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Se os factos constantes na “exposé” sobre o Tribunal Administrativo, que já circula nas redes sociais, forem confirmados, estamos perante o descalabro de uma instituição que era tida como credível. A denúncia, anónima, mas bem documentada, expõe um cenário de práticas de corrupção, peculato, nepotismo compadrio dentro do TA. Não é uma denúncia de má-fé. Ela está bem documentada é isso dá-lhe credibilidade.

 

O TA é o Auditor Externo do Governo, um pilar de relevo no sistema de integridade nacional. É um pilar central do ciclo orçamental do Governo, cabendo-lhe velar pela qualidade da despesa pública, essencial para a prossecução de um Estado Democrático.

 

Esta instituição, pela sua natureza, devia ser gerida com altos padrões de transparência e probidade. Mas a denúncia revela uma instituição capturada por interesses e até politicamente controlada, designadamente quando menciona que há instruções para não se fazer auditorias às nossas embaixadas por causa do risco de se expor a má gestão financeira das nossas missões no estrangeiro (lembrem-se que há dois antigos embaixadores, altos quadros da Frelimo, condenados por corrupção em primeira instância).

 

A denúncia é bem-vinda. Ela mostra uma podridão escondida, um padrão de improbidade que se replica nas nossas instituições. Até que enfim apareceu um whistleblower colocando a boca no trombone. Fez bem!

 

O recurso ao anonimato também é correcto, para sua protecção. O risco de vingança e retaliação contra ele seria maior. Às vezes, é o próprio Estado que retalia, quando está em causa a sua imagem (ver caso Julian Assange).

 

Esta denúncia põe a nu a credibilidade do nosso Estado. Aquando do início da transição democrática em Moçambique, o TA recebeu muito apoio técnico e financeiro dos doadores, destacando-se a Embaixada da Suécia. Ao longo dos anos, o TA cresceu em capacidade e integridade, sob a liderança do Dr. António Pale. Depois veio o que veio. É um cenário lastimoso. Se o TA perde credibilidade o que dizer do seu trabalho. E há quem diga que a denúncia em causa é apenas a ponta do iceberg.

 

Os detalhes constantes no documento são suficientes para se dar início a um inquérito judicial. Só espero que não tapem o sol com peneira. Os moçambicanos precisam de um TA forte e íntegro.

 

Nossos deputados na AR têm aqui um trabalho de verdade. Uma verdadeira Comissão de Inquérito precisa-se. Não aquela passeata turística a Macuse. (Marcelo Mosse)

Adelino Buqueeeee min

“Existe um ditado chope que diz “se você ajudar alguém que não conhece, deve cortar-lhe parte do seu corpo, preferencialmente a orelha” para que amanhã se recorde de quem o ajudou. Moçambique pagou um preço muito alto para o fim do Apartheid, valores incalculáveis com a aplicação de sanções e o albergue dos militantes do ANC. Temos na Cidade da Matola um Memorial sobre o sucedido a 30 de Janeiro e como nos agradecem!? Vandalizando e saqueando bens dos nossos concidadãos. Esta é a forma de expressão de ingratidão jamais vista para com um povo que lhes foi generoso. Ai se Samora Machel vivesse para ver isto!”

 

AB

 

Nós, moçambicanos, sentimos na pele que as relações entre os dois países não estão bem, quer a nível dos povos, quer a nível oficial, entre os dois estados. Sentimos que há tendência de se subalternizar o Estado Moçambicano pela África do Sul e, na minha opinião, devemos dizer basta ao Governo da África do Sul! As relações devem beneficiar as duas partes, as relações que beneficiam somente uma das partes não são relações justas.

 

Nos recentes ataques dos bandidos sul-africanos, parece-me que o Governo daquele país sai em defesa dos seus bandidos. Pode não ser essa a realidade, mas, perante o silêncio ensurdecedor que aquelas autoridades manifestam, a conclusão não pode ser outra. Por outro lado, os moçambicanos que sofreram sevícias naquele território contam histórias de indiferença policial, mesmo que devidamente informada pelas vítimas, isto é, na minha opinião, inaceitável. Basta!

