nkomati – e todas as contradições que encerra – não pode explicar tudo quanto à nossa displicência e omissão. Moçambique hipotecou, severamente, o seu presente e o seu futuro para a liberdade dos sul-africanos. A remuneração disso não pode ser a desatenção, o lapso e a indiferença.
Ruth First não viveria os tempos da liberdade que chegariam na década ulterior. Joe Slovo, o seu companheiro de vida, ainda viu a África do Sul livre e foi, por alguns parcos meses, ministro de Nelson Mandela, antes de ser tolhido pela doença e pela morte. Uma pintura emblemática pintura do seu marcante rosto, numa das casas sociais do bairro de Langa, na Cidade do Cabo, à beira da estrada, ilustra o lugar de Slovo na história da África do Sul. 40 anos após a sua morte, Ruth continua a ser, para mim, uma figura inspiradora. Descobri, amarrado, por uns dias, numa das docas da mesma Cidade do Cabo, há dois anos, um navio patrulha, com o seu nome e, confesso, fiquei emocionado. Sabia que o seu nome dera crédito à toponímia em algumas cidades da África do Sul, mas desconhecia a monta inscrita naquele navio.
Em Moçambique, a despeito da pedra evocativa no CEA, não lhe conheço outra valia que a tenhamos prestado. A Slovo concedemo-nos a honra de uma rua na baixa da cidade de Maputo. Não obstante, o nome de Ruth First está irreversivelmente ligado à minha humilde história pessoal. Afinal, foi naquela noite ominosa que eu cometi os meus primeiros versos. Passam 40 anos! Lembro-a não apenas por isso. Ela é uma grande intérprete do destino da África do Sul, de Moçambique e da África Austral. É evidente que laboramos hoje no lodo de outros equívocos e outros ímpetos, aluviões incapazes de sufragar o que a História de bom nos designou, ou de autuar os excessos – afinal de contas assim ditam os eufemismos! – que estarão na origem dos desacertos que ainda hoje nos perseguem e assombram.
KaMpfumo, 17 de Agosto de 2022
Hoje está um dia solarento, polvilhado de pássaros diversos que incluem as fugidias rolas, que não se cansam de me visitar nas manhãs e nas tardes, arrulhando parábolas. Minha casa é um porto de chegada, e depois de partida dessas aves, e eu sou o ponto de referência das mesmas. Conhecem o meu cheiro. Mas eu quero sair. Andar por aí à toa sem me importar com os ponteiros do relógio, sinto um desejo ardente de liberdade.
Então, aí vou eu, um andarilho despreocupado, vestindo calções de ganga, uma camisa qualquer tirada da mala ao calha, um par de sandálias de napa, e um chapéu a Pablo Neruda, sinto-me confortável assim. Até porque dentro de mim existem muitos “eus” que me dão sustento na mesma proporção. De graça. Sou eu, o vagabundo da Fonte Azul, que nunca amealhou nada, e pensa que as palavras são bastantes.
Estou em frente à casa de Cassiano Ratagi, mas aqui ao lado viveu o senhor Matias, pai do jornalista Leonel Matias e, ainda encostado aos dois, avultava o Lóngwè, tenaz defesa do clube Beira-Mar, nos tempos em que o futebol em Inhambane era o hino das massas, pela elevada qualidade que assumia. Eu era um fedelho na altura em que estes três personagens reverberavam, cada um tocando a sua nota de piano. E eis que, ao pé da casa onde viveram, sorrio ao recordar-me desses momentos inolvidáveis.
Mas eu estou a caminhar. Ao léu. Sem outro propósito que não seja o de abstrair-me das dores, ao mesmo tempo que desfruto do sol que me vai aquecendo o corpo e o coração. Estou a voar como os pássaros que deixei em casa, e agora encontro-me na rua do Brehemo Guifototo, antigo árbitro de futebol, que será também lembrado pelo seu Peugeot 403. É como se estivesse a vê-lo. À ele e ao seu vizinho, o Giló, um homem distante. Discreto.
Isto é um filme buscado de aquivos de ouro, e eu estou vivendo esse filme ao vivo, como narrador-personagem, pois, se assim não fosse, não me lembraria de nada, como agora que me embrenho nos becos Chalambe em direcção à casa onde morava Vangyane, a mãe da Guegué. É aqui onde vinhamos nos esborrachar com sura, e essas histórias todas fazem-me reviver um tempo que não volta mais. Nem essas figuras que estou evocando, voltarão alguma vez, a não ser por via da memória.
