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quarta-feira, 07 dezembro 2022 08:39

Carta ao camarada Pai Natal

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Pai Natal!!!


Muitos da minha geração nunca acreditaram na sua existência. E os que acreditavam, provavelmente já não acreditam. Com o andar do tempo os sonhos de menino deram lugar a uma realidade de homens que trocaram a ilusão das cartas que que te escreviam por outros pedidos que talvez não podes realizar. Muitos dos que acreditam em ti, como eu por exemplo, hoje gostaríamos de te pedir um “bom emprego”, casa própria, família saudável e alguma estabilidade. Outros, porém, ainda sonham com uma consola da play station, um carro topo de gama, um relógio de luxo para poder viver o american dream.

 

Ainda assim, a meio de muita incerteza e alguma frustração, escrevo com a mesma paixão, com a mesma esperança que onde quer que estejas, receberás a minha humilde carta. Ainda que sem mandato do povo da pátria amada, vou chamá-la de nossa carta, pois acredito que nela carrego pedidos e desejos inconfessos de milhões de moçambicanos e moçambicanas do Rovuma ao Maputo e do Zumbo ao Índico.

 

Poderia por veleidade, começar a minha carta com um pedido de asfalto para algumas das avenidas emblemáticas da cidade capital, mas como deveis saber, Moçambique não é Maputo apenas. Estaria a pecar por egoísmo e vaidade, por conseguinte, a atropelar os valores de inclusão dos quais sou acérrimo defensor. Então, prefiro começar por pedir-lhe que olhe para a nossa EN1 e os seus milhares de quilómetros de buracos que se confundem em alguns momentos com estrada. Acredito vivamente que, com a EN1 em condições, a ligação entre as vastas províncias do país seria uma realidade viva e vivificadora – pessoas, bens e serviços num processo de desenvolvimento, fariam pulsar a nossa ainda frágil economia.

 

Cheguei a acreditar que fosses produto da coca-cola e que premiavas com bons presentes os meninos e meninas bem-comportados (as) e com bom aproveitamento escolar.

 

Devo confessar-lhe que, sempre me esforcei em ser um menino comportado, embora na escola nunca cheguei a ser brilhante. Mas o seu critério de bem-comportado faz-me alguma confusão, porque quem mais recebe os seus presentes são os mais abastados e das chamadas classes media alta e rica. Se Natal simboliza paz, amor, esperança, e união entre os homens, não entendo o porquê de uns estarem na constante opulência e outros a passarem literalmente ao lado da vida – mas essa não é sua culpa.

 

Poderia, sem rodeios, pedir-lhe refrigerantes, rebuçados e um prato de comida para os menos favorecidos e para os milhões de crianças pobres do meu país. Mas, de novo não acho que isso resolveria o problema estrutural que temos em relação as desigualdades, e tampouco, faria do dia-a-dia delas um dia memorável, pois os desafios diários destas crianças são enormes – muitas vezes sem uma refeição digna e sem ganho calórico que as possa permitir estudar e sonhar com o país em que elas sejam um activo do projecto humano e não meros actores e números para angariação de fundos. melhor. Não acho que seria razoável, disfarçar os problemas reais do país em geral e delas em particular com um prato de comida uma, duas ou três vezes ao ano.

 

Sempre por estas alturas do ano, nos vestimos de branco, vermelho, verde e outras cores natalícias e nos imbuímos da cultura ocidental (para não dizer acidental), e celebramos o amor, fazemos votos de prosperidade, escondemos debaixo do tapete a nossa dura realidade e, torramos os parcos recursos com presentes, viagens e mesas fartas – ano após ano a cena se repete, e o tempo vai passando. Os sonhos vão dando lugar a frustração e somos lentamente consumidos por aquilo que queríamos ter feito, mas não fizemos.  E porque a vida encarrega-se de deixar marcas em nós, aos poucos vamos nos tornamos de alguma forma mais egoístas, mais vazios, e fazemos solidariedade de ocasião para mostrar nas redes sociais – o amor e compaixão esta na reserva e a conta-gotas.

