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segunda-feira, 20 janeiro 2025 09:05

Venâncio, Jean Ping e o Processo: A Farsa da Democracia em 5 Atos

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A história não apenas se repete, mas se reinventa em novos disfarces, refletindo os erros não corrigidos e as lições ignoradas das gerações passadas. Cada repetição traz consigo um eco de tragédia e farsa, desafiando-nos a transformar ciclos em progresso.

 

(Marx, 1852, in "O 18 de Brumário de Luís Bonaparte")

 

Como um homem das ilhas, acostumado à puita política, em nada fiquei espantado com a situação política moçambicana. A campanha de Venâncio Mondlane foi puramente ideológica e, como tantas antes, cometeu o erro clássico: ignorar que o outro lado pode ser simplesmente perverso.

 

Esperamos que o mágico retirasse da cartola algo além da moral, da consciência e da verdade – ferramentas que não cospem fogo nem tiram vidas. Mas, a cartola estava vazia e o passaporte, retido. Ainda é cedo para declarar VM7 derrotado, mas, como num episódio kafkiano, ele está diante de um processo que o aprisiona em instituições megalômanas. Embora tenha razão, boas intenções e uma retórica popular interessante, as armas não estavam do seu lado. Assim como Jean Ping no Gabão – que tinha o povo com ele, mas enfrentou a força de Bongo –, Venâncio enfrenta o mesmo dilema.

 

A realidade amarga é que revoltas populares frequentemente partem de um pressuposto falso: que a comunidade internacional se preocupa com a verdade e não com seus interesses. Moçambique não é exceção. A Realpolitik rege as ações internacionais: os parceiros respiram petróleo, comem minérios e colocam seus interesses acima de qualquer narrativa de democracia ou justiça. Tantos anos de FRELIMO consolidaram acordos e alianças que nenhum idealista pode desmantelar com moralismos.

 

Os idealistas moçambicanos esperavam uma reação de Portugal como os idealistas gaboneses esperavam da França. Mas, como sabemos, o "maná" não cai do céu, e o "white saviour" nunca vem.

 

Venâncio Mondlane teve o timing certo, apareceu nas capas de jornais, conectou-se com o povo. Mas, como Thomas Sankara ou Umaru Dikko, ele enfrentou traições e adaptações darwinianas do poder. Os antigos aliados mudaram de lado no momento em que perceberam que o barco poderia naufragar. 

 

Jean Ping deveria ser uma leitura obrigatória para Venâncio Mondlane. Ambos enfrentaram situações semelhantes e, caso nada seja feito agora, os resultados poderão ser igualmente trágicos. Ambos passaram pelo mesmo inferno dantesco: eleições marcadas por suspeitas de fraude, tribunais constitucionais comprometidos, manifestações populares com forte apoio do povo, respostas violentas do poder e, no fim, o ciclo de repressão se fechando. Jean Ping acabou na prisão, protestantes foram mortos, e o país mergulhou numa crise migratória, com muitos fugindo para salvar suas vidas.

 

Esse paralelismo não é apenas uma coincidência histórica, mas um alerta. Se Venâncio Mondlane deseja quebrar o ciclo, será necessário algo radical – uma ruptura que desafie a repetição da tragédia em farsa. Assim como Marx afirmou, a história tende a se repetir quando não enfrentamos as estruturas que perpetuam os mesmos erros.

 

Admiro Venâncio pela coragem, mas a campanha falhou ao ignorar a violência como ferramenta política. Como Frantz Fanon nos lembra em Les Damnés de la Terre:

 

"A violência dos colonizados, que é a prática organizada de sua liberdade, ilumina e desmistifica a violência dos colonizadores. Ela é uma resposta legítima e inevitável à brutalidade estrutural do sistema colonial."

 

Traduzam "colonizado" e "colonizador" para a novilíngua orwelliana e entenderão a necessidade de uma radicalização enquanto forma de resistência.

 

O povo moçambicano ainda acredita na razão e na moralidade. Contudo, ao ver as estratégias diluírem-se, talvez chegue a hora de adotar o "por qualquer meio necessário" de Malcolm X. Quando o silêncio da opressão domina, é a radicalidade que rompe as amarras.

 

*Ivanick Lopandza é um jovem intelectual, poeta e activista social santomense, com ADN paternal congolês, membro fundador do colectivo Ilha dos Poetas Vivos em São Tomé no ano de 2022, com seus companheiros santomenses Marty Pereira, Remy Diogo e moçambicano MiltoNeladas (Milton Machel). Autor de livros de poesia, Ivanick é também bloguista, publicando seus textos em https://ivanicklopandza.blogspot.com/?m=1

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