Se calhar estou louco, não sei se faz sentido andar por aí a esgravatar os mortos, mas isso leva-me à lua. Estou na lua, ou melhor, agora estou na zona onde viviam assimilados finos, como Tsungu Maciel (pai do Djako Maria), Daniel Mosse (pai do Marcelo Mosse), Mbalango, Tsungu Teixeira e o célebre Manuelito, esteio e fundador da banda musical Inhambane 70. Eles todos pertencem a uma geração sem réplica nos dias de hoje. E estou aqui para prestar-lhes vénia. Por tudo que fizeram pela cidade de Inhambane. Quem sabe, um dia, eu volte para consagrá-los em livro. À eles, e a outros que não mencionei aqui neste espaço diminuto.
Inté.
“Hoje, mais do que nunca, o sector Privado deve unir-se para fazer face ao desafio lançado pelo Presidente da República, no dia 09 de Agosto de 2022. A procura de protagonismo individual por Associação ou suas lideranças pode minar o sucesso que se espera e criar descrédito do Sector. Mais ainda, o Sector Privado deve procurar um relacionamento são com as lideranças da sociedade civil, parceira na implementação deste PACOTE” .
AB
Depois do anúncio, pelo Chefe do Estado Moçambicano, Filipe Jacinto Nyusi, das medidas contidas no pacote para a aceleração económica, depois de as Associações empresariais, algumas claro, terem reagido com enorme satisfação em relação ao mesmo, à medida que nos afastamos do dia 09 de Agosto de 2022, data do anúncio, os Empresários Privados parecem cada vez mais divididos com relação as mesmas, o que pode constituir um revés para a sua implementação.
De acordo com Filipe Nyusi, PR, as medidas ora anunciadas colocam no centro o Sector Privado e a Sociedade Civil, sendo que ao Governo é reservado o papel de facilitador. Vem daí que cada um dos três poderes tem algo a fazer para o sucesso deste PACOTE de vinte medidas. Na minha opinião, se os três poderes têm tarefas para cada um, não seria de tudo mau que o Sector Privado e a Sociedade Civil sentassem e se debruçassem sobre o papel de cada uma das partes.
O reconhecimento de que o Sector Privado e a Sociedade Civil são o centro de implementação destas medidas não surge por acaso, o Governo, hoje em dia, não possui um sector empresarial capaz de ajudar a implementar estas medidas. Mais do que isso, Filipe Nyusi foi mais longe, ao anunciar que o Sector Empresarial do Estado será reestruturado e as Empresas Públicas que fazem concorrência desleal ao Privado devem desaparecer e manter aquelas que são estritamente necessárias.
Filipe Nyusi deu exemplo da LAM “porque não privatizar a LAM?” Mas “se os Aeroportos de Moçambique estão a dar problemas e existe um Sector Privado com capacidade e conhecimento, porque não entregar a gestão?” Com estas palavras, Filipe Nyusi mostra absoluta abertura para que o PACOTE ora anunciado tenha sucesso.
Na verdade, as medidas anunciadas pelo PR, no dia 09 de Agosto de 2022, vêm responder àquilo que foi sempre inquietação da CTA – Confederação das Associações Económicas de Moçambique, organização que congrega as Associações Empresariais, Câmaras de Comércio, Federações Económicas e Empresas de grande dimensão. Esta abertura do Governo de Moçambique deve ser capitalizada pelo Sector Privado, juntando, cada vez mais, sinergias para que a sua implementação tenha sucesso. No acto de implementação, o Sector Privado poderá levantar as questões que inquietam a cada membro que, como é obvio, não são as mesmas.
Se o Sector Privado mostrar-se dividido em relação a este anúncio e cada associação reivindicar aquilo que se deve fazer para si, sem se aperceber, o Sector Privado estará se “partindo” numa altura bastante crucial, em que o Governo se mostra “rendido” às questões que há muito não dava valor no diálogo público-privado! Na minha opinião, o momento não é para isso, o momento é de união em torno dos interesses do Sector e não de cada Associação. As preocupações da Associação reflectir-se-ão na Matriz a produzir entre o Sector Público e o Sector Privado.
O protagonismo individual, de cada Presidente da Associação ou seus representantes, pode minar o sucesso do conjunto. Neste momento, seria de sugerir que o Sector Privado convidasse a Sociedade Civil, através das suas representações para a união de esforços para dar corpo ao desafio lançado por Filipe Nyusi. De contrário, aquilo que parecia a abertura para o verdadeiro espaço de economia de Mercado, não se fará sentir.
Adelino Buque