 

Mas também é preciso reconhecer a “inércia” das nossas autoridades do sector da Diplomacia e quer me parecer que a vinda a público da Ministra dos Negócios Estrangeiros e Cooperação foi forçada pela imprensa nacional. A forma como comunicou e o semblante apresentado na Conferência de Imprensa não são de alguém preocupado com o terror que os seus compatriotas acabavam de viver. Tudo isto acaba não abonando a favor daquela instituição que nos deve defender no exterior. Moçambique já tinha ultrapassado essa fase de Diplomacia demasiado “silenciosa”, mas também não estou a dizer que deve ser “ruidosa”, deve ser prática e pragmática na sua acção a nosso favor.

 

Por exemplo, ontem, 30 de Janeiro, recordamos o ataque às residências e à Fabrica SOMOPAL na Matola, residências que albergavam membros do ANC residentes em Moçambique. Entretanto, no lugar de confraternizar, estávamos lamentando o sucedido com os nossos compatriotas. No lugar de falarmos de fraternidade, estávamos a falar de um escândalo de vandalismo contra as pessoas e sua propriedade privada. É preciso recordar o ANC e os sul-africanos no geral o papel e o preço que Moçambique pagou para a sua liberdade. Neste momento, o grosso dos dirigentes da África do Sul no activo conhece bem a história da sua liberdade e o preço que pagamos, ingratidão!

 

Não à retaliação por Moçambique!

 

Apesar de reconhecermos e doer a ingratidão dos sul-africanos, nós não podemos pensar em retaliação contra a África do Sul e cidadãos daquele País que demandam o nosso País, quer em negócios quer em Turismo. A nossa forma de ser e de estar nos impele a sermos mais responsáveis e cautelosos, mas nós não somos ricos. É urgente que se fale de ressarcimento dos moçambicanos pelos bens perdidos por vandalismo dos cidadãos daquele País. A África do Sul deve indemnizar os moçambicanos, devidamente identificados no vandalismo daquele País.

 

Existe a “narrativa” de que em Moçambique existem viaturas roubadas e que se encontram na província de Maputo. Se isso for verdade, eu penso que o Governo não é espaço de albergue de bandidos. Essas viaturas, uma vez identificadas, devem ser repatriadas para o País vizinho e entregues às autoridades competentes. Não pode um país inteiro pagar por culpa de meia dúzia de indivíduos, não é aceitável e tão pouco dignificante isso.

 

Nas redes sociais, alguns moçambicanos residentes e a trabalhar na África do Sul mostram-se revoltados com o seu próprio País porque acham que estão a pagar o preço de falta de acção das nossas autoridades. A Xenofobia é parte dessa forma de pagamento e nunca se sentou e se tomou uma decisão séria a respeito. Moçambique deve fazer-se respeitar, somos um país com mais de trinta milhões de habitantes, independente e soberano, afinal o que nos falta!

 

Reitero o meu apelo ao Governo de Moçambique para que saia em defesa dos seus concidadãos, não faz muito sentido isto que vivenciamos nos últimos dias, em que moçambicanos são vítimas de vandalismo na vizinha África do Sul com aparente indiferença das autoridades competentes. Moçambique precisa da África do Sul, mas a África do Sul também precisa de Moçambique, não são poucos investimentos daquele País em Moçambique, a era de venda exclusiva de mão-de-obra barata de Moçambique para África do Sul já era, acabou, vamos nos tratar de igual para igual ou somos diferentes!

 

Adelino Buque

Os deputados da Frelimo não brincam em serviço. Quando o Presidente anunciou que não haveria Décimo Terceiro Vencimento, na sua comunicação do Estado Geral da Nação em Dezembro na Assembleia da República, eles aplaudiram em uníssono. 

 

Nyusi apontou o Teatro Operacional Norte (TON) como o grande sugadouro dos fundos do Estado, razão principal da indisponibilidade do bônus salarial da função pública. Ele não mentiu! Tem havido um grande esforço orçamental de guerra. Nossas tropas estão melhor equipadas do que há dois anos atrás. 

 

Recentemente foram adquiridos blindados e carros de guerra Mahindra.

Quem fornece esse equipamento é  José Parayanken, o dono da Mozambique Holdings, que representa a Mahindra (agora já está a fornecer tractores para o Sustenta).  Parayanken também fornece fardamento, através da UNIPOL. 

 

O esforço de guerra tem outras nuances perversas. Recentemente, o Governo adquiriu dois aviões de transporte remodelados, comprados ao Grupo Paramount. Um Let-410 e um CN235M foram  entregues às Forças Armadas Moçambicanas (FADM), para o transporte de carga e tropas.

