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terça-feira, 14 junho 2022 11:06

Mawayela!

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Aproximadamente 12:30 da última sexta-feira de Maio, temperatura amena, céu um pouco nublado, mas não ameaçando chuva. Ali estávamos nós, depois de pouco mais de duas horas e meia de condução da sede distrital de Panda, cerca de 90 quilômetros. A estrada não pode ser dita muito má. É uma terra batida, mas razoável. Não é preciso accionar a pujança do ‘4X4’ toda ao longo da estrada. Pode-se andar sem tracção. Estrada, sim, aquilo é mais estrada do que picada. Há presença clara de sinais de carros percorrendo a via. Nuns sítios arenosa, noutros pedregosa, e noutros ainda argilosa. Como tivesse chovido semana e tal atrás, havia sítios com algum matope ou águas concentradas, mas anda-se bem… conseguíamos até andar a 90 km/h. Ainda que, dia seguinte, viéssemos a descobrir que a parte baixa da viatura estava cheia de matope quando esta (a viatura) se pusesse a estremecer sempre que atingíssemos os 60 km/h. Tivemos que procurar um mecânico manjacaziano, que, passeando a sua classe, só mandou limpar o matope na parte interior das rodas e a nossa ‘fobana’ voltou a si mesma… Moçambique tem quadros em todo o canto!

 

 

“Já chegamos!” - anunciou-nos a Hortência, colega de viagem, grande conhecedora do país, palmo a palmo, de carro, quando se vislumbrava casa aqui, ali e ali, cenário próprio de entrada em um povoado. No caso, era a sede de um posto administrativo. E o letreiro estampado no edifício algo imponente na berma direita o confirmaria: “Secretaria do Posto Administrativo de Mawayela”… Mawayela! Era ali Mawayela! O famoso Mawayela da minha infância e adolescência... tantas foram as vezes que ouvi dos meus infantes ouvidos homens de idade adulta, a conversarem com o meu pai, a contarem a meu pai que tinham tido a odisseia de ir a Mawayela cortar estacas. Eram conversas de adultos… mas que nós as crianças ouvíamos!…

 

Foi como que chegar a… Lourenço Marquês, vindo de Gaza, nos idos tempos de 60/70! Perdoem-me os não-gazenses e os gazenses não dessas épocas, porque dificilmente vão sentir ou reviver esses tempos. Não há muitos gazenses dos anos 60, 70 e 80, que não tenham ouvido falar de Mawayela. Mawayela era famosa em Gaza e não só; apesar de pertencer ao distrito de Panda, na província de Inhambane. Por muito tempo, pensei que fosse Gaza! Entre outras razões, está que Mawayela era a estação terminal da linha férrea que partia de Xai-Xai, passava por Mandlakazi, na província de Gaza. Portanto, era onde terminava o comboio que partia da capital de Gaza repleto de mineiros e suas mercadorias vindos da África do Sul. Vinham de autocarros da terra do Rand e, em Xai-Xai, apanhavam comboio para lá! Alguém imagina qual era o ambiente?… azáfama total! E vice-versa: terminado o ‘leave’ em casa, os mineiros apanhavam ali o comboio de regresso ao Djoni!

 

A segunda razão, é que Mawayela tem matas recheadas de madeira especial, o pau-ferro. Incabável, como diria o saudosissimo Tchakwa - que Deus o tenha! Toda a gente da província de Gaza e não só sempre para lá ia cortar estacas para erguer as suas palhotas. Há lá ma região que se chama Simbirini (onde há simbiri). Simbiri vem de simbi, que quer dizer ferro na língua Xangana. Pessoas de toda a província sempre se mobilizavam para ir cortar madeira/estacas em Mawayela. Alugavam tractores ou camionetas e para lá rumavam. Se a memória não me falha, meu próprio progenitor, nalgum dos anos 70, ou finais dos anos 60, terá rumado a Mawayela cortar simbiri!

 

De facto, como íamos - eu e meus colegas - até Macavelane, na fronteira entre Inhambane e Gaza através do rio Changane (Nlhanganine do lado gazense),  um percurso de cerca de 60 km, testemunhamos isso. Pelas bermas da estrada, jazem aqui e acolá muitos troncos cortados, entre estacas e outros para madeira de mobiliário diverso. Significa que ainda vão pessoas cortar madeira… mas não sei se ainda com a pompa de outrora.

 

De tal sorte que cresci a ouvir coisas de e sobre Mawayela. O que desenvolveu em mim uma grande curiosidade, um enigma total e ansiedade de conhecer tal place… Mawayela! Via no meu imaginário um Mawayela muito movimentado, com muita dinâmica, confusão total… mineiros reencontrando-se com as famílias de regresso do Djoni, ou vice-versa, despedindo-se das esposas, de voltas às minas; descarregando ou carregando as suas bagagens… e carreguei comigo este enigma ao longo de toda a minha vida! Saber o que é que se faz e qual é a vida naquele ponto. Foi uma sensação incrível que me abalou ao pôr o pé pela primeira vez na vida em Mawayela. Certamente não vai ser a última. “Também já conheço Mawayela”, disse de mim para mim! Um alívio total, paz espiritual.

 

Ainda que não tenha conhecido o Mawayela de então (que arrisco a dizer que era muito movimentado), posso atrever-me, hoje, a afirmar que este Mawayela deixou de ter vida. Está pálido. Deixou de receber ou ver partir o comboio, com toda a espectacularidade envolvida! Deixou de receber os madjoni-djonis com toda a azáfama, a confusão associada; e, inversamente, deixou de ver partir para Djoni os mineiros. Era prática pessoas saírem de casa só para irem assistir ao movimento associado ao comboio…

 

E, hoje por hoje, ninguém mais fala alto em ir cortar estacas em Mawayela! Pelo menos no meu Chibuto!…

 

Que pena!

 

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