 

Pai Natal!!!

 

Imagino que que ainda gozas de bom nome, pelo menos entre as crianças, uma vez que frustraste alguns adolescentes e jovens. Sei também que és influente nos corredores dos chamados senhores donos do mundo; que tomas cafés e sumos com os senhores de Bretton Woods. Ao leres esta carta, prometa com carinho e faça advocacia para que Moçambique possa ter não apenas um Natal, mas muitos Natais felizes sem mão estendida para os senhores donos do mundo. Se há quem deve estender a mão, de certeza não somos mais nós.

 

O meu (nosso) país tem uma oportunidade ímpar de fazer coisas únicas e garantir sustentabilidade e prosperidade para as gerações vindouras. E este é o meu (nosso) sonho – ver o meu país no concerto das nações como uma referência em matéria de desenvolvimento humano, diversificação da economia e redução da pobreza. A oportunidade que cogito nesta carta que já se faz longa, não é o gás do Rovuma, a grafite de Balama, os diamantes de Massangena, o ouro de Manica, os rubis de Namanhumbir, areias pesadas de Moma e Chibuto, nem qualquer outra ocorrência de recursos que bafejam a nossa Pérola do índico. A oportunidade que vislumbro chama-se VONTADE POLÍTICA.

 

Nesta carta, apelidei-lhe sarcasticamente de Camarada Pai Natal, porque as minhas fontes confidenciaram-me que participaste do último congresso do meu partido e que anotaste atentamente tudo o quanto foi discutido em matéria de governação e planos de desenvolvimento para os próximos anos.

 

Não nos dê de presente carros de luxo e de alta cilindrada, pois como disse no início da carta, nós nem estradas para esses carros temos; Aceitar esses carros seria pecar de novo e fazer uma apologia ao despesismo de um estado empobrecido com contas apertadas.

 

Peço Pai Natal, que nos seus corredores, leves à mesa, a agenda de segurança alimentar e revolução verde, advogue por mais acesso a água potável, e saneamento seguro para todas as pessoas e em toda a parte. Leve o nosso peditório de melhor educação e mais acesso à saúde para o nosso povo, e não se esqueça de lembrar-lhes que a condição básica para tudo que isto aconteça é, segurança e estabilidade política. Mas falar de nutrição, saúde, educação e segurança sem que tenhamos discernimento e ponderação, será um saco cheio de nada, então peço que neste Natal leves a mensagem de mais comprometimento por parte de quem governa, mais amor e mais consideração pelo povo que apesar de cansado ainda nutre alguma esperança.

 

Desculpa por não ter observado o protocolo habitual Pai Natal. Deveria ter iniciado com o meu nome, idade e relatório de aproveitamento escolar. Na verdade, optei pelo anonimato porque meu objectivo primário é fazer com que a carta chegue até si e que te dês tempo de pelo menos a lê-la.

 

Este ano escrevi e enviei mais cedo pois, sei que sua agenda está mais ocupada do que nunca com o fim da pandemia. Sei que o inverno este ano será mais severo devido por conta das alterações climáticas e das restrições energéticas que o velho continente enfrenta.

 

Camarada Pai Natal – não se preocupe com embrulho e papel de presente para os nossos pedidos, porque há coisas que não precisam de embrulho. À semelhança de outros natais, não colocaremos meias nas janelas porque muitas das nossas crianças nem casa tem, por conseguinte não tem portas nem janelas.

 

Se ponderares visitar o nosso Moçambique, não venhas de trenó Pai Natal. Aqui na Pérola do Índico não temos neve nem renas. Nós nos fazemos transportar nos nossos dubais, a pé, e nos famosos my love – quando chegares te explico melhor.

 

Aqui em Moçambique o Natal rima com verão e, vezes sem conta, com fome (que teima em não acabar). As vezes temos a energia de Cahora Bassa que dizem ser nossa e, esperamos ansiosamente pelo gás do Rovuma que nos deixa alguns resquícios de esperança.

 

Por: Hélio Guiliche

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