 

 Atenção: são aviões recondicionados. A opção para a compra de aviões recondicionados não foi explicada. De resto, as decisões de procurament no sector militar são ainda opacas. Teoricamente, há quem ganhe rios de dinheiro por traz dessa opacidade, a este nível,  o que se enquadraria na categoria de grande corrupção pois envolve altas somas de monetárias e o nível superior da decisão política.

 

No caso do TON, há um nível intermediário de corrupção, centrado na Logística Militar. Milhões de Meticais estão a ser roubados ao longo das cadeias de fornecimento. Exemplo: Um pão que custa 6 Mts no mercado é colocado  nas bases militares a 15 Mts. Uma carcaça de vaca chega a custar 6 vezes o preço real. Os militares nao recebem ração de combate. Vivem de produtos frescos. Relatos que colhemos de fontes da inteligência militar indicam que o nível de roubo é tremendo, com muita chefia envolvida. 

 

Ou seja, a guerra em Cabo Delgado está a drenar receitas do Estado para bolsos privados. No seio do Exército, há quem suspeita que a guerra vai levar mais anos pois ela beneficia elementos da classe política. (MM)

quinta-feira, 26 janeiro 2023 07:38

África do Sul: Parem com o vandalismo!

Adelino Buque min

“As recentes reportagens passadas nos órgãos de comunicação social, mas antes nas redes sociais, em que um autocarro é queimado sem dó nem piedade, o relato de moçambicanos que sofreram sevícias naquele território, alegadamente, porque machanganas roubaram quatro D4Ds”, a indiferença da polícia sul-africana e, pior, a indiferença da nossa Diplomacia, que equivale dizer do nosso Governo, Governo de Moçambique, preocupa a muitos cidadãos atentos ao desenvolvimento, por isso a Sociedade Civil e o Sector Privado devem manifestar indignação com os acontecimentos, num acto que pode configurar que a África do Sul se declara inimiga de Moçambique!”.



AB



Os actos de vandalismo, perpetrados por cidadãos sul-africanos contra os moçambicanos e suas propriedades e a indiferença com que age o Governo da África do Sul demonstram claramente que o País vizinho não é amigo de Moçambique e tão pouco nos quer como parceiros naquele país vizinho. Mas, mais do que isso, o silêncio dos nossos serviços Diplomáticos pode traduzir a falta de vontade na protecção dos seus cidadãos no estrangeiro e isto preocupa a qualquer um, independentemente do seu interesse na visita à África do Sul.



Circula, nas plataformas digitais (Whatsap), vídeos e áudios relatando os acontecimentos e um dos áudios que ouvi é de um cidadão que repete de forma frequente: “irmãos! Isto é sério”. Diz ele no áudio que foram parados somente carros moçambicanos e nele deitaram gasolina, queriam queimá-lo. Mas conseguiram reunir 10.000 Rands e foi então que lhes deixaram passar. Num outro vídeo, uma senhora fala sobre a vingança dos sul-africanos nos seguintes termos: “dizem que machanganas roubaram quatro D4Ds e os proprietários foram mortos”, por isso estão a vingar-se.



Nos dois relatos existe algo em comum, é que as autoridades sul-africanas, mais concretamente a Polícia, depois de informada não “move palha” e, aos olhos do comum cidadão, isto parece algo coordenado entre os bandidos e o Governo da África do Sul. Mas preocupa-me mais o silêncio das autoridades moçambicanas perante este ataque a pessoa e seus bens num País estrangeiro. Ontem, na TVM, apareceu um senhor que se diz Director dos Serviços Rodoviários a falar do assunto e quase arrisco-me a dizer que “falou e não disse absolutamente nada que interesse” o público afectado.



Pessoalmente, advogo que nós moçambicanos deveríamos deixar por mínimo de uma semana a ida à África do Sul via terrestre. É verdade que muitos vão para lá por razões comerciais e dizer isto é o mesmo que “cortar-lhes as pernas”. Na minha opinião, irá doer, mas é a única forma de podermos demonstrar o nosso descontentamento e, certamente, a economia sul-africana iria ressentir-se e o Governo seria pressionado a agir contra os bandidos. A África do Sul precisa de um sinal, um sinal que demonstre que temos interesses naquele país, mas eles também saem a ganhar com a nossa entrada e saída naquele território.



Moçambique deve parar com a sua Diplomacia “silenciosa”, o caso é sério como dizia o cidadão que foi “regado” com gasolina e foi salvo por 10.000 Rands. Não podemos viver assim. A par da pressão social a ser feita, deve haver uma atitude do nosso Governo contra esta onda de criminalidade perpetrada por cidadãos sul-africanos porque, se deixam as coisas ganharem grandes proporções, passará a ser o “modus vivendi” daqueles cidadãos que concluirão que podem ganhar a vida interpelando e extorquindo, na via pública, cidadãos moçambicanos sem que as autoridades locais façam qualquer coisa.



Mas, mais do que o Governo, o Sector Privado deve posicionar-se com relação a este assunto periclitante. São empresários moçambicanos que perdem seus bens no exercício das suas actividades e se tornarão paupérrimos, pedintes e devedores de um tesouro cego e mudo, de uma Banca comercial insensível e ávida de lucro fácil sem olhar para o estado da “vaca que lhe dá leite”. Isto é preocupante, por isso advogo que todos nós não somos suficientes para manifestarmos a nossa indignidade, parem com isso!



Adelino Buque

Tsandzane min

De forma simplista, podemos considerar que a Síndrome de Estocolmo é um mecanismo de reacção a uma situação cativa ou abusiva a que determinadas pessoas são submetidas. E estas, por consequência, desenvolvem sentimentos positivos em relação aos violadores, ao longo do tempo. Esta condição se aplica às situações que incluem o abuso de crianças, abuso de relações conjugais ou, ainda, o tráfico sexual.

 

Tecnicamente, no mundo da Medicina e Psicologia, a Síndrome de Estocolmo é entendida enquanto uma resposta psicológica, que ocorre quando sequestrados, reféns ou vítimas de abuso se ligam psicologicamente aos seus raptores. Em outras palavras, tal situação ganha força quando, após contínuas sequências de sofrimento, a vítima incarna, na sua mente, aquela sensação como normal e passa a conviver, de forma natural, com o opressor; ou é atingida por um esquecimento temporário que lhe faz ver o seu ‘canalha’ como um indivíduo que apenas pratica o bem.

 

A designação da Síndrome deriva de um assalto a um Banco em Estocolmo, capital da Suécia. Em Agosto de 1973, quatro funcionários do Sveriges Kreditbank foram mantidos como reféns no cofre do Banco durante seis dias. No decorrer deste período, desenvolveu-se uma ligação aparentemente incongruente entre os sequestrados e sequestradores. Um refém, durante uma chamada telefónica com o então Primeiro-Ministro Sueco, Olof Palme, declarou que confiava plenamente nos seus raptores, mas temia morrer num ataque da polícia ao edifício. Ou seja, conforme o procedimento deste refém, entende-se que o instinto de sobrevivência está no cerne da Síndrome de Estocolmo, visto que as vítimas vivem em dependência forçada e interpretam actos raros ou pequenos actos de bondade em meio às condições horríveis como um bom tratamento.

 

Se quisermos aplicar o introito acima para o caso de Moçambique, precisamos retomar ao debate efervescente que tem sido caracterizado por um distribuir gratuito de simpatias que o então Presidente da República, Armando Guebuza, tem estado a conquistar em cada aparição pública. Aliás, engana-se quem tenha concluído que tal teve o início apenas na celebração dos seus 80 anos de idade. Com alguma atenção, se o número de apoiantes representa um critério de medição de popularidade, basta uma visita rápida à sua página no Facebook para constatar a forma como se tem criado uma narrativa positiva relativa ao antigo governante.

 

Ora, trouxemos a proposta de Síndrome de Estocolmo Política para espelhar o que, no nosso ponto de vista, é a máxima dominante de toda esta situação. Sucede que, de um provável mal-amado no fim do seu mandato (*2015), o Presidente Guebuza parece ter espantado, com mestria, os seus ‘fantasmas’, visando ser o actual ‘bem-amado’ de vários moçambicanos. Para nós, isto revela que estamos diante da presença de uma Síndrome de Estocolmo Política, se considerarmos que o mesmo Presidente é co-responsável directo pelo que o País conhece, desde que este saiu da Presidência.

 

Mesmo que o País não tenha a cultura ou capacidade de realização de pesquisas de opinião de fim-de-mandato, assumimos a ousadia afirmando que o Presidente Guebuza não é, certamente, quem tenha tido bons níveis de aprovação popular quando deixara o poder. O nosso entendimento baseia-se no facto segundo o qual o contínuo martírio social na actual governação, caracterizado por uma aguda mendicidade colectiva na qual os moçambicanos estão expostos, faz com que estes prefiram o que em linguagem popular se considera “menos pior”. Ou seja, o pior a ser equiparado ao péssimo. Dito de outra forma, ambos, antigo e actual Presidente, são os ‘arquitectos’ máximos do desencanto que Moçambique tem vivido nos últimos 18 anos (desde o primeiro mandato de Guebuza até aos dias actuais).

 

Ademais, sem querer menosprezar as suas obras e valiosas acções no passado, para nós, o actual (des)caminho de Moçambique tem uma dose directa proveniente da governação deste Presidente, que tem sido colocado, ultimamente, como o ‘El-Salvador’ da Pátria. Por isso, tentar esquecer, mesmo que de forma incauta, os ‘pecados’ (passados, mas bem presentes na vida dos moçambicanos) do Presidente Guebuza faz parte de um teatro de massas abocanhadas pelas aparentes desavenças dos membros de elite do partido Frelimo. No nosso entender, estamos diante de um cenário que parte de uma elaboração dos media, algo explicado no que, em tempos, Adorno & Horkheim (1984) chamaram de “Indústria Cultural”, ou o que autores como McCombs & Shaw (1972) anteriormente designaram de “Definição de Agenda”.

 

Por conseguinte, não podemos refutar a desgovernação que temos perante o actual Executivo, espelhada pela falta de um horizonte para onde Moçambique segue ou deveria seguir. Contudo, tal não nos pode criar um estado amnésico igual ao que tem imperado neste País desde 1994, ano das eleições fundadoras, todas elas dominadas pelo mesmo partido político. Em outras palavras, o nosso problema não é tentar ‘salvar’ um Presidente que tanto mal causou aos moçambicanos ou insistir que o actual Presidente enverede por um fictício terceiro mandato. É, pelo contrário, uma Refundação dos alicerces que estruturam a nossa forma de governação. Ou seja, precisamos de um tratamento para cuidar da nossa Síndrome. Enquanto tal não suceder, o entretenimento político do que temos visto com a aparente ‘crise das comadres’ continuará a desviar-nos a atenção face ao real (des)caminho governativo que vivemos como País.

 

Num outro cenário, algumas vozes tendem a considerar a actual situação que se vive em Moçambique no que podemos designar “crise intra-partidária”. Podendo-se aceitar tal hipótese, teríamos dificuldades em enquadrar uma realidade que coloca actores do mesmo partido a falarem de forma dessincronizada. Mesmo que se admita a influência do ambiente eleitoral já iniciado, pensamos que não estamos perante uma crise do tipo partidário clássico, mas, provavelmente, um entretenimento discursivo e mediático, tal como se assiste entre os confrades partidários Cyril Ramaphosa e Jacob Zuma, na vizinha África do Sul.

quarta-feira, 25 janeiro 2023 07:26

A LUTA CONTINUA!

O punho cerrado de Hugh Masekela enquanto cantava “Bring Him Back Home” (Nelson Mandela), num memorável espectáculo, em Harare, no Zimbabwe, a 14 de Fevereiro de 1987 – eu estava à beira dos 20 anos! –, povoa, de forma vívida, a minha memória, necessariamente nostálgica daquele tempo. O som pungente do seu trompete ainda esplende dento de mim e acorda nas minhas entranhas os deuses africanos. Passaram-se quase quatro décadas e eu me lembro daquele momento exuberantemente singular. As imagens aparecem esbatidas numa vetusta TVE, predecessora da TVM: Paul Simon apresentava “Graceland” e estava acompanhado de magos sul-africanos no Rufaro Stadium. Para quem não viveu os duros e exaltantes tempos em que enfrentámos o apartheid tudo isto não tem a mesma carga simbólica e até pode parecer uma frivolidade.

 

Miriam Makeba cantou “Soweto Blues”, a música que Hugh Masekela fizera para ela. Cantaria também “Under African Skies” ou “N´kosi Sikeleli Africa” (com todos). “Soweto Blues” foi a primeira música de Masekela que eu conheci, ainda nos tempos em que vivia na mítica Nacala, nos anos 70, na voz de Makeba. Hugh cantou “Bring Him Back Home” (Nelson Mandela) e “Stimela”, com aquela sua força telúrica. Ele era uma brutal força da natureza. Ray Phiri, outro deus morto, estava na viola solo. Estão os três mortos na planície. Como estão outros. Os deuses da minha adolescência lírica, feita de versos, canções, sonhos e futuros.

 

Hugh Masekela impressionou-me ali para sempre. Estava na companhia dos seguintes músicos sul-africanos: Ladysmith Black Mambazo, comandados pelo carismático Joseph Shabalala, outro deus estirado na planície. Estavam ainda: John Selowane na guitarra, Bakithi Khumalo no baixo, Barney Rachabane no saxofone, entre outros, para além Nomsa Caluza e Sonti Mndebele, que faziam os coros. As duas grandes figuras, para além de Paul Simon, naquele palco e naquela tarde, foram, indubitavelmente, Miriam Makeba e Hugh Masekela.

 

Os dois eram, à época, expoentes da música sul-africana e activistas intrépidos na luta contra o apartheid. O seu apoio ao projecto de Paul Simon, que desagradou a cúpula do ANC, foi importante. Deles e de Ray Phiri e todos outros. Aquilo que fizeram como contributo na luta pela erradicação do regime do apartheid está por reconhecer. No meu entender, foi um contributo decisivo. Romperam barreiras, deram visibilidade a uma luta, foram a extensão da voz de Nelson Mandela, que estava encarcerado.

 

A importância de ambos não se pode aurir no facto de terem estado naquele palco, naquele dia e naquela tarde. Mas ali se pode dizer da poderosa metáfora daquela luta e de todas as vezes e de todos os palcos.

 

Há uma fotografia celebérrima de Peter Magubane, um deus sul-africano, hoje nonagenário, que mostra um punho cerrado. Foi a grande alegoria da luta. Não sei se naquele plano e naquele momento, Hugh Masekeka fazia o paralelo com essa imagem poderosíssima do mítico fotógrafo, outro combatente contra o apartheid, mas a sua voz poderosa, o seu trompete singularíssimo e aquele seu gesto enfático, mesmo depois de estes anos todos, ainda me deixam exultado.

 

Masekela usava ainda o cabelo grande e tinha, como sempre teve, aqueles olhos impressivos e esbugalhados. Tinha, à época, 48 anos, contava quase 30 anos de exílio, combatia intransigentemente nos palcos do mundo. Vê-lo cantar “Stimela”, com aquela força da natureza, com aquela energia, fez dele um dos músicos sul-africanos que eu haveria de cultuar para sempre. Eu nunca vira algo igual. Era extraordinário. Era libertador. Era exultante. Era poderoso. Era vigoroso. Era potente. Era veemente.

 

Aquele espectáculo de Paul Simon foi um marco na minha vida. Aquele disco de Paul Simon foi um acontecimento para mim. Para aqueles que sonhavam com a liberdade dos sul-africanos. Para aquele que pugnavam por uma África do Sul igual para todos. Decerto, aquele momento prenunciava um novo tempo e estava inscrito nele a esperança do porvir. Nós vivíamos na ânsia de ver Nelson Mandela liberto e “Graceland” e a incursão de Simon pela música sul-africana e com os músicos sul-africanos parecia um sinal inequívoco de que algo iria acontecer. Algo estava para acontecer. Isso só viria a suceder nos primórdios da década ulterior.

 

Oiço agora, como sempre, Hugh Masekela cantar: “There is a train comes from Namibia and Malawi/ there is a train that comes from Zambia and Zimbabwe. / There is a train that comes from Angola and Mozambique. / From Lesotho, from Botswana, from Swaziland. / From all the hinterland of Southern and Central Africa. / This train carries young and old, African men/ Who are conscripted to come and work on contract/ in the golden mineral mines of Johannesburg/ And its surrounding metropolis, sixteen hours or more a day / For almost no pay. / Deep, deep, deep down in the belly of the earth”. Deep! Deep! Deep!

 

A letra e a música têm uma força e a interpretação de Hugh Masekela é inesquecível. As várias interpretações, digo.  Há pouco vi uma que ele fez em Lugano. Mas há várias nos vários palcos do mundo. Ele cantou esta música não sei quantas vezes, e sempre com uma energia, um alento, um dinamismo e um arrojo. Cantou-a, por assim dizer, até ao fim. A sua fibra, a sua vivacidade, a sua força moral, intelectual e política.

 

Era a música da sua causa maior: a luta contra a injustiça. Para além de a cantar, era seu hábito fazer um discurso sobre os explorados, sobre os espoliados, sobre os oprimidos, sobre a liberdade, o valor da liberdade, sobre os mártires, sobre os que tinham morrido nas minas ou na luta. O seu trompete vibrava em nós. Continua a vibrar em nós.

 

Vi-o cantar, mais tarde, em diversos lugares. Vi-o em Maputo, vi-o na Cidade do Cabo e em Joanesburgo. A última vez que o vi tocar e cantar foi no Kippies – assim se chama o palco em homenagem a Kippie Moeketsi no festival de jazz da Cidade do Cabo -, com a sala completamente cheia a cantar e a dançar numa explosão de alegria que não sei descrever. Masekela fazia uma extraordinária homenagem a Miriam Makeba, sua companheira de vida e de luta. Mas vi-o sobretudo naquele 14 de Fevereiro na minha vetusta TVE. Continuo a vê-lo nos meus dias. Continuo a ouvi-lo por estes dias aziagos. Continuo a encontrar nele o alento e o estímulo. A esperança. O tónico para estes dias ominosos. O lenitivo de que preciso.

 

Hoje, de 23 de Janeiro, passam 5 anos sobre a sua morte e volto a ouvi-lo. Oiço obsessivamente “Stimela”: a sua força, a telúrica força desta música, da sua música, que releva da fusão de vários ritmos, sobretudo da música dominante das townships da África do Sul, como mbhaqanga, marabi, jit e kwela, numa alquimia com o jazz, voltam à minha memória e vibram.

 

Ontem, por alguma razão que não sei explicar, pus-me a ouvir Brenda Fassie e a ver as imagens de Nelson Mandela e do seu milagre da nação arco-íris. Começara, por algum sortilégio, por rever as imagens lancinantes dos funerais de Samora, que são o ocaso de uma época e que se inscrevem nesta mitologia da libertação dos sul-africanos. Hoje retorno a Harare, a Hugh Masekela, a Miriam Makeba, a Joseph Shabalala e os seus companheiros, a Ray Phiri, a Paul Simon. Oiço, de novo, “Stimela”.

 

No alinhamento daquele memorável espectáculo: “Township Jive”, “The Boy in the Bubble”, “Gumboots”, “Whispering Bells”, “Bring Him Back Home”, “Crazy Love”, “I Know What I Know”, “Jinkel e Maweni”, “Soweto Blues”, “Under African Skies”, “Unomathemba”, “Hello My Baby”, “Homeless”, “Graceland”, “You Can Call Me Al”, “Stimela”, “Diamonds On The Soles of Her shoes”, “N´Kosi Sikeleli Africa” e “King of Kings”. Ali não se celebrava apenas o futuro inequívoco da África do Sul. Ali celebrava-se um tempo, que nos era comum e solidário, um tempo de uma história comum, de uma luta colectiva, de ideários partilhados, de sacrifícios que tínhamos consentido e compartilhado, de um destino igualmente comum e inexpugnável.  

 

Hoje tudo isso está perdido. Quando me volto para estes tempos e oiço estes músicos libertários, quando me empolgo com estes hinos emancipatórios, quando exulto com estas vozes e estes ritmos vibrantes, falo de uma época, falo de um contexto, falo de uma História. Hoje estamos nos antípodas dessa História, desse contexto e dessa época. Hoje é difícil explicar o punho cerrado de Hugh Masekela, o seu poder simbólico e encantatório, a sua força mobilizadora e empolgante. Hoje é difícil explicar que descíamos às praças para que Nelson Mandela fosse livre e que a África do Sul não fosse o lugar da segregação racial. Hoje é difícil explicar que a luta dos sul-africanos era a nossa luta e que hipotecamos muito do nosso futuro quando nos engajamos – eis um termo do vocabulário da época – nessa luta.

 

Oiço “Sitmela”, oiço sobretudo o disco “Hope” (1994), com o seu vigor metafórico indesmentível, oiço Hugh Masekela, a sua voz robusta e a pujança do seu trompete e não temo em assumir-me como um nostálgico de um tempo em que havia grandeza nos propósitos, havia ideários, havia lideranças e um futuro por cumprir. Havia lutas por fazer. É isso, não tenho pejo em dizê-lo, que o punho cerrado e a voz potente de Hugh Masekela, enquanto canta “Bring Him Back Home” (Nelson Mandela), ainda hoje acordam em mim.

 

A LUTA CONTINUA!

 

KaMpfumo, 23 de Janeiro de 2023

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